Por Leonardo Sakamoto, em seu blog:
Setores econômicos dobraram a pressão sobre o governo Michel Temer, na última semana, para que ele corra com seu pacote de reformas a fim de reduzir o tamanho do Estado brasileiro. A justificativa pública é a retomada do crescimento econômico. Na prática, o momento é a oportunidade, já frustrada muitas vezes no último quarto de século, de implantar um outro projeto de país. Um projeto de um país para servir mais a empresas e menos a trabalhadores.
Isso não é novidade e é a razão, aliás, de seu grupo político ter tido sucesso no processo de impeachment de Dilma Rousseff. Não que ela acreditasse em um modelo de desenvolvimento sustentável e includente – basta ver o que é o crime chamado Belo Monte, menina de seus olhos. Mas apenas um governo que não foi eleito e que, por enquanto, não pode ser reeleito (por conta da lei da Ficha Limpa) e, por isso, não está preso à viabilidade eleitoral, é capaz de aprovar uma quantidade grande de propostas e projetos que enfiam o futuro do trabalhador mais pobre tanto na lama.
Pelo menos, é isso que o povo do dinheiro e seus representantes acreditava. Agora, estão vendo que as coisas são mais difíceis do que imaginavam. Não por conta da resistência da – agora – oposição, que não têm essa competência toda. Mas por sua incompetência política e suas próprias trapalhadas que fazem uma cena de Didi, Dedé, Mussum e Zacarias parecer Shakespeare.
Em outras palavras, tem gente cobrando a fatura e fazendo Michel começar a suar.
Desde a 1988, ao mesmo tempo que defendia a liberdade na economia, a Constituição previu que o poder público devia ser o responsável pela garantia da dignidade da população brasileira. Isso, é claro, fez com o Estado assumisse uma série de políticas que significam mais gastos. Agora, em momento de crise, busca-se jogar pela janela essas políticas que, não se engane, não voltarão no período de vacas gordas.
A sociedade mudou, a estrutura do mercado de trabalho mudou, a expectativa de vida mudou. Portanto, as regras que regem as relações trabalhistas e a Previdência Social podem e devem passar por discussões de tempos em tempos. E, caso se encontrem pontos de convergência que não depreciem a vida dos trabalhadores, não mudem as regras do jogo no meio de uma partida e atendam a essas mudanças, elas podem passar também por uma modernização.
Da mesma forma, entende-se que estamos em uma grande crise econômica e sacrifícios serão necessários. Mas o governo não pode aprovar, a toque de caixa, medidas que limitam o crescimento de investimento público nos próximos 20 anos, sem um debate mais profundo com a sociedade. Porque isso afetará os mais pobres e deixará os mais ricos passando ilesos pela turbulência.
Essa discussão não pode ser conduzida de forma autoritária ou em um curto espaço de tempo. Pois as medidas não devem servir para salvar o caixa público, o pescoço de um governo e o rendimento das classes mais abastadas, mas a fim de readequar o país diante das transformações sem tungar ainda mais o andar de baixo. Por exemplo, falar em imposição de uma idade mínima para aposentadoria sem considerar que os mais pobres começam a trabalhar mais cedo em atividades insalubres e morrem antes é desconhecer a realidade. Ou demonstrar muita má fé.
E o pior de tudo é que o discurso está sendo construído de forma que os trabalhadores achem muito justas as mudanças que vão lhes tirar direitos sem uma consulta prévia. No melhor estilo ''perdoa-me por me traíres'', de Nelson Rodrigues.
Porque, afinal de contas, uma eleição é exatamente isso: uma consulta sobre um projeto de governo ou de país que se quer implantar.
Não me perguntaram se quero reduzir o Estado brasileiro a ponto dele não ser capaz de garantir a qualidade de vida dos mais pobres. Perguntaram para vocês?
Se, em uma eleição presidencial, ganhasse uma candidatura que defenda abertamente tudo isso, ao menos o povão terá sido consultado sobre fatos que interferem em sua vida. E, se o rojão estourar lá na frente, será culpa de todos os envolvidos – inclusive eleitores.
Mas, neste momento, há uma tentativa de aproveitar um período de limbo de representatividade política e de alcance de legitimidade para ignorar a Constituição de 1988 e refundar a República – reduzindo o poder de fiscalização e de regulação do Estado ou mesmo de sua presença e ação.
