Por Valter Pomar, em seu blog:
1. A política brasileira parece estar muito confusa, o que faz algumas pessoas acharem difícil prever o que pode acontecer nas próximas horas, dias e semanas. Mas devemos evitar o modo confuso de pensar. Afinal, por trás do suposto caos existe uma ordem.
2. Há vários pontos de partida para entender a situação brasileira. Um deles é a crise internacional que começou em 2007-2008 e continua até hoje. Um dos efeitos da crise foi reduzir a taxa de crescimento da economia mundial. Outro foi ampliar as contradições intercapitalistas. As exportações foram afetadas. Países como a China já vinham se preparando para este cenário. Quem não se preparou, está sofrendo ainda mais. Nós não nos preparamos. Em 2010 prevaleceu a opinião de que o cenário do primeiro mandato Dilma seria semelhante ao do segundo mandato Lula. Havia quem acreditasse que a década estaria "contratada": era o pensamento "tudo de bom". Esqueceram que o desenvolvimento capitalista se faz através de crises. A marolinha virou tsunami.
3. A crise internacional fez o capitalismo brasileiro voltar ao seu “modo normal”. E o "modo normal" do capitalismo brasileiro não tolera a elevação dos salários diretos e indiretos da classe trabalhadora. Por isto, especialmente desde 2011, os capitalistas pedem cortes nos orçamentos sociais; reclamam dos direitos inscritos na Constituição de 1988; receberam subsídios e isenções, mas não ampliaram a produção nem reduziram preços; falam mal dos juros, mas não apoiam iniciativas reais contra os banqueiros e a especulação: o que desejam mesmo é a destruição da legislação trabalhista.
3. Desde 2011, a maior parte do grande empresariado brasileiro não aceita mais a presença do PT no governo federal e vem estimulando uma contraofensiva ideológica e política, que tem nos setores médios seu destacamento de vanguarda. Os objetivos estratégicos da contraofensiva da direita são: realinhar o Brasil aos Estados Unidos, deixando de lado os BRICS e a integração regional; reduzir expressivamente os salários, direitos sociais e trabalhistas; limitar as liberdades democráticas dos setores populares. Do ponto de vista ideológico, tiraram do armário o racismo, o machismo, a homofobia, o anti-comunismo, o fascismo e todo tipo de preconceitos de classe.
4. Três características importantes da contraofensiva da direita são: o pretexto do combate à corrupção, o apelo à mobilização de massas e o papel protagonista assumido por setores da Justiça, do Ministério Público e da Polícia Federal. A corrupção é tema recorrente: vide 1954 e 1964. O recurso à ocupação das ruas é mais raro: esteve presente, por exemplo, nos anos 1930 e 1964. Já a judicialização da política e a partidarização da justiça resultam de 4 derrotas seguidas da direita em eleições presidenciais: para enfrentar esta dificuldade, os setores conservadores tiveram que lançar mão de instituições que não estão submetidas a efetivo controle social.
5. A contraofensiva da direita, iniciada em 2011, foi detida com muito esforço em outubro de 2014, com a derrota de Aécio Neves e a reeleição da presidenta Dilma Rousseff. A mobilização em grande medida espontânea da militância democrática e de esquerda impediu a vitória dos reacionários. Mas, logo após a vitória, Dilma Rousseff adotou um conjunto de medidas que dividiu seus eleitores, sem ganhar um único apoio entre seus inimigos; estes deflagraram durante todo o ano de 2015 uma intensa campanha pelo impeachment da presidenta.
6. Em dezembro de 2015, novamente a mobilização da militância deteve o ataque da direita. Uma vez mais, contudo, o governo Dilma não correspondeu, não apenas em temas como o Pré-Sal, a Lei Anti-Terrorismo, a Operação Lava Jato e a partidarização de fato da PF, mas principalmente na política econômica: saiu Joaquim Levy, mas com Nelson Barbosa tiveram prosseguimento o ajuste fiscal e os juros altos, agora acompanhados por uma promessa de reforma da previdência.
