Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
Continuo surpreso com o silêncio obsequioso por parte de tantos setores democráticos e progressistas diante da mais nova e perigosa ameaça à liberdade sempre em risco dos mais fracos e mais pobres: o esforço de instalar a censura e novas formas de pressão sobre as redes sociais com a alegação de que é preciso perseguir e condenar as fake news.
Sabemos que o assunto também é relevante nos Estados Unidos de Donald Trump e na França de Emmanuel Macron. Sua importância é mais urgente e maior, contudo, no Brasil. Aqui o pensamento único dos grandes meios de comunicação fez da internet - com todas as falhas e limitações que ela possui - o último refúgio para a expressão dos interesses dos trabalhadores, da população pobre e explorada, dos setores democráticos da sociedade.
Num país que atravessa um dos períodos mais difíceis de sua história, as redes sociais foram capazes de assumir um papel importante na reconstrução do debate político e na expressão dos interesses da maioria dos brasileiros. É certo que também conhecemos portais e sites de grande audiência, nas redes sociais brasileiras, que nada mais fazem do que reproduzir o mesmo ponto de vista reacionário já disponível em veículos da mídia tradicional.
O ponto é que, no Brasil, só nas redes há lugar também para uma outra visão de mundo, de oposição e crítica ao que está aí, para o contraponto necessário a uma situação inaceitável do ponto de vista de tantos brasileiros.
Não por acaso, uma das primeiras providências do governo Temer-Meirelles foi silenciar a EBC, TV pública que se tornara um raro espaço crítico ao golpe. A segunda foi cortar recursos publicitários que chegavam às redes sociais, sempre em volume inferior e desigual, por todos critérios que se queira empregar, ao que se destinava e se passou a destinar a mídia tradicional.
Nesse contexto, nenhum observador honesto será capaz de negar a contribuição das redes para uma mudança relativamente rápida em três elementos importantes da cena política: o reconhecimento do papel histórico de Lula e seu favoritismo nas eleições presidenciais; a rejeição aos projetos de privatização de estatais; a crítica necessária aos abusos da Lava Jato e seu efeito ruinoso para a soberania do país.
Sempre reconhecendo o ponto básico -- estamos falando de mudanças superficiais enquanto o direito democrático de votar em Lula não for definitivamente assegurado aos eleitores brasileiros -- é obrigatório lembrar que a história seria diferente e muito mais difícil sem a brecha positiva, democratizante, que as redes representam. Este é o elemento essencial, a meu ver, para explicar a articulação de uma coligação de forças como o Judiciário, a Polícia Federal, o Ministério da Defesa, que desempenham um papel ativo no descalabro institucional que o país enfrenta hoje, na criação de um grupo de trabalho para monitorar e investigar as redes sociais no estratégico ano de 2018, com o argumento de que é preciso investigar fake news.
No compasso de hoje, até porque a vontade de agir é grande, o debate apenas revive nossa tradição autoritária de um Estado que atua por conta própria antes de ouvir a sociedade, numa reconstrução de estruturas de poder de cima para baixo, cujo papel real é de reprimir a voz de quem mal consegue falar, impondo silêncio àqueles que sempre foram censurados pela falta de recursos econômicos, pela ausência de força política, ou pelas duas coisas somadas e multiplicadas.
Lembrando que temos a felicidade de viver num país onde a Constituição diz, no inciso XI do artigo 5 que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença", convém nos entender sobre questões essenciais. Ao contrário do que se costuma pensar, a fabricação de notícias falsas é uma perversão crônica e antiga do jornalismo e, de uma forma ou outra, as democracias foram obrigadas a encontrar meios de enfrentá-la sem sacrificar um bem maior, que é a liberdade de expressão.
Ao longo da história, a fábrica de informações mentirosas fez a glória e a fortuna dos jornais norte-americanos desde a construção dos grandes monopólios de imprensa do final do século XIX e início do XX. Atingiu o ponto máximo em nossos dias quando até veículos respeitados como o New York Times respaldaram a tese fictícia sobre armas de destruição em massa de Saddam Hussein para justificar a invasão do Iraque que marcou o século XXI. Os brasileiros também têm tradição no ramo, inaugurada pelo Correio da Manhã na campanha presidencial de 1922 com as célebres cartas falsas atribuídas a Artur Bernardes, como recordei em artigo recente ("Fake News à brasileira vão completar um século") neste espaço.