Então, volto a uma ideia que já havia trazido aqui. Quero um plebiscito (também pode ser um referendo) para que o povo decida sobre o direito a terceirizar todas as atividades de uma empresa, sobre a reforma da Previdência com a imposição da idade mínima de 65 anos, sobre sindicatos e patrões poderem fechar acordos mesmo que esses desrespeitem direitos previstos na CLT, sobre a limitação do crescimento do investimento público citando as áreas que serão atingidas, sobre o afrouxamento do combate ao trabalho escravo por pressão de algumas empresas e certos fazendeiros, entre outros temas.
É claro que considero um risco incalculável uma maioria deliberar sobre direitos fundamentais, principalmente de minorias, em referendos e plebiscitos. Primeiro porque, não apenas no Brasil, mas em outros países, a percepção coletiva sobre o respeito aos direitos humanos é muito frágil. E a quantidade de informação sobre o outro (de que ele não é uma ameaça) e o nível de consciência da população são, simultaneamente, muito baixos. O que é uma mistura explosiva.
Porém, esse pacotão de medidas que está sendo tocado pelo governo federal, pelo Congresso Nacional e até pelo Supremo Tribunal Federal (que não deveria, mas tem decidido com cabeça de Poder Executivo) não tem respaldo popular e vai colocar em risco a efetividade de direitos fundamentais. Então, acho que a consulta é válida.
O debate público que se originaria disso seria, a meu ver, extremamente saudável para a população entender e discutir que tipo de Estado quer ter.
Eu também perguntaria sobre taxar grandes fortunas, ampliar a taxação de grandes heranças, aumentar a cobrança sobre as sonegações fiscal e previdenciária, retornar com o imposto de 15% sobre lucros e dividendos recebidos por donos e acionistas de empresas e reduzir o limite de jornada de trabalho semanal de 44 para 40 horas sem redução de salário.
Imagino que o povo que está passando a fatura a Michel Temer tem ojeriza a essas ideias, ou seja, bloqueariam a tentativa. E preferem até ''trocar'' novamente de presidente, caso este não aplique, no tempo que eles desejam, a agenda de redução do Estado. Já aprenderam que tirar e por presidente é bem, mas bem mais fácil do que ganhar no MasterChef.
Isso não é novidade e é a razão, aliás, de seu grupo político ter tido sucesso no processo de impeachment de Dilma Rousseff. Não que ela acreditasse em um modelo de desenvolvimento sustentável e includente – basta ver o que é o crime chamado Belo Monte, menina de seus olhos. Mas apenas um governo que não foi eleito e que, por enquanto, não pode ser reeleito (por conta da lei da Ficha Limpa) e, por isso, não está preso à viabilidade eleitoral, é capaz de aprovar uma quantidade grande de propostas e projetos que enfiam o futuro do trabalhador mais pobre tanto na lama.
Pelo menos, é isso que o povo do dinheiro e seus representantes acreditava. Agora, estão vendo que as coisas são mais difíceis do que imaginavam. Não por conta da resistência da – agora – oposição, que não têm essa competência toda. Mas por sua incompetência política e suas próprias trapalhadas que fazem uma cena de Didi, Dedé, Mussum e Zacarias parecer Shakespeare.
Em outras palavras, tem gente cobrando a fatura e fazendo Michel começar a suar.
Desde a 1988, ao mesmo tempo que defendia a liberdade na economia, a Constituição previu que o poder público devia ser o responsável pela garantia da dignidade da população brasileira. Isso, é claro, fez com o Estado assumisse uma série de políticas que significam mais gastos. Agora, em momento de crise, busca-se jogar pela janela essas políticas que, não se engane, não voltarão no período de vacas gordas.
A sociedade mudou, a estrutura do mercado de trabalho mudou, a expectativa de vida mudou. Portanto, as regras que regem as relações trabalhistas e a Previdência Social podem e devem passar por discussões de tempos em tempos. E, caso se encontrem pontos de convergência que não depreciem a vida dos trabalhadores, não mudem as regras do jogo no meio de uma partida e atendam a essas mudanças, elas podem passar também por uma modernização.
