Por Leomar Daroncho, na revista Caros Amigos:
Viver à sombra do poder e intermediar negócios com Estado, preferencialmente realizando serviços cuja quantificação é de difícil aferição e confrontação é, desde muito cedo, um negócio que rende fortunas no Brasil. A terceirização é uma nova roupa dessa velha prática.
O discurso empresarial de que o Projeto de Lei da terceirização ampla – pendente de sanção presidencial - encaminharia a modernização das relações trabalhistas, “permitindo maior flexibilidade nas formas de contratação e procedimentos mais ágeis e adequados à realidade do setor produtivo”, não encontra sustentação na realidade.
Além das conhecidas consequências nocivas para o trabalhador, e para a sociedade, a terceirização é um grande problema para a Justiça do Trabalho. Consulta ao buscador de jurisprudência do site do Tribunal Superior do Trabalho - TST revela a ocorrência de 2.518.542 acórdãos e 827.650 decisões monocráticas com o termo “terceirização”.
São números e custos que devem ser agregados aos péssimos indicadores que acompanham a terceirização. Terceirizados trabalham maior número de horas; recebem remuneração cerca de 25% menor; permanecem menos tempo no emprego (cerca de 2,6 anos a menos); são mais suscetíveis a acidentes (80% das mortes no setor elétrico); recebem menos benefícios indiretos; estão sujeitos às piores condições de saúde e segurança no trabalho; são mais vulneráveis à exploração de trabalho escravo (constituem cerca de 80% resgatados); padecem com a fragmentação da representação sindical; e, quando “pejotizados”, perdem a proteção da CLT.
Viver à sombra do poder e intermediar negócios com Estado, preferencialmente realizando serviços cuja quantificação é de difícil aferição e confrontação é, desde muito cedo, um negócio que rende fortunas no Brasil. A terceirização é uma nova roupa dessa velha prática.
O discurso empresarial de que o Projeto de Lei da terceirização ampla – pendente de sanção presidencial - encaminharia a modernização das relações trabalhistas, “permitindo maior flexibilidade nas formas de contratação e procedimentos mais ágeis e adequados à realidade do setor produtivo”, não encontra sustentação na realidade.
Além das conhecidas consequências nocivas para o trabalhador, e para a sociedade, a terceirização é um grande problema para a Justiça do Trabalho. Consulta ao buscador de jurisprudência do site do Tribunal Superior do Trabalho - TST revela a ocorrência de 2.518.542 acórdãos e 827.650 decisões monocráticas com o termo “terceirização”.
São números e custos que devem ser agregados aos péssimos indicadores que acompanham a terceirização. Terceirizados trabalham maior número de horas; recebem remuneração cerca de 25% menor; permanecem menos tempo no emprego (cerca de 2,6 anos a menos); são mais suscetíveis a acidentes (80% das mortes no setor elétrico); recebem menos benefícios indiretos; estão sujeitos às piores condições de saúde e segurança no trabalho; são mais vulneráveis à exploração de trabalho escravo (constituem cerca de 80% resgatados); padecem com a fragmentação da representação sindical; e, quando “pejotizados”, perdem a proteção da CLT.
Sob o ponto de vista da sociedade, não podem ser ignorados os prejuízos ao desenvolvimento do mercado interno. Agrava-se a concentração de renda, com inversão do objetivo constitucional de redução das desigualdades. Também há preocupantes consequências nas contas da Previdência: incremento no custo anual com acidentes de trabalhadores, que já supera a casa dos 18 bilhões de reais, e redução da arrecadação em função da “pejotização”, da esperada redução geral dos salários dos trabalhadores e do tradicional calote aplicado pelas empresas terceirizadas.
Noutra frente, consulta ao buscador de jurisprudência do site do Superior Tribunal de Justiça (STJ) indica a ocorrência de 2.458 acórdãos com o termo “corrupção”. Nesse caso, é preciso considerar que os julgamentos costumam arrastar-se no tempo. Há grande número de processos aguardando julgamento. No Supremo Tribunal Federal (STF) há outros 662 acórdãos com o mesmo tema. Além dos Tribunais Superiores, há o acervo dos Tribunais de Justiça dos estados. Apenas no Tribunal de Justiça de São Paulo há 36.763 acórdãos com o tema “corrupção”.