7. Enquanto o governo insistia em ficar acuado, a direita dobrou a aposta e passou a mirar diretamente no ex-presidente Lula. Surpreendendo quem, apesar de tudo, ainda acreditava no “republicanismo” do lado de lá, Lula foi conduzido coercitivamente para depor. Ficou claro, para quem ainda tinha dúvida, qual o menu da direita: afastamento da presidenta Dilma Rousseff (seja por impeachment, seja por decisão do Tribunal Superior Eleitoral), a inviabilização do PT (seja por cassação da legenda, seja por uma multa que inviabilize o Partido), a condenação de Lula (resultando em prisão ou em impedimento de concorrer às eleições), assim como a criminalização do conjunto das esquerdas e movimentos sociais. Esta foi a pauta das manifestações que a direita organizou ao longo de 2015 e no dia 13 de março de 2016.
8. Em resumo: para tentar deter a direita, o governo faz concessões programáticas, que nos levam a perder apoio social, dificultando a mobilização contra o golpe. Mesmo assim, a militância democrática e de esquerda cumpre seu papel, mobiliza e consegue deter temporariamente o ataque da direita. Ainda assim, o governo faz novas concessões... criando um círculo vicioso que piora cada vez mais a situação. Ou seja: nosso principal problema estava e segue estando no governo, no que ele fazia, faz e/ou deixa de fazer. Importante lembrar: sem povo mobilizado, não há como derrotar golpe; mas apenas o povo mobilizado não é suficiente. É preciso ação de governo, como ocorreu aliás na campanha pela legalidade desencadeada pelo então governador gaúcho Leonel Brizola.
9. A constatação de que o governo é nosso flanco frágil contribuiu para a decisão (de alto risco e de forma alguma consensual) de que, para mudar os rumos do governo, seria necessário que Lula assumisse um ministério. Como era previsível, no dia 16 de março, quando se anunciou que Lula assumiria a Casa Civil, a direita reagiu violentamente com grandes manifestações de rua. Em seguida vieram a decisão de um juiz federal de primeira instância suspendendo a posse, o vazamento ilegal de escutas telefônicas contra a presidenta da República e a instalação, na Câmara dos Deputados, de uma comissão de parlamentares para analisar o pedido de impeachment contra a presidenta Dilma. Comissão controlada pela oposição golpista.
10. Até então havia duas táticas na direita, que se combinavam e retroalimentavam: os que defendiam interromper imediatamente o governo Dilma; e os que defendiam desgastar o governo e a esquerda, para ganhar as eleições presidenciais de 2018. Agora há apenas uma tática: a interrupção imediata do mandato. Ou seja: a política brasileira foi venezuelizada e a oposição aderiu a tese golpista da "saída".
11. Como não há motivos legais para interromper o mandato, a direita precisa criar – através da mídia, da pressão empresarial e da mobilização de massas-- um ambiente de ingovernabilidade em nome do qual se forme uma maioria do Congresso e/ou da Justiça, maioria que se sinta à vontade para atropelar a Constituição. Sem falar, é claro, na hipótese que setores conservadores estimulam cada vez mais abertamente: algum tipo de intervenção militar ou pelo menos "sugestão de".
12. Como em outubro de 2014 e dezembro de 2015, no dia 18 de março de 2016 a militância democrática e de esquerda voltou a manifestar-se em todo o Brasil. As manifestações ainda estavam acontecendo, Lula ainda estava discursando em favor da tolerância política, e o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes decidiu suspender a posse do ministro Lula. Ou seja: predomina na oposição de direita a decisão de levar até o fim sua ofensiva. No que depender deles, não haverá negociação, nem rendição, nem cumprimento da Convenção de Genebra. A "paz e amor" que eles defendem é noutra vida.