Da mesma forma, entende-se que estamos em uma grande crise econômica e sacrifícios serão necessários. Mas o governo não pode aprovar, a toque de caixa, medidas que limitam o crescimento de investimento público nos próximos 20 anos, sem um debate mais profundo com a sociedade. Porque isso afetará os mais pobres e deixará os mais ricos passando ilesos pela turbulência.
Essa discussão não pode ser conduzida de forma autoritária ou em um curto espaço de tempo. Pois as medidas não devem servir para salvar o caixa público, o pescoço de um governo e o rendimento das classes mais abastadas, mas a fim de readequar o país diante das transformações sem tungar ainda mais o andar de baixo. Por exemplo, falar em imposição de uma idade mínima para aposentadoria sem considerar que os mais pobres começam a trabalhar mais cedo em atividades insalubres e morrem antes é desconhecer a realidade. Ou demonstrar muita má fé.
E o pior de tudo é que o discurso está sendo construído de forma que os trabalhadores achem muito justas as mudanças que vão lhes tirar direitos sem uma consulta prévia. No melhor estilo ''perdoa-me por me traíres'', de Nelson Rodrigues.
Porque, afinal de contas, uma eleição é exatamente isso: uma consulta sobre um projeto de governo ou de país que se quer implantar.
Não me perguntaram se quero reduzir o Estado brasileiro a ponto dele não ser capaz de garantir a qualidade de vida dos mais pobres. Perguntaram para vocês?
Se, em uma eleição presidencial, ganhasse uma candidatura que defenda abertamente tudo isso, ao menos o povão terá sido consultado sobre fatos que interferem em sua vida. E, se o rojão estourar lá na frente, será culpa de todos os envolvidos – inclusive eleitores.
Mas, neste momento, há uma tentativa de aproveitar um período de limbo de representatividade política e de alcance de legitimidade para ignorar a Constituição de 1988 e refundar a República – reduzindo o poder de fiscalização e de regulação do Estado ou mesmo de sua presença e ação.
Então, volto a uma ideia que já havia trazido aqui. Quero um plebiscito (também pode ser um referendo) para que o povo decida sobre o direito a terceirizar todas as atividades de uma empresa, sobre a reforma da Previdência com a imposição da idade mínima de 65 anos, sobre sindicatos e patrões poderem fechar acordos mesmo que esses desrespeitem direitos previstos na CLT, sobre a limitação do crescimento do investimento público citando as áreas que serão atingidas, sobre o afrouxamento do combate ao trabalho escravo por pressão de algumas empresas e certos fazendeiros, entre outros temas.
É claro que considero um risco incalculável uma maioria deliberar sobre direitos fundamentais, principalmente de minorias, em referendos e plebiscitos. Primeiro porque, não apenas no Brasil, mas em outros países, a percepção coletiva sobre o respeito aos direitos humanos é muito frágil. E a quantidade de informação sobre o outro (de que ele não é uma ameaça) e o nível de consciência da população são, simultaneamente, muito baixos. O que é uma mistura explosiva.
Porém, esse pacotão de medidas que está sendo tocado pelo governo federal, pelo Congresso Nacional e até pelo Supremo Tribunal Federal (que não deveria, mas tem decidido com cabeça de Poder Executivo) não tem respaldo popular e vai colocar em risco a efetividade de direitos fundamentais. Então, acho que a consulta é válida.
O debate público que se originaria disso seria, a meu ver, extremamente saudável para a população entender e discutir que tipo de Estado quer ter.
Eu também perguntaria sobre taxar grandes fortunas, ampliar a taxação de grandes heranças, aumentar a cobrança sobre as sonegações fiscal e previdenciária, retornar com o imposto de 15% sobre lucros e dividendos recebidos por donos e acionistas de empresas e reduzir o limite de jornada de trabalho semanal de 44 para 40 horas sem redução de salário.
Imagino que o povo que está passando a fatura a Michel Temer tem ojeriza a essas ideias, ou seja, bloqueariam a tentativa. E preferem até ''trocar'' novamente de presidente, caso este não aplique, no tempo que eles desejam, a agenda de redução do Estado. Já aprenderam que tirar e por presidente é bem, mas bem mais fácil do que ganhar no MasterChef.
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