Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Pelos dados disponíveis ao fim de uma semana de tumultos e confrontos acirrados no Conselho de Ética – sete adiamentos, três relatores diferentes, uma ameaça de conflito físico – a maioria dos parlamentares ouvidos pelo 247 em Brasília está convencida de que o país encontra-se diante de um tão fato assombroso que a maioria das pessoas tem dificuldade de admitir o que se passa em função da crueza e horror.
Mesmo liderando com folga a condição de mais incriminado acusado da Lava Jato, em qualquer categoria, o deputado Eduardo Cunha tem grandes chances de livrar-se de um processo na Câmara que poderia levar à perda do mandato, a destituição da presidência da Casa e à prisão por corrupção.
Aquilo que a maioria das pessoas corretamente condena como manobra e baderna, do ponto de vista de Cunha são vitórias importantes no caminho da salvação da própria carreira política e da preservação de sua influência – indiscutivelmente nefasta sobre assuntos de interesse público.
Capazes de provocar olhares de espanto em comentaristas de TV que combinam frases ingênuas e indignação simulada para uma audiência com raiva, cada golpe, cada lance inescrupuloso, cada manobra vergonhosa, representa um reforço na real prioridade de Eduardo Cunha e da oposição, que é retirar Dilma Rousseff do Planalto através de um golpe parlamentar.
Neste momento, o mapa de votos da Conselho de Ética é contra Cunha. Os titulares estão divididos entre 10 votos a favor e 10 contra a possibilidade de investigar o deputado. Mas cabe ao presidente, José Carlos Araújo, agir em caso de desempate. Pelo que tem demonstrado até agora, Araújo é um voto certo contra Cunha. Nessa situação, a bancada de aliados do presidente da Câmara tenta ganhar tempo até conseguir capturar um voto entre os parlamentares que não querem ficar ao lado de um deputado que se transformou no vilão número 1 do país para 81% dos brasileiros. Para isso tentam ganhar tempo, intimidar, confundir. São profissionais nessa arte, vamos combinar.
Pelo atual andar da carruagem, a menos que ocorra uma reviravolta no caso, a eventual impunidade de Cunha ajudará a reforçar uma convicção amarga, antiga e cínica de nossa vida pública: os bons princípios morais podem ser necessários para o convívio social, contribuem para o fortalecimento da solidariedade entre cidadãos e servem para ensinar lições necessárias para a juventude. Mas podem ser manipulados para fins obscuros, subordinados aos grandes interesses políticos que influenciam as decisões do Estado, inclusive a máquina da Polícia e do Judiciário.
Vista por esse ângulo, a desenvoltura atual de Eduardo Cunha pode ser escandalosa e exasperante mas não chega ser uma aberração. Não custa lembrar que vivemos no país do mensalão PSDB-MG, do propinoduto do metrô paulista, do aeroporto do titio em Cláudio – e das denúncias de corrupção na Petrobras, que, na versão partilhada pelo corrupto confesso Pedro Barusco e por Fernando Henrique Cardoso, só se tornaram "sistêmicas" depois da chegada de Luiz Inácio Lula da Silva ao Planalto.
Há antecedentes a favor de Cunha. Pesquisado pela repórter Fernanda Colgaro, do portal G-1, o retrospecto da Comissão de Ética da Câmara mostra que a impunidade é a verdadeira tradição da casa. Criada em 2001, de lá para cá a Comissão examinou 128 denúncias contra parlamentares. Desse total, 22 – ou 17% das acusações – levaram a uma condenação. Quando os casos chegaram a plenário, apenas 6 acusados – 5% do total investigado – tiveram a condenação confirmada.
Detalhe: antes de Eduardo Cunha, a Comissão nunca enfrentou a atuação de uma tropa de choque tão agressiva, tão dura e tão competente para bloquear trabalhos que deveriam ocorrer num ambiente de isenção e serenidade, indispensável para o bom esclarecimentos dos fatos.
No Brasil de 2015, a preservação de Cunha tem uma explicação simples e fundamental. Até agora o procurador geral da República Rodrigo Janot ainda não disse ao STF o que considera necessário fazer com as acusações.
Sem este movimento de Janot, a Justiça não pode se mover e o ministro Teori Zavaski não tem meios para ir em frente. Pelo nosso tramite jurídico, cabe-lhe julgar, de forma favorável ou não, a uma solicitação do PGR. A mecânica é esta. Até o momento, Janot tem-se mantido em silêncio, o que contrasta com o papel desempenhado pelo Ministério Público na descoberta de provas importantes do caso e também na apuração de outros episódios.