Como se vê, “terceirização” e “corrupção” são itens importantes na pauta do Judiciário brasileiro. E não é raro que os dois temas andem de mãos dadas.
Ao contrário, são inúmeras as notícias de investigações de casos em que a terceirização – por vezes “forçando a barra” - é utilizada como estratégia para facilitar a corrupção.
Com maior ou menor repercussão, é frequente a constatação do entrecruzamento de investigações trabalhistas, cíveis, eleitorais e criminais, que apontam a utilização da terceirização como mecanismo para o financiamento de campanhas eleitorais e/ou para o enriquecimento ilícito de agentes públicos e privados.
São notórios os casos que desnudam a relação estreita entre terceirização e corrupção na Administração Pública. Recentemente, ganhou visibilidade o caso da terceirização nos presídios, com indícios de corrupção e doações eleitorais. Também há inúmeras denúncias e investigações nas áreas da saúde e da educação.
Conforme registrado pela procuradora Regional do Trabalho Ileana Neiva Mousinho, criam-se atalhos para acesso aos cofres públicos. Em geral, parte-se da contratação emergencial, com dispensa de licitação, de empresas prestadoras de serviços terceirizados ou de falsas organizações sem fins lucrativos. No processo, tem-se o superfaturamento de preços dos contratos de prestação de serviços que servem, ainda, aos interesses econômicos e eleitorais de políticos que engendram a sua contratação.
Como se vê, sofisticou-se um antigo meio de enriquecimento fácil, ilícito, que contempla o interesse econômico de agentes públicos e privados, em prejuízo do interesse público e do trabalhador.
No Tribunal Superior do Trabalho há ao menos 146 acórdãos que acusam esse pernicioso entrelaçamento de interesses. Num deles (Processo n° TST-AIRR-11307-27.2014.5.15.0095), o Ministro Vieira de Mello Filho registra os tortuosos caminhos da terceirização. Em seu voto, o Ministro assegurou a responsabilidade do Estado, tomador dos serviços terceirizados, como forma de impedir a blindagem do Poder Público e o injusto empobrecimento do trabalhador.
Assinalou o Ministro que eventual entendimento jurisprudencial que exonere de responsabilidade um mau administrador permitiria a violação de direitos trabalhistas. Abriria “margem para amplas possibilidades de corrupção e desvios de recursos públicos e estaria a coadunar com um paradigma de Estado incompatível com o Estado Democrático de Direito”.
Caso emblemático desse modo de agir que privilegia a esperteza, em detrimento da sociedade e dos direitos do trabalhador, foi registrado pelo juiz do Trabalho Higor Marcelino Sanches, em 2012, na Vara do Trabalho de Sorriso (cidade com cerca de 80 mil habitantes situada a 420km de Cuiabá - MT). O magistrado declarou a nulidade do contrato de gestão firmado entre o Estado de Mato Grosso e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Social e Humano (INDSH) para o gerenciamento e a operacionalização do Hospital Regional de Sorriso.
A sentença registra que a Organização Social de Saúde (OSS) intermediara a contratação de parte da mão de obra pelo expediente da “pejotização”: exigia que os trabalhadores constituíssem pessoas jurídicas para a prestação dos serviços - prática ilegal que permite burlar o direito trabalhista e afastar a incidência de tributos. Também registra que o expediente serve como “porta ou brecha” para frustrar o critério constitucional do concurso público.
Analisando detalhes formais e financeiros do contrato firmado entre o Estado e a OSS – constatou que o Governo do Estado ficou responsável pelo repasse de cerca de 48 milhões de reais, dos quais 10% são destinados aos cofres da Organização – o magistrado assinalou que a característica remuneratória do ajuste fere “de morte a natureza da Organização Social, pois essa não pode ter fins lucrativos, o que, desde já, levaria a anulação do contrato de gestão”. Além disso, o Estado realizou a escolha da organização gestora por meio de um Chamamento Público, quando o correto seria realizar uma licitação na modalidade Concorrência.
