Há quatro meses atrás, quando a direita já visualizava a vitória nas eleições legislativas de outubro, falava-se também numa fácil reeleição do presidente neoliberal argentino Mauricio Macri. Porém, neste 2018 o humor da sociedade para com o governo já é muito diferente, graças a um crescimento da inflação em 27% como saldo final do ano passado, superando em muito as cifras projetadas anteriormente, o que obrigou a equipe econômica a recalcular as metas deste ano, com mudanças em temas de trabalho a aprofundamento da política de aumentos dos serviços públicos (gás, luz e transporte).
Demissões massivas no setor público e empresas privadas, aumentos apresentados como benefícios aos usuários, mobilizações de trabalhadores em vários pontos do país, ministros que prosperam em seus negócios particulares com patrimônios protegidos em dólares, os quais ditam as medidas que dão as boas-vindas a este 2018.
Com tudo isso, três institutos diferentes (Tendencias, CEOP e D’Alessio Irol) mostraram, nesta primeira semana, um crescimento na desaprovação de Macri, em resultados divulgados na primeira semana do ano, e que apresentaram pequenas variações, mas confirmando tendências: a imagem positiva dos principais dirigentes está em queda (a de Macri caiu a 40%), o pessimismo sobre o futuro próximo do país aumenta, a rejeição às reformas previdenciária e trabalhista é evidente, e tudo isso se reflete tanto nos setores populares quanto nos médios.
Todos os indicadores pioraram notavelmente nos dois últimos meses de 2017, depois que Macri lançou seu “reformismo permanente”, que poderia ser traduzido como um “ajuste permanente”: cortar recursos dos aposentados, dos pensionistas e os benefícios dos programas sociais, uma reforma tributária pró empresários e a demissão de mais de mil trabalhadores do Estado.
Os atuais níveis de desaprovação são similares aos de meados de 2016, quando o macrismo encarou suas políticas de “sinceramento do discurso” – passou a campanha eleitoral de 2015 negando aumentos das tarifas dos serviços públicos e fez exatamente isso em seu primeiro semestre no poder. Mas em 2017 foi retomado o “gradualismo”, com o qual o governo conseguiu níveis de aprovação suficientes para vencer as eleições de outubro e manter uma maioria legislativa satisfatória.
Tudo indica que esse “gradualismo” será deixado de lado pelo governo neste 2018. O governo parece preferir ceder capital político para ter novamente margem em 2019, ano das próximas presidenciais. Contudo, há uma variável que a Casa Rosada não domina e que é uma das mais importantes para o seu programa econômico: a dívida externa.
“Não queremos seguir acumulando dívida e obrigar os nossos filhos e netos a pagá-la”, disse o presidente Mauricio Macri, na primeira semana do ano. Porém, 48 horas depois de dizer essas palavras, o governo colocou títulos por 9 bilhões de dólares e ampliou objetivo do ano em 15 bilhões. Hoje, na metade do mandato de Macri, a Argentina é o país emergente que mais acumula dívida no mundo, para cobrir o déficit originário.
Este Macri, angustiado pelos resultados, está tentando acelerar nos instrumentos de sua política econômica. Definiu que essas medidas devem estar em marcha ainda no primeiro trimestre, sabendo que elas afetarão os setores majoritários, produzindo um alto nível de insatisfação. Por isso, joga seu futuro na estratégia de minimização dos efeitos políticos, ao tomá-las em momento de menor atividade, meses de férias de verão.
Até agora, o principal instrumento do conjunto de sua política econômica são as altíssimas taxas de juros do Banco Central, confiando que isso produziria uma drástica queda da inflação, e a partir daí uma melhora nas demais variáveis econômicas. Dois anos de governo com esta política mostraram seu profundo fracasso.
A quase deserta bolsa de valores portenha foi tomada por rumores recentes de renúncia do presidente do Banco Central, Federico Sturzenegger. O fracasso da política monetária no controle da inflação e a mudança nas metas de preços para este e os próximos anos, anunciada na semana passada, expôs as diferenças na equipe econômica, que agora segue os conselhos de um economista pouco conhecido, Vladmir Werning.
Seguindo seus conselhos, o governo decidiu aprofundar o ajuste estatal, cujos limites são os protestos sindicais e populares, que o governo sabe que não pode ignorar, e na pressão dos seus partidários e aliados, que pedem mais cargos e com melhores salários em troca de apoio.
A estreia da Argentina nos mercados internacionais neste 2018 se dividiu em três atos: 1,75 bilhões em 5 anos, outros 4,25 bilhões em 10 anos e 3 bilhões em 30 anos. Os bônus de dívida a serem pagos em três décadas têm um ágio de 6,875% anual. E, como foram vendidos por baixo do seu valor nominal, o rendimento ascende a 6,95% (48% superior à reconhecida pelo México).
O país só terminará de pagar essa dívida em 2048. Ou não.
Na primeira semana do ano, algo foram do comum para um janeiro de férias de verão: os trabalhadores do Estado fizeram uma greve nacional. Só em dezembro, a administração macrista despediu 1,2 mil pessoas, e já foram anunciados mais 1,4 mil cortes para este mês – com o objetivo de diminuir o déficit fiscal. As dispensas se definiram “após um período de avaliação técnica e de controle de `presentismo´”, segundo o ultraconservador e governista diário La Nación.
O governo argentino embarcou num processo de abertura comercial e financeira, tentando convencer a opinião pública de esse caminho é o melhor para o país, e que “vai tirá-lo do isolamento”, que segundo o macrismo, foi a característica da época kirchnerista. Por isso o lamento por não concluir o tratado de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, que Macri queria mostrar como um triunfo.
Mas apesar de todas as concessões, funcionários da chancelaria argentina disseram que a falta de acordo foi causada pelos persistentes reparos da UE sobre volumes de quotas de alguns produtos agrícolas e dos biocombustíveis, a questão da propriedade intelectual, as compras governamentais e certos temas de serviços financeiros e marítimos.
Esta é a realidade, escondida por trás dos balões amarelos e as declarações de futuros brilhantes e as mentiras dos meios hegemônicos. Juan Domingo Perón costumava dizer que a única verdade é a realidade.
* Aram Aharonian é jornalista, analista internacional e comunicólogo uruguaio de vasta experiência. Foi fundador do canal TeleSur, codiretor do Observatório da Comunicação e da Democracia e do Centro Latino-Americano de Análise Estratégico (CLAE).
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