Por Heloisa T. Machado, no site The Intercept-Brasil:
A polêmica edição do programa Roda Viva exibida na última segunda-feira, dia 14, produzida pela TV Cultura, de São Paulo, e transmitida nacionalmente pela TV Brasil, é o maior exemplo do uso indevido dos meios de comunicação públicos, numa tentativa de transformá-los em “chapa branca”. Michel Temer foi o entrevistado do programa, e as perguntas foram todas apresentadas por jornalistas conhecidamente comprometidos com o discurso da mídia hegemônica.
Até o momento crucial do impeachment da presidenta Dilma, a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), mesmo que lhe pesem alguns erros e contradições, representou, para os que acreditam na comunicação pública, um espaço de exercício democrático, onde a expressão do contraditório, raramente presente na grande mídia conservadora e privada, pode se realizar.
Criada em 2008, por meio de uma medida provisória aprovada pelo Congresso, com apoio dos movimentos sociais e dos produtores independentes de audiovisual, a EBC nasceu a partir da Carta de Brasília, produzida pelo I Forum de TVs Públicas, em 2007, e entregue ao então presidente Lula. Porém, no alvorecer do que chamamos de golpe, apesar de seus aspectos aparentemente institucionais, outra medida provisória, assinada pelo então presidente em exercício, Rodrigo Maia (durante viagem de Michel Temer), surgia como vetor de forças em sentido contrário ao da MP que criou a EBC. A MP 744 dissolveu justamente o centro democrático da empresa, o Conselho Curador. A partir daí, um verdadeiro desmonte das principais estruturas da organização da EBC foi iniciado ali e continua em curso.
A ausência do Conselho gera inúmeros problemas. Não é por acaso que as estruturas organizacionais das TVs públicas em outros países (e de todos os órgãos de Comunicação) contam com a presença de conselheiros oriundos da sociedade civil. Formado por representantes de vários segmentos, organizados através de movimentos sociais, o controle público foi uma das principais demandas e conquistas dos ativistas e militantes da área da comunicação com o objetivo de manter uma participação social, coletiva e plural nos caminhos da empresa.
Esse equívoco, porque a empresa é estatal, costuma ser frequente. Evidentemente, pertencer ao Estado é diferente de pertencer e servir a um governo, a um ou mais partidos governantes ou a uma linha de pensamento ideológico e a interesses de grupos políticos específicos. O controle público é fundamental para garantir à empresa justamente seu caráter popular e verdadeiramente democrático, uma vez que seus recursos são frutos da contribuição da população que paga impostos. Através do acompanhamento e do aconselhamento da sociedade civil, exercidos democraticamente pelos conselheiros indicados, escolhidos e eleitos para representar uma gama variada de grupos diversos, o controlo social da Empresa Brasileira de Comunicação era e é ainda uma das prioridades dos movimentos organizados para lutar pela democratização dos meios de comunicação no país.
Como consequência da ausência do controle público exercido pelo Conselho, uma importante norma estabelecida para a nomeação do presidente da EBC foi violada, com a demissão do jornalista Ricardo Melo. Nomeado pela presidenta Dilma, Melo foi arbitrariamente exonerado duas vezes e sem um Conselho Curador que pudesse garantir seu direito ao exercício da presidência, num descumprimento das normas, regras e leis que regem a empresa. O período para nomear o presidente da EBC jamais poderia coincidir com a nomeação de um novo presidente da República, evitando-se, assim, que a comunicação pública esteja nas mãos dos grupos políticos que ocupam o poder.
A independência da EBC como órgão público está aí configurada. Esse aspecto é fundamental para garantir a independência ideológica da empresa, que deve corresponder à diversidade da população, evitando que ela se torne porta-voz oficial do governo – o que reduziria sua verdadeira função, que é ser a expressão ampla da sociedade civil em sua pluralidade.
A partir do momento em que o presidente da empresa é exonerado, na ausência do Conselho, havendo mudança nos rumos editoriais, podemos dizer que a EBC se alinha aos ideais da grande mídia privada e hegemônica, reforçando o campo desregulado da comunicação no Brasil.
Nossa mídia se movimenta em meio ao caos e às violações aos direitos humanos
Aliás, é importante salientar que, diferentemente de vários outros países, a televisão, no Brasil, nasceu, em 1950, da iniciativa privada, e talvez esse aspecto esteja na base do fato de não existir ainda um Marco Regulatório da Comunicação no Brasil. Nossa mídia se movimenta em meio ao caos e às violações aos direitos humanos, sobretudo ao direito à comunicação, crucial para nossa época tão voltada às tecnologias digitais.
Vale ressaltar que o espectro eletromagnético é um bem público, cedido, por meio de outorgas e concessões, a empresas de canais de televisão. Segundo a Constituição, toda a comunicação (assim como essa exploração dos canais) deve seguir objetivos culturais e educativos. A mídia privada e hegemônica desrespeita constantemente esses princípios constitucionais e, enquanto não houver um verdadeiro processo de normatização e a criação de um Marco Regulatório para as Comunicações, seremos manipulados pela opinião dos canais com maior público, cujo poder político é evidente, porém, inadequado.
O mais alarmante é que essas empresas concessionárias, numa tentativa de manipulação da opinião pública, usando nosso espectro eletromagnético público, classificam a regulação da mídia como censura. Ora, censura exercem esses canais ao pretender calar a voz dos que clamam por uma verdadeira liberdade de expressão, válida para todo o povo brasileiro.
Para finalizar, fica o alerta, já divulgado amplamente nas redes sociais, de que a EBC pretende comprar conteúdos da Rede Globo. Seria a mais pura prova da perda do espaço da nossa Empresa Brasileira de Comunicação, tão fundamental à população brasileira, ao lado de uma imensa rede de TVs públicas, comunitárias, universitárias e educativas, que contam com mais de duzentos canais existentes no país, mas que também sairiam perdendo, pelo aumento do poder hegemônico da mídia privada e seus interesses. Isso é liberdade de expressão? Para quem?
