Por Rodrigo Martins, na revista CartaCapital:
Curiosamente, a declaração foi feita um dia antes de a defesa de Michel Temer, investigado por corrupção passiva e obstrução da Justiça, solicitar ao STF a suspeição de Janot, acusado de mover uma perseguição contra o presidente.
Na peça, o advogado Antonio Claudio Mariz de Oliveira aponta uma entrevista concedida pelo procurador-geral em julho, na qual ele promete manter o ritmo de seus trabalhos até 17 de setembro, quando deixa o cargo. “Enquanto houver bambu, lá vai flecha.”
Não é de hoje que Mendes e Janot trocam ataques mútuos. Em março, o ministro do STF demonstrou uma inédita preocupação com os vazamentos de informações sigilosas da Operação Lava Jato e acusou a Polícia Federal e a PGR de antecipar à mídia os alvos de inquéritos resultantes das delações da Odebrecht, uma “forma de chantagem implícita ou explícita” dos citados.
Em afiada réplica, Janot acusou o magistrado, mesmo sem citá-lo nominalmente, de sofrer de “disenteria verbal” e “decrepitude moral”. “Procuramos nos distanciar de banquetes palacianos. Fugimos dos círculos de comensais que cortejam desavergonhadamente o poder político”, emendou.
Mendes é assíduo frequentador de jantares promovidos por caciques do PSDB e do PMDB, entre eles Michel Temer. Em 27 de junho, na véspera da escolha de Raquel Dodge para a Procuradoria-Geral da República, teve um encontro fora da agenda com o presidente.
No domingo, 6, o peemedebista voltou a receber o magistrado no Palácio do Jaburu, em nova reunião às escondidas. Na noite da terça-feira, 8, foi a vez de Dodge visitar Temer. Mais um convescote sem previsão na agenda do Planalto.
Alvo de diversos pedidos de impeachment protocolados por juristas no Senado, sempre a questionar a atuação política do juiz e suas constantes manifestações fora dos autos, Mendes jamais sofreu qualquer censura efetiva pela sua incontrolável verborragia.
Na verdade, parece ter feito escola, a julgar pela proliferação de magistrados de todas as instâncias que dão pitacos sobre processos pendentes de julgamento. O mais recente episódio deu-se com Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, publicada no domingo, 6, o desembargador comentou a sentença do juiz Sergio Moro que condenou Lula a 9 anos e meio de reclusão: “É tecnicamente irrepreensível, fez exame minucioso e irretocável da prova dos autos e vai entrar para a história do Brasil”.
Detalhe: está pendente de julgamento, na 8ª Turma da Corte que preside, a apelação apresentada pela defesa do ex-presidente.
O Código de Ética da Magistratura, em seu artigo 12, não deixa margem para dúvidas sobre o comportamento esperado de um juiz nessas ocasiões. Segundo o texto, na sua relação com os meios de comunicação, o magistrado deve “comportar-se de forma prudente e equitativa”, e cuidar de “abster-se de emitir opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos, sentenças ou acórdãos, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos, doutrinária ou no exercício do magistério”.
A lei parece muito clara ao dizer que o juiz só fala nos autos e, fora deles, deve portar-se de forma cautelosa, mesmo que não venha a julgar o caso específico, até para não interferir na atuação dos colegas.
Embora não vá julgar a apelação, se houver um incidente de inconstitucionalidade, Lenz poderá participar da análise de uma questão prejudicial, no âmbito do Órgão Especial, observa o advogado Lenio Luiz Streck, professor de Direito Constitucional, com pós-doutorado pela Universidade de Lisboa.
“Neste caso, por já ter antecipado o seu juízo, ele poderia ser declarado impedido. Talvez o desembargador não tenha se atentado para isso, ao conceder essa entrevista”, afirma. “Para mim, a questão é mais simbólica. O que pensa um réu quando o presidente da Corte de Apelação diz que a sentença que o condenou é irrepreensível? Como vai acreditar em um julgamento justo?”.
Mestre em Direito pela USP e deputado federal pelo PT de São Paulo, Paulo Teixeira critica as conclusões de Lenz, que, na mesma entrevista ao Estadão, admitiu não ter lido os autos do processo. “Ora, como um desembargador pode se manifestar publicamente sobre um processo sem ao menos ter lido? Baseado apenas no que ouviu dizer?”, indaga.
Em tom irônico, Cristiano Zanin Martins, advogado de Lula, reconheceu que a sentença de Moro de fato entrará para a história, mas pelas “grosseiras violações a direitos fundamentais”.
Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC de São Paulo, observa que a determinação do Código de Ética não tem sido respeitada nos últimos anos, sem qualquer sanção aos infratores. “O juiz não pode falar sobre processo pendente de julgamento, tampouco exercer atividade partidária, mas pode falar, como cidadão, sobre qualquer outro tema”, diz.
“Hoje vemos uma seletividade na aplicação da norma. No Conselho Nacional de Justiça, há processos contra magistrados que se manifestaram, como cidadãos, contra o impeachment de Dilma Rousseff, ao passo que para outros casos, mais graves, de manifestações sobre processos em andamento, não há nenhum tipo de apuração.”
Em junho, a Corte Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro arquivou o procedimento disciplinar instaurado contra quatro magistrados que, no dia 17 de abril, data da abertura do impeachment de Dilma pela Câmara dos Deputados, questionaram a legalidade do processo em carro de som na Praia de Copacabana. Haverá, contudo, um reexame pelo CNJ.
“O Brasil é outro mundo”, resumiu Herta Daubler-Gmelin, ministra da Justiça na Alemanha entre 1998 e 2002, em entrevista à agência Deutsche Welle. “Não é comum ver juízes interferirem nas disputas políticas cotidianas na Alemanha. Isso não pode acontecer de forma alguma, compromete a neutralidade do juiz, sua independência e até jurisdição”, afirmou.
Ao mesmo tempo mostrou-se surpresa com a sobrevivência política de Temer. “Nunca aconteceria na Alemanha de um presidente sob suspeita de corrupção, com denúncia apresentada pela própria Procuradoria-Geral da República, não renunciar imediatamente ao cargo.”
Não apenas na Alemanha. Na verdade, a situação é impensável em qualquer democracia madura.
Notório apreciador dos holofotes, Gilmar Mendes não se cansa de tentar influir no jogo político. Na segunda-feira, 7, em entrevista à Rádio Gaúcha, o ministro do Supremo Tribunal Federal voltou a defender a revisão do acordo de colaboração premiada firmado pela Procuradoria-Geral da República com os irmãos Joesley e Wesley Batista, donos da JBS.
Com o seu peculiar destempero, o magistrado foi além: descreveu o procurador-geral Rodrigo Janot como o “mais desqualificado” da história a assumir a chefia do Ministério Público Federal.
Com o seu peculiar destempero, o magistrado foi além: descreveu o procurador-geral Rodrigo Janot como o “mais desqualificado” da história a assumir a chefia do Ministério Público Federal.
Curiosamente, a declaração foi feita um dia antes de a defesa de Michel Temer, investigado por corrupção passiva e obstrução da Justiça, solicitar ao STF a suspeição de Janot, acusado de mover uma perseguição contra o presidente.
Na peça, o advogado Antonio Claudio Mariz de Oliveira aponta uma entrevista concedida pelo procurador-geral em julho, na qual ele promete manter o ritmo de seus trabalhos até 17 de setembro, quando deixa o cargo. “Enquanto houver bambu, lá vai flecha.”
Não é de hoje que Mendes e Janot trocam ataques mútuos. Em março, o ministro do STF demonstrou uma inédita preocupação com os vazamentos de informações sigilosas da Operação Lava Jato e acusou a Polícia Federal e a PGR de antecipar à mídia os alvos de inquéritos resultantes das delações da Odebrecht, uma “forma de chantagem implícita ou explícita” dos citados.
Em afiada réplica, Janot acusou o magistrado, mesmo sem citá-lo nominalmente, de sofrer de “disenteria verbal” e “decrepitude moral”. “Procuramos nos distanciar de banquetes palacianos. Fugimos dos círculos de comensais que cortejam desavergonhadamente o poder político”, emendou.
Mendes é assíduo frequentador de jantares promovidos por caciques do PSDB e do PMDB, entre eles Michel Temer. Em 27 de junho, na véspera da escolha de Raquel Dodge para a Procuradoria-Geral da República, teve um encontro fora da agenda com o presidente.
No domingo, 6, o peemedebista voltou a receber o magistrado no Palácio do Jaburu, em nova reunião às escondidas. Na noite da terça-feira, 8, foi a vez de Dodge visitar Temer. Mais um convescote sem previsão na agenda do Planalto.
Alvo de diversos pedidos de impeachment protocolados por juristas no Senado, sempre a questionar a atuação política do juiz e suas constantes manifestações fora dos autos, Mendes jamais sofreu qualquer censura efetiva pela sua incontrolável verborragia.
