Por Jandira Feghali, no Jornal do Brasil:
O tema de redação do Enem como "A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira" causou furor em nossa sociedade. Uma minoria, abraçada a suas visões limitadas de mundo, acusou a prova de "petista" e "comunista", de "doutrinária", reduzindo o debate sobre a violência contra mulher e desconsiderando totalmente a realidade das mulheres. Como se vê, não há limite para a ignorância.
Para a biofarmacêutica Maria da Penha, maior símbolo da luta contra a violência doméstica no país e inspiradora da Lei 11.340/2006, o ENEM plantou uma semente: o intenso debate. Num país em que 15 feminicídios ocorrem por dia e onde em cada 5 mulheres, 3 já foram agredidas num relacionamento, é mais do que oportuno colocar os 8 milhões de estudantes para refletir os motivos da prevalência desta violência. A reflexão pode fazê-los repensar comportamentos e mudar a mentalidade que exclui, maltrata e mata.
Há 10 anos esta discussão era ainda muito limitada aos movimentos feministas, sem que sua reflexão fosse realizada por milhares de futuros profissionais. Uma geração inteira debatendo uma realidade de nosso país, que ainda registra inúmeros casos de agressão doméstica. O Disque 180 da Secretaria da mulher, igualdade racial direitos humanos, voltado a receber denúncias deste tipo de violência, contabiliza mais de 237 relatos.
Em 2006 percorri o Brasil com a missão de avançar a legislação com a Lei Maria da Penha, então relatora do projeto na Câmara dos Deputados. Vi de perto, em diversas cidades, principalmente no Norte e Nordeste, o sofrimento que a cultura machista e patriarcal ainda provoca em inúmeras mulheres. A morte provocada pela opressão de gênero, que acaba por si só dilacerando famílias inteiras. Quando aprovamos a legislação, mães, filhas, netas, tias e avós vieram, desde então, rompendo o silêncio e denunciando seus agressores.
Essa emancipação feminina ocorre gradualmente, ao compasso do Estado, que vem se estruturando em estados e municípios para atender as vítimas de forma especializada, investigar os casos com eficiência e punir os criminosos. Podemos comemorar hoje as mais de 300 mil vidas salvas pela Lei Maria da Penha e os mais de 100 mil agressores punidos.
Quando essa vítima compreende a gravidade e denuncia a agressão no relacionamento, torna-se dona de seu próprio destino. É o que a escritora francesa Simone de Beauvoir pregava em sua luta por igualdade de gênero na década de 40. O ENEM também fez menção a esta feminista ao interrogar numa das perguntas o início de sua movimentação libertária na Europa, mostrando aos jovens que é preciso, sim, entender o papel das lutas sociais.
É esta a chave para a evolução de nossa sociedade. Refletir sobre a História e compreender suas influências em nosso presente. Universidades devem formar profissionais mais humanos e capacitados para entender as diferentes visões de mundo. Somos complexos, diversos e misturados. Negar isto é negar a nossa própria existência.
Espero que a partir da polêmica possamos avançar cada vez mais nas pautas de gênero, onde as gerações mais novas terão consciência de que as mulheres devem ser respeitadas, assim como os homens, e que o papel social oferecido a ela de subserviência e posse nunca lhe couberam. É uma "roupa justa" que exige que a liberdade e a igualdade a rompa. É, certamente, um caminho sem volta.
* Jandira Feghali é médica, deputada federal (RJ) e líder do PCdoB.
O tema de redação do Enem como "A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira" causou furor em nossa sociedade. Uma minoria, abraçada a suas visões limitadas de mundo, acusou a prova de "petista" e "comunista", de "doutrinária", reduzindo o debate sobre a violência contra mulher e desconsiderando totalmente a realidade das mulheres. Como se vê, não há limite para a ignorância.
Para a biofarmacêutica Maria da Penha, maior símbolo da luta contra a violência doméstica no país e inspiradora da Lei 11.340/2006, o ENEM plantou uma semente: o intenso debate. Num país em que 15 feminicídios ocorrem por dia e onde em cada 5 mulheres, 3 já foram agredidas num relacionamento, é mais do que oportuno colocar os 8 milhões de estudantes para refletir os motivos da prevalência desta violência. A reflexão pode fazê-los repensar comportamentos e mudar a mentalidade que exclui, maltrata e mata.
Há 10 anos esta discussão era ainda muito limitada aos movimentos feministas, sem que sua reflexão fosse realizada por milhares de futuros profissionais. Uma geração inteira debatendo uma realidade de nosso país, que ainda registra inúmeros casos de agressão doméstica. O Disque 180 da Secretaria da mulher, igualdade racial direitos humanos, voltado a receber denúncias deste tipo de violência, contabiliza mais de 237 relatos.
Em 2006 percorri o Brasil com a missão de avançar a legislação com a Lei Maria da Penha, então relatora do projeto na Câmara dos Deputados. Vi de perto, em diversas cidades, principalmente no Norte e Nordeste, o sofrimento que a cultura machista e patriarcal ainda provoca em inúmeras mulheres. A morte provocada pela opressão de gênero, que acaba por si só dilacerando famílias inteiras. Quando aprovamos a legislação, mães, filhas, netas, tias e avós vieram, desde então, rompendo o silêncio e denunciando seus agressores.
Essa emancipação feminina ocorre gradualmente, ao compasso do Estado, que vem se estruturando em estados e municípios para atender as vítimas de forma especializada, investigar os casos com eficiência e punir os criminosos. Podemos comemorar hoje as mais de 300 mil vidas salvas pela Lei Maria da Penha e os mais de 100 mil agressores punidos.
Quando essa vítima compreende a gravidade e denuncia a agressão no relacionamento, torna-se dona de seu próprio destino. É o que a escritora francesa Simone de Beauvoir pregava em sua luta por igualdade de gênero na década de 40. O ENEM também fez menção a esta feminista ao interrogar numa das perguntas o início de sua movimentação libertária na Europa, mostrando aos jovens que é preciso, sim, entender o papel das lutas sociais.
É esta a chave para a evolução de nossa sociedade. Refletir sobre a História e compreender suas influências em nosso presente. Universidades devem formar profissionais mais humanos e capacitados para entender as diferentes visões de mundo. Somos complexos, diversos e misturados. Negar isto é negar a nossa própria existência.
Espero que a partir da polêmica possamos avançar cada vez mais nas pautas de gênero, onde as gerações mais novas terão consciência de que as mulheres devem ser respeitadas, assim como os homens, e que o papel social oferecido a ela de subserviência e posse nunca lhe couberam. É uma "roupa justa" que exige que a liberdade e a igualdade a rompa. É, certamente, um caminho sem volta.
* Jandira Feghali é médica, deputada federal (RJ) e líder do PCdoB.
0 comentários:
Postar um comentário