Esse processo acabou submetido, nos recursos, às intercorrências do intrincado universo processual. A OSS continuou operando.
No acervo da Vara do Trabalho de Sorriso já se constata a existência de ao menos 26 reclamações trabalhistas referentes ao contrato (é provável que o número cresça). No geral, as sentenças reconhecem o vínculo de emprego e, diante da omissão, deferem compensação a título de danos morais. Ou seja, comprovada a fraude, impõe-se o reconhecimento do vínculo, pelo princípio da primazia da realidade, e o Estado ainda responderá, subsidiariamente, pelos direitos subtraídos dos trabalhadores acrescidos de uma indenização. Prejuízo para a sociedade!
Mais do que isso, em junho de 2016, em razão da gravidade das denúncias e situações encontradas na gestão feita pela OSS, que indicavam iminentes riscos quanto à regularidade do gerenciamento, e tendo em vista os relatórios que apontaram o descumprimento de cláusulas do contrato de gestão o Governo do estado publicou decreto de intervenção na unidade. Além da ocupação do imóvel, com utilização de bens móveis, equipamentos, utensílios e recursos humanos, autorizou as medidas necessárias à recuperação e à regularização do gerenciamento da unidade hospitalar. Ou seja, mais prejuízo para a sociedade!
As denúncias ocorrem em grande número. Os métodos e as irregularidades da “modernidade” se assemelham.
Em setembro de 2016, a Polícia Federal realizou a Operação “Maus Caminhos”. Prendeu o médico e empresário Mohamad Moustafá, que seria o chefe de um esquema que desviava recursos da saúde pública também em GO, MG e SP. Segundo a denúncia, agentes públicos deixaram de fazer licitações e concursos públicos para a atuação na área da saúde. Celebraram contratos de gestão com a organização social Novos Caminhos. A Operação sequestrou carros, imóveis de luxo e aeronaves.
Em 20/10/2016, o Ministério Público de Contas do Distrito Federal reportou ao Tribunal de Contas do Distrito Federal (Processo nº 27.787/2016) as irregularidades no processo de qualificação da Organização Social Novos Caminhos, que pretendia atuar no DF.
A procuradora-geral Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira assinalou que as empresas do Sr. Mohamed Moustafá “foram doadores de campanha do Governador Rodrigo Rollemberg”.
Destacou que os contratos de gestão analisados “não atendem ao interesse público e representam enorme prejuízo ao erário, pois, as qualificações, bem como os contratos de gestão, ao que parecem e indicam os documentos carreados aos autos, buscam outros interesses, mas não o da população que definha na busca de atendimento médico no DF”.
O Distrito Federal já havia sido vítima dessa “modernidade”.
Em abril de 2012, atendendo à recomendação do Ministério Público (MPDFT), o GDF revogou a qualificação da associação Real Sociedade Espanhola, que administrava o Hospital Regional de Santa Maria, como Organização Social. Dentre outras irregularidades, a investigação apurou que a OS não executou diretamente o contrato de gestão, subcontratando a realização de serviços essenciais de saúde de outras pessoas jurídicas. Também indicou que a associação obteve a qualificação como organização social com base em dispositivos da Lei Distrital 4.081/08, que vieram a ser declarados inconstitucionais por conter dispositivos casuístas. Estabeleciam privilégios à organização social na observância dos requisitos para a qualificação como OS.
O site do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (Brasília) informa que há mais de duas centenas de sentenças em reclamações trabalhistas referentes ao contrato. O estrago para o GDF, que responde subsidiariamente pelos direitos subtraídos dos trabalhadores, não será pequeno. Mais prejuízo para a sociedade que recebeu serviço de má qualidade!
