Por Laryssa Sampaio, na revista Fórum:
Fico surpresa a cada notícia sobre a morte de uma pessoa no Brasil. Fico assustada com a violência com que esses crimes são cometidos. Fico pasma com a naturalização da imprensa, governo e da população com a tamanha brutalidade de cada morte.
As manchetes da imprensa causam arrepios. “Travesti enterrada viva”. “Jovem morto a pauladas e chutes”. “Polícia envolvida em chacina”. Isso não é natural. Isso não pode ser aceitável. Norte, Sul, Sudeste, todo o Brasil ensanguentado.
O mapa da violência de 2016 é assombroso, e me permitam usar esses adjetivos ruins. São quase 60 mil mortos anualmente no nosso país. Isso significa que a cada 9 minutos uma pessoa é morta.
Além do número assustador em relação aos homicídios, outros números nos causam horror, quando dizem que somos a quarta maior população carcerária do mundo, com 700 mil presos. Que possuímos mais de 221 mil pessoas presas sem sentença. Que as armas da polícia estão apontadas para a população pobre e maioria negra. E que cerca de 503 mulheres são vítimas de agressões físicas a cada hora no Brasil.
Todos nós acabamos arcando com a responsabilidade de uma sociedade insegura, óbvio, mas essas mortes têm alvo certo. O preço maior dessa conta tem endereço fixo e classe. 61% das mortes são de pessoas pobres e negras. Segundo o mapa da violência, são jovens, homens, pobres e negros os que mais morrem. Essa violência é agravada pela desigualdade social, a falta de emprego, a baixa escolaridade, a urbanização rápida e irregular, drogas ilícitas e armas.
Essa pesquisa mostra, mais uma vez, que a forma como o estado faz o enfrentamento à violência é ineficaz. O aumento da repressão, ao contrário do que muitos esperavam, agrava a violência, provoca o aumento do número de mortes e aprofunda as segregações sociais e raciais.
Talvez seja esse um dos motivos para o governo tratar de forma natural o aumento desses homicídios. Por serem pessoas que são sempre colocadas à margem da nossa sociedade. Por serem trabalhadores ou jovens que, provavelmente, não entrarão em uma faculdade ou tampouco terão um emprego digno com garantia das leis trabalhistas (se é que elas ainda existem!).
Não só isso, é como se já nascessem com os direitos negados. Sem a falta mesmo de perspectiva. Por isso, justifica-se matar! Por isso, não sentimos falta. Isso me lembra muitos amigos da minha idade que se envolveram com o tráfico de drogas e sabiam que seu futuro era a morte. Ou das amigas que com o namorado/marido preso se submetiam a ser ‘avião’ e sofrer ameaças de morte por causa do tráfico.
Enquanto esses números me causam arrepios, principalmente por acreditar que, com o agravamento da crise econômica, política e social que estamos vivendo, esse cenário tende a piorar, o governo federal parece tampar os olhos e ignorar os dados. Faz a opção de destruir tudo o que conquistamos de proteção aos direitos humanos até agora. Nos impõe uma agenda de austeridade, reacionária e anti-povo. Congela as despesas em saúde, educação e seguridade social por 20 anos. Restringe o combate à violência ao combate ao tráfico. Aprofunda a militarização. E consolida o estado como principal produtor e reprodutor da violência.
Enquanto países acima do Brasil no ranking do encarceramento como Rússia e China têm adotado medidas desencarcerantes, conquistando dados deflacionários no encarceramento nos últimos anos e até mesmo os Estados Unidos, que ainda encarceram muito, estão ora diminuindo, ora mantendo marca “estável”, apenas o nosso país está em rota crescente de encarceramento.
Precisamos tomar medidas urgentes para barrar essa violência. E medidas diferentes daquelas propostas por movimentos como o MBL e por pessoas como Bolsonaro, que defendem o encarceramento em massa e o armamento, diferente do que o governo golpista vem implementando. Nós temos que propor e construir uma atualização na política de segurança. Encarar de frente e sem preconceitos o debate sobre o combate às drogas e sua legalização.
Esvaziar do sistema carcerário os presos sem sentença e os com sentença cumprida. Exigir o fim dos autos de resistência. Construir políticas públicas que promovam o apoio e atendimento das famílias dos assassinados ou agredidos por forças policiais. Precisamos debater de fato o nosso sistema judicial penal para que possamos construir penas alternativas e justiça restaurativa.
Ou encaramos e enfrentamos esses dados, não só como números que devem ser interpretados, mas como a garantia do direito ao futuro dos nossos jovens, ou estaremos fadados a viver num país que ignora, despreza, tira o direto ao sonho e mata aqueles que sempre exaltamos como o futuro do Brasil, a juventude.
* Laryssa Sampaio é cearense e moradora de São Paulo (SP). Militante Popular. Feminista. Comunista. Um dia cursou Educação Física, mas desembocou pro lado da Comunicação popular. Militou no movimento Levante Popular da Juventude.
As manchetes da imprensa causam arrepios. “Travesti enterrada viva”. “Jovem morto a pauladas e chutes”. “Polícia envolvida em chacina”. Isso não é natural. Isso não pode ser aceitável. Norte, Sul, Sudeste, todo o Brasil ensanguentado.
O mapa da violência de 2016 é assombroso, e me permitam usar esses adjetivos ruins. São quase 60 mil mortos anualmente no nosso país. Isso significa que a cada 9 minutos uma pessoa é morta.
Além do número assustador em relação aos homicídios, outros números nos causam horror, quando dizem que somos a quarta maior população carcerária do mundo, com 700 mil presos. Que possuímos mais de 221 mil pessoas presas sem sentença. Que as armas da polícia estão apontadas para a população pobre e maioria negra. E que cerca de 503 mulheres são vítimas de agressões físicas a cada hora no Brasil.
