Por Immanuel Wallerstein, no site Outras Palavras:
Depois vieram as primárias da esquerda. Prevendo uma derrota humilhante, Hollande abandonou a disputa. Seu primeiro-ministro, Manuel Valls, entrou imediatamente na corrida. Esperava-se que vencesse, ao menos no primeiro turno. Valls colocou-se como o candidato do Establishment, apoiado pela ala direita da esquerda francesa e, em silêncio, por Hollande.
Dois ex-ministros de Hollande apresentaram-se como candidatos de esquerda, contra Valls. Armaud Montebourg havia renunciado devido às políticas de “austeridade” de Hollande. Benoit Hamon havia sido demitido por Hollande por se opor a estas políticas no interior do gabinete. Ambos sentiam que Hollande e Valls haviam traído a esquerda. Esperava-se que Montebourg fosse o segundo, após Valls, e que talvez vencesse no segundo turno.
Nada disso ocorreu. Valls, favorito, chegou em segundo no primeiro turno. O vencedor foi Hamon, e não Montebourg. Hamon recusou-se a apoiar o legado do governo de Hollande e Valls, e insistiu em debater novas políticas, propondo uma especialmente importante. De repente, a ala esquerda tornou-se importante nas primárias dos socialistas. Hamon obteve apoios de múltiplas correntes de esquerda e atropelou Valls no segundo turno com quase 58% dos votos.
Dois outros candidatos estão na disputa. Um é Emmanuel Macron, um ex-ministro de Hollande para quem as políticas do presidente não foram neoliberais o bastante. Ele recusou-se a disputar as primárias dos socialistas e formou seu próprio partido, En Marche! Aposta em seu programa – muito neoliberal em temas econômicos, mas muito progressista em questões sociais. O outro candidato é Jean-Luc Mélenchon, que há anos apresenta-se como a esquerda da esquerda. Seu partido chama-se “A França Insubmissa”, em referência àqueles que resistirão e não se deixarão subjugar. Por isso, classifica como não esquerdistas todos os que serviram ao governo de Hollande, mesmo que tenham renunciado ou sido demitidos.
Macron espera que seu programa atraia eleitores de classe média à esquerda e à direita. Após as primárias dos socialistas, muitos eleitores de Valls, descontentes com as posições de esquerda de Hamon, ameaçaram apoiar Macron. Este parecia, então, representar uma ameaça a Fillon no primeiro turno das eleições. Mélenchon não tem ilusões de que possa vencer desta vez, mas está se preparando para o futuro. É muito improvável que atenda aos apelos de Hamon para a unidade da esquerda.
Subitamente, surgiu um grande fato novo. O suposto comportamento financeiro exemplar de Fillon foi questionado. Ele colocou sua mulher e seus dois filhos na folha de pagamentos do governo, no que parece ter sido trabalho fictício. Não é uma prática incomum na França, mas os volumes de dinheiro são muito grandes e os fatos muito contrários ao que a candidatura de Fillon pregava. Os LR começaram um grande debate sobre um possível Plano B – que implicaria substituir Fillon.
Ocorre que trocar Fillon seria ainda pior para os LR do que mantê-lo candidato. Não há nenhum substituto óbvio e uma nova disputa racharia o partido. Além disso, Fillon contra-atacou, pedindo desculpas por seus malfeitos e sustentando que ainda pode vencer. O Plano B desapareceu e Fillon permanece candidato dos LR. A questão é saber quantos votos ele perdeu no primeiro turno devido às transgressões.
Como eu disse, todos os candidatos dizem ser anti-Establishment. É difícil para Fillon e Macron desempenhar este papel. Isso faz de Hamon o mais credenciado a representar mudança real. Mas para vencer o primeiro turno das eleições, ele precisa manter o Partido Socialista unido (até agora, ele conseguiu), atrair os eleitores de Mélenchon, conquistar os eleitores ecologistas (até agora, conseguiu) e puxar parte dos votos do centro. É muito difícil.
Onde estamos? Marine Le Pen, da FN, aparece nas pesquisas, há mais de um ano, com cerca de 25% dos votos. Parece ter estacionado, mas num patamar alto. Tenta atrair os apoiadores desiludidos de Fillon. Macron cresce nas pesquisas, assim como Hamon. Mélenchon não se move. E, como brincam os cartunistas, o Establishment são os outros.
