O ex-primeiro-ministro esloveno Janez está a um passo de se somar como uma peça a mais da fortaleza populista e xenófoba que, com um êxito imparável, foi se construindo na Europa desde que, em meados dos anos 80 do século XX, a extrema-direita da Frente Nacional francesa começou a acumular êxitos eleitorais. Naqueles anos, seus militantes se reuniam com a cabeça raspada, exibiam sem rodeios as suásticas e entoavam hinos públicos em homenagem ao nazismo. Os de agora andam com gravata, desfizeram as cenografias provocativas e centraram sua ascensão ao poder em torno da rejeição à Europa e de um racismo fervoroso.
Itália, Eslovênia, República Checa, a Grã-Bretanha do Brexit, Holanda, Áustria, Polônia e França são os principais países do Velho Continente onde foi se forjando o cinturão sombrio dos fascismos renovados. A fase atual se iniciou em 2005, quando França e Holanda rejeitaram mediante um referendo o tratado sobre a Constituição Europeia. Desde então, alentado pelas crises financeiras, o desemprego, a diluição do ideal europeu, o surgimento do islamismo radical que o Ocidente facilitou e as reiteradas crises migratórias, o cinturão dos populismos cinzentos não fez mais que se estender.
Janez Jansa, o líder do Partido Democrata Esloveno (SDS), impôs-se no domingo passado nas eleições legislativas eslovenas com 25,03% dos votos. Embora não possa governar sem o apoio de outras formações políticas, a estreita vitória de Jansa se forjou com uma mescla das narrativas do presidente norte-americano Donald Trump e slogans anti Europa e anti-imigração inspirados no modelo da ultradireita francesa e, sobretudo, com o principal ingrediente da retórica de seu mestre, o ultranacionalista primeiro-ministro húngaro Víktor Orban, o propulsor do “iliberalismo”.
Esta doutrina mencionada nos anos 1990 pelo ensaísta norte-americano Fareed Zakarya em um artigo publicado na revista Foreign Affairs é uma espécie de versão decorosa do chamado autoritarismo pós-democrático que suprime direitos democráticos, coloca a justiça a serviço do poder político, retira as liberdades individuais, amordaça a imprensa e articula sua ascensão ao poder a partir de um racismo de Estado. Nem democracia autêntica, nem ditadura real, mistura de ultranacionalismo com estrangulamento dos direitos democráticos, “nas fronteiras da Europa como no seio da Europa se desenha a tentação das democracias iliberais”, disse, alguns meses atrás, o presidente francês Emmanuel Macron. A realidade foi mais veloz do que muitos analistas esperavam e chegou até se incrustar no coração da União Europeia com o exemplo da Itália e o pacto de governo entre o Movimento 5 Estrelas e os racistas da Liga Norte (11 milhões de pessoas votaram no primeiro (32%) e seis milhões (18%) no segundo.
Em sua primeira intervenção pública na Sicília, o novo ministro do Interior italiano e líder da Liga, Matteo Salvini, convidou os imigrantes a se preparar “para fazer suas malas”. Nada muito diferente do que ocorreu na Grã-Bretanha, com o Brexit, na Polônia, com o dirigente Jaroslaw Kaczynski, na Hungria, Áustria, Holanda e França. Os ascendentes líderes destes países constituem a linha fronteiriça que pretende defender a Europa do que todos chamam “a invasão”.
Paradoxalmente, esse grupo adotou alguns perfis retóricos que antes pertenciam exclusivamente à esquerda. O principal consiste em se apresentar como um “cinturão antissistema”. O exemplo mais importante e mais temido pelos sócios europeus, em razão de sua poderosa carga eurocética, é o da Itália. A aliança entre o Movimento 5 Estrelas e a Liga Norte é a primeira coalizão ultradireitista “antissistema” que chega ao poder em um dos países fundadores da União Europeia. Os dois partidos se caracterizam por seus pactos com outras forças similares no cenário político da Europa.
Os 14 eurodeputados do Movimento 5 Estrelas no Parlamento Europeu se associaram com a formação de ultradireita Europa da Liberdade e da Democracia Direta, cujo líder não poderia deixar de ser o britânico Nigel Farage, o patrono do Brexit na Grã-Bretanha. E no que concerne à Liga Norte, os 5 eurodeputados deste partido formaram uma aliança com o Frente Nacional de Marine Le Pen. O populismo de ultradireita que renasceu na França foi se propagando para o restante da Europa, principalmente para a Europa do Leste, onde começou a prosperar após a queda do Muro de Berlim (1989). Depois, avançou pela Europa do Norte até conquistar o coração da Europa do Sul.
