Por Carlos Drummond, na revista CartaCapital:
O pacote anunciado pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, na terça-feira, 24, encaminha o desmonte da economia brasileira, com maior ímpeto naqueles setores voltados ao desenvolvimento do País, à proteção da parcela mais frágil da população e à elevação do nível de vida da maioria.
O outro lado da dilapidação é a reconstituição de parte das condições oferecidas na década de 1990 ao capital privado nacional e estrangeiro, na esteira do Consenso de Washington, de exigências do Banco Mundial, do FMI e do neoliberalismo, uma das causas da crise mundial de 2008, até hoje não superada. Um período de intensa privatização, política de FHC retomada pelo atual governo segundo anteciparam assessores do presidente interino Michel Temer.
“São providências exclusivamente fiscalistas e isso, num primeiro momento, não ajuda a retomada da economia, nem no curto nem no médio prazo”, analisa Mário Bernardini, diretor de Competitividade da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos.
Para o executivo, medidas fiscais são necessárias, mas poderiam ser acompanhadas de uma redução de 3 pontos porcentuais na Selic, hoje em 14% ao ano. “Seria uma boa sinalização, perfeitamente viável, pois a inflação cairá de 10% para 7% este ano e os juros reais continuariam em 4%, uma loucura no mundo de hoje. Poderiam também liberar um pouco do depósito compulsório para os bancos, vinculado à concessão de capital de giro para as empresas.”
Segundo Meirelles, a antecipação do recebimento de 100 bilhões de reais em empréstimos concedidos ao BNDES com vencimento em 2060, um dos itens do pacote, não afeta investimentos. “Isso é conversa para boi dormir, é claro que afetará. Ele e sua turma estão preocupados apenas com o caixa, o resto que se dane”, diz o diretor da Abimaq. Contrabalançar o poder da Fazenda com a indicação de um ministro do Planejamento de visão mais sistêmica seria uma alternativa, mas o nome provavelmente passaria pelo crivo do chefe da equipe econômica do governo. “O Meirelles está virando primeiro-ministro e ele é fraco para isso, é um bancário e entende de caixa, só.”
Uma das medidas mais abrangentes é a limitação permanente do crescimento do gasto público à dotação orçamentária corrigida pela inflação passada. “Representa o desmonte da proteção social prevista pela Constituição de 1988, pois é incompatível com a expansão e mesmo a manutenção de serviços públicos básicos e de caráter universal”, avalia o economista Pedro Rossi, da Unicamp.
As taxas anuais médias do crescimento real do gasto primário no segundo governo FHC, nos dois mandatos de Lula e no primeiro de Dilma foram 3,9%, 5,2%, 5,5% e 3,8% e garantiram a prestação de serviços públicos, programas sociais e seguridade. “A transição para um crescimento real nulo do gasto público requer um arrocho fiscal enorme, impossível sem uma grande desvinculação de gastos constitucionais.”
O congelamento em valores reais dos orçamentos da educação e da saúde afetará todos aqueles dependentes desses serviços públicos, com maiores danos à parcela mais pobre da população. “Ganham os menos dependentes dos serviços públicos, avessos a financiá-los com impostos e os grupos econômicos que enxergam o Estado como concorrente e desejam apropriar-se dos espaços econômicos na saúde, na educação, e drenar a renda dos trabalhadores para fundos de previdência e escolas privadas”, aponta Rossi.
Sem um calendário de implantação, o pacote mostra grande agilidade, entretanto, na revisão dos recursos destinados aos mais frágeis. O Ministério do Planejamento definiu como tema da primeira reunião do Comitê Interministerial de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas Federais na atual gestão, terça-feira 31, a discussão do decreto de revisão dos benefícios de prestação continuada e a definição de novos critérios de admissão.
O programa abrange idosos com ao menos 65 anos e deficientes de famílias com renda inferior a um quarto do salário mínimo por integrante. Até 16 de junho, outras reuniões rediscutirão o auxílio-doença, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), o Bolsa Famíliae a Farmácia Popular. Entre as instituições convidadas a participar figuram ministérios, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, a Controladoria-Geral da União e um velho conhecido, muito influente no País nos anos 1990, o Banco Mundial.
A parcela mais vulnerável da sociedade é o alvo principal também da reforma da Previdência, indispensável, segundo o governo, por causa do tamanho do déficit do setor, de 146 bilhões de reais, equivalentes a 85% do déficit total de 170,5 bilhões para este ano, aprovado pelo Congresso no dia seguinte ao do anúncio das novas medidas. Um rombo falso, evidenciam cálculos de diversos especialistas. Entre 2007 e 2015, computadas todas as receitas e as despesas estabelecidas pela Constituição, houve superávits anuais entre 20 bilhões e 77 bilhões de reais, mostra um estudo da economista Denise Gentil, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Um ajuste radical das contas públicas, do tipo aplicado pelo ex-ministro Joaquim Levy, estaria descartado, na análise da economista. “Não haverá o aperto fiscal exigido de Dilma, porque em ciclo eleitoral não se faz isso. Tanto é assim que o déficit deste ano ficará em torno de 170 bilhões. O governo Temer culpará Dilma, mas o fato é que não despejará o saco de maldades de forma integral”, prevê a economista. “Eles tentarão, entretanto, passar a reforma da Previdência. Isso faz parte de uma estratégia de poder que reúne estado e bancos. É o avanço do processo de financeirização dos serviços públicos.”