Foi graças a intervenção do PGR que a situação do senador Delcídio do Amaral, apanhado numa fita gravada em circunstâncias que ainda não foram inteiramente esclarecidas, teve um primeiro desfecho em apenas um mês -- entre a primeira conversa registrada clandestinamente e seu ingresso na carceragem em Brasília.
O caso de Cunha, uma lenda de duas décadas nos subterrâneos políticos brasileiros, é muito mais antigo. As primeiras provas contundentes que o ligaram ao esquema investigado na Operação Lava jato surgiram em julho, com a delação premiada de um lobista que acusou Cunha de embolsar uma propina de R$ 5 milhões. Em setembro – isto é, há três meses – o Ministério Público da Suíça enviou documentos sobre contas secretas. Simultaneamente, as delações premiadas de um operador do PMDB confirmaram o percurso do dinheiro. Vários pontos se encaixaram. Um caso claro de claro de criar dificuldades para vender facilidades se confirmou.
A verdade é que a permanência de Cunha na presidência da Câmara serve a uma necessidade política fundamental da oposição.
Colocando friamente: o risco de ficar sem Cunha é o risco de ficar sem impeachment – o único plano de sobrevivência que os adversários de Lula-Dilma foram capazes de elaborar depois da derrota, a quarta consecutiva, em 2014.
Por essa razão, a indignação tucana com as provas surgidas contra ele durou tão pouco. Um mês depois de Aécio Neves dizer que "nossa bancada tem de votar com as provas, e as provas são contundentes contra Cunha", o deputado Carlos Sampaio, responsável pela área jurídica de campanha do PSDB, assumiu a função de maestro na sinistra manobra para transformar o ritual sobre o afastamento de Dilma num jogo de cartas marcadas, do qual o país livrou-se à última hora, em função de uma intervenção do ministro Edson Facchin, do STF.
A aliança de interesses, ideológicos e políticos, entre as partes é antiga e profunda. Envolveu a agenda conservadora aprovada nos primeiros meses de 2015 e, acima de tudo, a tentativa de afastar a presidente, mesmo sem um fiapo de prova. "Cunha prestou assessoria direta a elaboração do pedido de impeachment apresentado pelo Helio Bicudo", acusa Sibá Machado, líder do PT na Câmara, lembrando que a prerrogativa é do presidente da Câmara para encaminhar ou não os casos recebidos. "Mandou refazer a primeira versão do projeto, que era muito ruim", diz Sibá. Foi nessa circunstância que o impeachment tucano foi reelaborado. Baseava-se em denúncias apuradas pelo Tribunal de Contas da União, com base em dados de 2014. Quando Cunha deixou claro que não poderia acolher denúncias baseadas em fatos ocorridos fora do mandato em exercício, pois seria inconstitucional, o PSDB refez o pedido, adequando-se a exigência do presidente da Câmara.
Sem que seja correto fazer ilações indevidas, nem insinuar mais do que os fatos conhecidos permitem, cabe registrar uma situação. Dois personagens que contribuíram para apontar a presença de Cunha em casos condenáveis denunciaram episódios preocupantes de ameaça a sua segurança e de familiares. Foi depois da denúncia do lobista Julio Camargo contra Cunha, corrigindo um depoimento anterior, que a advogada Beatriz Capa Pretta decidiu abandonar os clientes envolvidos na Lava Jato e anunciou que estava de mudança para Miami. Sem dar nomes, disse que recebeu ameaças recebidas por parte de integrantes da CPI da Petrobras. "Vamos dizer que aumentou essa pressão, essa tentativa de intimidação a mim e à minha família", disse ela ao Jornal Nacional.
Autor de um relatório em que, contrariando a vontade dos aliados de Cunha, pedia a abertura de uma investigação sobre o presidente da Câmara, o deputado Fausto Pinato (PRB-SP) encontra-se sob proteção policial em função de ameaças recebidas. "Não quero que ninguém passe pelo que passei," disse o parlamentar ao 247, ontem.
Já reconhecido internacionalmente pelo trabalho realizado, Janot enfrenta, diante de Eduardo Cunha, o teste real de sua atuação como PGR. Desde a AP 470 o país aprendeu que nenhuma autoridade corre riscos exagerados quando se dispõe a perseguir, prender e condenar acusados de corrupção vinculados ao Partido dos Trabalhadores e aos governos Lula-Dilma. Há aplausos garantidos mesmo quando se cometem erros, injustiças e exageros. Cunha oferece a Janot a oportunidade de mostrar que todos são iguais perante a Lei. Como ele mesmo resumiu de forma coloquial quando assumiu o cargo pela primeira vez, o "pau que bate em Chico também bate em Francisco." É um princípio fundamental das democracias. Eespera-se que o PGR demonstre coerência entre o que disse e o que faz.
