domingo, 28 de agosto de 2016

Serra põe em risco programa Mais Médicos

Por Ronnie Aldrin Silva, no site Brasil Debate:

O Programa Mais Médicos, lançado em 2013 com o objetivo de suprir a carência de médicos nos municípios do interior e nas periferias das grandes cidades do Brasil, e que leva atualmente mais de 18.000 médicos para estas regiões, corre o risco de deixar de assistir 38 das 63 milhões de pessoas atualmente atendidas.

Isto decorre do abalo na relação do governo interino com o cubano no que toca à operacionalidade e continuidade da cooperação no Programa. Se do lado brasileiro não há simpatia e habilidade diplomática, além do interesse em reduzir a participação de profissionais cubanos no programa; do lado cubano há a preocupação de que alguns termos da parceria sejam revistos, como a remuneração dos profissionais.

Cerca de 67% dos profissionais do Programa são oriundos da cooperação com Cuba, outros 24% são médicos com CRM brasileiro, além de 9% de intercambistas, formados no exterior. Todos atuam na Atenção Básica e nas equipes de Saúde da Família. A situação coloca em risco a substituição de 2.400 médicos cubanos que deverão retornar a Cuba após as eleições, bem como a totalidade de mais de 11.000 profissionais do país que possuem como data expiração do vínculo o mês de setembro de 2017.

Cobertura geográfica do Programa e possíveis impactos negativos

Conforme observa-se na Tabela 1, o PMM atualmente está presente em todos os estados da federação e em 4.058 municípios brasileiros, cerca de 72,9% do total. As regiões Norte, com 82,4%, e Nordeste, com 78,4%, são as que possuem maiores proporções de municípios pactuados. Já a região Sudeste, com 61,8% de seus municípios aderidos, é a que possui o menor percentual.


Fonte: Ministério da Saúde/2016

Nestes municípios, e em mais 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas, estão distribuídos os 18.240 médicos do Programa. As regiões que possuem maior quantidade de profissionais são a Nordeste, com 6.504 médicos, e Sudeste, com 5.298, concentrando praticamente 2/3 do total de profissionais do programa. A região Centro-Oeste é a que possui menor quantidade de profissionais, 1.318.

Das 62,9 milhões de pessoas assistidas atualmente pelo Programa, 22,4 milhões estão no Nordeste, 18,3 no Sudeste, 10 no Sul, 7,6 no Norte e 4,5 milhões na região Centro-Oeste.

Na figura 1 observam-se dois mapas. O primeiro mostra o território brasileiro praticamente coberto por municípios aderidos ao Programa. São apenas 1.512 cidades que não possuem demanda, ou não aderiram a esta política. É possível notar manchas de menor cobertura nos estados de Tocantins (apenas 53,2% de municípios aderidos), Minas Gerais (59,8%), São Paulo (59,7%), Piauí (66,5%) e Goiás (67,55), apesar de São Paulo e Minas Gerais serem dois dos três estados com maior número de profissionais do Programa, com 2.528 e 1.556 respectivamente.








No segundo mapa da figura 1, estimou-se a futura cobertura do Programa Mais Médicos caso a cooperação com o governo cubano não seja continuada, e o impacto é grande. Nota-se que os números praticamente se invertem, com apenas 1.569 municípios atendidos pelo programa e 4.001 descobertos. Apenas os estados do Ceará, Distrito Federal, além do Pará e Amazonas por terem municípios territorialmente grandes, apresentam cerca de metade ou mais de seus territórios cobertos pela parceria. Todos os demais estados sofreriam drasticamente pela redução do atendimento, o que causaria, além de desatendimento, uma sobrecarga no sistema público de atenção básica atual.

A distribuição da população atualmente atendida pelo PMM é demonstrada no primeiro mapa da figura 2, e percebe-se o contorno de cidades com as tonalidades laranja e marrom (acima de 10.000 pessoas atendidas por município) predominando no território nacional, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste, bem como nos polos urbanos de médio e grande porte de todas as regiões.

Estados como São Paulo (8,7 milhões de pessoas assistidas), Bahia (5,9 milhões), Minas Gerais 5,4 milhões), Ceará (5,1 milhões) e Rio Grande do Sul (4,4 milhões) são os com o maior número de pessoas beneficiadas pelos atendimentos do Programa.



Já no segundo mapa da mesma figura, onde estimou-se o impacto da saída dos profissionais cubanos, nota-se um cenário devastador. O número de pessoas assistidas no país cai de 62,9 milhões para 25 milhões de pessoas, com os mesmos estados supracitados numa população beneficiária bem inferior, sendo São Paulo (2,2 milhões de pessoas assistidas), Bahia (2,3 milhões), Minas Gerais (2 milhões), Ceará (2,8 milhões) e Rio Grande do Sul (1,8 milhões).

Uma política que vem dando certo

Muito combatido no início pela classe médica brasileira e suas entidades representantes,o Programa recebeu nota 9 de seus usuários em pesquisa realizada pela UFMG em mais de 700 municípios brasileiros. Cerca de 85% dos entrevistados informaram que o atendimento melhorou desde a implantação do Programa.

O atendimento mais humanizado, interessado e paciencioso, com presença diária dos médicos nas unidades básicas foram os elogios mais citados. Embora tenham indicado a melhora, as críticas ficaram por conta da dificuldade em retirar remédios e infraestrutura física dos postos de saúde.

Além dos dados anteriormente citados, o Programa atende cerca de 660.000 indígenas em 5.700 aldeias, já propiciou 5.306 novas vagas em cursos de medicina, sendo 1.690 em 23 novos cursos em universidades federais, criou 4.742 vagas em residências médicas para especialização em áreas da atenção básica, e melhorou a estrutura ou construiu cerca de 26.000 UBS. Notou-se uma ampliação de 33% no número de consultas realizadas nos municípios que participam do Mais Médicos, contra 15% observado em cidades que não aderiram à ação.

Com resultados consistentes e percebidos pela população, em uma atuação universalista e que combate a desigualdade social e a dificuldade de acesso a serviços públicos básicos para o pleno exercício da cidadania, o Programa Mais Médicos carece de uma maior atenção e melhor atuação por parte do atual governo. Exigindo, inclusive, a quebra de preconceitos políticos e um menor conservadorismo na formulação e gestão de políticas públicas, para que não se regrida nas políticas de atenção primária à saúde e se prejudique, em consequência, milhões de brasileiros.

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