Na verdade, parece ter feito escola, a julgar pela proliferação de magistrados de todas as instâncias que dão pitacos sobre processos pendentes de julgamento. O mais recente episódio deu-se com Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, publicada no domingo, 6, o desembargador comentou a sentença do juiz Sergio Moro que condenou Lula a 9 anos e meio de reclusão: “É tecnicamente irrepreensível, fez exame minucioso e irretocável da prova dos autos e vai entrar para a história do Brasil”.
Detalhe: está pendente de julgamento, na 8ª Turma da Corte que preside, a apelação apresentada pela defesa do ex-presidente.
O Código de Ética da Magistratura, em seu artigo 12, não deixa margem para dúvidas sobre o comportamento esperado de um juiz nessas ocasiões. Segundo o texto, na sua relação com os meios de comunicação, o magistrado deve “comportar-se de forma prudente e equitativa”, e cuidar de “abster-se de emitir opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos, sentenças ou acórdãos, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos, doutrinária ou no exercício do magistério”.
A lei parece muito clara ao dizer que o juiz só fala nos autos e, fora deles, deve portar-se de forma cautelosa, mesmo que não venha a julgar o caso específico, até para não interferir na atuação dos colegas.
Embora não vá julgar a apelação, se houver um incidente de inconstitucionalidade, Lenz poderá participar da análise de uma questão prejudicial, no âmbito do Órgão Especial, observa o advogado Lenio Luiz Streck, professor de Direito Constitucional, com pós-doutorado pela Universidade de Lisboa.
“Neste caso, por já ter antecipado o seu juízo, ele poderia ser declarado impedido. Talvez o desembargador não tenha se atentado para isso, ao conceder essa entrevista”, afirma. “Para mim, a questão é mais simbólica. O que pensa um réu quando o presidente da Corte de Apelação diz que a sentença que o condenou é irrepreensível? Como vai acreditar em um julgamento justo?”.
Mestre em Direito pela USP e deputado federal pelo PT de São Paulo, Paulo Teixeira critica as conclusões de Lenz, que, na mesma entrevista ao Estadão, admitiu não ter lido os autos do processo. “Ora, como um desembargador pode se manifestar publicamente sobre um processo sem ao menos ter lido? Baseado apenas no que ouviu dizer?”, indaga.
Em tom irônico, Cristiano Zanin Martins, advogado de Lula, reconheceu que a sentença de Moro de fato entrará para a história, mas pelas “grosseiras violações a direitos fundamentais”.
Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC de São Paulo, observa que a determinação do Código de Ética não tem sido respeitada nos últimos anos, sem qualquer sanção aos infratores. “O juiz não pode falar sobre processo pendente de julgamento, tampouco exercer atividade partidária, mas pode falar, como cidadão, sobre qualquer outro tema”, diz.
“Hoje vemos uma seletividade na aplicação da norma. No Conselho Nacional de Justiça, há processos contra magistrados que se manifestaram, como cidadãos, contra o impeachment de Dilma Rousseff, ao passo que para outros casos, mais graves, de manifestações sobre processos em andamento, não há nenhum tipo de apuração.”
Em junho, a Corte Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro arquivou o procedimento disciplinar instaurado contra quatro magistrados que, no dia 17 de abril, data da abertura do impeachment de Dilma pela Câmara dos Deputados, questionaram a legalidade do processo em carro de som na Praia de Copacabana. Haverá, contudo, um reexame pelo CNJ.
“O Brasil é outro mundo”, resumiu Herta Daubler-Gmelin, ministra da Justiça na Alemanha entre 1998 e 2002, em entrevista à agência Deutsche Welle. “Não é comum ver juízes interferirem nas disputas políticas cotidianas na Alemanha. Isso não pode acontecer de forma alguma, compromete a neutralidade do juiz, sua independência e até jurisdição”, afirmou.
Ao mesmo tempo mostrou-se surpresa com a sobrevivência política de Temer. “Nunca aconteceria na Alemanha de um presidente sob suspeita de corrupção, com denúncia apresentada pela própria Procuradoria-Geral da República, não renunciar imediatamente ao cargo.”
Não apenas na Alemanha. Na verdade, a situação é impensável em qualquer democracia madura.
1 comentários:
Imaginem um padre com comportamentos assemelhados com essa parelha mendes/lenz, que no culto de domingo pega o microfone e desanda a falar do que lhe foi dito no confessionário por seus paroquianos. É o primado da canalhice.
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