Pelos dados disponíveis ao fim de uma semana de tumultos e confrontos acirrados no Conselho de Ética – sete adiamentos, três relatores diferentes, uma ameaça de conflito físico – a maioria dos parlamentares ouvidos pelo 247 em Brasília está convencida de que o país encontra-se diante de um tão fato assombroso que a maioria das pessoas tem dificuldade de admitir o que se passa em função da crueza e horror.
Mesmo liderando com folga a condição de mais incriminado acusado da Lava Jato, em qualquer categoria, o deputado Eduardo Cunha tem grandes chances de livrar-se de um processo na Câmara que poderia levar à perda do mandato, a destituição da presidência da Casa e à prisão por corrupção.
Aquilo que a maioria das pessoas corretamente condena como manobra e baderna, do ponto de vista de Cunha são vitórias importantes no caminho da salvação da própria carreira política e da preservação de sua influência – indiscutivelmente nefasta sobre assuntos de interesse público.
Capazes de provocar olhares de espanto em comentaristas de TV que combinam frases ingênuas e indignação simulada para uma audiência com raiva, cada golpe, cada lance inescrupuloso, cada manobra vergonhosa, representa um reforço na real prioridade de Eduardo Cunha e da oposição, que é retirar Dilma Rousseff do Planalto através de um golpe parlamentar.
Neste momento, o mapa de votos da Conselho de Ética é contra Cunha. Os titulares estão divididos entre 10 votos a favor e 10 contra a possibilidade de investigar o deputado. Mas cabe ao presidente, José Carlos Araújo, agir em caso de desempate. Pelo que tem demonstrado até agora, Araújo é um voto certo contra Cunha. Nessa situação, a bancada de aliados do presidente da Câmara tenta ganhar tempo até conseguir capturar um voto entre os parlamentares que não querem ficar ao lado de um deputado que se transformou no vilão número 1 do país para 81% dos brasileiros. Para isso tentam ganhar tempo, intimidar, confundir. São profissionais nessa arte, vamos combinar.
Pelo atual andar da carruagem, a menos que ocorra uma reviravolta no caso, a eventual impunidade de Cunha ajudará a reforçar uma convicção amarga, antiga e cínica de nossa vida pública: os bons princípios morais podem ser necessários para o convívio social, contribuem para o fortalecimento da solidariedade entre cidadãos e servem para ensinar lições necessárias para a juventude. Mas podem ser manipulados para fins obscuros, subordinados aos grandes interesses políticos que influenciam as decisões do Estado, inclusive a máquina da Polícia e do Judiciário.
Vista por esse ângulo, a desenvoltura atual de Eduardo Cunha pode ser escandalosa e exasperante mas não chega ser uma aberração. Não custa lembrar que vivemos no país do mensalão PSDB-MG, do propinoduto do metrô paulista, do aeroporto do titio em Cláudio – e das denúncias de corrupção na Petrobras, que, na versão partilhada pelo corrupto confesso Pedro Barusco e por Fernando Henrique Cardoso, só se tornaram "sistêmicas" depois da chegada de Luiz Inácio Lula da Silva ao Planalto.
Há antecedentes a favor de Cunha. Pesquisado pela repórter Fernanda Colgaro, do portal G-1, o retrospecto da Comissão de Ética da Câmara mostra que a impunidade é a verdadeira tradição da casa. Criada em 2001, de lá para cá a Comissão examinou 128 denúncias contra parlamentares. Desse total, 22 – ou 17% das acusações – levaram a uma condenação. Quando os casos chegaram a plenário, apenas 6 acusados – 5% do total investigado – tiveram a condenação confirmada.
Detalhe: antes de Eduardo Cunha, a Comissão nunca enfrentou a atuação de uma tropa de choque tão agressiva, tão dura e tão competente para bloquear trabalhos que deveriam ocorrer num ambiente de isenção e serenidade, indispensável para o bom esclarecimentos dos fatos.
No Brasil de 2015, a preservação de Cunha tem uma explicação simples e fundamental. Até agora o procurador geral da República Rodrigo Janot ainda não disse ao STF o que considera necessário fazer com as acusações.
Sem este movimento de Janot, a Justiça não pode se mover e o ministro Teori Zavaski não tem meios para ir em frente. Pelo nosso tramite jurídico, cabe-lhe julgar, de forma favorável ou não, a uma solicitação do PGR. A mecânica é esta. Até o momento, Janot tem-se mantido em silêncio, o que contrasta com o papel desempenhado pelo Ministério Público na descoberta de provas importantes do caso e também na apuração de outros episódios.