13. A maior parte do povo, inclusive da classe trabalhadora, não saiu as ruas para defender o golpe. Também não saiu às ruas para defender a democracia. Mas parcelas crescentes do povo estão acreditando no discurso da direita contra o PT. E o motivo é claro: quando o país crescia, havia empregos, salários e futuro, o discurso da direita não tinha aceitação nem credibilidade. Hoje, temos recessão, desemprego, queda de salários e direitos. E a classe trabalhadora percebe que o governo não está fazendo a coisa certa, muito antes pelo contrário.
14. Apesar de estarem na ofensiva e apesar do crescente apoio popular, os diferentes setores da direita enfrentam problemas e tem dúvidas que os impediram, até agora, de consumar o golpe.
15. Em primeiro lugar, eles precisam respeitar minimamente os ritos e os prazos previstos em lei para o impeachment. É preciso manter as aparências, para não deixar explícito tratar-se de um golpe. Por este motivo, não é descabido pensar que eles ainda venham a prender algum tucano e algum peemedebista graúdo, para assim tentar esvaziar a acusação de que a Operação Lava Jato é dedicada a forjar provas contra o PT.
16. Em segundo lugar, eles ainda estão divididos sobre o que fazer depois de um eventual afastamento da presidenta Dilma. O vice-presidente Temer assumiria? Parlamentarismo? Nova eleição? A divisão sobre o como fazer, bem como sobre o que fazer depois tem, entre seus ingredientes, a luta sem quartel entre as diferentes facções do PMDB e do PSDB.
17. Em terceiro lugar, há o medo. Medo em parte, da reação dos setores populares frente a um golpe e, também, frente a um governo de direita. E também algum medo da extrema-direita, fascista, antipolítica e antipolíticos, defensora de uma solução de tipo ditadorial, na qual a direita partidária tradicional se veria de alguma forma tolhida (como foram Lacerda e outros, pós 1964).
18. Os problemas da direita deixam aberta uma janela para os setores democráticos e de esquerda. É uma nesga de janela, mas ainda está aberta. Embora seja difícil, ainda é possível reverter o golpe. A seguir, algumas ideias sobre o que fazer.
19. Primeiro, esclarecer o que está em jogo. Não se trata da “democracia” ou do “Estado de direito” em abstrato. Trata-se dos direitos sociais, das liberdades democráticas em geral, do alinhamento internacional e do modelo de desenvolvimento do Brasil.
20. Segundo, lutar realmente para vencer. Há setores que consideram que a derrota já aconteceu e seria irreversível. Assim, não defendem lutar, mas sim "cumprir tabela", "saudar a bandeira". Alguns preferem discutir o que virá depois do dilúvio e outros acreditam que devemos mobilizar para negociar. Mas não haverá "saída negociada". Ou nós os derrotamos, ou eles nos derrotam. Negociar nestas condições não impediria uma derrota: apenas produziria uma derrota acompanhada de uma desmoralização. Como alguns tentaram fazer, em dezembro de 2015, quando defenderam um acordo com Cunha.
21. Terceiro, alterar a correlação de força na classe trabalhadora.Além de mobilizar, é fundamental o trabalho de convencimento direto, nas bases, empresas, escolas e local de moradia. E o principal instrumento para mudar o humor da classe trabalhadora é a ação de governo. O governo precisa mudar de atitude política, precisa enfrentar o motim antidemocrático de setores do Estado e, principalmente, precisa mudar a política econômica, na linha da resolução aprovada pelo Diretório Nacional do PT dia 26 de fevereiro.
22. Quarto, abandonar qualquer ilusão de que a luta será fácil e/ou breve. A direita pode nos derrotar nos próximos dias e semanas, por exemplo na primeira quinzena de abril, na votação do impeachment. Enquanto isto, nós precisaremos de meses e anos para derrotar a direita. Trata-se de mudar a politica do governo, interromper a ofensiva deles, derrotar o impeachment, equilibrar o resultado das eleições de 2016, vencer as eleições de 2018 em condições que nos permitam fazer o que deixamos de fazer desde 2003. Se conseguirmos impedir o impeachment (eles precisam de 342 votos a favor), a disputa continuará.