Um trabalho realizado pelo Centro de Pesquisas Internacionais da Universidade de Ciências Políticas de Paris identificou muitos pontos comuns nesse iliberalismo xenófobo: povo virtuoso contra elites corrompidas e globalizadas; sociedade aberta contra sociedade fechada. Em 2017, o húngaro Víktor Orban dizia: “uma nova era está batendo à porta. Uma nova era do pensamento político. As pessoas querem sociedades democráticas e não sociedades abertas”. Querem dirigentes com perfil forte; com uma inclinação pronunciada pela democracia direta, mediante a celebração de todos os tipos de referendos; um poder sólido dentro de um Estado soberano, ou seja, independente da União Europeia; e a defesa da identidade cultural diante da “invasão tóxica” dos estrangeiros.
Paradoxalmente, tanto no seio do Movimento 5 Estrelas, como na Liga Norte, as linhas narrativas excludentes de alguns meses atrás foram limadas: já não se fala como antes de um Italexit, nem do abandono do Euro, menos ainda de sair da Aliança Atlântica, a OTAN. Isso não impede que o que hoje se denomina “a internacional populista” seja uma realidade cada vez mais tangível. O próprio uso do termo “populismo” difere, por outro lado, do que os narradores midiáticos da casta fazem na América Latina. Na América Latina, as direitas liberais chamam de populistas tudo o que vai da socialdemocracia à esquerda. Na Europa não: esse termo está globalmente identificado com as extremas direitas.
O cientista político francês Alain Duhamel escreveu na página do jornal Libération que a “Europa enfrenta a crise mais grave de sua história. A Europa se tornou o campo cerrado de uma batalha entre reformistas e populistas, entre partidários e adversários da União”. Os países do Leste da Europa se libertaram do comunismo para depois cair nos braços de seu inimigo histórico, os do Norte da Europa se deixaram seduzir pelas mesmas sereias e os do Sul negam, agora, toda a história que os constituiu como pilares da construção europeia. Xenofobia e autoritarismo, os demagogos são as estrelas triunfantes no “berço da cultura”.
Como destaca o próprio Alain Duhamel, no Libération, a história deu uma guinada extraordinária: “dos anos 60 a 2000, os europeus reformistas ganharam o primeiro tempo. Dos anos 2000 até agora, os populistas eurofóbicos acumulam as vitórias”. O afundamento da esquerda primeiro, da socialdemocracia depois, e os rumos dos partidos de direita reconfiguraram a Europa. A avalanche não terminou. O cinturão do populismo racista e autoritário seguirá asfixiando as democracias liberais.
Itália, Eslovênia, República Checa, a Grã-Bretanha do Brexit, Holanda, Áustria, Polônia e França são os principais países do Velho Continente onde foi se forjando o cinturão sombrio dos fascismos renovados. A fase atual se iniciou em 2005, quando França e Holanda rejeitaram mediante um referendo o tratado sobre a Constituição Europeia. Desde então, alentado pelas crises financeiras, o desemprego, a diluição do ideal europeu, o surgimento do islamismo radical que o Ocidente facilitou e as reiteradas crises migratórias, o cinturão dos populismos cinzentos não fez mais que se estender.
Janez Jansa, o líder do Partido Democrata Esloveno (SDS), impôs-se no domingo passado nas eleições legislativas eslovenas com 25,03% dos votos. Embora não possa governar sem o apoio de outras formações políticas, a estreita vitória de Jansa se forjou com uma mescla das narrativas do presidente norte-americano Donald Trump e slogans anti Europa e anti-imigração inspirados no modelo da ultradireita francesa e, sobretudo, com o principal ingrediente da retórica de seu mestre, o ultranacionalista primeiro-ministro húngaro Víktor Orban, o propulsor do “iliberalismo”.
Esta doutrina mencionada nos anos 1990 pelo ensaísta norte-americano Fareed Zakarya em um artigo publicado na revista Foreign Affairs é uma espécie de versão decorosa do chamado autoritarismo pós-democrático que suprime direitos democráticos, coloca a justiça a serviço do poder político, retira as liberdades individuais, amordaça a imprensa e articula sua ascensão ao poder a partir de um racismo de Estado. Nem democracia autêntica, nem ditadura real, mistura de ultranacionalismo com estrangulamento dos direitos democráticos, “nas fronteiras da Europa como no seio da Europa se desenha a tentação das democracias iliberais”, disse, alguns meses atrás, o presidente francês Emmanuel Macron. A realidade foi mais veloz do que muitos analistas esperavam e chegou até se incrustar no coração da União Europeia com o exemplo da Itália e o pacto de governo entre o Movimento 5 Estrelas e os racistas da Liga Norte (11 milhões de pessoas votaram no primeiro (32%) e seis milhões (18%) no segundo.
