Por Tarso Genro, no site Sul-21:
(Dedico este artigo a Marco Aurélio Garcia)
O informe da Fundação Alternativas e da Fundação Friedrich Ebert, “El Estado de La Unión Europea – Relanzar Europa”, deste ano de 2017, traz uma apresentação firmada por Nicolás Sartorius (Alternativas) e Gero Mass (Ebert), que chama a atenção para os quatro déficits do projeto Europeu, assim classificados: o déficit de estabilidade, originário do endividamento conjunto das famílias e dos orçamentos dos países integrantes da União; o déficit estrutural, decorrente da política econômica da zona do euro, que gera um custo-benefício dramático para os países mais pobres; o déficit social, causado pelas políticas de flexibilização de direitos, exigidas para implementação da moeda única, que atinge de maneira mais dura os trabalhadores dos países mais pobres; o déficit político, causado pela tomada decisões sem a legitimidade obtida nos espaços nacionais, em que essas medidas geram incidência.
Todo o processo de reformas ou de revolução econômico-social gera um “custo”. Este custo é alocado a partir de um programa, que corresponde aos interesses, ideologia e estratégias, das forças políticas que controlam o Estado e hegemonizam a política, numa dada conjuntura histórica. Não é difícil localizar, no continente europeu, qual o país hegemônico, que faz a pauta européia e controla o processo de integração. Este país é a Alemanha que, de uma parte, mantém -internamente- os aspectos mais essenciais da proteção social e da legislação social-democrata e, de outra, faz as suas “reformas” moderadas, que não disseminam miséria no seu território, embora baixem a qualidade do emprego e gerem certa precarização nas relações de trabalho.
Estas mesmas reformas, todavia, em países com pouca competitividade no cenário da União Européia e no espaço global, países onde a baixa produtividade do trabalho se combina com um sistema tributário regressivo e de desigualdades sociais extremas, semelhantes ao Brasil, -estas mesmas reformas nestes países- criam um cenário devastador de desemprego, exclusão, ódio nacional e xenofobia, que chegam a produzir um cenário de guerra social não declarada, semelhante ao período que precedeu a 2a. Grande Guerra. O nacionalismo de caráter fascista, o ódio ao “estranho” com a inculpação e a violência contra os imigrantes passa a integrar o cenário político, com a tendência de derrocar as instituições da democracia representativa, que há mais de 200 anos não sofreram nenhuma inovação significativa
Para que se perceba a devastação política que isso causa (“défict democrático”), basta lembrar que num país relativamente rico e berço da política iluminista, como a França -nas eleições recentes que elegeram Macron- as forças políticas liberal-rentistas dispensaram seus partidos políticos tradicionais e, em pouco mais de 90 dias, criaram um partido, um candidato, elegeram-no com mais de 60% dos votos e conseguiram uma maioria sem precedentes, na Assembléia Nacional. Macron, é verdade, começou a perder legitimidade no outro dia, mas isso não importa: o serviço está feito e a França, que chegou a esboçar uma tênue solidariedade à Grécia, no seu contencioso sobre as reformas exigidas pela UE, consolidou-se como um espaço controlado pelo Banco Central Alemão, através do seu correspondente europeu.
Em alguns meses, aqui no Brasil, derrubou-se um Governo legítimo, para encaminhar as “reformas”, já que bastava “retirar o PT do Governo para o país voltar a crescer”. Era uma simplificação que, se não fosse acolhida como “mote” -expresso claramente ou de forma subliminar pela maioria da mídia tradicional- seria apenas a manifestação de uma idiotia neoconservadora. Mas não o foi. A habilidade dos golpes de Estado correspondentes às décadas de 60 e 70, foi substituída pela esperteza de criar as simplificações marteladas de forma totalitária pelo oligopólio da mídia: era a busca de impor formas de dominação complexas, por métodos mais simples -o domínio da opinião pública- que, na França, exigiram criar Partidos em 90 dias. Cada país, porém, tem os Macrons que merecem e o nosso é um duplo, a simbiose grotesca de Dória e Temer: o primeiro dirige um Governo que joga água fria nos pobres que dormem ao relento, sob o aplauso dos bem-nascidos das classes ricas; o segundo deixa a nação inteira ao relento, ao perverter a democracia com o seu golpismo destrutivo da República.