Todas as medidas prejudicam de algum modo a população. O emprego será a principal vítima da proibição de criar ou renovar subsídios, uma decisão linear que atinge em cheio o Cartão BNDES e o Finame, fontes dos únicos financiamentos com custo viável para o investimento produtivo das empresas pequenas ou médias. Sem o crédito, os estabelecimentos optarão pela compra de títulos do Tesouro, com maior taxa de retorno, ou fecharão as portas.
O fim da participação obrigatória da Petrobras no pré-sal, fonte de recursos estratégicos para a área da educação, entre outras destinações, aproveita a conjuntura difícil do setor petrolífero mundial e da estatal para encaminhar a abertura das reservas ao capital estrangeiro, interessado em explorá-las por serem as de menor custo e com maior lucratividade no mundo. Seria a dilapidação da maior riqueza do País, detentor também da tecnologia mais avançada de exploração do petróleo em águas profundas. A extinção do Fundo Soberano e o saque do saldo de 2 bilhões de reais vão na mesma direção, de eliminar um instrumento estratégico para atender a objetivos de curto prazo.
A fixação de regras para a nomeação de dirigentes de fundos de pensão e estatais teria como principal objetivo cercear o acesso de representantes de trabalhadores. A deliberação parte do pressuposto, falso e preconceituoso, da imunidade de outros nomeados a erros e malfeitos.
“Eles tentam implantar o projeto ultraliberal desde os anos 1990 e o impeachment é a grande oportunidade histórica, pois chegaram ao poder sem o voto popular e sabem que um programa desse tipo dificilmente teria a aprovação das urnas”, conclui o economista Eduardo Fagnani, da Unicamp. “É como se tentassem refazer o pacto social sem a participação da sociedade. Trata-se de um ato ilegítimo e autoritário. Esse tipo de proposta não passaria em nenhum pleito eleitoral”, completa Rossi.
O pacote anunciado pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, na terça-feira, 24, encaminha o desmonte da economia brasileira, com maior ímpeto naqueles setores voltados ao desenvolvimento do País, à proteção da parcela mais frágil da população e à elevação do nível de vida da maioria.
O outro lado da dilapidação é a reconstituição de parte das condições oferecidas na década de 1990 ao capital privado nacional e estrangeiro, na esteira do Consenso de Washington, de exigências do Banco Mundial, do FMI e do neoliberalismo, uma das causas da crise mundial de 2008, até hoje não superada. Um período de intensa privatização, política de FHC retomada pelo atual governo segundo anteciparam assessores do presidente interino Michel Temer.
“São providências exclusivamente fiscalistas e isso, num primeiro momento, não ajuda a retomada da economia, nem no curto nem no médio prazo”, analisa Mário Bernardini, diretor de Competitividade da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos.
Para o executivo, medidas fiscais são necessárias, mas poderiam ser acompanhadas de uma redução de 3 pontos porcentuais na Selic, hoje em 14% ao ano. “Seria uma boa sinalização, perfeitamente viável, pois a inflação cairá de 10% para 7% este ano e os juros reais continuariam em 4%, uma loucura no mundo de hoje. Poderiam também liberar um pouco do depósito compulsório para os bancos, vinculado à concessão de capital de giro para as empresas.”
Segundo Meirelles, a antecipação do recebimento de 100 bilhões de reais em empréstimos concedidos ao BNDES com vencimento em 2060, um dos itens do pacote, não afeta investimentos. “Isso é conversa para boi dormir, é claro que afetará. Ele e sua turma estão preocupados apenas com o caixa, o resto que se dane”, diz o diretor da Abimaq. Contrabalançar o poder da Fazenda com a indicação de um ministro do Planejamento de visão mais sistêmica seria uma alternativa, mas o nome provavelmente passaria pelo crivo do chefe da equipe econômica do governo. “O Meirelles está virando primeiro-ministro e ele é fraco para isso, é um bancário e entende de caixa, só.”
Uma das medidas mais abrangentes é a limitação permanente do crescimento do gasto público à dotação orçamentária corrigida pela inflação passada. “Representa o desmonte da proteção social prevista pela Constituição de 1988, pois é incompatível com a expansão e mesmo a manutenção de serviços públicos básicos e de caráter universal”, avalia o economista Pedro Rossi, da Unicamp.