Como demonstrou uma reportagem recente do Washington Post (27/12/2017), no universo atual proliferam empresas de "jornalismo de aluguel" que, numa versão maligna das velhas assessorias de comunicação, apuram e divulgam informações sob encomenda, a mando de clientes interessados em destruir reputações e/ou criar um escândalo capaz de impedir um negócio que não lhes interessa. Foi uma dessas empresas, aliás, que trouxe as primeiras denúncias contra a campanha de Donald Trump, o que explica a importância crucial do debate hoje, nos EUA. Denunciadas como "fake news" pela Casa Branca quando eram pimenta em seus próprios olhos, pelo menos uma parte dessas acusações produzidas de modo espúrio tem-se demonstrado teimosamente verdadeiras.
Após décadas de convívio com um drama semelhante à corrupção -- cuja importância todos admitem, mas ninguém conhece remédio para sua cura definitiva -- as recomendações mais conhecidas envolvem medidas consagradas, aplaudidas e de difícil aplicação. Nenhuma exige leis especiais nem constituintes de laboratório, como se verá, mas todas colocam em questão o confortável modo de existência da tradicional mídia brasileira.
A primeira e mais importante é de caráter político: ampliar e reforçar a pluralidade dos veículos de comunicação em grau máximo, para impedir que um dos setores da sociedade tenha o monopólio da verdade e possa impor suas mentiras sobre os demais.
A segunda é garantir um Direito de Resposta de aplicação rápida e eficaz. A terceira é aplicar a legislação já existente sobre calúnia e difamação com o rigor que uma denúncia falsa merece.
Depois da AP 470, da Lava Jato, do impeachment sem prova contra Dilma, das leis sobre organização criminosa e antiterrorismo, carregadas de armadilhas contra garantias constitucionais, não temos o direito de enxergar na mobilização contra as fake news um esforço de almas bem intencionadas e de interesses despidas de preconceitos ideológicos, preocupados apenas em defender a liberdade dos cidadãos e a saúde cívica do pais. Em nome da moralidade e do respeito O que se quer é abrir um novo atalho para atingir forças políticas cotidianamente empenhadas em defender as liberdades e direitos do povo.
Alguma dúvida?
Continuo surpreso com o silêncio obsequioso por parte de tantos setores democráticos e progressistas diante da mais nova e perigosa ameaça à liberdade sempre em risco dos mais fracos e mais pobres: o esforço de instalar a censura e novas formas de pressão sobre as redes sociais com a alegação de que é preciso perseguir e condenar as fake news.
Sabemos que o assunto também é relevante nos Estados Unidos de Donald Trump e na França de Emmanuel Macron. Sua importância é mais urgente e maior, contudo, no Brasil. Aqui o pensamento único dos grandes meios de comunicação fez da internet - com todas as falhas e limitações que ela possui - o último refúgio para a expressão dos interesses dos trabalhadores, da população pobre e explorada, dos setores democráticos da sociedade.
Num país que atravessa um dos períodos mais difíceis de sua história, as redes sociais foram capazes de assumir um papel importante na reconstrução do debate político e na expressão dos interesses da maioria dos brasileiros. É certo que também conhecemos portais e sites de grande audiência, nas redes sociais brasileiras, que nada mais fazem do que reproduzir o mesmo ponto de vista reacionário já disponível em veículos da mídia tradicional.
O ponto é que, no Brasil, só nas redes há lugar também para uma outra visão de mundo, de oposição e crítica ao que está aí, para o contraponto necessário a uma situação inaceitável do ponto de vista de tantos brasileiros.
Não por acaso, uma das primeiras providências do governo Temer-Meirelles foi silenciar a EBC, TV pública que se tornara um raro espaço crítico ao golpe. A segunda foi cortar recursos publicitários que chegavam às redes sociais, sempre em volume inferior e desigual, por todos critérios que se queira empregar, ao que se destinava e se passou a destinar a mídia tradicional.
Nesse contexto, nenhum observador honesto será capaz de negar a contribuição das redes para uma mudança relativamente rápida em três elementos importantes da cena política: o reconhecimento do papel histórico de Lula e seu favoritismo nas eleições presidenciais; a rejeição aos projetos de privatização de estatais; a crítica necessária aos abusos da Lava Jato e seu efeito ruinoso para a soberania do país.