A mesma Real Sociedade Espanhola de Beneficência está envolvida em ações de improbidade da procuradoria da república na Bahia, que questionam prejuízo de mais de R$ 40 milhões em Salvador - BA. Juntamente com ela, gestores públicos respondem por improbidade e por irregularidades na terceirização de programas de saúde. Segundo o MPF, a auditoria apontou que em alguns meses o pagamento da taxa de administração representou o item de custo mais elevado da prestação de serviço e também houve sonegação de encargos sociais. A notícia do MPF indica que foram seis anos de terceirização irregular dos Programas Saúde da Família e de Agentes Comunitários de Saúde.
Viver à sombra do poder e intermediar negócios com Estado, preferencialmente realizando serviços cuja quantificação é de difícil aferição e confrontação é, desde muito cedo, um negócio que rende fortunas no Brasil. A terceirização é uma nova roupa dessa velha prática.
São muitos os exemplos trágicos e as notícias tristes dessa aclamada “modernidade”.
O modelo não garante a segurança jurídica, tão desejada pelos agentes econômicos. Além disso, produz serviços de má qualidade para a população e gera grandes prejuízos para o erário. Na perspectiva trabalhista, tem forte potencial de transferir renda em sentido inverso ao comando constitucional que deveria orientar as relações econômicas para a erradicação da pobreza e para a redução das desigualdades sociais.
Esse lado obscuro da terceirização – a corrupção - já era conhecida no período do império.
Há registros de que o melhor e mais divertido amigo do Dom Pedro I, Chalaça, enriqueceu à sombra do Imperador. Dedicou-se aos negócios escusos. Cobrando bem, destacou-se como serviçal competente e indispensável. Como se vê, não há nada de moderno em explorar a proximidade com o poder para, produzindo generosos benefícios privados, socializar os danos da atuação irresponsável.
* Leomar Daroncho é Procurador do Trabalho.
Noutra frente, consulta ao buscador de jurisprudência do site do Superior Tribunal de Justiça (STJ) indica a ocorrência de 2.458 acórdãos com o termo “corrupção”. Nesse caso, é preciso considerar que os julgamentos costumam arrastar-se no tempo. Há grande número de processos aguardando julgamento. No Supremo Tribunal Federal (STF) há outros 662 acórdãos com o mesmo tema. Além dos Tribunais Superiores, há o acervo dos Tribunais de Justiça dos estados. Apenas no Tribunal de Justiça de São Paulo há 36.763 acórdãos com o tema “corrupção”.
Como se vê, “terceirização” e “corrupção” são itens importantes na pauta do Judiciário brasileiro. E não é raro que os dois temas andem de mãos dadas.
Ao contrário, são inúmeras as notícias de investigações de casos em que a terceirização – por vezes “forçando a barra” - é utilizada como estratégia para facilitar a corrupção.
Com maior ou menor repercussão, é frequente a constatação do entrecruzamento de investigações trabalhistas, cíveis, eleitorais e criminais, que apontam a utilização da terceirização como mecanismo para o financiamento de campanhas eleitorais e/ou para o enriquecimento ilícito de agentes públicos e privados.
São notórios os casos que desnudam a relação estreita entre terceirização e corrupção na Administração Pública. Recentemente, ganhou visibilidade o caso da terceirização nos presídios, com indícios de corrupção e doações eleitorais. Também há inúmeras denúncias e investigações nas áreas da saúde e da educação.
Conforme registrado pela procuradora Regional do Trabalho Ileana Neiva Mousinho, criam-se atalhos para acesso aos cofres públicos. Em geral, parte-se da contratação emergencial, com dispensa de licitação, de empresas prestadoras de serviços terceirizados ou de falsas organizações sem fins lucrativos. No processo, tem-se o superfaturamento de preços dos contratos de prestação de serviços que servem, ainda, aos interesses econômicos e eleitorais de políticos que engendram a sua contratação.
Como se vê, sofisticou-se um antigo meio de enriquecimento fácil, ilícito, que contempla o interesse econômico de agentes públicos e privados, em prejuízo do interesse público e do trabalhador.