As taxas anuais médias do crescimento real do gasto primário no segundo governo FHC, nos dois mandatos de Lula e no primeiro de Dilma foram 3,9%, 5,2%, 5,5% e 3,8% e garantiram a prestação de serviços públicos, programas sociais e seguridade. “A transição para um crescimento real nulo do gasto público requer um arrocho fiscal enorme, impossível sem uma grande desvinculação de gastos constitucionais.”
O congelamento em valores reais dos orçamentos da educação e da saúde afetará todos aqueles dependentes desses serviços públicos, com maiores danos à parcela mais pobre da população. “Ganham os menos dependentes dos serviços públicos, avessos a financiá-los com impostos e os grupos econômicos que enxergam o Estado como concorrente e desejam apropriar-se dos espaços econômicos na saúde, na educação, e drenar a renda dos trabalhadores para fundos de previdência e escolas privadas”, aponta Rossi.
Sem um calendário de implantação, o pacote mostra grande agilidade, entretanto, na revisão dos recursos destinados aos mais frágeis. O Ministério do Planejamento definiu como tema da primeira reunião do Comitê Interministerial de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas Federais na atual gestão, terça-feira 31, a discussão do decreto de revisão dos benefícios de prestação continuada e a definição de novos critérios de admissão.
O programa abrange idosos com ao menos 65 anos e deficientes de famílias com renda inferior a um quarto do salário mínimo por integrante. Até 16 de junho, outras reuniões rediscutirão o auxílio-doença, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), o Bolsa Famíliae a Farmácia Popular. Entre as instituições convidadas a participar figuram ministérios, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, a Controladoria-Geral da União e um velho conhecido, muito influente no País nos anos 1990, o Banco Mundial.
A parcela mais vulnerável da sociedade é o alvo principal também da reforma da Previdência, indispensável, segundo o governo, por causa do tamanho do déficit do setor, de 146 bilhões de reais, equivalentes a 85% do déficit total de 170,5 bilhões para este ano, aprovado pelo Congresso no dia seguinte ao do anúncio das novas medidas. Um rombo falso, evidenciam cálculos de diversos especialistas. Entre 2007 e 2015, computadas todas as receitas e as despesas estabelecidas pela Constituição, houve superávits anuais entre 20 bilhões e 77 bilhões de reais, mostra um estudo da economista Denise Gentil, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Um ajuste radical das contas públicas, do tipo aplicado pelo ex-ministro Joaquim Levy, estaria descartado, na análise da economista. “Não haverá o aperto fiscal exigido de Dilma, porque em ciclo eleitoral não se faz isso. Tanto é assim que o déficit deste ano ficará em torno de 170 bilhões. O governo Temer culpará Dilma, mas o fato é que não despejará o saco de maldades de forma integral”, prevê a economista. “Eles tentarão, entretanto, passar a reforma da Previdência. Isso faz parte de uma estratégia de poder que reúne estado e bancos. É o avanço do processo de financeirização dos serviços públicos.”
Todas as medidas prejudicam de algum modo a população. O emprego será a principal vítima da proibição de criar ou renovar subsídios, uma decisão linear que atinge em cheio o Cartão BNDES e o Finame, fontes dos únicos financiamentos com custo viável para o investimento produtivo das empresas pequenas ou médias. Sem o crédito, os estabelecimentos optarão pela compra de títulos do Tesouro, com maior taxa de retorno, ou fecharão as portas.
O fim da participação obrigatória da Petrobras no pré-sal, fonte de recursos estratégicos para a área da educação, entre outras destinações, aproveita a conjuntura difícil do setor petrolífero mundial e da estatal para encaminhar a abertura das reservas ao capital estrangeiro, interessado em explorá-las por serem as de menor custo e com maior lucratividade no mundo. Seria a dilapidação da maior riqueza do País, detentor também da tecnologia mais avançada de exploração do petróleo em águas profundas. A extinção do Fundo Soberano e o saque do saldo de 2 bilhões de reais vão na mesma direção, de eliminar um instrumento estratégico para atender a objetivos de curto prazo.
A fixação de regras para a nomeação de dirigentes de fundos de pensão e estatais teria como principal objetivo cercear o acesso de representantes de trabalhadores. A deliberação parte do pressuposto, falso e preconceituoso, da imunidade de outros nomeados a erros e malfeitos.
“Eles tentam implantar o projeto ultraliberal desde os anos 1990 e o impeachment é a grande oportunidade histórica, pois chegaram ao poder sem o voto popular e sabem que um programa desse tipo dificilmente teria a aprovação das urnas”, conclui o economista Eduardo Fagnani, da Unicamp. “É como se tentassem refazer o pacto social sem a participação da sociedade. Trata-se de um ato ilegítimo e autoritário. Esse tipo de proposta não passaria em nenhum pleito eleitoral”, completa Rossi.
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