Sempre reconhecendo o ponto básico -- estamos falando de mudanças superficiais enquanto o direito democrático de votar em Lula não for definitivamente assegurado aos eleitores brasileiros -- é obrigatório lembrar que a história seria diferente e muito mais difícil sem a brecha positiva, democratizante, que as redes representam. Este é o elemento essencial, a meu ver, para explicar a articulação de uma coligação de forças como o Judiciário, a Polícia Federal, o Ministério da Defesa, que desempenham um papel ativo no descalabro institucional que o país enfrenta hoje, na criação de um grupo de trabalho para monitorar e investigar as redes sociais no estratégico ano de 2018, com o argumento de que é preciso investigar fake news.
No compasso de hoje, até porque a vontade de agir é grande, o debate apenas revive nossa tradição autoritária de um Estado que atua por conta própria antes de ouvir a sociedade, numa reconstrução de estruturas de poder de cima para baixo, cujo papel real é de reprimir a voz de quem mal consegue falar, impondo silêncio àqueles que sempre foram censurados pela falta de recursos econômicos, pela ausência de força política, ou pelas duas coisas somadas e multiplicadas.
Lembrando que temos a felicidade de viver num país onde a Constituição diz, no inciso XI do artigo 5 que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença", convém nos entender sobre questões essenciais. Ao contrário do que se costuma pensar, a fabricação de notícias falsas é uma perversão crônica e antiga do jornalismo e, de uma forma ou outra, as democracias foram obrigadas a encontrar meios de enfrentá-la sem sacrificar um bem maior, que é a liberdade de expressão.
Ao longo da história, a fábrica de informações mentirosas fez a glória e a fortuna dos jornais norte-americanos desde a construção dos grandes monopólios de imprensa do final do século XIX e início do XX. Atingiu o ponto máximo em nossos dias quando até veículos respeitados como o New York Times respaldaram a tese fictícia sobre armas de destruição em massa de Saddam Hussein para justificar a invasão do Iraque que marcou o século XXI. Os brasileiros também têm tradição no ramo, inaugurada pelo Correio da Manhã na campanha presidencial de 1922 com as célebres cartas falsas atribuídas a Artur Bernardes, como recordei em artigo recente ("Fake News à brasileira vão completar um século") neste espaço.
Como demonstrou uma reportagem recente do Washington Post (27/12/2017), no universo atual proliferam empresas de "jornalismo de aluguel" que, numa versão maligna das velhas assessorias de comunicação, apuram e divulgam informações sob encomenda, a mando de clientes interessados em destruir reputações e/ou criar um escândalo capaz de impedir um negócio que não lhes interessa. Foi uma dessas empresas, aliás, que trouxe as primeiras denúncias contra a campanha de Donald Trump, o que explica a importância crucial do debate hoje, nos EUA. Denunciadas como "fake news" pela Casa Branca quando eram pimenta em seus próprios olhos, pelo menos uma parte dessas acusações produzidas de modo espúrio tem-se demonstrado teimosamente verdadeiras.
Após décadas de convívio com um drama semelhante à corrupção -- cuja importância todos admitem, mas ninguém conhece remédio para sua cura definitiva -- as recomendações mais conhecidas envolvem medidas consagradas, aplaudidas e de difícil aplicação. Nenhuma exige leis especiais nem constituintes de laboratório, como se verá, mas todas colocam em questão o confortável modo de existência da tradicional mídia brasileira.
A primeira e mais importante é de caráter político: ampliar e reforçar a pluralidade dos veículos de comunicação em grau máximo, para impedir que um dos setores da sociedade tenha o monopólio da verdade e possa impor suas mentiras sobre os demais.
A segunda é garantir um Direito de Resposta de aplicação rápida e eficaz. A terceira é aplicar a legislação já existente sobre calúnia e difamação com o rigor que uma denúncia falsa merece.
Depois da AP 470, da Lava Jato, do impeachment sem prova contra Dilma, das leis sobre organização criminosa e antiterrorismo, carregadas de armadilhas contra garantias constitucionais, não temos o direito de enxergar na mobilização contra as fake news um esforço de almas bem intencionadas e de interesses despidas de preconceitos ideológicos, preocupados apenas em defender a liberdade dos cidadãos e a saúde cívica do pais. Em nome da moralidade e do respeito O que se quer é abrir um novo atalho para atingir forças políticas cotidianamente empenhadas em defender as liberdades e direitos do povo.
Alguma dúvida?
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