Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
É bom olhar o calendário político da América Latina para compreender a geopolítica em curso nesta região do mundo.
Em outubro, os brasileiros vão às urnas para escolher o novo presidente. Em 1 de dezembro, na Cidade do México, Andres Manoel Lopez Obrador, AMLO, toma posse como presidente do país, o primeiro de esquerda em mais de meio século. Em janeiro de 2019, em Brasília, o novo presidente do Brasil toma posse. Caso as urnas confirmem aquilo que está escrito em todas as pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva retorna a presidência para cumprir o quinto mandato do Partido dos Trabalhadores - o terceiro em sua vida política.
Se isso acontecer, a diplomacia mundial estará diante de um evento histórico, que poucas vezes se repetiu desde a chegada de Colombo ao Novo Mundo. Tanto o Brasil, a primeira economia do Continente, como o México, a segunda, terão à frente presidentes que comungam num mesmo universo político. Carregam compromissos que, apesar de diferenças de todo tipo, podem ser enquadradas numa mesma família ideológica.
Prezam o desenvolvimento econômico, a ampliação do mercado interno e a distribuição de renda. Residentes na área de dominío próximo e mais intenso do Império dos Estados Unidos, não pretendem uma ruptura com a força dominante mas cultivam um projeto que se afasta da postura de subordinação permanente que marcou seus principais antecessores.
É preciso retornar à década de 1930 para encontrar uma situação semelhante no Continente. Apesar das imensas distâncias na cultura e na formação social, México e Brasil percorriam trajetórias semelhantes.
Há 80 anos, quando o mundo assistia a expansão do nazi-fascismo na Europa, e a América de Franklin Roosevelt se debatia para vencer a Grande Depressão, brasileiros e mexicanos possuiam governantes que fizeram história a partir de projetos de mudança com ideias aparentadas.
No Brasil, o tenentismo levou Getúlio ao poder, no qual uma república belle-epoque foi levada a reconhecer os direitos do povo através da CLT, a abrir caminho para a industrialização e negociar, com soberania, seus interesses e parceiros no mundo, como fez com a criação da Usina de Volta Redonda, ponto de partida da industrialização das décadas seguintes.
General da revolução mexicana, ex-governador de seu Estado natal, como Vargas, em seis anos de mandato, entre 1934 e 1940, Lazaro Cárdenas nacionalizou as reservas de petróleo, efetivou uma reforma agrária que Emiliano Zapata só pode planejar. Fez uma revolução no sistema educacional e, numa semelhança óbvia com o colega brasileiro, ajudou a criar sindicatos de trabalhadores e camponeses.
Afastados por décadas, as correntes políticas do México e Brasil voltaram a aproximar-se de verdade na década de 1980. Desta vez, contudo, produziam cursos opostos, que levaram a destinos também diferentes. O percurso agora era de integração subordinada aos projetos de globalização conduzidos por Washinton.
Miguel de La Madri foi o primeiro presidente da região a render-se ao programas do Fundo Monetário Internacional, arrastando um bloco de países atrás de si, inclusive o Brasil. Também foi o México que assumiu com toda força as linhas de um programa conservador chamado Consenso de Washington, decisão que, por um curto período, deu à elite do país a ilusão de que havia sido promovida a parceira preferencial dos verdadeiros senhores do Continente. Eu era corresponde nos EUA, naquele momento, e pude testemunhar os olhares de cima para baixo de determinados diplomatas mexicanos em direção aos colegas de países situados abaixo do Rio Grande.
Atendendo a apelos diretos de George Bush, pai, e Bill Clinton, o México assinou os acordos comerciais do Nafta. Após uma etapa inicial, que até alimentou a ideia de se criar a ALCA para abarcar as principais economias do Continente, a começar pelo Brasil, constatou-se que a riqueza do país fora transformada em reserva de caça para os interesses norte-americanos. Forçada a competir com rivais do outro lado do Rio Grande, uma massa imensa de agricultores que sobrevivia através da pequena propriedade foi arruinada pelo gigantismo da agricultura dos EUA. Os trabalhadores tornaram-se mão-de-obra barata a serviço da economia desenvolvida, enquanto jovens desamparados foram convocadas a integrar quadrilhas que fizeram do país um corredor do tráfico de drogas destinado aos Estados Unidos.