23. Estamos em estado de mobilização permanente. A Frente Brasil Popular (e cada uma das organizações que a integram) precisa criar uma "sala de situação", para acompanhar diariamente a evolução dos fatos. É preciso combinar grandes mobilizações nacionais, com eventos descentralizados, ocupação de espaços públicos e, principalmente, corpo-a-corpo com as bases (empresas, escolas, bairros etc.). Inclusive o resultado das eleições 2016 está vinculado a esta disputa nacional (motivo pelo qual "douram a pílula" os que saem do PT pretextando maiores chances eleitorais). Os governadores democráticos e de esquerda devem criar uma rede pela legalidade.
24. Devemos propor à Frente Brasil Popular que convoque todas as cidades brasileiras a realizar, no dia 31 de março, atos com o lema Golpe nunca mais. E convocar um ato nacional centralizado em Brasília para data próxima a votação do impeachment ou quando a conjuntura assim o exigir.
24. Por fim: cometemos muitos erros, que facilitaram a ofensiva da direita. Temos que mudar profundamente de conduta e de estratégia, se quisermos sobreviver e voltar à ofensiva. Mas é preciso ter claro: não somos atacados por nossos erros, mas por nossas qualidades. E uma dessas qualidades, como ficou claro nas manifestações de 18 de março, é a disposição de luta da militância democrática e de esquerda. Não há como saber qual será o desfecho da crise atual, nem se terá alguma semlhança com o ocorrido por exemplo em 1947, 1954, 1961 ou 1964. Mas uma coisa as ruas deixaram claro: não haverá tempo fácil nem moleza para o golpismo.
* Roteiro de palestra feita ao Diretório Regional do PT em Minas Gerais, no dia 19 de março de 2016. Incorporou elementos do debate travado na reunião ampliada do conselho consultivo da Fundação Perseu Abramo, dia 18 de março. Sem revisão.
2. Há vários pontos de partida para entender a situação brasileira. Um deles é a crise internacional que começou em 2007-2008 e continua até hoje. Um dos efeitos da crise foi reduzir a taxa de crescimento da economia mundial. Outro foi ampliar as contradições intercapitalistas. As exportações foram afetadas. Países como a China já vinham se preparando para este cenário. Quem não se preparou, está sofrendo ainda mais. Nós não nos preparamos. Em 2010 prevaleceu a opinião de que o cenário do primeiro mandato Dilma seria semelhante ao do segundo mandato Lula. Havia quem acreditasse que a década estaria "contratada": era o pensamento "tudo de bom". Esqueceram que o desenvolvimento capitalista se faz através de crises. A marolinha virou tsunami.
3. A crise internacional fez o capitalismo brasileiro voltar ao seu “modo normal”. E o "modo normal" do capitalismo brasileiro não tolera a elevação dos salários diretos e indiretos da classe trabalhadora. Por isto, especialmente desde 2011, os capitalistas pedem cortes nos orçamentos sociais; reclamam dos direitos inscritos na Constituição de 1988; receberam subsídios e isenções, mas não ampliaram a produção nem reduziram preços; falam mal dos juros, mas não apoiam iniciativas reais contra os banqueiros e a especulação: o que desejam mesmo é a destruição da legislação trabalhista.
3. Desde 2011, a maior parte do grande empresariado brasileiro não aceita mais a presença do PT no governo federal e vem estimulando uma contraofensiva ideológica e política, que tem nos setores médios seu destacamento de vanguarda. Os objetivos estratégicos da contraofensiva da direita são: realinhar o Brasil aos Estados Unidos, deixando de lado os BRICS e a integração regional; reduzir expressivamente os salários, direitos sociais e trabalhistas; limitar as liberdades democráticas dos setores populares. Do ponto de vista ideológico, tiraram do armário o racismo, o machismo, a homofobia, o anti-comunismo, o fascismo e todo tipo de preconceitos de classe.
