Por Osvaldo Bertolino, no site Vermelho:
No Brasil, depois que o capitalismo ganhou impulso com a Revolução de 1930, iniciou-se a discussão sobre como promover o aumento e a distribuição da renda nacional. Predominou, a princípio, a tese de que o Estado poderia estimular - e mesmo condicionar - o desenvolvimento econômico. Na margem oposta, estava uma corrente ponderável, com os professores liberais Eugênio Gudin e Otávio de Bulhões à frente, que negava a capacidade prática planejadora do Estado. Esse debate está novamente em curso.
As “diretrizes gerais” do programa de governo do candidato a presidente da República Geraldo Alckmin, da coligação liderada pelo PSDB, prometem “um futuro de prosperidade”, mas, no mundo da realidade, mostram apenas o caminho para aprofundar a crise econômica e social do país. São meras proclamações do velho neoliberalismo, mescladas com a prática sistêmica da direita de dizer uma coisa e fazer outra. Alckmin se apresenta novamente na disputa, como fez em 2006, mordido pelo vício de pescar em águas turvas, tão comum na política dos conservadores brasileiros.
A questão é que o candidato tucano, apesar de não ser exatamente um líder carismático, faz promessas que se propagam no vácuo deixado pela deterioração do ambiente político do falso moralismo golpista desde que ele virou o jogo e consumou o golpe de 2016. As “diretrizes” iniciam com a sentença de que “o Brasil precisa se livrar dos males da corrupção”, prometendo “tolerância zero”. No decorrer do documento ele associa essa bandeira à surrada tese do “Estado caro e ineficiente”.
Em tom demagógico, afirma que “ninguém aguenta mais sustentar” a cobrança de “altos impostos” para a prestação de “serviços públicos de baixa qualidade”. Para enfrentar o problema, promete “uma profunda reforma do Estado” que, além de “combater a corrupção”, vai “eliminar privilégios e criar mecanismos de avaliação e de mensuração da qualidade e da eficiência dos serviços públicos”. O complemento da ideia são palavras ao vento, como “um país mais justo”, com “igualdade de oportunidades” e blábláblá.
A velha tese da “reforma” política contra a democracia não poderia faltar. É aquele conhecido cardápio indigesto “do voto distrital para reduzir o número de partidos”, prometendo “reaproximar o eleitor do seu representante”, trocando representatividade de ideias e ideais por geografia. Outra tese da direita mais antiga do que andar para frente presente nas “diretrizes” é a privatização das “empresas estatais, de maneira criteriosa, para liberar recursos para fins socialmente mais úteis e aumentar a eficiência da economia”.
Um ponto fundamental das “diretrizes” tucanas é a promessa de eliminação do “déficit público em dois anos”. Pode-se definir essa meta como estrangulamento do Estado. Isso só será possível com aquilo que o candidato presidencial do PSDB em 1989, Mário Covas, chamou de “choque de capitalismo”, que depois foi executado por Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso (FHC) com o nome de “choque de gestão”. "Basta de tanto subsídio, de tantos incentivos, de tantos privilégios sem justificativas ou utilidade comprovadas. Basta de empreguismo. Basta de cartórios. Basta de tanta proteção a atividades econômicas já amadurecidas", disse Covas.
O que está dito nas “diretrizes”, implicitamente, é o aprofundamento radical dos cortes nos chamados “gastos primários”, os recursos orçamentários destinados aos setores sociais e de infraestrutura, as chamadas despesas públicas primárias, ou não financeiras. Esse é o ponto fundamental das “reformas” do Estado, a mais significativa delas a da Previdência Social. O objetivo é equacionar o decantado “problema fiscal”, o conflito entre o que se investe nas necessidades do povo - como saúde, educação, segurança e infraestrutura - e a administração da ciranda financeira, a lógica da política rentista se sobrepondo ao desenvolvimento do país.
As “diretrizes” são daquelas equações que não fecham. Há nelas promessas para todas as questões sociais e infraestruturais, ao mesmo tempo em que anunciam o arrocho fiscal como prioridade. Não fecha, também, a soma de abertura comercial, ao ponto de escancarar a economia, e a industrialização do país. A promessa tucana é de fazer “com que o comércio exterior represente 50% do PIB” (atualmente esse índice está em torno de 27%), uma medida considerada “vital” para retomar “a agenda de competitividade do pais”.
As “diretrizes” de Alckmin, em resumo, se sustentam em três fundamentos: “reformas” do Estado, privatizações e abertura comercial. O primeiro já está mostrando seus efeitos, com a rápida degradação social do país no pós-golpe. O segundo fundamento é a mera repetição daquilo que ficou famoso na “era FHC” com o nome de “privataria”. Dizia-se, como diz Alckmin agora, que seria necessário privatizar para “abater” a dívida pública e liberar “bilhões de dólares” das despesas com juros para financiar investimentos sociais.
