Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
O nacionalismo de ocasião das autoridades brasileiras para se recusar a cumprir a oportuna determinação da ONU para assegurar respeito aos direitos de Lula na campanha presidencial não deve enganar ninguém. Esse comportamento apenas reproduz uma postura tradicional da elite brasileira, cujo marco histórico encontra-se no século XIX, quando ela ignorou tratados e acordos internacionais para preservar o regime de escravidão, alegando que atendia às "peculiaridades do país".
Conforme a Folha de S. Paulo, a tendência do Supremo Tribunal Federal, destino natural de uma decisão de caráter jurídico, "é ignorar o documento". Conforme o Estadão, a decisão foi recebida com risos por alguns ministros. Informado da decisão do Comitê de Direitos Humanos, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, ressurgiu do anonimato para protestar: "É uma intromissão politica-ideológica indevida".
Num esforço para minimizar as consequências de uma decisão que o país está obrigado a cumprir desde junho de 2009, quando o Senado brasileiro aprovou um tratado intitulado Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, Aloyzio Nunes Ferreira, das Relações Exteriores, disse que a decisão "tem caráter de recomendação e não possuem efeito juridicamente vinculante". O argumento não faz sentido. Aprovado como decreto legislativo em junho de 2009, o Pacto, base para a decisão da ONU, é mais mais do que um conjunto de conselhos e recomendações. Tem força de lei -- como tem esclarecido o professor Paulo Sérgio Pinheiro, Secretário de Direitos Humanos no governo Fernando Henrique Cardoso, há muitos anos envolvido com a questão em organismos internacionais.
Ao assumir um nacionalismo de ocasião, conveniente unicamente à proteção da ruinosa articulação politica que tem se dedicado a entregar as riquezas do país às potenciais imperiais -- e que por essa razão tenta excluir Lula da campanha presidencial -- os aliados do golpe retomam uma das mais antigas tradições brasileiras.
Sua função é justificar aquilo que não tem legitimidade alguma, nem do ponto de vista da democracia, nem do ponto de vista dos valores sociais, apenas se destina a preservar interesses políticos e econômicos.
No Brasil de hoje, a fantasia de guardiões da soberania nacional não passa de uma enfeite de carnaval de autoridades que entregaram o pré-sal, preparam a venda da Embraer para a Boeing e realizam uma maratona jurídica-política para repassar a Eletrobrás. É um filme muito antigo.
A mesma conspiração que em 1964 foi a Casa Branca pedir ajuda para derrubar o governo nacionalista de João Goulart, abrindo o país a uma hegemônica presença norte-americana que se conserva até nossos dias, adorava condenar a "ingerência externa" que denunciava a tortura e o assassinato de adversários políticos. Nada havia de nacionalista nem de soberano neste comportamento. Apenas a defesa sem escrúpulos de interesses capazes de cometer crimes contra cidadãos desarmados para se preservar.
Neste esforço, a reação das autoridades brasileiras diante da decisão da ONU compara-se, a postura da oligarquia rural do país no século XIX.
O país tornou-se motivo de repúdio internacional naquele período pelo esforço de preservação do regime de escravidão, à revelia de tratados internacionais e mesmo de acordos de proibição do tráfico negreiro -- que as autoridades da época assinavam e não cumpriam.
Como acontece hoje com o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, várias medidas para eliminação do cativeiro foram anunciadas pelo Brasil, de forma isolada ou em tratados internacionais, antes mesmo da independência. Em 1850, após o fracasso de vários acordos anteriores, anunciou-se a proibição do desembarque de escravos no pais.
Embora a abolição fosse uma medida indispensável a formação de nações que se emancipavam do domínio colonial, a escravidão brasileira foi preservada por mais 38 anos. Construiu-se assim um país desigual e atrasado, sob controle de uma minoria que, descontando as mudanças e penduricalhos de cada cada época, até hoje submete a imensa maioria da nação a interesses dos célebres 0,1% que dominam nossas riquezas. O preço moral, social e político dessa herança ajuda a entender uma desigualdade única, uma economia vulnerável, um ambiente social preconceituoso e uma democracia sempre frágil, pois incapaz de atender às maiorias.
