Por Rodrigo Martins, na revista CartaCapital:
Passaram-se mais de dois anos desde a primeira citação ao senador Aécio Neves, presidente do PSDB, nas delações da Lava Jato como beneficiário dos desvios da estatal Furnas Centrais Elétricas. O primeiro a apontar a participação do tucano, ainda em 2014, foi o doleiro Alberto Youssef, um dos principais operadores do esquema de corrupção da Petrobras.
De lá para cá, o senador voltou a ser mencionado nos depoimentos do corrier de propinas Carlos Alexandre de Souza Rocha, do lobista Fernando Moura, do senador cassado Delcídio do Amaral, além de ser lembrado pelo ex-presidente da Transpetro, Sergio Machado, durante uma conversa com o senador Romero Jucá. "Quem não conhece o esquema do Aécio?”
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, aparentemente não conhecia, e levou 28 meses desde o primeiro relato de Youssef para tomar a iniciativa de convocar Aécio para um depoimento. O pedido, protocolado no Supremo Tribunal Federal em 23 de fevereiro, será analisado por Gilmar Mendes, responsável pelo inquérito contra o senador na Corte. Na petição, Janot também pede a oitiva de Delcídio do Amaral, do ex-ministro José Dirceu e do ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira, apontados como copartícipes da trama.
Janot demonstrou uma incomum cautela diante da sucessão de menções ao prócer tucano. Em outubro de 2014, Youssef descreveu a participação do parlamentar mineiro nos desvios de verbas da Furnas. Aécio, afirmou o doleiro, tinha influência sobre a diretoria da estatal e "receberia recursos por meio de sua irmã". Ouvido novamente sobre os fatos, o doleiro afirmou, no Termo de Declarações Complementares nº 21, que o PSDB, por meio de Aécio Neves, “dividiria” uma diretoria em Furnas com o PP de José Janene. Segundo o delator, o tucano teria recebido valores mensais, por intermédio de sua irmã, de uma das empresas contratadas por Furnas, a Bauruense, de 1994 a 2001.
O entregador de propinas do doleiro, Carlos Alexandre de Souza Rocha, afirmou, em delação premiada homologada pelo STF, ter entregado 300 mil reais no segundo semestre de 2013 a um diretor da UTC Engenharia no Rio de Janeiro, que lhe disse que o montante teria como destinatário o senador Aécio Neves. O trecho da delação de Rocha, conhecido como “Ceará” foi divulgado em dezembro de 2015 pela Folha de S. Paulo, mas não teria relação com o esquema de Furnas denunciado por Youssef.
Em março de 2015, o falecido ministro Teori Zavascki, então relator da Lava Jato no STF, retirou o sigilo de petições feitas pela Procuradoria Geral da República. Entre elas, o pedido de arquivamento do inquérito contra Aécio Neves. Janot entendeu que as declarações de Youssef eram "muito vagas e, sobretudo, assentadas em circunstâncias de ter ouvido os supostos fatos por intermédio de terceiros (um deles, inclusive, já falecido)”. De fato, boa parte das informações relatadas pelo doleiro eram atribuídas a Janene, morto em 2010.
À época, Aécio foi à forra. Afirmou receber a notícia do arquivamento como uma “homenagem”. Após o deboche, voltou à carga: “Foram infrutíferas as tentativas de setores do governo (Dilma) de envolver a oposição na investigação”. Talvez conseguisse manter a pose, não fossem as reiteradas menções ao seu nome por delatores.
Em fevereiro de 2015, o lobista Fernando Moura ressuscitou o esqueleto tucano. Segundo o delator, no fim de 2002, quando ainda se decidiam as composições para as diretorias de empresas e bancos estatais no primeiro mandato de Lula, houve uma reunião entre integrantes do PT. No encontro, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares teria afirmado o interesse de Aécio na indicação de um diretor em Furnas.
Segundo o delator, o pedido de indicação de Dimas Toledo para a direção da estatal teria sido feito diretamente ao ex-presidente Lula. A respeito da suposta divisão de propina, Moura afirmou que Toledo teria relatado como funcionava o esquema. "O Dimas na oportunidade me colocou que da mesma forma que eu coloquei o caso da Petrobras, em Furnas era igual. Ele falou: ‘Vocês não precisam nem aparecer aqui, vocês vão ficar um terço São Paulo, um terço nacional e um terço Aécio’”. Confira um vídeo com este trecho do depoimento de Moura [aqui].
Para os investigadores da força-tarefa da Lava Jato, ficou claro que um terço seria destinado ao núcleo político de Dirceu, a parte nacional ao PT e o restante ao senador tucano. O esquema de Furnas foi divulgado por CartaCapital em 2006, que revelou a existência de uma lista de propina paga a nomes de políticos do PSDB e seus aliados.