FHC chegou a afirmar que a taxa de retorno social seria substancialmente mais elevada do que a que o governo obteria em seus investimentos na mineração, na telefonia e na tecnologia industrial. “Cada um que prega contra as privatizações deveria ser obrigado a escrever mil vezes por dia, enquanto houver uma empresa estatal, um analfabeto ou uma criança mal nutrida no país: a democracia exige as privatizações para reduzir a dívida e liberar as despesas com os juros para gastos nas áreas sociais”, disse ele. Como se sabe, o dinheiro das privatizações desapareceu, a dívida pública explodiu e a taxa de juros seguiu estratosférica.
O terceiro fundamento, a excessiva abertura comercial, confronta a ideia desenvolvimentista que vem do governo de Floriano Peixoto. Os florianistas se consideravam, com razão, os revolucionários do novo regime. Foram eles que deram base a iniciativas como a tarifa protecionista de Rui Barbosa para favorecer a fundação da indústria brasileira (taxava entre 45% e 60% cerca de 300 artigos de importação). E, segundo o historiador Pedro Calmon, chegaram a sonhar com a expulsão do capital estrangeiro do país.
Obviamente que os tempos são outros, mas é importante observar a evolução desse premissa. Pode-se dizer que os ideais florianistas já apareciam esboçados nas teses dos "industrialistas", presentes na Constituinte de 1891. De acordo com José Luís Fiori, professor titular de economia política internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a sua verdadeira história começa na década de 1930 e responde pelo nome de "nacional-desenvolvimentismo", ou "desenvolvimentismo conservador", que adquiriu maior consistência e velocidade nos anos 1950, durante os governos de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitscheck, e se estendeu até Ernesto Geisel.
As “diretrizes” tucanas, contradizem essa trajetória desenvolvimentista e servem, na verdade, de base para um discurso inconsequente. Alckmin foge de assuntos fundamentais para o futuro do Brasil e dos brasileiros porque ele representa os que se beneficiam dos mecanismos que historicamente permitiram aos oligarcas usar e abusar do caixa do Estado. Convém, para essa ideologia, um Estado que se arrasta com uma massa de excluídos, distante da coletividade - contraposto a um Estado altivo e eletrizado pelo ambiente de oportunidades para todos. Para ela, sempre a reboque do capital estrangeiro, nesse jogo pouco importa quem suga mais o país e seu povo - ou quem suga primeiro.
As “diretrizes gerais” do programa de governo do candidato a presidente da República Geraldo Alckmin, da coligação liderada pelo PSDB, prometem “um futuro de prosperidade”, mas, no mundo da realidade, mostram apenas o caminho para aprofundar a crise econômica e social do país. São meras proclamações do velho neoliberalismo, mescladas com a prática sistêmica da direita de dizer uma coisa e fazer outra. Alckmin se apresenta novamente na disputa, como fez em 2006, mordido pelo vício de pescar em águas turvas, tão comum na política dos conservadores brasileiros.
A questão é que o candidato tucano, apesar de não ser exatamente um líder carismático, faz promessas que se propagam no vácuo deixado pela deterioração do ambiente político do falso moralismo golpista desde que ele virou o jogo e consumou o golpe de 2016. As “diretrizes” iniciam com a sentença de que “o Brasil precisa se livrar dos males da corrupção”, prometendo “tolerância zero”. No decorrer do documento ele associa essa bandeira à surrada tese do “Estado caro e ineficiente”.
Em tom demagógico, afirma que “ninguém aguenta mais sustentar” a cobrança de “altos impostos” para a prestação de “serviços públicos de baixa qualidade”. Para enfrentar o problema, promete “uma profunda reforma do Estado” que, além de “combater a corrupção”, vai “eliminar privilégios e criar mecanismos de avaliação e de mensuração da qualidade e da eficiência dos serviços públicos”. O complemento da ideia são palavras ao vento, como “um país mais justo”, com “igualdade de oportunidades” e blábláblá.
A velha tese da “reforma” política contra a democracia não poderia faltar. É aquele conhecido cardápio indigesto “do voto distrital para reduzir o número de partidos”, prometendo “reaproximar o eleitor do seu representante”, trocando representatividade de ideias e ideais por geografia. Outra tese da direita mais antiga do que andar para frente presente nas “diretrizes” é a privatização das “empresas estatais, de maneira criteriosa, para liberar recursos para fins socialmente mais úteis e aumentar a eficiência da economia”.