Até o momento crucial do impeachment da presidenta Dilma, a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), mesmo que lhe pesem alguns erros e contradições, representou, para os que acreditam na comunicação pública, um espaço de exercício democrático, onde a expressão do contraditório, raramente presente na grande mídia conservadora e privada, pode se realizar.
Criada em 2008, por meio de uma medida provisória aprovada pelo Congresso, com apoio dos movimentos sociais e dos produtores independentes de audiovisual, a EBC nasceu a partir da Carta de Brasília, produzida pelo I Forum de TVs Públicas, em 2007, e entregue ao então presidente Lula. Porém, no alvorecer do que chamamos de golpe, apesar de seus aspectos aparentemente institucionais, outra medida provisória, assinada pelo então presidente em exercício, Rodrigo Maia (durante viagem de Michel Temer), surgia como vetor de forças em sentido contrário ao da MP que criou a EBC. A MP 744 dissolveu justamente o centro democrático da empresa, o Conselho Curador. A partir daí, um verdadeiro desmonte das principais estruturas da organização da EBC foi iniciado ali e continua em curso.
A ausência do Conselho gera inúmeros problemas. Não é por acaso que as estruturas organizacionais das TVs públicas em outros países (e de todos os órgãos de Comunicação) contam com a presença de conselheiros oriundos da sociedade civil. Formado por representantes de vários segmentos, organizados através de movimentos sociais, o controle público foi uma das principais demandas e conquistas dos ativistas e militantes da área da comunicação com o objetivo de manter uma participação social, coletiva e plural nos caminhos da empresa.
Esse equívoco, porque a empresa é estatal, costuma ser frequente. Evidentemente, pertencer ao Estado é diferente de pertencer e servir a um governo, a um ou mais partidos governantes ou a uma linha de pensamento ideológico e a interesses de grupos políticos específicos. O controle público é fundamental para garantir à empresa justamente seu caráter popular e verdadeiramente democrático, uma vez que seus recursos são frutos da contribuição da população que paga impostos. Através do acompanhamento e do aconselhamento da sociedade civil, exercidos democraticamente pelos conselheiros indicados, escolhidos e eleitos para representar uma gama variada de grupos diversos, o controlo social da Empresa Brasileira de Comunicação era e é ainda uma das prioridades dos movimentos organizados para lutar pela democratização dos meios de comunicação no país.
Como consequência da ausência do controle público exercido pelo Conselho, uma importante norma estabelecida para a nomeação do presidente da EBC foi violada, com a demissão do jornalista Ricardo Melo. Nomeado pela presidenta Dilma, Melo foi arbitrariamente exonerado duas vezes e sem um Conselho Curador que pudesse garantir seu direito ao exercício da presidência, num descumprimento das normas, regras e leis que regem a empresa. O período para nomear o presidente da EBC jamais poderia coincidir com a nomeação de um novo presidente da República, evitando-se, assim, que a comunicação pública esteja nas mãos dos grupos políticos que ocupam o poder.
A independência da EBC como órgão público está aí configurada. Esse aspecto é fundamental para garantir a independência ideológica da empresa, que deve corresponder à diversidade da população, evitando que ela se torne porta-voz oficial do governo – o que reduziria sua verdadeira função, que é ser a expressão ampla da sociedade civil em sua pluralidade.
A partir do momento em que o presidente da empresa é exonerado, na ausência do Conselho, havendo mudança nos rumos editoriais, podemos dizer que a EBC se alinha aos ideais da grande mídia privada e hegemônica, reforçando o campo desregulado da comunicação no Brasil.
Nossa mídia se movimenta em meio ao caos e às violações aos direitos humanos
Aliás, é importante salientar que, diferentemente de vários outros países, a televisão, no Brasil, nasceu, em 1950, da iniciativa privada, e talvez esse aspecto esteja na base do fato de não existir ainda um Marco Regulatório da Comunicação no Brasil. Nossa mídia se movimenta em meio ao caos e às violações aos direitos humanos, sobretudo ao direito à comunicação, crucial para nossa época tão voltada às tecnologias digitais.
Vale ressaltar que o espectro eletromagnético é um bem público, cedido, por meio de outorgas e concessões, a empresas de canais de televisão. Segundo a Constituição, toda a comunicação (assim como essa exploração dos canais) deve seguir objetivos culturais e educativos. A mídia privada e hegemônica desrespeita constantemente esses princípios constitucionais e, enquanto não houver um verdadeiro processo de normatização e a criação de um Marco Regulatório para as Comunicações, seremos manipulados pela opinião dos canais com maior público, cujo poder político é evidente, porém, inadequado.
O mais alarmante é que essas empresas concessionárias, numa tentativa de manipulação da opinião pública, usando nosso espectro eletromagnético público, classificam a regulação da mídia como censura. Ora, censura exercem esses canais ao pretender calar a voz dos que clamam por uma verdadeira liberdade de expressão, válida para todo o povo brasileiro.
Para finalizar, fica o alerta, já divulgado amplamente nas redes sociais, de que a EBC pretende comprar conteúdos da Rede Globo. Seria a mais pura prova da perda do espaço da nossa Empresa Brasileira de Comunicação, tão fundamental à população brasileira, ao lado de uma imensa rede de TVs públicas, comunitárias, universitárias e educativas, que contam com mais de duzentos canais existentes no país, mas que também sairiam perdendo, pelo aumento do poder hegemônico da mídia privada e seus interesses. Isso é liberdade de expressão? Para quem?
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