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Johann Christoph von Schiller morreu ainda jovem, aos 46 anos, em maio de 1805, em Weimar, vinte e sete anos antes de Goethe. Este teve uma longa vida de 82 anos - contemporâneo de Schiller - e deixou, juntamente com ele, obras extraordinárias para formação da cultura democrática e iluminista europeia. A obra mais popular de Schiller, há mais de 50 anos publicada em quadrinhos no nosso país pela saudosa Editora Brasil-América, foi “Guilherme Tell”. Nela o autor celebrava a coragem e a determinação contra a ordem estabelecida pela aristocracia feudal, ainda dominante em grande parte do continente europeu. Guilherme Tell, Ivanhoé, Robin Hood, Miguel Strogoff - mitos da cultura democrática pré-iluminista - sempre povoaram nosso imaginário heroico infanto-juvenil dos anos cinquenta.
Outro livro lapidar de Schiller foi “A educação estética do homem”. Nele Schiller defendeu que a sabedoria e o sentimento – corretamente ajustados para saber contemplar de maneira adequada uma obra de arte – possibilitariam aos seres humanos chegarem a um “estado moral”, que lhes permitiria “exercer todas as suas virtudes cidadãs”. A “educação estética” do ser humano, portanto, transformar-se-ia numa “educação política”, que determinaria a superação dos egoísmos e das vaidades, das violências e das desigualdades inerentes à sociedade então vivida. Seria, para ele, a sociedade ideal, aquela integrada por homens “educados”, condição prévia para extinguir toda a opressão e a exploração. Schiller estava para a educação assim como Merval Pereira está para o mercado.
Schiller era um idealista, na verdade. Mas um idealista que sabia projetar verdades, independentemente do método escolhido para concebê-las. É possível construir uma sociedade justa, sem uma educação estética que abranja as grandes massas de cidadãos em liberdade? Dito de outro modo: é possível construir uma sociedade democrática, tendente à igualdade social, sem conhecimento, sem educação, sem uma cultura que democratize o conhecimento para todas as classes sociais? De Sartre a Raymond Aron, de Marx a Lassale, de José Ingeñeros a Paulo Freire, de Luis Felipe Alencastro a Merval Pereira (cito este, sem ironia, porque ele se tornou, depois que entrou para a Egrégia Academia, um intelectual mais importante que Fernando Henrique, para a direita brasileira) -de um extremo ao outro- a resposta seria “não”.
As divergências, porém, para chegar a estas possibilidades educativas são profundas. Para isso acontecer, na doutrina de Schiller, seria necessário a sociedade passar para um “Estado de Liberdade”, saindo do “Estado de Necessidade”, vigente à época. Para ele, o homem “físico, real, corresponde(ria) ao Estado Natural, oposto ao homem do Estado Moral”, pois o primeiro se formaria espontaneamente no tempo – nas forças da natureza, que hoje corresponderiam ao mercado – e o segundo “se forma(ria) na ideia”, a partir da vontade, portanto, no projeto por ele concebido: o primeiro Estado seria constituído pelo poder “natural” do mais forte, o segundo pela decisão da generosidade. O primeiro se imporia pela força, o segundo optaria por querer viver, socialmente, em equilíbrio e igualdade e a ideia moral - que ordinariamente registra uma ideia que o indivíduo faz de si mesmo - promoveria, através da vontade, uma sociedade baseada na solidariedade e na justiça.
A Revolução Francesa se fez pela força precedida pela ideia; a Revolução Alemã não se fez nem pela força precedida pela ideia, nem pela força das ideias morais. Que o digam Marx, Lassale, Goethe e Schiller: Seu resultado “moderno” foi o nazismo e a implementação da democracia política plena, na Alemanha, só foi possível como decorrência da sua derrota na 2a, Grande Guerra. Schiller tinha razão quanto à força constitutiva da ideia em qualquer processo histórico, mas se iludiu da possibilidade de que os homens pudessem construir uma vontade moral comum, puramente a partir da estética, sem luta e sem dissenso.
Independentemente de que sejam verdadeiras ou não - parcialmente ou integralmente - as informações transmitidas pelo oligopólio da mídia até o presente, sobre os agentes políticos do país (independentemente de que tenham sido absoluta ou relativamente manipuladas), as últimas notícias que circulam de que tanto Temer como Serra receberam dinheiro vivo, por fora das contribuições declaradas e legais, deslegitimam, em termos formais, em definitivo, toda a representação política nacional. E mais, comprovam que o poder golpista, desencadeado com a ideia moral de luta contra corrupção, está completamente falido e é essencialmente mentiroso. E que o país não será unificado em torno do Presidente interino nem este terá sua legitimidade reconhecida pela ampla maioria do “soberano” verdadeiro, na democracia, o povo constituinte.
O duplo tratamento que o oligopólio da mídia dá, de um lado para Dilma e Lula e, de outro, para a Confederação de Investigados e Denunciados que hoje governa o país - no que refere a sua responsabilização política - mostra, na verdade, que a intenção do impedimento da Presidenta foi, tanto o apressamento para o “ajuste” como a esperança de barrar os processos contra a corrupção, não a luta contra esta. Os agentes principais da corrupção continuam na cena política, e mais, continuam gerindo os seus interesses agora plenamente agrupados no Estado.
Isso determina que a única ideia moral, na atualidade -transformada em movimento político- capaz de oxigenar o ambiente democrático, bloquear a exceção não declarada que envenena o ambiente político nacional e aguça a crise econômica, é a ideia da devolução à soberania popular, do mandato presidencial, se ele for interrompido pelo “impeachment”. Mais importante do que prever se isso será possível, ou não, este movimento em defesa de um Plebiscito ou em defesa de uma Emenda para eleições diretas -que interrompam a ilegitimidade formal e material do Governo Temer- é a defesa de uma forma democrática (poder-se-ia dizer uma estética democrática), que inaugure uma nova hegemonia no âmbito das soluções para as crises da democracia representativa: elas devem ser resolvidas, sempre, com mais democracia, não com menos democracia. A hora, portanto, é muito mais de Schiller e Goethe e menos de Fernando Henrique e Merval Pereira. Mais Estado de Liberdade com soberania popular e menos Estado de Necessidade com os ajustes do capital financeiro.
* Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.
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