Uma vitória de Hamon, no entanto, seria um grande acontecimento mundial. Seria a primeira vez, nos últimos anos, em que um candidato de esquerda, abertamente de esquerda, vence um grande disputa na Europa (ou em outra eleição relevante). Isso poderia reverter uma tendência global por partidos e candidatos à direita.
À medida em que a crise econômica continua a se espalhar, a ideia de que é possível vencer com um programa de esquerda pode ganhar nova legitimidade. Equivale ao que teria sido uma vitória de Bernie Senders nas primárias do Partido Democrata, nos EUA. Mas vale lembrar: tudo isso depende de os eleitores adivinharem quais serão os candidatos no segundo turno das eleições. Assumindo que Marine Le Pen tem 25% dos votos, restam 75% a dividir entre quatro outros candidatos.
Até 23 de abril, há muito tempo para que os eleitores decidam. As pesquisas mostram que a intensidade do apoio é pequena, especialmente para Machon. Por isso, pode-se esperar grande volatilidade nas pesquisas. É impossível assegurar que obterá os 20% provavelmente necessários para estar no segundo turno das eleições, em 7 de maio.
Há um ano, as eleições presidenciais francesas de 2017 pareciam muito seguras. Havia três partidos importantes: Les Républicains (LR), de centro-direita, o Partido Socialista (PS), de centro-esquerda e a Frente Nacional (FN), de ultra-direita. Como na França há normalmente dois turnos, com apenas dois candidatos no segundo, a questão central sempre é qual dos três será eliminado no primeiro turno.
Parecia certo que a FN estaria no segundo turno, encarnando o sentimento anti-Establishment. Parecia igualmente certo que o presidente François Hollande, caso tentasse a reeleição, perderia feio. Isso significa que o candidato dos LR estaria no segundo turno. Seria ainda mais provável se os LR escolhessem Alain Juppé, em vez do ex-presidente Nicolas Sarkozy. A maior parte das pessoas considerava que Juppé tinha muito maiores possibilidades de atrair os votos dos socialistas e do centro; e de ganhar a presidência.
Ou seja, a visão geral, há um ano, era de que os partidos do Establishment prevaleceriam, e de que Juppé sairia vencedor. Como estas previsões estavam erradas! Se a eleição de Trump nos Estados Unidos e a vitória do Brexit no Reino Unido foram inesperadas, estas surpresas apequenam-se diante do inesperado da situação atual na França. Há cinco candidatos viáveis para as eleições presidenciais. Todos eles (sim, todos) dizem ser anti-Establishment. Além disso, ninguém pode prever quais estarão no segundo turno. O primeiro turno será em 13 de abril e o eleitorado parece extremamente volátil.
Examinemos o motivo. O complicado sistema eleitoral francês procura favorecer os dois principais partidos do Establishment. Em geral, funciona. Presume-se, porém, que todos os eleitores votarão duas vezes. Desta vez, houve quatro ocasiões de voto – os dois turnos das primárias de cada partido e, agora, os dois turnos das eleições. Significa que cada eleitor deveria, já no primeiro turno das primárias, imaginar o resultado da terceira eleição (o primeiro turno das eleições presidenciais), para decidir que candidato apoiaria. A consequência desta missão impossível para os eleitores é que os resultados das primárias poderiam ser muito surpreendentes – e de fato foram.
As primárias dos LR foram as primeiras, ocorrendo em 20 e 27 de novembro de 2016. Nesta disputa, entre eleitores de direita e centro-direita, havia três candidatos principais. Na aparência, os dois com maior apoio eram Sarkozy e Juppé. O terceiro, bem atrás nas pesquisas, era François Fillon. Mas este disputou apresentando-se com um quê de anti-Establishment. Enfatizou o temas das operações financeiras suspeitas, de que Sarkozy estava sendo acusado e pelas quais Juppé foi anteriormente condenado. Também mostrou-se ultra-conservador em temas sociais, apelando ao voto católico.
Fillon surpreendeu a todos. Nas pesquisas, aparecia em terceiro, com cerca de 10% dos votos apenas. Na eleição, avançou cerca de 30 pontos e chegou em primeiro. Sua vitória foi tão flagrante que Sarkozy, o terceiro, passou a apoiá-lo (talvez, apenas para ferir Juppé). E Fillon venceu Juppé no segundo turno com o dobro dos votos.
