Por Claudia Hug, no blog Socialista Morena:
Primeiramente quero deixar claro que não possuo nenhum conhecimento profundo sobre orientação política, seja de direita ou esquerda. Meu objetivo é compartilhar minha visão do mundo e a experiência de ter “passado para o outro lado”.
Para contextualizar, vou contar um pouco da minha vida. Sou filha de dois baianos pobres e negros que, com muito sacrifício, criaram a mim e minhas irmãs. Passamos por muitos perrengues, tragédias, mas hoje percebo que também tivemos muitos privilégios e sorte.
Sou enfermeira, especialista em controle de infecção, tenho três filhos, sendo dois do meu primeiro casamento. Nasci, morei e trabalhei em São Paulo até 2014. Sempre tive um pensamento político mais conservador e à direita, provável fruto da falta de conhecimento da minha família e meu.
Em 2014 me casei novamente e me mudei para a Suíça. Atualmente vivo em Zurique, em uma cidadezinha de pouco mais de 4 mil habitantes. Saí do Brasil xingando a presidenta e destilando meu ódio pela esquerda. A favor da meritocracia, afinal meus pais conseguiram, por que outros não conseguiriam?
A Suíça é um país pequeno geograficamente, localizado na Europa Central. É possível cruzar o país de carro em 4 a 6 horas. Possui um dos mercados mais livres do mundo e democracia direta (o povo vota diretamente as iniciativas que podem se tornar leis). São sete presidentes, sendo quatro de partidos mais à esquerda e três mais à direita por lei. A cada ano é escolhido, indiretamente, um líder, que será responsável pela representação do país.
Quando aqui cheguei para morar, o que é bem diferente de turismo, vi muitas idéias de esquerda na prática, como ciclovias e ciclofaixas, priorização do transporte coletivo sobre o individual, carros compartilhados e etc. Recebi um material enorme, em português, sobre a legislação básica, sobre o sistema educacional para os meus filhos e o sistema de saúde. A escola é pública e sempre próxima à sua residência, e as crianças são estimuladas a ir e voltar a pé sozinhas desde os quatro anos de idade. Caso eu me mude para outro distrito, meus filhos precisam mudar de escola.
Há agentes de suporte de trânsito para ajudar as crianças a atravessar as ruas mais movimentadas no entorno. Não se gasta 1 franco suíço com material escolar, tudo é fornecido pelo governo. Professores têm um dos melhores salários (cerca de 100.000 francos anuais) e são “obrigados” a se manter atualizados. A escola é quase integral, das 8h as 12h, pausa para o almoço e segue das 13h30 as 16h30.
Aqui é muito comum ver pessoas fumando maconha, e fora daquele estereótipo tacanho criado por sociedades conservadoras. Apesar do comércio da cannabis ainda não ser legalizado (somente o canabidiol pode ser comercializado), o uso é visto com extrema naturalidade. O usuário pode ser o seu vizinho, a pessoa do seu lado aguardando o trem ou até o seu médico, sem estigma ou estereótipo. Em breve deve ser totalmente legalizado.
Na Suíça cerca de 25% de sua população residente é formada por imigrantes das mais variadas origens, todos os continentes representados. Bem diferente do Brasil, cuja população imigrante não chega a 5%! Aqui todos têm a oportunidade de uma formação, seja técnica (maioria) ou universitária. Mecânicos, garis, caixas de supermercado, limpeza doméstica, para tudo há uma formação. Isso faz com que os salários sejam melhores. É claro que há pessoas sem educação formal e trabalhando de forma “alternativa”, mas ainda assim há valorização da mão-de-obra. Faxineiras cobram cerca de 25 francos suíços por hora.
Parece tudo um paraíso, e devo confessar que nos primeiros meses me vendi ainda mais ao “free market”. Mas observei atentamente como a esquerda é forte e como não há uma polarização tão absurda como ocorre em outros países, incluindo o Brasil.
Aqui é muito comum ver pessoas fumando maconha, e fora daquele estereótipo tacanho criado por sociedades conservadoras. Apesar do comércio da cannabis ainda não ser legalizado (somente o canabidiol pode ser comercializado), o uso é visto com extrema naturalidade. O usuário pode ser o seu vizinho, a pessoa do seu lado aguardando o trem ou até o seu médico, sem estigma ou estereótipo. Em breve deve ser totalmente legalizado.
Na Suíça cerca de 25% de sua população residente é formada por imigrantes das mais variadas origens, todos os continentes representados. Bem diferente do Brasil, cuja população imigrante não chega a 5%! Aqui todos têm a oportunidade de uma formação, seja técnica (maioria) ou universitária. Mecânicos, garis, caixas de supermercado, limpeza doméstica, para tudo há uma formação. Isso faz com que os salários sejam melhores. É claro que há pessoas sem educação formal e trabalhando de forma “alternativa”, mas ainda assim há valorização da mão-de-obra. Faxineiras cobram cerca de 25 francos suíços por hora.
Parece tudo um paraíso, e devo confessar que nos primeiros meses me vendi ainda mais ao “free market”. Mas observei atentamente como a esquerda é forte e como não há uma polarização tão absurda como ocorre em outros países, incluindo o Brasil.
