Depois do golpe que derrubou a presidente eleita Dilma Rousseff, o entorno de Temer começou a falar em “herança maldita”, numa referência ao déficit fiscal que hoje nem faria cócegas do mega-rombo que Temer e Meirelles programaram para este ano e para os próximos, de modo que até 2020 as contas públicas ainda estarão comprometidas. Depois que Temer se for, pois não há mal que sempre dure, o novo governo e o Brasil continuarão pagando caro pela verdadeira “herança maldita” que eles vão deixar.
O que o governo anunciou ontem foi uma estrepitosa derrota (que só perde para a sua derrota moral). Foi seu fracasso exatamente na área em que os golpistas se apegaram para derrubar Dilma, a do zelo para com as contas públicas. Chega a ser patético o consolo de Meirelles com o fato de ter vencido a queda de braço com o núcleo político do governo, fazendo valer o déficit de R$ 159 bilhões para este ano, e não o de R$ 170 bilhões que os outros queriam. Então, vamos ter rombos deste valor em 2017 e 2018, e em 2019, primeiro ano do governo do novo presidente, em fez de um déficit de R$ 65 bilhões, um R$ 139 bilhões. A herança maldita vai afetar também o segundo ano. Em vez de um superávit de R$ 10 bilhões, haverá um rombo de R$ 65 bilhões.
Com estas metas, Temer e Meirelles avançam sobre o futuro governo – como avançaram ao congelar o gasto público por 20 anos. Talvez se esqueçam, pelo vício do cachimbo da ilegitimidade, que o novo presidente, seja ele quem for, será um representante da vontade popular (vamos acreditar que nenhum outro golpe afetará o calendário eleitoral). E como tal, poderá rever tudo isso. Não por um passe de mágica, naturalmente, mas criando as condições para que a economia e as receitas voltem a crescer. Ou, em última hipótese, redistribuindo a conta que ontem foi direcionada para os mais fracos, como os funcionários públicos e os que ganham o salário-mínimo.
Meirelles, no anúncio de sua retumbante derrota, passou ao largo de um dos fatos determinantes do alargamento do rombo fiscal, o esfarelamento da base parlamentar de Temer depois da votação que o dispensou de responder a processo por corrupção passiva. A sequelas tiveram consequências fiscais, como o estraçalhamento do Regis e a não-votação do projeto de reoneração da folha de pagamento das empresas, entre outras medidas boicotadas, afora a decisão já tomada pelos aliados, de não votar a reforma previdenciária. Pelo menos não esta, que penaliza apenas a turma da fila do INSS.
Meirelles, entretanto, tem um encontro marcado com a base, que terá de aprovar em poucos dias o projeto que altera a LDO para o ano que vem, incorporando a nova meta fiscal, visto que até o próximo dia 31 o governo é obrigado a apresentar ao Congresso a proposta orçamentária para 2018. A base vai dar trabalho, embora o Congresso não tenha nada mais a fazer senão agalhar o rombo e este aviltante comprometimento das contas do futuro.
Cascata de retrocessos
Muito mais que o Bolsa-Família, o choque de crédito e todos os programas sociais, a política de crescimento contínuo do salário-mínimo nos anos Lula foi fundamental para a obtenção das taxas de crescimento e de redução da pobreza. Sob Temer, a política de reajustes acima da inflação já foi para o brejo e agora o governo permitiu-se a maldade de reduzir em R$ 10 o valor do salário-mínimo previsto para o ano que vem, de R$ 979 para R$ 969. Aí esta uma forma matreira de fazer reforma previdenciária predatória, pois a medida afetará os 14 milhões de aposentados que ganham o piso (dois terços do total de 21 milhões de aposentados). Só com estes dez reais, Temer-Meirelles vão tomar R$ 140 milhões, no ano que vem, dos mais pobres entre os mais pobres.
Um pacote especial de maldades foi anunciado para os funcionários públicos, juntamente com o aumento do déficit: elevação da alíquota de contribuição previdenciária de 11% para 14% (para quem ganha acima do teto de aposentadoria de R$ 5.531,00), adiamento dos aumentos escalonados já aprovados, corte de benefícios como auxílio-moradia e ajuda de custo nas remoções e aumento dos degraus para ascensão nas diferentes carreiras. Uma delas, a que fixa o salário inicial no serviço público em R$ 5 mil, terá consequências danosas para a qualidade da burocracia brasileira. Auditores fiscais, diplomatas, técnicos do Tesouro, entre outras carreiras, exigem profissionais com elevada qualificação, que não irão mais se interessar pelo ingresso no serviço público para começar ganhando tão pouco.
A cascata de retrocessos para os mais fracos não acaba. No meio disso tudo, a CEF anunciou que voltará ao passado, no financiamento de imóveis para a classe média. Depois de ter financiado até mais de 90% do valor do imóvel, agora o teto volta a ser de 80%.
Só nos resta mesmo o consolo de que não há mal que sempre dure.
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