4. Três características importantes da contraofensiva da direita são: o pretexto do combate à corrupção, o apelo à mobilização de massas e o papel protagonista assumido por setores da Justiça, do Ministério Público e da Polícia Federal. A corrupção é tema recorrente: vide 1954 e 1964. O recurso à ocupação das ruas é mais raro: esteve presente, por exemplo, nos anos 1930 e 1964. Já a judicialização da política e a partidarização da justiça resultam de 4 derrotas seguidas da direita em eleições presidenciais: para enfrentar esta dificuldade, os setores conservadores tiveram que lançar mão de instituições que não estão submetidas a efetivo controle social.
5. A contraofensiva da direita, iniciada em 2011, foi detida com muito esforço em outubro de 2014, com a derrota de Aécio Neves e a reeleição da presidenta Dilma Rousseff. A mobilização em grande medida espontânea da militância democrática e de esquerda impediu a vitória dos reacionários. Mas, logo após a vitória, Dilma Rousseff adotou um conjunto de medidas que dividiu seus eleitores, sem ganhar um único apoio entre seus inimigos; estes deflagraram durante todo o ano de 2015 uma intensa campanha pelo impeachment da presidenta.
6. Em dezembro de 2015, novamente a mobilização da militância deteve o ataque da direita. Uma vez mais, contudo, o governo Dilma não correspondeu, não apenas em temas como o Pré-Sal, a Lei Anti-Terrorismo, a Operação Lava Jato e a partidarização de fato da PF, mas principalmente na política econômica: saiu Joaquim Levy, mas com Nelson Barbosa tiveram prosseguimento o ajuste fiscal e os juros altos, agora acompanhados por uma promessa de reforma da previdência.
7. Enquanto o governo insistia em ficar acuado, a direita dobrou a aposta e passou a mirar diretamente no ex-presidente Lula. Surpreendendo quem, apesar de tudo, ainda acreditava no “republicanismo” do lado de lá, Lula foi conduzido coercitivamente para depor. Ficou claro, para quem ainda tinha dúvida, qual o menu da direita: afastamento da presidenta Dilma Rousseff (seja por impeachment, seja por decisão do Tribunal Superior Eleitoral), a inviabilização do PT (seja por cassação da legenda, seja por uma multa que inviabilize o Partido), a condenação de Lula (resultando em prisão ou em impedimento de concorrer às eleições), assim como a criminalização do conjunto das esquerdas e movimentos sociais. Esta foi a pauta das manifestações que a direita organizou ao longo de 2015 e no dia 13 de março de 2016.
8. Em resumo: para tentar deter a direita, o governo faz concessões programáticas, que nos levam a perder apoio social, dificultando a mobilização contra o golpe. Mesmo assim, a militância democrática e de esquerda cumpre seu papel, mobiliza e consegue deter temporariamente o ataque da direita. Ainda assim, o governo faz novas concessões... criando um círculo vicioso que piora cada vez mais a situação. Ou seja: nosso principal problema estava e segue estando no governo, no que ele fazia, faz e/ou deixa de fazer. Importante lembrar: sem povo mobilizado, não há como derrotar golpe; mas apenas o povo mobilizado não é suficiente. É preciso ação de governo, como ocorreu aliás na campanha pela legalidade desencadeada pelo então governador gaúcho Leonel Brizola.
9. A constatação de que o governo é nosso flanco frágil contribuiu para a decisão (de alto risco e de forma alguma consensual) de que, para mudar os rumos do governo, seria necessário que Lula assumisse um ministério. Como era previsível, no dia 16 de março, quando se anunciou que Lula assumiria a Casa Civil, a direita reagiu violentamente com grandes manifestações de rua. Em seguida vieram a decisão de um juiz federal de primeira instância suspendendo a posse, o vazamento ilegal de escutas telefônicas contra a presidenta da República e a instalação, na Câmara dos Deputados, de uma comissão de parlamentares para analisar o pedido de impeachment contra a presidenta Dilma. Comissão controlada pela oposição golpista.