A realidade começou a apertar quando comecei a usar o sistema de saúde. Aqui é obrigatório ter seguro saúde, e funciona como seguro de carro no Brasil: você paga um valor baseado na franquia escolhida e, quanto mais baixo o valor da franquia, mais cara fica a mensalidade. Eu possuo a franquia mais alta possível: 2.500 francos, pago cerca de 200 francos por mês. Se eu precisar ir ao médico, tenho que pagar todas as despesas até atingir o valor da franquia. Não há como escapar disso, e esqueçam o luxo de hospitais como Einstein e Sírio. Isso não existe aqui! E o mercado que parecia livre se torna uma prisão, visto que os preços não mudam muito de uma operadora para outra.
Os serviços de atendimento são ruins em geral pois não há um código de proteção ao consumidor. E sabe aquela coisa de tirar a obrigatoriedade de 13º salário e outros direitos que o salário sobe? Não acontece bem assim. A empresa que meu marido trabalha, por exemplo, obteve lucros fantásticos em 2016, os diretores tiveram bônus de Natal exorbitantes, mas a massa dos trabalhadores ganharam 777 francos! Só pra ter uma noção: se eu levar a família inteira a um restaurante aqui, 60% disso vai embora em uma refeição, ou cobre 80% das despesas com supermercado.
Esse tal liberalismo econômico ainda funciona aqui porque a desigualdade social não é gritante como no Brasil, porque a maioria da população possui um nível razoável de educação e pela cultura de uma vida simples. O cidadão comum aqui não compra carro zero quilômetro, é comum ver carros com mais de 10 anos circulando em ótimo estado de conservação. Aqui não tem essa de divisão de classes, exceto para os que são demasiadamente ricos. Outro fator é a civilidade, aqui é comum pequenos produtores deixarem seus produtos à venda sem vendedor ou proteção, apenas uma placa divulgando o preço e as pessoas pagam.
Depois de observar muito, conversar com gente de tudo quanto é país, resolvi ler sobre as pautas de esquerda, pautas progressistas. Esse choque cultural me fez ver que a forma como somos criados, a realidade em que estamos inseridos, afeta diretamente quem nos tornamos e resolvi questionar tudo, minhas crenças, motivações, coisas sobre as quais fui ensinada na mais tenra idade. O resultado dessa reflexão foi me descobrir muito mais à esquerda do que à direita.
Não me importo com a sexualidade alheia, criei e crio meus filhos com a mesma mentalidade. Família, pra mim, é qualquer grupo de pessoas que se amam. Entendi o quanto o racismo, enraizado em todos nós, prejudicou a minha performance na escola e a minha autoestima. Percebi o racismo em tantos discursos meus e de amigos. Mais importante: compreendi que só me assumindo como racista poderia combater o racismo que ainda existe em mim. O mesmo acontece com o machismo!
Percebi que a maconha é muito menos nociva que o tabaco e o álcool e é hipocrisia dizer o contrário! E sempre fui careta, ainda sou tabagista, mas quero me limpar desse mal também. Não posso impor minha opinião a ninguém, não posso impor minhas crenças espiritualistas a ninguém, assim como não quero ser forçada a nada.
Politicamente, o meu salto definitivo veio com o filme do Snowden. Me dei conta de como fomos manipulados a acreditar que um só partido era responsável pela corrupção secular, ainda que ele tenha menos de 40 anos de existência. Como somos orquestrados a acreditar que o capitalismo atual é a única saída, mesmo observando a concentração de riquezas na mão de poucos.
Não, não virei comunista! Não acredito em um Estado paternalista, mas tampouco acredito no livre mercado. Na minha humilde e limitada opinião, a humanidade ainda vai encontrar um terceiro caminho, com mais justiça e igualdade de oportunidades.
Hoje olho para o Brasil com tristeza, observo o cenário político e percebo que os dinossauros da corrupção estão lá, e ninguém se mexe. Uma deputada suspeita de ligações com tráfico e condenada na Justiça do Trabalho indicada para ser ministra do Trabalho! Um diretor do DETRAN com mais de 120 pontos na habilitação. Um senador (no qual fui burra o suficiente pra votar na eleição passada) envolvido com tramas mirabolantes, inclusive ameaça de assassinato a familiares (“de brincadeira”), que está lá de boa. A dinastia Sarney que parece ter o corpo fechado para a Justiça! Uma bancada de trogloditas sem escrúpulos chamada de bancada da bala! Um bando de “pastores” bandidos pregando cristianismo às avessas! Sim, porque se Cristo realmente existiu e olhasse pra essas criaturas certamente sentiria asco. Essa onda conservadora, hipócrita e simplista é completamente desumana, são individualistas sem a menor noção de que somos uma comunidade. É a lei de Gerson em seu ápice: “dane-se o outro, se eu levo vantagem tá ótimo!”.
E foi assim que deixei de ser “coxinha”… Não sei se sou “mortadela”, não concordo com todas as pautas de esquerda, e como disse anteriormente, não sou comunista. Tento não me prender a rótulos, estou em constante aprendizado e tento sempre usar empatia e bom senso seja qual for o assunto, mas sempre com muita paixão, o que pode soar meio arrogante às vezes.
O mundo é gigante e as culturas são diferentes, as pessoas têm necessidades diferentes, sonhos diferentes, mas somos iguais, pelo menos as oportunidades devem ser iguais. Ninguém deveria morrer de fome ou sede, ninguém deveria ser discriminado por qualquer razão. Todos fazemos parte de alguma minoria em algum momento da vida, portanto menos ódio e mais empatia!
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