Em março de 2016, trechos da delação de Delcídio do Amaral, ex-lider do governo Dilma no Senado, ganharam as páginas dos jornais. Além de confirmar o relato de Yousseff, Amaral detalhou a participação de Toledo e da irmã de Aécio, Andréa Neves. Indicou, ainda, uma conta de titularidade da mãe do senador tucano, Inês Maria Neves Farias, no principado de Liechtenstein. Segundo Amaral, haveria uma fundação em nome de parlamentares neste reconhecido paraíso fiscal do centro da Europa.
Somente após a delação de Amaral, Janot solicitou a abertura de um inquérito contra Aécio, autorizado pelo STF em maio do ano passado. Em novembro de 2016, Gilmar Mendes permitiu a prorrogação das apurações por 60 dias. Como o prazo venceu em fevereiro, o procurador-geral solicitou mais dois meses de investigação.
Curiosamente, em maio de 2016, quase 50 dias após a homologação da delação de Amaral, Janot denunciou Lula ao Supremo por obstrução da Justiça. O procurador-geral justificou o pedido com um áudio gravado às escondidas por Bernardo Cerveró, filho do ex-diretor da área internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, no fim do ano anterior. O ator gravou uma conversa em um hotel de Brasília com Delcídio, um assessor e o até então advogado do seu pai, Edson Ribeiro, na qual trama-se um plano de fuga para o ex-diretor.
"As investigações ganharam novos contornos e se constatou que Luiz Inácio Lula da Silva, José Carlos Bumlai e Maurício Bumlai atuaram na compra do silêncio de Nestor Cerveró para proteger outros interesses, além daqueles inerentes a Delcídio e a André Esteves, dando ensejo ao aditamento da denúncia anteriormente oferecida", escreveu Janot.
O ministro Zavascki decidiu, porém, enviar a denúncia contra o ex-presidente para a Justiça de Brasília. "Tais fatos não possuem relação de pertinência imediata com as demais investigações relacionadas às fraudes no âmbito da Petrobras. Na verdade, dizem respeito à suposta prática de atos, pelos investigados, com a finalidade de impedir e de aviltar a colaboração premiada de Nestor Cerveró”, disse o magistrado.
Cada caso é um caso, não há dúvidas. Mas é curiosa a prudência de Janot com alguns investigados, e a celeridade com outros. Confira [aqui] pedido de Janot para colher os depoimentos de Aécio Neves, José Dirceu, Delcídio do Amaral e Silvio Pereira:
De lá para cá, o senador voltou a ser mencionado nos depoimentos do corrier de propinas Carlos Alexandre de Souza Rocha, do lobista Fernando Moura, do senador cassado Delcídio do Amaral, além de ser lembrado pelo ex-presidente da Transpetro, Sergio Machado, durante uma conversa com o senador Romero Jucá. "Quem não conhece o esquema do Aécio?”
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, aparentemente não conhecia, e levou 28 meses desde o primeiro relato de Youssef para tomar a iniciativa de convocar Aécio para um depoimento. O pedido, protocolado no Supremo Tribunal Federal em 23 de fevereiro, será analisado por Gilmar Mendes, responsável pelo inquérito contra o senador na Corte. Na petição, Janot também pede a oitiva de Delcídio do Amaral, do ex-ministro José Dirceu e do ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira, apontados como copartícipes da trama.
Janot demonstrou uma incomum cautela diante da sucessão de menções ao prócer tucano. Em outubro de 2014, Youssef descreveu a participação do parlamentar mineiro nos desvios de verbas da Furnas. Aécio, afirmou o doleiro, tinha influência sobre a diretoria da estatal e "receberia recursos por meio de sua irmã". Ouvido novamente sobre os fatos, o doleiro afirmou, no Termo de Declarações Complementares nº 21, que o PSDB, por meio de Aécio Neves, “dividiria” uma diretoria em Furnas com o PP de José Janene. Segundo o delator, o tucano teria recebido valores mensais, por intermédio de sua irmã, de uma das empresas contratadas por Furnas, a Bauruense, de 1994 a 2001.
O entregador de propinas do doleiro, Carlos Alexandre de Souza Rocha, afirmou, em delação premiada homologada pelo STF, ter entregado 300 mil reais no segundo semestre de 2013 a um diretor da UTC Engenharia no Rio de Janeiro, que lhe disse que o montante teria como destinatário o senador Aécio Neves. O trecho da delação de Rocha, conhecido como “Ceará” foi divulgado em dezembro de 2015 pela Folha de S. Paulo, mas não teria relação com o esquema de Furnas denunciado por Youssef.
