No período de 2008 a 2015, os gastos reais do Ministério da Saúde aumentaram em 36,6%; já os destinados a medicamentos elevaram-se em 74%, mais do que o dobro, passando de R$ 8,5 bilhões para R$ 14,8 bilhões para o mesmo período. Os valores alocados em medicamentos aumentaram, inclusive em 2015, quando o Orçamento da Saúde decresceu em termos reais.
Em 2015, apenas três programas eram responsáveis por 76,8% de todo o gasto com medicamentos: CEAF (Componente Especializado de Assistência Farmacêutica), Imunobiológicos e Farmácia Popular. Foram também eles que apresentaram maior taxa de crescimento entre 2008 e 2015. Em 2008, o quadro era diferente: CEAF, CBAF (Componente Básico de Assistência Farmacêutica) e DST/Aids representavam boa parte do gasto.
Essa mudança demonstra uma alteração nas prioridades do governo para a política de medicamentos ao reduzir os gastos com os medicamentos distribuídos gratuitamente na atenção básica e ampliar os subsídios às farmácias privadas participantes do Programa Farmácia Popular. Também chama a atenção e requer mais investigações a redução da despesa com os medicamentos para DST/Aids, uma vez que o Brasil vive um aumento importante dos casos: a população vivendo com a doença no país passou de 700 mil em 2010 para 830 mil em 2015, com 15 mil mortes por ano.
O que mais chama atenção no Orçamento Temático de Medicamentos – fruto de recente publicação lançada pelo Inesc – é a evolução da despesa com demandas judiciais em âmbito federal ou custeadas pelo Ministério da Saúde. No período de 2008 a 2015 apresentou crescimento real de 1006%, saindo de R$ 103,8 milhões em 2008 para R$ 1,1 bilhão em 2015. Em proporção do Orçamento de Medicamentos, o percentual de gastos com judicialização que era de pouco mais de 1% em 2008 chegou a quase 8% em 2015.
Como o crescimento real do Orçamento de Medicamentos para o mesmo período foi da ordem de 74% no período de 2008 a 2015, e o da judicialização dos medicamentos foi de 1006%, é possível inferir que, mesmo que essa despesa esteja sendo prevista pelo Ministério da Saúde, necessariamente os demais componentes da Assistência Farmacêutica estão sofrendo um impacto orçamentário, ficando abaixo da real necessidade populacional, especialmente quando é considerado que a população brasileira cresce e o preço dos medicamentos aumenta.
O que mais chama atenção no Orçamento Temático de Medicamentos – fruto de recente publicação lançada pelo Inesc – é a evolução da despesa com demandas judiciais em âmbito federal ou custeadas pelo Ministério da Saúde. No período de 2008 a 2015 apresentou crescimento real de 1006%, saindo de R$ 103,8 milhões em 2008 para R$ 1,1 bilhão em 2015. Em proporção do Orçamento de Medicamentos, o percentual de gastos com judicialização que era de pouco mais de 1% em 2008 chegou a quase 8% em 2015.
Como o crescimento real do Orçamento de Medicamentos para o mesmo período foi da ordem de 74% no período de 2008 a 2015, e o da judicialização dos medicamentos foi de 1006%, é possível inferir que, mesmo que essa despesa esteja sendo prevista pelo Ministério da Saúde, necessariamente os demais componentes da Assistência Farmacêutica estão sofrendo um impacto orçamentário, ficando abaixo da real necessidade populacional, especialmente quando é considerado que a população brasileira cresce e o preço dos medicamentos aumenta.
Um dos sérios agravantes dessa alta de preços é o sistema de patentes. Baseadas em uma retórica de estímulo ao investimento em pesquisa e desenvolvimento, as patentes são consideradas por muitos como sinônimo de inovação. Porém, esta retórica esconde uma realidade muito diferente: o monopólio que elas criam permite às corporações farmacêuticas cobrar preços injustificáveis baseando-se em práticas abusivas.
