Ilustração: Sherif Arafa/Cartoon Movement |
Se, até a eleição nos Estados Unidos, uma pergunta desafiadora às estratégias de comércio do Brasil era sobre os impactos da Parceria Transpacífico (Transpacific Partnership – TPP), a partir de agora, teremos dois novos desafios: 1) quais serão as novas parcerias do Pacífico; e 2) quais serão as novas estratégias dos Estados Unidos na área do comércio internacional.
Os acordos regionais de comércio, em formatos bilaterais e plurilaterais, ocuparam o espaço central da liberalização econômica internacional e das suas novas regras, desde o início do século XXI. Uma agenda regulatória ampla e profunda foi promovida por estas negociações, tendo os Estados Unidos como o principal – senão único – promotor de regras (rule maker) da cena internacional.
As campanhas à presidência nos Estados Unidos colocaram os acordos de comércio no centro do debate eleitoral. O discurso de Donald Trump atacou acordos já existentes, como o Nafta, apontando-os como causa da transferência de empregos para fora dos Estados Unidos e do enfraquecimento da indústria local.
Nesse contexto, Trump comprometeu-se a retirar os Estados Unidos do TPP, não ratificando o acordo. O resultado das eleições refletiu, em certa medida, o quanto uma camada de trabalhadores homens, brancos e com baixa escolaridade – a força de trabalho supostamente afetada por tais acordos de comércio – identificou-se com o discurso e passou a, definitivamente, rejeitar os novos modelos de acordos de comércio.
Uma vez eleito, fica a dúvida de como o governo Trump irá implementar suas promessas de reativar a produção industrial no território estadunidense. O impacto disso nas regras de comércio internacional tem sido, até o momento, apenas objeto de especulação na mídia e pelos especialistas da área, sem muitas conclusões.
Os acordos de comércio do século XXI não podem ser confundidos com movimentos de liberalização comercial, como o foram os acordos multilaterais e regionais de comércio do século XX. Eles não tratam com destaque a redução de tarifas e focam sobremaneira em regras e procedimentos administrativos, visando ao alinhamento de padrões que possam afetar o comércio internacional.
Exemplos interessantes estão em se se deve ou não controlar o fluxo de informações pela internet para favorecer ou estimular o comércio eletrônico e a padronização e equivalência de processos de certificação de produtos. Isso faz sentido quando se contrastam os principais promotores do TPP, Estados Unidos e Japão, com os seus índices de abertura comercial (OCDE) considerados dos mais baixos do mundo.
Isso reforça a tese de que o TPP é muito menos um acordo para liberalizar comércio do que para criar novos padrões regulatórios para o mundo, a partir da região do Pacífico, para estancar a influência da China.
O impulso dado pelos EUA ao TPP, na gestão Obama, fortaleceu a intenção dos países asiáticos em promover um acordo comum neste formato século XXI. Vale lembrar que o TPP derivou de uma iniciativa entre Nova Zelândia, Chile, Singapura e Brunei. Por essa e outras razões, o “abandono” pelos Estados Unidos do acordo na sua estratégia de política externa não significa a “morte” do acordo.
Alguns rumores indicam que as economias de médio porte do acordo – com destaque para Japão, Canadá e México – congregando o percentual de 85% do comércio entre as partes, mantêm o interesse de ratificar o acordo. Uma situação que, curiosamente, relembra 1947 quando os EUA desistiram de criar a Organização Internacional de Comércio (OIC), da qual sobreviveram partes de uma regulação-chave para o comércio internacional.
A sobrevivência do TPP significa que – com ou sem os Estados Unidos – um novo padrão de regras do comércio internacional, a partir de tratativas no espaço do Pacífico, poderá entrar em vigor, podendo influenciar futuras tratativas no comércio internacional, sejam elas multilaterais ou bilaterais.
Para o Brasil, isso já está se refletindo nas relações com alguns parceiros comerciais na América Latina, em especial com aqueles que integram a Aliança do Pacífico (Peru, Chile, Colômbia e México), e nas aproximações com o Canadá – todos ou integrantes do TPP ou desejosos de participar, no caso da Colômbia.
Sobre os Estados Unidos, fica ainda em aberto a questão de como poderão se desenvolver as relações bilaterais com o Brasil. Isso porque não há qualquer ilusão de que, sob a gestão Trump, as negociações multilaterais no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) sejam reativadas.
O recurso à OMC pode, no limite, ser reforçado com mais litigiosidade no âmbito do seu sistema de solução de controvérsias. Daí fica o alerta para os setores mais sensíveis na nossa relação bilateral, como é o caso do aço e alguns agrícolas.
No âmbito das negociações, se Trump fez um discurso anti-TPP e anti-globalização, isso não necessariamente é um discurso anti-comércio. Recentemente, Trump indicou que está disposto a negociar acordos bilaterais de comércio “justos” (fair, na expressão em inglês), como um contraponto ao TPP. Para combinar discurso com prática, será necessário desenhar uma nova estratégia para o comércio exterior, o que poderá trazer novos formatos de acordo.
O bilateralismo pode ser a principal diferença deste novo padrão de negociação. Se equiparar Trump ao modelo republicano mais recente de administração com Bush está correto, o bilateralismo no comércio tende a prevalecer. Bush contou com acordos de comércio como estruturas para a geopolítica de segurança, assinando acordos com países no Oriente Médio.
No caso de Trump, ainda não estão claros os parceiros eleitos. A geopolítica de contenção da China pode se dar por outros espaços na Ásia, como a articulação com Rússia e Taiwan. Como tem sido dito, a política de Trump para a Ásia pode assumir múltiplas configurações.
A América do Sul não é prioridade e isso ficou claro em sua completa ausência nos discursos eleitorais. Contudo, não se pode ignorar que países do porte do Brasil podem ser um espaço interessante para testes de novos acordos, considerando que o Brasil não está associado à imagem do governo Obama. E isso pode ficar como um alerta, em especial se a política externa brasileira confirmar a sua intenção de reaproximação com os Estados Unidos e acordos comerciais.
Os rumos da política comercial pós-Trump criam uma janela de incertezas. Ainda que o Brasil não tenha participado das negociações do TPP, esse acordo teria impactos importantes na economia brasileira relacionados a desvios de comércio e principalmente à criação de novos padrões regulatórios com impacto nas exportações brasileiras.
Atento a esta nova realidade, ainda no governo Dilma, o Brasil passou a considerar negociações bilaterais com parceiros eleitos como estratégicos em um contexto de TPP. Neste sentido, o Brasil se aproximou dos países da Aliança do Pacífico, gestando acordos influenciados pelo padrão TPP; flertou com os Estados Unidos a partir de uma série de iniciativas bilaterais em torno de convergência regulatória e facilitação de comércio; e está tentando retomar, via Mercosul, as negociações com a União Europeia.
Esses últimos passos da política comercial brasileira não necessariamente dialogam com o que pode vir, até mesmo porque estes novos dois passos da dança no comércio internacional – uma articulação entre países do Pacífico à la TPP e a nova política comercial de Trump – podem não se coordenar no futuro próximo.
* Michelle Ratton é professora associada da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, pesquisadora Fapesp e integrante do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI. Fabio Morosini é professor associado da Faculdade de Direito da UFRGS e pesquisador produtividade em pesquisa do CNPq. Publicado em Brasil no Mundo.
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