Parecia certo que a FN estaria no segundo turno, encarnando o sentimento anti-Establishment. Parecia igualmente certo que o presidente François Hollande, caso tentasse a reeleição, perderia feio. Isso significa que o candidato dos LR estaria no segundo turno. Seria ainda mais provável se os LR escolhessem Alain Juppé, em vez do ex-presidente Nicolas Sarkozy. A maior parte das pessoas considerava que Juppé tinha muito maiores possibilidades de atrair os votos dos socialistas e do centro; e de ganhar a presidência.
Ou seja, a visão geral, há um ano, era de que os partidos do Establishment prevaleceriam, e de que Juppé sairia vencedor. Como estas previsões estavam erradas! Se a eleição de Trump nos Estados Unidos e a vitória do Brexit no Reino Unido foram inesperadas, estas surpresas apequenam-se diante do inesperado da situação atual na França. Há cinco candidatos viáveis para as eleições presidenciais. Todos eles (sim, todos) dizem ser anti-Establishment. Além disso, ninguém pode prever quais estarão no segundo turno. O primeiro turno será em 13 de abril e o eleitorado parece extremamente volátil.
Examinemos o motivo. O complicado sistema eleitoral francês procura favorecer os dois principais partidos do Establishment. Em geral, funciona. Presume-se, porém, que todos os eleitores votarão duas vezes. Desta vez, houve quatro ocasiões de voto – os dois turnos das primárias de cada partido e, agora, os dois turnos das eleições. Significa que cada eleitor deveria, já no primeiro turno das primárias, imaginar o resultado da terceira eleição (o primeiro turno das eleições presidenciais), para decidir que candidato apoiaria. A consequência desta missão impossível para os eleitores é que os resultados das primárias poderiam ser muito surpreendentes – e de fato foram.
As primárias dos LR foram as primeiras, ocorrendo em 20 e 27 de novembro de 2016. Nesta disputa, entre eleitores de direita e centro-direita, havia três candidatos principais. Na aparência, os dois com maior apoio eram Sarkozy e Juppé. O terceiro, bem atrás nas pesquisas, era François Fillon. Mas este disputou apresentando-se com um quê de anti-Establishment. Enfatizou o temas das operações financeiras suspeitas, de que Sarkozy estava sendo acusado e pelas quais Juppé foi anteriormente condenado. Também mostrou-se ultra-conservador em temas sociais, apelando ao voto católico.
Fillon surpreendeu a todos. Nas pesquisas, aparecia em terceiro, com cerca de 10% dos votos apenas. Na eleição, avançou cerca de 30 pontos e chegou em primeiro. Sua vitória foi tão flagrante que Sarkozy, o terceiro, passou a apoiá-lo (talvez, apenas para ferir Juppé). E Fillon venceu Juppé no segundo turno com o dobro dos votos.
Depois vieram as primárias da esquerda. Prevendo uma derrota humilhante, Hollande abandonou a disputa. Seu primeiro-ministro, Manuel Valls, entrou imediatamente na corrida. Esperava-se que vencesse, ao menos no primeiro turno. Valls colocou-se como o candidato do Establishment, apoiado pela ala direita da esquerda francesa e, em silêncio, por Hollande.
Dois ex-ministros de Hollande apresentaram-se como candidatos de esquerda, contra Valls. Armaud Montebourg havia renunciado devido às políticas de “austeridade” de Hollande. Benoit Hamon havia sido demitido por Hollande por se opor a estas políticas no interior do gabinete. Ambos sentiam que Hollande e Valls haviam traído a esquerda. Esperava-se que Montebourg fosse o segundo, após Valls, e que talvez vencesse no segundo turno.
Nada disso ocorreu. Valls, favorito, chegou em segundo no primeiro turno. O vencedor foi Hamon, e não Montebourg. Hamon recusou-se a apoiar o legado do governo de Hollande e Valls, e insistiu em debater novas políticas, propondo uma especialmente importante. De repente, a ala esquerda tornou-se importante nas primárias dos socialistas. Hamon obteve apoios de múltiplas correntes de esquerda e atropelou Valls no segundo turno com quase 58% dos votos.
