Por Paulo Kliass, no site Carta Maior:
Apesar de todas as denúncias e polêmicas envolvendo a Operação Carne Fraca da Polícia Federal dominando o noticiário, a turma do comando econômico na Esplanada parece não perder de vista o seu foco principal. Insistem, persistem e não desistem de forma obstinada em continuar praticando todo o tipo de maldades contra a nossa população e procuram se aperfeiçoar na prática de um tipo vil de liquidacionismo entreguista.
Ao que tudo indica, não bastaram os mais de dois anos seguidos de política econômica ortodoxa e profundamente inspirada do anacronismo criminoso do neoliberalismo. Afinal, o intento dos (ir)responsáveis pela economia foi plenamente atingido. O nosso PIB caiu 3,8% em 2015 e mais 3,6% no ano passado. Com o discurso falacioso a respeito da necessidade de se combater o risco da inflação e o déficit público estrutural e incontrolável, optaram pelo caminho mais fácil dos manuais de macroeconomia de quinta categoria. Ora, se há um descompasso entre procura e oferta, o caminho é cortar a demanda.
A perversidade de tal alquimia deliberada nos proporcionou o ingresso na mais profunda recessão de nossa História. A combinação explosiva de juros elevados com corte nas despesas públicas de natureza social jogou o Brasil no atual quadro desolador, típico de um pesadelo que se recusa a terminar. Tem-se a impressão de que o tempo histórico caminha para trás. Durante esse biênio de regressão econômica e social o governo assegurou a entrega de exatos R$ 909 bilhões do orçamento federal às instituições financeiras. Afinal, o rigor da austeridade fiscal também é seletivo. As despesas financeiras ficam de fora da contabilidade de quem reza pela cartilha do superávit primário. Assim, quase R$ 1 trilhão foi pelo ralo do parasitismo financista, ao passo que as rubricas associadas a gastos com saúde, previdência, assistência, educação e outros foram draconianamente reduzidas.
Desmonte e cortes
As informações sobre o desemprego seguem alarmantes, superando os 12% da população em condições de trabalhar, de acordo com a metodologia oficial do próprio IBGE. Assim temos mais de 13 milhões de indivíduos desempregados, sem contar as dificuldades todas da subnotificação, dos que se cansaram de buscar postos de trabalho e dos que são obrigados a se contentar com eventuais ganhos precários na informalidade. Com certeza não será por mera coincidência que a divulgação recente do Índice de Desenvolvimento Humano da ONU atestou o imobilismo da posição brasileira em 2015, quando deixou de exibir melhorias em sequência, como fazia até então.
Não bastasse esse caos dramático na área social, o governo exibe sorrisos de boca a boca para comemorar a continuidade da privatização do patrimônio público. Sim, pois o discurso do “fora Estado” é absolutamente coerente com a perspectiva do ajuste ortodoxo. Partindo da suposição de que a ação estatal é ineficiente por sua própria natureza, a equipe de Temer colocou em leilão mais 4 aeroportos sob controle da Infraero. Em sintonia com o que havia sido implementado por Dilma anos antes, a atual administração nem enrubesce as faces por se regozijar com o ingresso de míseros R$ 1,5 bilhão aos cofres do Tesouro Nacional em troca da outorga da exploração comercial dos complexos aeroportuários de Porto Alegre, Florianópolis, Fortaleza e Salvador.
A ausência de participantes brasileiros dentre os consórcios que disputaram os leilões chegou mesmo a ser considerada como fator positivo, pois assegurou que todos os vencedores fossem grupos constituídos por empresas estrangeiras. O valor que foi pago pelo direito de explorar comercialmente os empreendimentos até o longínquo 2047 equivale tão somente ao total de despesas com juros correspondentes a um único dia útil no mês de janeiro do presente ano.
Liquidacionismo entreguista
Esse é o mesmo raciocínio que está na base da decisão de Temer por encaminhar ao Congresso Nacional uma Medida Provisória autorizando a venda de terras de forma ilimitada para estrangeiros. Esse receituário também fundamenta a decisão de promover a entrega da exploração das reservas do Pré Sal para as multinacionais do setor petrolífero, bem como a estratégia do atual presidente da Petrobrás de promover a privatização da estatal por lotes.