Quado se opta por sair de uma crise crescendo, se escolhe a alocação de determinados “custos”, seja redistribuindo internamente a renda através de taxações progressivas suportadas pelos mais ricos, que não vão nem para a pobreza nem para miséria. Ou se escolhe reduzir as funções públicas do Estado, para não investir nem fazer “gastos” , por mais sociais que eles sejam. No primeiro caso exige-se uma reestruturação da dívida pública, combinada com um sistema tributário que onere os ricos e muitos ricos, para o Estado funcionar com um mínimo de decência. No segundo caso, os únicos poupados são os proprietários globais da dívida pública, o “rentismo” do “primeiro mundo” que acumula sem trabalho.
Quando inclusive as classes médias já temem sair às ruas para consumir, com seus poucos e já degradados recursos, os restaurantes noturnos e os pequenos empresários começam a fechar as suas lojas, serviços e indústrias; quando as médias empresas começam e demitir e os custos com segurança privada alcançam o seu clímax -como aqui no nosso Estado- ; e quando a equipe de Governo central, que introduziu este projeto de sociedade “reformada” configura-se, inclusive no plano internacional, como uma Confederação de Investigados e Denunciados, podemos chegar a conclusão que o país e o Estado -por mais que a mídia seja generosa e cúmplice- não estão saindo de nenhuma crise. Estamos é entrando numa crise mais grave, na qual a criminalização da política vai conviver com a crescente politização da criminalidade. O atalho do golpismo pode nos levar a um beco sem saída.
* Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.
(Dedico este artigo a Marco Aurélio Garcia)
O informe da Fundação Alternativas e da Fundação Friedrich Ebert, “El Estado de La Unión Europea – Relanzar Europa”, deste ano de 2017, traz uma apresentação firmada por Nicolás Sartorius (Alternativas) e Gero Mass (Ebert), que chama a atenção para os quatro déficits do projeto Europeu, assim classificados: o déficit de estabilidade, originário do endividamento conjunto das famílias e dos orçamentos dos países integrantes da União; o déficit estrutural, decorrente da política econômica da zona do euro, que gera um custo-benefício dramático para os países mais pobres; o déficit social, causado pelas políticas de flexibilização de direitos, exigidas para implementação da moeda única, que atinge de maneira mais dura os trabalhadores dos países mais pobres; o déficit político, causado pela tomada decisões sem a legitimidade obtida nos espaços nacionais, em que essas medidas geram incidência.
Todo o processo de reformas ou de revolução econômico-social gera um “custo”. Este custo é alocado a partir de um programa, que corresponde aos interesses, ideologia e estratégias, das forças políticas que controlam o Estado e hegemonizam a política, numa dada conjuntura histórica. Não é difícil localizar, no continente europeu, qual o país hegemônico, que faz a pauta européia e controla o processo de integração. Este país é a Alemanha que, de uma parte, mantém -internamente- os aspectos mais essenciais da proteção social e da legislação social-democrata e, de outra, faz as suas “reformas” moderadas, que não disseminam miséria no seu território, embora baixem a qualidade do emprego e gerem certa precarização nas relações de trabalho.