Um ponto fundamental das “diretrizes” tucanas é a promessa de eliminação do “déficit público em dois anos”. Pode-se definir essa meta como estrangulamento do Estado. Isso só será possível com aquilo que o candidato presidencial do PSDB em 1989, Mário Covas, chamou de “choque de capitalismo”, que depois foi executado por Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso (FHC) com o nome de “choque de gestão”. "Basta de tanto subsídio, de tantos incentivos, de tantos privilégios sem justificativas ou utilidade comprovadas. Basta de empreguismo. Basta de cartórios. Basta de tanta proteção a atividades econômicas já amadurecidas", disse Covas.
O que está dito nas “diretrizes”, implicitamente, é o aprofundamento radical dos cortes nos chamados “gastos primários”, os recursos orçamentários destinados aos setores sociais e de infraestrutura, as chamadas despesas públicas primárias, ou não financeiras. Esse é o ponto fundamental das “reformas” do Estado, a mais significativa delas a da Previdência Social. O objetivo é equacionar o decantado “problema fiscal”, o conflito entre o que se investe nas necessidades do povo - como saúde, educação, segurança e infraestrutura - e a administração da ciranda financeira, a lógica da política rentista se sobrepondo ao desenvolvimento do país.
As “diretrizes” são daquelas equações que não fecham. Há nelas promessas para todas as questões sociais e infraestruturais, ao mesmo tempo em que anunciam o arrocho fiscal como prioridade. Não fecha, também, a soma de abertura comercial, ao ponto de escancarar a economia, e a industrialização do país. A promessa tucana é de fazer “com que o comércio exterior represente 50% do PIB” (atualmente esse índice está em torno de 27%), uma medida considerada “vital” para retomar “a agenda de competitividade do pais”.
As “diretrizes” de Alckmin, em resumo, se sustentam em três fundamentos: “reformas” do Estado, privatizações e abertura comercial. O primeiro já está mostrando seus efeitos, com a rápida degradação social do país no pós-golpe. O segundo fundamento é a mera repetição daquilo que ficou famoso na “era FHC” com o nome de “privataria”. Dizia-se, como diz Alckmin agora, que seria necessário privatizar para “abater” a dívida pública e liberar “bilhões de dólares” das despesas com juros para financiar investimentos sociais.
FHC chegou a afirmar que a taxa de retorno social seria substancialmente mais elevada do que a que o governo obteria em seus investimentos na mineração, na telefonia e na tecnologia industrial. “Cada um que prega contra as privatizações deveria ser obrigado a escrever mil vezes por dia, enquanto houver uma empresa estatal, um analfabeto ou uma criança mal nutrida no país: a democracia exige as privatizações para reduzir a dívida e liberar as despesas com os juros para gastos nas áreas sociais”, disse ele. Como se sabe, o dinheiro das privatizações desapareceu, a dívida pública explodiu e a taxa de juros seguiu estratosférica.
O terceiro fundamento, a excessiva abertura comercial, confronta a ideia desenvolvimentista que vem do governo de Floriano Peixoto. Os florianistas se consideravam, com razão, os revolucionários do novo regime. Foram eles que deram base a iniciativas como a tarifa protecionista de Rui Barbosa para favorecer a fundação da indústria brasileira (taxava entre 45% e 60% cerca de 300 artigos de importação). E, segundo o historiador Pedro Calmon, chegaram a sonhar com a expulsão do capital estrangeiro do país.
Obviamente que os tempos são outros, mas é importante observar a evolução desse premissa. Pode-se dizer que os ideais florianistas já apareciam esboçados nas teses dos "industrialistas", presentes na Constituinte de 1891. De acordo com José Luís Fiori, professor titular de economia política internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a sua verdadeira história começa na década de 1930 e responde pelo nome de "nacional-desenvolvimentismo", ou "desenvolvimentismo conservador", que adquiriu maior consistência e velocidade nos anos 1950, durante os governos de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitscheck, e se estendeu até Ernesto Geisel.
As “diretrizes” tucanas, contradizem essa trajetória desenvolvimentista e servem, na verdade, de base para um discurso inconsequente. Alckmin foge de assuntos fundamentais para o futuro do Brasil e dos brasileiros porque ele representa os que se beneficiam dos mecanismos que historicamente permitiram aos oligarcas usar e abusar do caixa do Estado. Convém, para essa ideologia, um Estado que se arrasta com uma massa de excluídos, distante da coletividade - contraposto a um Estado altivo e eletrizado pelo ambiente de oportunidades para todos. Para ela, sempre a reboque do capital estrangeiro, nesse jogo pouco importa quem suga mais o país e seu povo - ou quem suga primeiro.
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