E agora representantes do Ministério da Fazenda continuam batendo na tecla da necessidade do ajuste fiscal. Não bastou o atropelo para aprovar a chamada PEC do Fim do Mundo no Congresso Nacional no final do ano passado. Como todos nos lembramos, de acordo com a medida passam a ser congelados os gastos de natureza social orçamentários por duas longas décadas a partir desse ano. Empunhando sua espada em uma verdadeira cruzada contra o gasto público, a equipe econômica lança agora um novo ataque contra o pouco que ainda resta de espaço para política pública de bem estar social em nosso País.
Para além da Reforma da Previdência e da Reforma Trabalhista, a equipe da Fazenda clama por maiores gastos no Orçamento para um ano que mal começou e já vai rastejando em direção ao final. Tendo em vista a realidade provocada pela própria recessão encomendada e almejada pelo governo, o fato é que a estimativa de receitas feita no ano passado não está sendo confirmada. Parece óbvio. Afinal, a recessão diminui o ritmo da atividade econômica de forma generalizada, provocando de forma óbvia a queda na arrecadação tributária.
Novos cortes ou mais impostos
No entanto, não satisfeito com o estrago geral proporcionado, um alto dirigente do Ministério da Fazenda confirma à imprensa em 21 de março que "o governo vai fazer o que sempre prometeu fazer: cortar despesas". Pelo menos ele não escondeu sua franqueza: a única coisa que a equipe de Temer consegue propor face à gravidade da crise são cortes. E mais cortes. E mais cortes. Na dúvida, o tecnocrata ainda cometeu outro sincericídio: pegou carona em declarações anteriores do chefe Meirelles e saiu-se com um verdadeiro assombro para os patos da Avenida Paulista. Admitiu a possibilidade de elevar os impostos - ó imperdoável heresia! - caso a meta da Receita Federal não seja compatível ou haja alguma dificuldade em continuar a saga de passar a faca nos programas sociais.
O atual quadro da conjuntura é ainda mais dramático se levarmos em conta a inexistência de espaço para uma rota alternativa no interior do próprio governo Temer. Em razão de não terem sido eleitos para o imenso estrago que estão promovendo, seus integrantes parecem preocupados apenas em cumprir à risca o mandato recebido do financismo com a tarefa de concluir o desmonte do Estado brasileiro. E, além disso, destruir o mais rápido possível as paredes de contenção de direitos sociais ainda presentes em nossa Constituição e em nossa legislação.
Assim, a longa espera até 2018 pode ser mais do que agonizante. Ela será perigosamente fatal.
* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
Apesar de todas as denúncias e polêmicas envolvendo a Operação Carne Fraca da Polícia Federal dominando o noticiário, a turma do comando econômico na Esplanada parece não perder de vista o seu foco principal. Insistem, persistem e não desistem de forma obstinada em continuar praticando todo o tipo de maldades contra a nossa população e procuram se aperfeiçoar na prática de um tipo vil de liquidacionismo entreguista.
Ao que tudo indica, não bastaram os mais de dois anos seguidos de política econômica ortodoxa e profundamente inspirada do anacronismo criminoso do neoliberalismo. Afinal, o intento dos (ir)responsáveis pela economia foi plenamente atingido. O nosso PIB caiu 3,8% em 2015 e mais 3,6% no ano passado. Com o discurso falacioso a respeito da necessidade de se combater o risco da inflação e o déficit público estrutural e incontrolável, optaram pelo caminho mais fácil dos manuais de macroeconomia de quinta categoria. Ora, se há um descompasso entre procura e oferta, o caminho é cortar a demanda.
A perversidade de tal alquimia deliberada nos proporcionou o ingresso na mais profunda recessão de nossa História. A combinação explosiva de juros elevados com corte nas despesas públicas de natureza social jogou o Brasil no atual quadro desolador, típico de um pesadelo que se recusa a terminar. Tem-se a impressão de que o tempo histórico caminha para trás. Durante esse biênio de regressão econômica e social o governo assegurou a entrega de exatos R$ 909 bilhões do orçamento federal às instituições financeiras. Afinal, o rigor da austeridade fiscal também é seletivo. As despesas financeiras ficam de fora da contabilidade de quem reza pela cartilha do superávit primário. Assim, quase R$ 1 trilhão foi pelo ralo do parasitismo financista, ao passo que as rubricas associadas a gastos com saúde, previdência, assistência, educação e outros foram draconianamente reduzidas.
Desmonte e cortes
As informações sobre o desemprego seguem alarmantes, superando os 12% da população em condições de trabalhar, de acordo com a metodologia oficial do próprio IBGE. Assim temos mais de 13 milhões de indivíduos desempregados, sem contar as dificuldades todas da subnotificação, dos que se cansaram de buscar postos de trabalho e dos que são obrigados a se contentar com eventuais ganhos precários na informalidade. Com certeza não será por mera coincidência que a divulgação recente do Índice de Desenvolvimento Humano da ONU atestou o imobilismo da posição brasileira em 2015, quando deixou de exibir melhorias em sequência, como fazia até então.