Em março de 2015, o falecido ministro Teori Zavascki, então relator da Lava Jato no STF, retirou o sigilo de petições feitas pela Procuradoria Geral da República. Entre elas, o pedido de arquivamento do inquérito contra Aécio Neves. Janot entendeu que as declarações de Youssef eram "muito vagas e, sobretudo, assentadas em circunstâncias de ter ouvido os supostos fatos por intermédio de terceiros (um deles, inclusive, já falecido)”. De fato, boa parte das informações relatadas pelo doleiro eram atribuídas a Janene, morto em 2010.
À época, Aécio foi à forra. Afirmou receber a notícia do arquivamento como uma “homenagem”. Após o deboche, voltou à carga: “Foram infrutíferas as tentativas de setores do governo (Dilma) de envolver a oposição na investigação”. Talvez conseguisse manter a pose, não fossem as reiteradas menções ao seu nome por delatores.
Em fevereiro de 2015, o lobista Fernando Moura ressuscitou o esqueleto tucano. Segundo o delator, no fim de 2002, quando ainda se decidiam as composições para as diretorias de empresas e bancos estatais no primeiro mandato de Lula, houve uma reunião entre integrantes do PT. No encontro, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares teria afirmado o interesse de Aécio na indicação de um diretor em Furnas.
Segundo o delator, o pedido de indicação de Dimas Toledo para a direção da estatal teria sido feito diretamente ao ex-presidente Lula. A respeito da suposta divisão de propina, Moura afirmou que Toledo teria relatado como funcionava o esquema. "O Dimas na oportunidade me colocou que da mesma forma que eu coloquei o caso da Petrobras, em Furnas era igual. Ele falou: ‘Vocês não precisam nem aparecer aqui, vocês vão ficar um terço São Paulo, um terço nacional e um terço Aécio’”. Confira um vídeo com este trecho do depoimento de Moura [aqui].
Para os investigadores da força-tarefa da Lava Jato, ficou claro que um terço seria destinado ao núcleo político de Dirceu, a parte nacional ao PT e o restante ao senador tucano. O esquema de Furnas foi divulgado por CartaCapital em 2006, que revelou a existência de uma lista de propina paga a nomes de políticos do PSDB e seus aliados.
Em março de 2016, trechos da delação de Delcídio do Amaral, ex-lider do governo Dilma no Senado, ganharam as páginas dos jornais. Além de confirmar o relato de Yousseff, Amaral detalhou a participação de Toledo e da irmã de Aécio, Andréa Neves. Indicou, ainda, uma conta de titularidade da mãe do senador tucano, Inês Maria Neves Farias, no principado de Liechtenstein. Segundo Amaral, haveria uma fundação em nome de parlamentares neste reconhecido paraíso fiscal do centro da Europa.
Somente após a delação de Amaral, Janot solicitou a abertura de um inquérito contra Aécio, autorizado pelo STF em maio do ano passado. Em novembro de 2016, Gilmar Mendes permitiu a prorrogação das apurações por 60 dias. Como o prazo venceu em fevereiro, o procurador-geral solicitou mais dois meses de investigação.
Curiosamente, em maio de 2016, quase 50 dias após a homologação da delação de Amaral, Janot denunciou Lula ao Supremo por obstrução da Justiça. O procurador-geral justificou o pedido com um áudio gravado às escondidas por Bernardo Cerveró, filho do ex-diretor da área internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, no fim do ano anterior. O ator gravou uma conversa em um hotel de Brasília com Delcídio, um assessor e o até então advogado do seu pai, Edson Ribeiro, na qual trama-se um plano de fuga para o ex-diretor.
"As investigações ganharam novos contornos e se constatou que Luiz Inácio Lula da Silva, José Carlos Bumlai e Maurício Bumlai atuaram na compra do silêncio de Nestor Cerveró para proteger outros interesses, além daqueles inerentes a Delcídio e a André Esteves, dando ensejo ao aditamento da denúncia anteriormente oferecida", escreveu Janot.
O ministro Zavascki decidiu, porém, enviar a denúncia contra o ex-presidente para a Justiça de Brasília. "Tais fatos não possuem relação de pertinência imediata com as demais investigações relacionadas às fraudes no âmbito da Petrobras. Na verdade, dizem respeito à suposta prática de atos, pelos investigados, com a finalidade de impedir e de aviltar a colaboração premiada de Nestor Cerveró”, disse o magistrado.
Cada caso é um caso, não há dúvidas. Mas é curiosa a prudência de Janot com alguns investigados, e a celeridade com outros. Confira [aqui] pedido de Janot para colher os depoimentos de Aécio Neves, José Dirceu, Delcídio do Amaral e Silvio Pereira:
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