Não é difícil compreender que, ao recusar-se a garantir os direitos da maior liderança popular de nossa história, os homens do dinheiro e poder do Brasil do século XXI tenham ido encontrar inspiração nos escravocratas do século XIX. É sintoma de um reflexo condicionado por uma longa história de opressão e privilégio.
Alguma dúvida?
Conforme a Folha de S. Paulo, a tendência do Supremo Tribunal Federal, destino natural de uma decisão de caráter jurídico, "é ignorar o documento". Conforme o Estadão, a decisão foi recebida com risos por alguns ministros. Informado da decisão do Comitê de Direitos Humanos, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, ressurgiu do anonimato para protestar: "É uma intromissão politica-ideológica indevida".
Num esforço para minimizar as consequências de uma decisão que o país está obrigado a cumprir desde junho de 2009, quando o Senado brasileiro aprovou um tratado intitulado Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, Aloyzio Nunes Ferreira, das Relações Exteriores, disse que a decisão "tem caráter de recomendação e não possuem efeito juridicamente vinculante". O argumento não faz sentido. Aprovado como decreto legislativo em junho de 2009, o Pacto, base para a decisão da ONU, é mais mais do que um conjunto de conselhos e recomendações. Tem força de lei -- como tem esclarecido o professor Paulo Sérgio Pinheiro, Secretário de Direitos Humanos no governo Fernando Henrique Cardoso, há muitos anos envolvido com a questão em organismos internacionais.
Ao assumir um nacionalismo de ocasião, conveniente unicamente à proteção da ruinosa articulação politica que tem se dedicado a entregar as riquezas do país às potenciais imperiais -- e que por essa razão tenta excluir Lula da campanha presidencial -- os aliados do golpe retomam uma das mais antigas tradições brasileiras.
Sua função é justificar aquilo que não tem legitimidade alguma, nem do ponto de vista da democracia, nem do ponto de vista dos valores sociais, apenas se destina a preservar interesses políticos e econômicos.
No Brasil de hoje, a fantasia de guardiões da soberania nacional não passa de uma enfeite de carnaval de autoridades que entregaram o pré-sal, preparam a venda da Embraer para a Boeing e realizam uma maratona jurídica-política para repassar a Eletrobrás. É um filme muito antigo.
A mesma conspiração que em 1964 foi a Casa Branca pedir ajuda para derrubar o governo nacionalista de João Goulart, abrindo o país a uma hegemônica presença norte-americana que se conserva até nossos dias, adorava condenar a "ingerência externa" que denunciava a tortura e o assassinato de adversários políticos. Nada havia de nacionalista nem de soberano neste comportamento. Apenas a defesa sem escrúpulos de interesses capazes de cometer crimes contra cidadãos desarmados para se preservar.
Neste esforço, a reação das autoridades brasileiras diante da decisão da ONU compara-se, a postura da oligarquia rural do país no século XIX.
O país tornou-se motivo de repúdio internacional naquele período pelo esforço de preservação do regime de escravidão, à revelia de tratados internacionais e mesmo de acordos de proibição do tráfico negreiro -- que as autoridades da época assinavam e não cumpriam.
Como acontece hoje com o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, várias medidas para eliminação do cativeiro foram anunciadas pelo Brasil, de forma isolada ou em tratados internacionais, antes mesmo da independência. Em 1850, após o fracasso de vários acordos anteriores, anunciou-se a proibição do desembarque de escravos no pais.
Embora a abolição fosse uma medida indispensável a formação de nações que se emancipavam do domínio colonial, a escravidão brasileira foi preservada por mais 38 anos. Construiu-se assim um país desigual e atrasado, sob controle de uma minoria que, descontando as mudanças e penduricalhos de cada cada época, até hoje submete a imensa maioria da nação a interesses dos célebres 0,1% que dominam nossas riquezas. O preço moral, social e político dessa herança ajuda a entender uma desigualdade única, uma economia vulnerável, um ambiente social preconceituoso e uma democracia sempre frágil, pois incapaz de atender às maiorias.
Não é difícil compreender que, ao recusar-se a garantir os direitos da maior liderança popular de nossa história, os homens do dinheiro e poder do Brasil do século XXI tenham ido encontrar inspiração nos escravocratas do século XIX. É sintoma de um reflexo condicionado por uma longa história de opressão e privilégio.
Alguma dúvida?
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