O sistema brasileiro de patentes tomou a forma que tem hoje com a promulgação da lei de patentes no 9279 de 1996. Essa lei introduziu no ordenamento brasileiro a possibilidade de concessão de patentes para produtos e processos na área farmacêutica, que não existia na norma anterior. Ela submeteu a lei brasileira a uma imposição da OMC (Organização Mundial de Comércio): o TRIPS, sigla em inglês para Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio.
À época, a instalação de monopólios patentários era justificada pelo suposto incentivo aos investimentos em pesquisa e desenvolvimento pelas companhias privadas. No entanto, com mais de 20 anos da lei e do acordo TRIPS, os resultados estão muito aquém do esperado e as evidências apontam que aquela crença no sistema de patentes foi equivocada.
Passamos hoje por uma era de escassez na inovação na área farmacêutica. Nos Estados Unidos, que tem um dos maiores escritórios de registro de patentes do mundo e também um dos maiores mercados farmacêuticos, entre 85% e 90% de todos os novos medicamentos registrados apresentaram pouco ou nenhum benefício clínico para os pacientes, sem inovação de fato.
No Brasil, o setor privado está voltado muito para a produção, uma vez que é a etapa mais barata e que garante maior lucratividade, ignorando as necessidades de inovação em medicamentos para as doenças que afligem o povo brasileiro. O pouco de pesquisa e inovação existente está vinculado em grande parte aos institutos públicos de pesquisa e universidades públicas. Nesse cenário, é importante considerar o risco de redução do orçamento para a Função Ciência & Tecnologia frente a aprovação da EC 95, lei do teto dos gastos primários, considerando que o mesmo apresenta tendência de queda desde 2014 (Gráfico 1).
Orçamento Ciência & Tecnologia (valores corrigidos pelo IPCA a preço de 12/2016). Fonte: SIOP |
Retomando, a ideia de que o sistema de patentes é o meio para incentivar investimentos em pesquisa e desenvolvimento na área farmacêutica tem fundações muito frágeis. Depender das patentes significa dar às grandes companhias farmacêuticas – especialmente as transnacionais –as condições para aumentar preços abusivamente, muito acima de seus investimentos em pesquisa e do próprio custo de produção, já que poderão operar em um ambiente sem concorrência alguma por parte dos medicamentos genéricos.
Agravando esse cenário, o governo Temer presenteou a indústria farmacêutica com a Medida Provisória 754/2016, com a qual permite ajustes nos preços de medicamentos a qualquer tempo pelo Conselho de Ministros da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos. Até 20/12/16, só era possível reajustar o preço dos medicamentos uma vez ao ano, considerando a variação inflacionária.
O sistema de patentes nacional representa também um foco de controvérsias de poder na negociação para a compra de medicamentos. Um exemplo recente é o do sofosbuvir, novo medicamento para o tratamento da hepatite C que ingressou no mercado a um preço de US$ 1 mil por pílula. Em razão do montante abusivo, muitos países pressionaram a companhia detentora da patente para que reduzisse o preço. Ela o fez, mas o Brasil segue pagando muito mais pelo medicamento do que o seu custo real de produção, e mais ainda do que o preço dos genéricos desse medicamento produzidos na Índia, por exemplo. Demonstrando a injustiça desse sistema patentário, a empresa responsável por esse medicamento recuperou os investimentos alegados em seu desenvolvimento apenas no primeiro ano de vendas nos Estados Unidos.
Se pagamos muito por medicamentos, tanto no quanto é gasto pelo Estado quanto pelas famílias diretamente, certamente as patentes são um componente muito relevante do problema. Elas se beneficiam da estrutura jurídica – falha e repleta de brechas– que permite preços altos e o direcionamento da pesquisa aos interesses exclusivistas das corporações farmacêuticas. A alternativa a esse modelo? Reduzir as brechas para concessão e extensão das patentes de medicamentos, por meio da aprovação de projetos de lei que já tramitam no Congresso Nacional, com o objetivo de fazer o direito à saúde e aos medicamentos ser preponderante.
* Grazielle David é assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Walter Britto é pesquisador das Universidades Aliadas por Medicamentos Essenciais – UAEM Brasil.
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