Em sua primeira intervenção pública na Sicília, o novo ministro do Interior italiano e líder da Liga, Matteo Salvini, convidou os imigrantes a se preparar “para fazer suas malas”. Nada muito diferente do que ocorreu na Grã-Bretanha, com o Brexit, na Polônia, com o dirigente Jaroslaw Kaczynski, na Hungria, Áustria, Holanda e França. Os ascendentes líderes destes países constituem a linha fronteiriça que pretende defender a Europa do que todos chamam “a invasão”.
Paradoxalmente, esse grupo adotou alguns perfis retóricos que antes pertenciam exclusivamente à esquerda. O principal consiste em se apresentar como um “cinturão antissistema”. O exemplo mais importante e mais temido pelos sócios europeus, em razão de sua poderosa carga eurocética, é o da Itália. A aliança entre o Movimento 5 Estrelas e a Liga Norte é a primeira coalizão ultradireitista “antissistema” que chega ao poder em um dos países fundadores da União Europeia. Os dois partidos se caracterizam por seus pactos com outras forças similares no cenário político da Europa.
Os 14 eurodeputados do Movimento 5 Estrelas no Parlamento Europeu se associaram com a formação de ultradireita Europa da Liberdade e da Democracia Direta, cujo líder não poderia deixar de ser o britânico Nigel Farage, o patrono do Brexit na Grã-Bretanha. E no que concerne à Liga Norte, os 5 eurodeputados deste partido formaram uma aliança com o Frente Nacional de Marine Le Pen. O populismo de ultradireita que renasceu na França foi se propagando para o restante da Europa, principalmente para a Europa do Leste, onde começou a prosperar após a queda do Muro de Berlim (1989). Depois, avançou pela Europa do Norte até conquistar o coração da Europa do Sul.
Um trabalho realizado pelo Centro de Pesquisas Internacionais da Universidade de Ciências Políticas de Paris identificou muitos pontos comuns nesse iliberalismo xenófobo: povo virtuoso contra elites corrompidas e globalizadas; sociedade aberta contra sociedade fechada. Em 2017, o húngaro Víktor Orban dizia: “uma nova era está batendo à porta. Uma nova era do pensamento político. As pessoas querem sociedades democráticas e não sociedades abertas”. Querem dirigentes com perfil forte; com uma inclinação pronunciada pela democracia direta, mediante a celebração de todos os tipos de referendos; um poder sólido dentro de um Estado soberano, ou seja, independente da União Europeia; e a defesa da identidade cultural diante da “invasão tóxica” dos estrangeiros.
Paradoxalmente, tanto no seio do Movimento 5 Estrelas, como na Liga Norte, as linhas narrativas excludentes de alguns meses atrás foram limadas: já não se fala como antes de um Italexit, nem do abandono do Euro, menos ainda de sair da Aliança Atlântica, a OTAN. Isso não impede que o que hoje se denomina “a internacional populista” seja uma realidade cada vez mais tangível. O próprio uso do termo “populismo” difere, por outro lado, do que os narradores midiáticos da casta fazem na América Latina. Na América Latina, as direitas liberais chamam de populistas tudo o que vai da socialdemocracia à esquerda. Na Europa não: esse termo está globalmente identificado com as extremas direitas.
O cientista político francês Alain Duhamel escreveu na página do jornal Libération que a “Europa enfrenta a crise mais grave de sua história. A Europa se tornou o campo cerrado de uma batalha entre reformistas e populistas, entre partidários e adversários da União”. Os países do Leste da Europa se libertaram do comunismo para depois cair nos braços de seu inimigo histórico, os do Norte da Europa se deixaram seduzir pelas mesmas sereias e os do Sul negam, agora, toda a história que os constituiu como pilares da construção europeia. Xenofobia e autoritarismo, os demagogos são as estrelas triunfantes no “berço da cultura”.
Como destaca o próprio Alain Duhamel, no Libération, a história deu uma guinada extraordinária: “dos anos 60 a 2000, os europeus reformistas ganharam o primeiro tempo. Dos anos 2000 até agora, os populistas eurofóbicos acumulam as vitórias”. O afundamento da esquerda primeiro, da socialdemocracia depois, e os rumos dos partidos de direita reconfiguraram a Europa. A avalanche não terminou. O cinturão do populismo racista e autoritário seguirá asfixiando as democracias liberais.
* Publicado originalmente no jornal argentino Página12. Tradução do Cepat.
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