Dois outros candidatos estão na disputa. Um é Emmanuel Macron, um ex-ministro de Hollande para quem as políticas do presidente não foram neoliberais o bastante. Ele recusou-se a disputar as primárias dos socialistas e formou seu próprio partido, En Marche! Aposta em seu programa – muito neoliberal em temas econômicos, mas muito progressista em questões sociais. O outro candidato é Jean-Luc Mélenchon, que há anos apresenta-se como a esquerda da esquerda. Seu partido chama-se “A França Insubmissa”, em referência àqueles que resistirão e não se deixarão subjugar. Por isso, classifica como não esquerdistas todos os que serviram ao governo de Hollande, mesmo que tenham renunciado ou sido demitidos.
Macron espera que seu programa atraia eleitores de classe média à esquerda e à direita. Após as primárias dos socialistas, muitos eleitores de Valls, descontentes com as posições de esquerda de Hamon, ameaçaram apoiar Macron. Este parecia, então, representar uma ameaça a Fillon no primeiro turno das eleições. Mélenchon não tem ilusões de que possa vencer desta vez, mas está se preparando para o futuro. É muito improvável que atenda aos apelos de Hamon para a unidade da esquerda.
Subitamente, surgiu um grande fato novo. O suposto comportamento financeiro exemplar de Fillon foi questionado. Ele colocou sua mulher e seus dois filhos na folha de pagamentos do governo, no que parece ter sido trabalho fictício. Não é uma prática incomum na França, mas os volumes de dinheiro são muito grandes e os fatos muito contrários ao que a candidatura de Fillon pregava. Os LR começaram um grande debate sobre um possível Plano B – que implicaria substituir Fillon.
Ocorre que trocar Fillon seria ainda pior para os LR do que mantê-lo candidato. Não há nenhum substituto óbvio e uma nova disputa racharia o partido. Além disso, Fillon contra-atacou, pedindo desculpas por seus malfeitos e sustentando que ainda pode vencer. O Plano B desapareceu e Fillon permanece candidato dos LR. A questão é saber quantos votos ele perdeu no primeiro turno devido às transgressões.
Como eu disse, todos os candidatos dizem ser anti-Establishment. É difícil para Fillon e Macron desempenhar este papel. Isso faz de Hamon o mais credenciado a representar mudança real. Mas para vencer o primeiro turno das eleições, ele precisa manter o Partido Socialista unido (até agora, ele conseguiu), atrair os eleitores de Mélenchon, conquistar os eleitores ecologistas (até agora, conseguiu) e puxar parte dos votos do centro. É muito difícil.
Onde estamos? Marine Le Pen, da FN, aparece nas pesquisas, há mais de um ano, com cerca de 25% dos votos. Parece ter estacionado, mas num patamar alto. Tenta atrair os apoiadores desiludidos de Fillon. Macron cresce nas pesquisas, assim como Hamon. Mélenchon não se move. E, como brincam os cartunistas, o Establishment são os outros.
Uma vitória de Hamon, no entanto, seria um grande acontecimento mundial. Seria a primeira vez, nos últimos anos, em que um candidato de esquerda, abertamente de esquerda, vence um grande disputa na Europa (ou em outra eleição relevante). Isso poderia reverter uma tendência global por partidos e candidatos à direita.
À medida em que a crise econômica continua a se espalhar, a ideia de que é possível vencer com um programa de esquerda pode ganhar nova legitimidade. Equivale ao que teria sido uma vitória de Bernie Senders nas primárias do Partido Democrata, nos EUA. Mas vale lembrar: tudo isso depende de os eleitores adivinharem quais serão os candidatos no segundo turno das eleições. Assumindo que Marine Le Pen tem 25% dos votos, restam 75% a dividir entre quatro outros candidatos.
Até 23 de abril, há muito tempo para que os eleitores decidam. As pesquisas mostram que a intensidade do apoio é pequena, especialmente para Machon. Por isso, pode-se esperar grande volatilidade nas pesquisas. É impossível assegurar que obterá os 20% provavelmente necessários para estar no segundo turno das eleições, em 7 de maio.
* Tradução de Antonio Martins.
0 comentários:
Postar um comentário