Estas mesmas reformas, todavia, em países com pouca competitividade no cenário da União Européia e no espaço global, países onde a baixa produtividade do trabalho se combina com um sistema tributário regressivo e de desigualdades sociais extremas, semelhantes ao Brasil, -estas mesmas reformas nestes países- criam um cenário devastador de desemprego, exclusão, ódio nacional e xenofobia, que chegam a produzir um cenário de guerra social não declarada, semelhante ao período que precedeu a 2a. Grande Guerra. O nacionalismo de caráter fascista, o ódio ao “estranho” com a inculpação e a violência contra os imigrantes passa a integrar o cenário político, com a tendência de derrocar as instituições da democracia representativa, que há mais de 200 anos não sofreram nenhuma inovação significativa
Para que se perceba a devastação política que isso causa (“défict democrático”), basta lembrar que num país relativamente rico e berço da política iluminista, como a França -nas eleições recentes que elegeram Macron- as forças políticas liberal-rentistas dispensaram seus partidos políticos tradicionais e, em pouco mais de 90 dias, criaram um partido, um candidato, elegeram-no com mais de 60% dos votos e conseguiram uma maioria sem precedentes, na Assembléia Nacional. Macron, é verdade, começou a perder legitimidade no outro dia, mas isso não importa: o serviço está feito e a França, que chegou a esboçar uma tênue solidariedade à Grécia, no seu contencioso sobre as reformas exigidas pela UE, consolidou-se como um espaço controlado pelo Banco Central Alemão, através do seu correspondente europeu.
Em alguns meses, aqui no Brasil, derrubou-se um Governo legítimo, para encaminhar as “reformas”, já que bastava “retirar o PT do Governo para o país voltar a crescer”. Era uma simplificação que, se não fosse acolhida como “mote” -expresso claramente ou de forma subliminar pela maioria da mídia tradicional- seria apenas a manifestação de uma idiotia neoconservadora. Mas não o foi. A habilidade dos golpes de Estado correspondentes às décadas de 60 e 70, foi substituída pela esperteza de criar as simplificações marteladas de forma totalitária pelo oligopólio da mídia: era a busca de impor formas de dominação complexas, por métodos mais simples -o domínio da opinião pública- que, na França, exigiram criar Partidos em 90 dias. Cada país, porém, tem os Macrons que merecem e o nosso é um duplo, a simbiose grotesca de Dória e Temer: o primeiro dirige um Governo que joga água fria nos pobres que dormem ao relento, sob o aplauso dos bem-nascidos das classes ricas; o segundo deixa a nação inteira ao relento, ao perverter a democracia com o seu golpismo destrutivo da República.
Quado se opta por sair de uma crise crescendo, se escolhe a alocação de determinados “custos”, seja redistribuindo internamente a renda através de taxações progressivas suportadas pelos mais ricos, que não vão nem para a pobreza nem para miséria. Ou se escolhe reduzir as funções públicas do Estado, para não investir nem fazer “gastos” , por mais sociais que eles sejam. No primeiro caso exige-se uma reestruturação da dívida pública, combinada com um sistema tributário que onere os ricos e muitos ricos, para o Estado funcionar com um mínimo de decência. No segundo caso, os únicos poupados são os proprietários globais da dívida pública, o “rentismo” do “primeiro mundo” que acumula sem trabalho.
Quando inclusive as classes médias já temem sair às ruas para consumir, com seus poucos e já degradados recursos, os restaurantes noturnos e os pequenos empresários começam a fechar as suas lojas, serviços e indústrias; quando as médias empresas começam e demitir e os custos com segurança privada alcançam o seu clímax -como aqui no nosso Estado- ; e quando a equipe de Governo central, que introduziu este projeto de sociedade “reformada” configura-se, inclusive no plano internacional, como uma Confederação de Investigados e Denunciados, podemos chegar a conclusão que o país e o Estado -por mais que a mídia seja generosa e cúmplice- não estão saindo de nenhuma crise. Estamos é entrando numa crise mais grave, na qual a criminalização da política vai conviver com a crescente politização da criminalidade. O atalho do golpismo pode nos levar a um beco sem saída.
* Tarso Genro foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, Ministro da Justiça, Ministro da Educação e Ministro das Relações Institucionais do Brasil.
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