Não bastasse esse caos dramático na área social, o governo exibe sorrisos de boca a boca para comemorar a continuidade da privatização do patrimônio público. Sim, pois o discurso do “fora Estado” é absolutamente coerente com a perspectiva do ajuste ortodoxo. Partindo da suposição de que a ação estatal é ineficiente por sua própria natureza, a equipe de Temer colocou em leilão mais 4 aeroportos sob controle da Infraero. Em sintonia com o que havia sido implementado por Dilma anos antes, a atual administração nem enrubesce as faces por se regozijar com o ingresso de míseros R$ 1,5 bilhão aos cofres do Tesouro Nacional em troca da outorga da exploração comercial dos complexos aeroportuários de Porto Alegre, Florianópolis, Fortaleza e Salvador.
A ausência de participantes brasileiros dentre os consórcios que disputaram os leilões chegou mesmo a ser considerada como fator positivo, pois assegurou que todos os vencedores fossem grupos constituídos por empresas estrangeiras. O valor que foi pago pelo direito de explorar comercialmente os empreendimentos até o longínquo 2047 equivale tão somente ao total de despesas com juros correspondentes a um único dia útil no mês de janeiro do presente ano.
Liquidacionismo entreguista
Esse é o mesmo raciocínio que está na base da decisão de Temer por encaminhar ao Congresso Nacional uma Medida Provisória autorizando a venda de terras de forma ilimitada para estrangeiros. Esse receituário também fundamenta a decisão de promover a entrega da exploração das reservas do Pré Sal para as multinacionais do setor petrolífero, bem como a estratégia do atual presidente da Petrobrás de promover a privatização da estatal por lotes.
E agora representantes do Ministério da Fazenda continuam batendo na tecla da necessidade do ajuste fiscal. Não bastou o atropelo para aprovar a chamada PEC do Fim do Mundo no Congresso Nacional no final do ano passado. Como todos nos lembramos, de acordo com a medida passam a ser congelados os gastos de natureza social orçamentários por duas longas décadas a partir desse ano. Empunhando sua espada em uma verdadeira cruzada contra o gasto público, a equipe econômica lança agora um novo ataque contra o pouco que ainda resta de espaço para política pública de bem estar social em nosso País.
Para além da Reforma da Previdência e da Reforma Trabalhista, a equipe da Fazenda clama por maiores gastos no Orçamento para um ano que mal começou e já vai rastejando em direção ao final. Tendo em vista a realidade provocada pela própria recessão encomendada e almejada pelo governo, o fato é que a estimativa de receitas feita no ano passado não está sendo confirmada. Parece óbvio. Afinal, a recessão diminui o ritmo da atividade econômica de forma generalizada, provocando de forma óbvia a queda na arrecadação tributária.
Novos cortes ou mais impostos
No entanto, não satisfeito com o estrago geral proporcionado, um alto dirigente do Ministério da Fazenda confirma à imprensa em 21 de março que "o governo vai fazer o que sempre prometeu fazer: cortar despesas". Pelo menos ele não escondeu sua franqueza: a única coisa que a equipe de Temer consegue propor face à gravidade da crise são cortes. E mais cortes. E mais cortes. Na dúvida, o tecnocrata ainda cometeu outro sincericídio: pegou carona em declarações anteriores do chefe Meirelles e saiu-se com um verdadeiro assombro para os patos da Avenida Paulista. Admitiu a possibilidade de elevar os impostos - ó imperdoável heresia! - caso a meta da Receita Federal não seja compatível ou haja alguma dificuldade em continuar a saga de passar a faca nos programas sociais.
O atual quadro da conjuntura é ainda mais dramático se levarmos em conta a inexistência de espaço para uma rota alternativa no interior do próprio governo Temer. Em razão de não terem sido eleitos para o imenso estrago que estão promovendo, seus integrantes parecem preocupados apenas em cumprir à risca o mandato recebido do financismo com a tarefa de concluir o desmonte do Estado brasileiro. E, além disso, destruir o mais rápido possível as paredes de contenção de direitos sociais ainda presentes em nossa Constituição e em nossa legislação.
Assim, a longa espera até 2018 pode ser mais do que agonizante. Ela será perigosamente fatal.
* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
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