Todos nós acabamos arcando com a responsabilidade de uma sociedade insegura, óbvio, mas essas mortes têm alvo certo. O preço maior dessa conta tem endereço fixo e classe. 61% das mortes são de pessoas pobres e negras. Segundo o mapa da violência, são jovens, homens, pobres e negros os que mais morrem. Essa violência é agravada pela desigualdade social, a falta de emprego, a baixa escolaridade, a urbanização rápida e irregular, drogas ilícitas e armas.
Essa pesquisa mostra, mais uma vez, que a forma como o estado faz o enfrentamento à violência é ineficaz. O aumento da repressão, ao contrário do que muitos esperavam, agrava a violência, provoca o aumento do número de mortes e aprofunda as segregações sociais e raciais.
Talvez seja esse um dos motivos para o governo tratar de forma natural o aumento desses homicídios. Por serem pessoas que são sempre colocadas à margem da nossa sociedade. Por serem trabalhadores ou jovens que, provavelmente, não entrarão em uma faculdade ou tampouco terão um emprego digno com garantia das leis trabalhistas (se é que elas ainda existem!).
Não só isso, é como se já nascessem com os direitos negados. Sem a falta mesmo de perspectiva. Por isso, justifica-se matar! Por isso, não sentimos falta. Isso me lembra muitos amigos da minha idade que se envolveram com o tráfico de drogas e sabiam que seu futuro era a morte. Ou das amigas que com o namorado/marido preso se submetiam a ser ‘avião’ e sofrer ameaças de morte por causa do tráfico.
Enquanto esses números me causam arrepios, principalmente por acreditar que, com o agravamento da crise econômica, política e social que estamos vivendo, esse cenário tende a piorar, o governo federal parece tampar os olhos e ignorar os dados. Faz a opção de destruir tudo o que conquistamos de proteção aos direitos humanos até agora. Nos impõe uma agenda de austeridade, reacionária e anti-povo. Congela as despesas em saúde, educação e seguridade social por 20 anos. Restringe o combate à violência ao combate ao tráfico. Aprofunda a militarização. E consolida o estado como principal produtor e reprodutor da violência.
Enquanto países acima do Brasil no ranking do encarceramento como Rússia e China têm adotado medidas desencarcerantes, conquistando dados deflacionários no encarceramento nos últimos anos e até mesmo os Estados Unidos, que ainda encarceram muito, estão ora diminuindo, ora mantendo marca “estável”, apenas o nosso país está em rota crescente de encarceramento.
Precisamos tomar medidas urgentes para barrar essa violência. E medidas diferentes daquelas propostas por movimentos como o MBL e por pessoas como Bolsonaro, que defendem o encarceramento em massa e o armamento, diferente do que o governo golpista vem implementando. Nós temos que propor e construir uma atualização na política de segurança. Encarar de frente e sem preconceitos o debate sobre o combate às drogas e sua legalização.
Esvaziar do sistema carcerário os presos sem sentença e os com sentença cumprida. Exigir o fim dos autos de resistência. Construir políticas públicas que promovam o apoio e atendimento das famílias dos assassinados ou agredidos por forças policiais. Precisamos debater de fato o nosso sistema judicial penal para que possamos construir penas alternativas e justiça restaurativa.
Ou encaramos e enfrentamos esses dados, não só como números que devem ser interpretados, mas como a garantia do direito ao futuro dos nossos jovens, ou estaremos fadados a viver num país que ignora, despreza, tira o direto ao sonho e mata aqueles que sempre exaltamos como o futuro do Brasil, a juventude.
* Laryssa Sampaio é cearense e moradora de São Paulo (SP). Militante Popular. Feminista. Comunista. Um dia cursou Educação Física, mas desembocou pro lado da Comunicação popular. Militou no movimento Levante Popular da Juventude.
1 comentários:
O Meu Guri (de Chico Buarque mais atual que nunca)
Quando, seu moço, nasceu meu rebento
Não era o momento dele rebentar
Já foi nascendo com cara de fome
E eu não tinha nem nome pra lhe dar
Como fui levando não sei lhe explicar
Fui assim levando ele a me levar
E na sua meninice, ele um dia me disse
Que chegava lá
Olha aí! Olha aí!
Olha aí!
Ai, o meu guri, olha aí!
Olha aí!
É o meu guri e ele chega
Chega suado e veloz do batente
Traz sempre um presente pra me encabular
Tanta corrente de ouro, seu moço
Que haja pescoço pra enfiar
Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro
Chave, caderneta, terço e patuá
Um lenço e uma penca de documentos
Pra finalmente eu me identificar
Olha aí!
Olha aí!
Ai, o meu guri, olha aí!
Olha aí!
É o meu guri e ele chega!
Chega no morro com carregamento
Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador
Rezo até ele chegar cá no alto
Essa onda de assaltos está um horror
Eu consolo ele, ele me consola
Boto ele no colo pra ele me ninar
De repente acordo, olho pro lado
E o danado já foi trabalhar
Olha aí!
Olha aí!
Ai o meu guri, olha aí!
Olha aí!
É o meu guri e ele chega!
Chega estampado, manchete, retrato
Com venda nos olhos, legenda e as iniciais
Eu não entendo essa gente, seu moço
Fazendo alvoroço demais
O guri no mato, acho que tá rindo
Acho que tá lindo de papo pro ar
Desde o começo eu não disse, seu moço!
Ele disse que chegava lá
Olha aí! Olha aí!
Olha aí!
Ai, o meu guri, olha aí
Olha aí!
É o meu guri!
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