10. Até então havia duas táticas na direita, que se combinavam e retroalimentavam: os que defendiam interromper imediatamente o governo Dilma; e os que defendiam desgastar o governo e a esquerda, para ganhar as eleições presidenciais de 2018. Agora há apenas uma tática: a interrupção imediata do mandato. Ou seja: a política brasileira foi venezuelizada e a oposição aderiu a tese golpista da "saída".
11. Como não há motivos legais para interromper o mandato, a direita precisa criar – através da mídia, da pressão empresarial e da mobilização de massas-- um ambiente de ingovernabilidade em nome do qual se forme uma maioria do Congresso e/ou da Justiça, maioria que se sinta à vontade para atropelar a Constituição. Sem falar, é claro, na hipótese que setores conservadores estimulam cada vez mais abertamente: algum tipo de intervenção militar ou pelo menos "sugestão de".
12. Como em outubro de 2014 e dezembro de 2015, no dia 18 de março de 2016 a militância democrática e de esquerda voltou a manifestar-se em todo o Brasil. As manifestações ainda estavam acontecendo, Lula ainda estava discursando em favor da tolerância política, e o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes decidiu suspender a posse do ministro Lula. Ou seja: predomina na oposição de direita a decisão de levar até o fim sua ofensiva. No que depender deles, não haverá negociação, nem rendição, nem cumprimento da Convenção de Genebra. A "paz e amor" que eles defendem é noutra vida.
13. A maior parte do povo, inclusive da classe trabalhadora, não saiu as ruas para defender o golpe. Também não saiu às ruas para defender a democracia. Mas parcelas crescentes do povo estão acreditando no discurso da direita contra o PT. E o motivo é claro: quando o país crescia, havia empregos, salários e futuro, o discurso da direita não tinha aceitação nem credibilidade. Hoje, temos recessão, desemprego, queda de salários e direitos. E a classe trabalhadora percebe que o governo não está fazendo a coisa certa, muito antes pelo contrário.
14. Apesar de estarem na ofensiva e apesar do crescente apoio popular, os diferentes setores da direita enfrentam problemas e tem dúvidas que os impediram, até agora, de consumar o golpe.
15. Em primeiro lugar, eles precisam respeitar minimamente os ritos e os prazos previstos em lei para o impeachment. É preciso manter as aparências, para não deixar explícito tratar-se de um golpe. Por este motivo, não é descabido pensar que eles ainda venham a prender algum tucano e algum peemedebista graúdo, para assim tentar esvaziar a acusação de que a Operação Lava Jato é dedicada a forjar provas contra o PT.
16. Em segundo lugar, eles ainda estão divididos sobre o que fazer depois de um eventual afastamento da presidenta Dilma. O vice-presidente Temer assumiria? Parlamentarismo? Nova eleição? A divisão sobre o como fazer, bem como sobre o que fazer depois tem, entre seus ingredientes, a luta sem quartel entre as diferentes facções do PMDB e do PSDB.
17. Em terceiro lugar, há o medo. Medo em parte, da reação dos setores populares frente a um golpe e, também, frente a um governo de direita. E também algum medo da extrema-direita, fascista, antipolítica e antipolíticos, defensora de uma solução de tipo ditadorial, na qual a direita partidária tradicional se veria de alguma forma tolhida (como foram Lacerda e outros, pós 1964).
18. Os problemas da direita deixam aberta uma janela para os setores democráticos e de esquerda. É uma nesga de janela, mas ainda está aberta. Embora seja difícil, ainda é possível reverter o golpe. A seguir, algumas ideias sobre o que fazer.
19. Primeiro, esclarecer o que está em jogo. Não se trata da “democracia” ou do “Estado de direito” em abstrato. Trata-se dos direitos sociais, das liberdades democráticas em geral, do alinhamento internacional e do modelo de desenvolvimento do Brasil.