No Tribunal Superior do Trabalho há ao menos 146 acórdãos que acusam esse pernicioso entrelaçamento de interesses. Num deles (Processo n° TST-AIRR-11307-27.2014.5.15.0095), o Ministro Vieira de Mello Filho registra os tortuosos caminhos da terceirização. Em seu voto, o Ministro assegurou a responsabilidade do Estado, tomador dos serviços terceirizados, como forma de impedir a blindagem do Poder Público e o injusto empobrecimento do trabalhador.
Assinalou o Ministro que eventual entendimento jurisprudencial que exonere de responsabilidade um mau administrador permitiria a violação de direitos trabalhistas. Abriria “margem para amplas possibilidades de corrupção e desvios de recursos públicos e estaria a coadunar com um paradigma de Estado incompatível com o Estado Democrático de Direito”.
Caso emblemático desse modo de agir que privilegia a esperteza, em detrimento da sociedade e dos direitos do trabalhador, foi registrado pelo juiz do Trabalho Higor Marcelino Sanches, em 2012, na Vara do Trabalho de Sorriso (cidade com cerca de 80 mil habitantes situada a 420km de Cuiabá - MT). O magistrado declarou a nulidade do contrato de gestão firmado entre o Estado de Mato Grosso e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Social e Humano (INDSH) para o gerenciamento e a operacionalização do Hospital Regional de Sorriso.
A sentença registra que a Organização Social de Saúde (OSS) intermediara a contratação de parte da mão de obra pelo expediente da “pejotização”: exigia que os trabalhadores constituíssem pessoas jurídicas para a prestação dos serviços - prática ilegal que permite burlar o direito trabalhista e afastar a incidência de tributos. Também registra que o expediente serve como “porta ou brecha” para frustrar o critério constitucional do concurso público.
Analisando detalhes formais e financeiros do contrato firmado entre o Estado e a OSS – constatou que o Governo do Estado ficou responsável pelo repasse de cerca de 48 milhões de reais, dos quais 10% são destinados aos cofres da Organização – o magistrado assinalou que a característica remuneratória do ajuste fere “de morte a natureza da Organização Social, pois essa não pode ter fins lucrativos, o que, desde já, levaria a anulação do contrato de gestão”. Além disso, o Estado realizou a escolha da organização gestora por meio de um Chamamento Público, quando o correto seria realizar uma licitação na modalidade Concorrência.
Esse processo acabou submetido, nos recursos, às intercorrências do intrincado universo processual. A OSS continuou operando.
No acervo da Vara do Trabalho de Sorriso já se constata a existência de ao menos 26 reclamações trabalhistas referentes ao contrato (é provável que o número cresça). No geral, as sentenças reconhecem o vínculo de emprego e, diante da omissão, deferem compensação a título de danos morais. Ou seja, comprovada a fraude, impõe-se o reconhecimento do vínculo, pelo princípio da primazia da realidade, e o Estado ainda responderá, subsidiariamente, pelos direitos subtraídos dos trabalhadores acrescidos de uma indenização. Prejuízo para a sociedade!
Mais do que isso, em junho de 2016, em razão da gravidade das denúncias e situações encontradas na gestão feita pela OSS, que indicavam iminentes riscos quanto à regularidade do gerenciamento, e tendo em vista os relatórios que apontaram o descumprimento de cláusulas do contrato de gestão o Governo do estado publicou decreto de intervenção na unidade. Além da ocupação do imóvel, com utilização de bens móveis, equipamentos, utensílios e recursos humanos, autorizou as medidas necessárias à recuperação e à regularização do gerenciamento da unidade hospitalar. Ou seja, mais prejuízo para a sociedade!
As denúncias ocorrem em grande número. Os métodos e as irregularidades da “modernidade” se assemelham.