Foi graças a intervenção do PGR que a situação do senador Delcídio do Amaral, apanhado numa fita gravada em circunstâncias que ainda não foram inteiramente esclarecidas, teve um primeiro desfecho em apenas um mês -- entre a primeira conversa registrada clandestinamente e seu ingresso na carceragem em Brasília.
O caso de Cunha, uma lenda de duas décadas nos subterrâneos políticos brasileiros, é muito mais antigo. As primeiras provas contundentes que o ligaram ao esquema investigado na Operação Lava jato surgiram em julho, com a delação premiada de um lobista que acusou Cunha de embolsar uma propina de R$ 5 milhões. Em setembro – isto é, há três meses – o Ministério Público da Suíça enviou documentos sobre contas secretas. Simultaneamente, as delações premiadas de um operador do PMDB confirmaram o percurso do dinheiro. Vários pontos se encaixaram. Um caso claro de claro de criar dificuldades para vender facilidades se confirmou.
A verdade é que a permanência de Cunha na presidência da Câmara serve a uma necessidade política fundamental da oposição.
Colocando friamente: o risco de ficar sem Cunha é o risco de ficar sem impeachment – o único plano de sobrevivência que os adversários de Lula-Dilma foram capazes de elaborar depois da derrota, a quarta consecutiva, em 2014.
Por essa razão, a indignação tucana com as provas surgidas contra ele durou tão pouco. Um mês depois de Aécio Neves dizer que "nossa bancada tem de votar com as provas, e as provas são contundentes contra Cunha", o deputado Carlos Sampaio, responsável pela área jurídica de campanha do PSDB, assumiu a função de maestro na sinistra manobra para transformar o ritual sobre o afastamento de Dilma num jogo de cartas marcadas, do qual o país livrou-se à última hora, em função de uma intervenção do ministro Edson Facchin, do STF.
A aliança de interesses, ideológicos e políticos, entre as partes é antiga e profunda. Envolveu a agenda conservadora aprovada nos primeiros meses de 2015 e, acima de tudo, a tentativa de afastar a presidente, mesmo sem um fiapo de prova. "Cunha prestou assessoria direta a elaboração do pedido de impeachment apresentado pelo Helio Bicudo", acusa Sibá Machado, líder do PT na Câmara, lembrando que a prerrogativa é do presidente da Câmara para encaminhar ou não os casos recebidos. "Mandou refazer a primeira versão do projeto, que era muito ruim", diz Sibá. Foi nessa circunstância que o impeachment tucano foi reelaborado. Baseava-se em denúncias apuradas pelo Tribunal de Contas da União, com base em dados de 2014. Quando Cunha deixou claro que não poderia acolher denúncias baseadas em fatos ocorridos fora do mandato em exercício, pois seria inconstitucional, o PSDB refez o pedido, adequando-se a exigência do presidente da Câmara.
Sem que seja correto fazer ilações indevidas, nem insinuar mais do que os fatos conhecidos permitem, cabe registrar uma situação. Dois personagens que contribuíram para apontar a presença de Cunha em casos condenáveis denunciaram episódios preocupantes de ameaça a sua segurança e de familiares. Foi depois da denúncia do lobista Julio Camargo contra Cunha, corrigindo um depoimento anterior, que a advogada Beatriz Capa Pretta decidiu abandonar os clientes envolvidos na Lava Jato e anunciou que estava de mudança para Miami. Sem dar nomes, disse que recebeu ameaças recebidas por parte de integrantes da CPI da Petrobras. "Vamos dizer que aumentou essa pressão, essa tentativa de intimidação a mim e à minha família", disse ela ao Jornal Nacional.
Autor de um relatório em que, contrariando a vontade dos aliados de Cunha, pedia a abertura de uma investigação sobre o presidente da Câmara, o deputado Fausto Pinato (PRB-SP) encontra-se sob proteção policial em função de ameaças recebidas. "Não quero que ninguém passe pelo que passei," disse o parlamentar ao 247, ontem.
Já reconhecido internacionalmente pelo trabalho realizado, Janot enfrenta, diante de Eduardo Cunha, o teste real de sua atuação como PGR. Desde a AP 470 o país aprendeu que nenhuma autoridade corre riscos exagerados quando se dispõe a perseguir, prender e condenar acusados de corrupção vinculados ao Partido dos Trabalhadores e aos governos Lula-Dilma. Há aplausos garantidos mesmo quando se cometem erros, injustiças e exageros. Cunha oferece a Janot a oportunidade de mostrar que todos são iguais perante a Lei. Como ele mesmo resumiu de forma coloquial quando assumiu o cargo pela primeira vez, o "pau que bate em Chico também bate em Francisco." É um princípio fundamental das democracias. Eespera-se que o PGR demonstre coerência entre o que disse e o que faz.
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