20. Segundo, lutar realmente para vencer. Há setores que consideram que a derrota já aconteceu e seria irreversível. Assim, não defendem lutar, mas sim "cumprir tabela", "saudar a bandeira". Alguns preferem discutir o que virá depois do dilúvio e outros acreditam que devemos mobilizar para negociar. Mas não haverá "saída negociada". Ou nós os derrotamos, ou eles nos derrotam. Negociar nestas condições não impediria uma derrota: apenas produziria uma derrota acompanhada de uma desmoralização. Como alguns tentaram fazer, em dezembro de 2015, quando defenderam um acordo com Cunha.
21. Terceiro, alterar a correlação de força na classe trabalhadora.Além de mobilizar, é fundamental o trabalho de convencimento direto, nas bases, empresas, escolas e local de moradia. E o principal instrumento para mudar o humor da classe trabalhadora é a ação de governo. O governo precisa mudar de atitude política, precisa enfrentar o motim antidemocrático de setores do Estado e, principalmente, precisa mudar a política econômica, na linha da resolução aprovada pelo Diretório Nacional do PT dia 26 de fevereiro.
22. Quarto, abandonar qualquer ilusão de que a luta será fácil e/ou breve. A direita pode nos derrotar nos próximos dias e semanas, por exemplo na primeira quinzena de abril, na votação do impeachment. Enquanto isto, nós precisaremos de meses e anos para derrotar a direita. Trata-se de mudar a politica do governo, interromper a ofensiva deles, derrotar o impeachment, equilibrar o resultado das eleições de 2016, vencer as eleições de 2018 em condições que nos permitam fazer o que deixamos de fazer desde 2003. Se conseguirmos impedir o impeachment (eles precisam de 342 votos a favor), a disputa continuará.
23. Estamos em estado de mobilização permanente. A Frente Brasil Popular (e cada uma das organizações que a integram) precisa criar uma "sala de situação", para acompanhar diariamente a evolução dos fatos. É preciso combinar grandes mobilizações nacionais, com eventos descentralizados, ocupação de espaços públicos e, principalmente, corpo-a-corpo com as bases (empresas, escolas, bairros etc.). Inclusive o resultado das eleições 2016 está vinculado a esta disputa nacional (motivo pelo qual "douram a pílula" os que saem do PT pretextando maiores chances eleitorais). Os governadores democráticos e de esquerda devem criar uma rede pela legalidade.
24. Devemos propor à Frente Brasil Popular que convoque todas as cidades brasileiras a realizar, no dia 31 de março, atos com o lema Golpe nunca mais. E convocar um ato nacional centralizado em Brasília para data próxima a votação do impeachment ou quando a conjuntura assim o exigir.
24. Por fim: cometemos muitos erros, que facilitaram a ofensiva da direita. Temos que mudar profundamente de conduta e de estratégia, se quisermos sobreviver e voltar à ofensiva. Mas é preciso ter claro: não somos atacados por nossos erros, mas por nossas qualidades. E uma dessas qualidades, como ficou claro nas manifestações de 18 de março, é a disposição de luta da militância democrática e de esquerda. Não há como saber qual será o desfecho da crise atual, nem se terá alguma semlhança com o ocorrido por exemplo em 1947, 1954, 1961 ou 1964. Mas uma coisa as ruas deixaram claro: não haverá tempo fácil nem moleza para o golpismo.
* Roteiro de palestra feita ao Diretório Regional do PT em Minas Gerais, no dia 19 de março de 2016. Incorporou elementos do debate travado na reunião ampliada do conselho consultivo da Fundação Perseu Abramo, dia 18 de março. Sem revisão.
1 comentários:
Movimentos sociais (todos) , todos os sindicatos, todos os que são contra o golpe, contra-atacar. Todos nas RUAS. Tudo na paz, mas se não for possível mantê-la, não fugir à luta.
Postar um comentário