Em setembro de 2016, a Polícia Federal realizou a Operação “Maus Caminhos”. Prendeu o médico e empresário Mohamad Moustafá, que seria o chefe de um esquema que desviava recursos da saúde pública também em GO, MG e SP. Segundo a denúncia, agentes públicos deixaram de fazer licitações e concursos públicos para a atuação na área da saúde. Celebraram contratos de gestão com a organização social Novos Caminhos. A Operação sequestrou carros, imóveis de luxo e aeronaves.
Em 20/10/2016, o Ministério Público de Contas do Distrito Federal reportou ao Tribunal de Contas do Distrito Federal (Processo nº 27.787/2016) as irregularidades no processo de qualificação da Organização Social Novos Caminhos, que pretendia atuar no DF.
A procuradora-geral Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira assinalou que as empresas do Sr. Mohamed Moustafá “foram doadores de campanha do Governador Rodrigo Rollemberg”.
Destacou que os contratos de gestão analisados “não atendem ao interesse público e representam enorme prejuízo ao erário, pois, as qualificações, bem como os contratos de gestão, ao que parecem e indicam os documentos carreados aos autos, buscam outros interesses, mas não o da população que definha na busca de atendimento médico no DF”.
O Distrito Federal já havia sido vítima dessa “modernidade”.
Em abril de 2012, atendendo à recomendação do Ministério Público (MPDFT), o GDF revogou a qualificação da associação Real Sociedade Espanhola, que administrava o Hospital Regional de Santa Maria, como Organização Social. Dentre outras irregularidades, a investigação apurou que a OS não executou diretamente o contrato de gestão, subcontratando a realização de serviços essenciais de saúde de outras pessoas jurídicas. Também indicou que a associação obteve a qualificação como organização social com base em dispositivos da Lei Distrital 4.081/08, que vieram a ser declarados inconstitucionais por conter dispositivos casuístas. Estabeleciam privilégios à organização social na observância dos requisitos para a qualificação como OS.
O site do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (Brasília) informa que há mais de duas centenas de sentenças em reclamações trabalhistas referentes ao contrato. O estrago para o GDF, que responde subsidiariamente pelos direitos subtraídos dos trabalhadores, não será pequeno. Mais prejuízo para a sociedade que recebeu serviço de má qualidade!
A mesma Real Sociedade Espanhola de Beneficência está envolvida em ações de improbidade da procuradoria da república na Bahia, que questionam prejuízo de mais de R$ 40 milhões em Salvador - BA. Juntamente com ela, gestores públicos respondem por improbidade e por irregularidades na terceirização de programas de saúde. Segundo o MPF, a auditoria apontou que em alguns meses o pagamento da taxa de administração representou o item de custo mais elevado da prestação de serviço e também houve sonegação de encargos sociais. A notícia do MPF indica que foram seis anos de terceirização irregular dos Programas Saúde da Família e de Agentes Comunitários de Saúde.
Viver à sombra do poder e intermediar negócios com Estado, preferencialmente realizando serviços cuja quantificação é de difícil aferição e confrontação é, desde muito cedo, um negócio que rende fortunas no Brasil. A terceirização é uma nova roupa dessa velha prática.
São muitos os exemplos trágicos e as notícias tristes dessa aclamada “modernidade”.
O modelo não garante a segurança jurídica, tão desejada pelos agentes econômicos. Além disso, produz serviços de má qualidade para a população e gera grandes prejuízos para o erário. Na perspectiva trabalhista, tem forte potencial de transferir renda em sentido inverso ao comando constitucional que deveria orientar as relações econômicas para a erradicação da pobreza e para a redução das desigualdades sociais.
Esse lado obscuro da terceirização – a corrupção - já era conhecida no período do império.
Há registros de que o melhor e mais divertido amigo do Dom Pedro I, Chalaça, enriqueceu à sombra do Imperador. Dedicou-se aos negócios escusos. Cobrando bem, destacou-se como serviçal competente e indispensável. Como se vê, não há nada de moderno em explorar a proximidade com o poder para, produzindo generosos benefícios privados, socializar os danos da atuação irresponsável.
* Leomar Daroncho é Procurador do Trabalho.
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