Vítimas de uma ditadura de partido único em decomposição, o povo mexicano resistiu por décadas a um sistema de fraudes, corrupção e violência política até conseguir eleger Lopez Obrador, titular de um programa que lembra Lula em 2002, pela combinação de ideias de mudança e disposição para negociação.
Nos anos Lula-Dilma, o Brasil deslocou a diplomacia mexicana. Num fato reconhecido pela imprensa norte-americana, Brasília consolidou-se na posição de principal liderança do continente, graças à química funcional produzida pelos programas de combate à miséria, ao esforço pelo desenvolvimento -- e àquilo que o ministro Celso Amorim chamou de "diplomacia altiva e ativa".
Sabemos o que veio depois. A tragédia em etapas que atingiu a população mexicana jorrou na forma de tempestade que sobre o Brasil de Temer-Meirelles.
Forçados a se reconstruir, as duas maiores e mais influentes nações da região, podem reencontrar-se, arrastando a América Latina inteira consigo. A rendição de um continente inteiro a seus predadores só interessa a aventureiros e aventureiros sem compromisso com o bem-estar do povo. "Lula é esperança de unidade", diz Ernesto Samper, presidente da Colombia (1994-1998), de passagem por São Paulo a caminho de uma visita a Lula em Curitiba.
Este é o significado de uma possível vitória de Lula, fruto de um movimento de placas teutônicas comparável à força que elegeu Lopez Obrador por 53,6 % dos votos, numa eleição em primeiro turno. O sonho de unidade latino-americano, um dos traços da política desde a década de 1960, pode tornar-se realidade -- por vias democráticas.
Não por acaso, a todo momento assistimos a novas demonstrações das forças empenhadas noite e dia para impedir a realização desse projeto. Sabemos que, neste momento, seu alvo principal é a candidatura de Lula e que, com essa finalidade, estão dispostas até a desafiar uma decisão da ONU, escrita e aprovada no início do ciclo democrático que marcou a derrota das ditaduras militares da região,.
Mais do que nunca, é essencial entender o que está em jogo.
Alguma dúvida?
É bom olhar o calendário político da América Latina para compreender a geopolítica em curso nesta região do mundo.
Em outubro, os brasileiros vão às urnas para escolher o novo presidente. Em 1 de dezembro, na Cidade do México, Andres Manoel Lopez Obrador, AMLO, toma posse como presidente do país, o primeiro de esquerda em mais de meio século. Em janeiro de 2019, em Brasília, o novo presidente do Brasil toma posse. Caso as urnas confirmem aquilo que está escrito em todas as pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva retorna a presidência para cumprir o quinto mandato do Partido dos Trabalhadores - o terceiro em sua vida política.
Se isso acontecer, a diplomacia mundial estará diante de um evento histórico, que poucas vezes se repetiu desde a chegada de Colombo ao Novo Mundo. Tanto o Brasil, a primeira economia do Continente, como o México, a segunda, terão à frente presidentes que comungam num mesmo universo político. Carregam compromissos que, apesar de diferenças de todo tipo, podem ser enquadradas numa mesma família ideológica.
Prezam o desenvolvimento econômico, a ampliação do mercado interno e a distribuição de renda. Residentes na área de dominío próximo e mais intenso do Império dos Estados Unidos, não pretendem uma ruptura com a força dominante mas cultivam um projeto que se afasta da postura de subordinação permanente que marcou seus principais antecessores.
É preciso retornar à década de 1930 para encontrar uma situação semelhante no Continente. Apesar das imensas distâncias na cultura e na formação social, México e Brasil percorriam trajetórias semelhantes.
Há 80 anos, quando o mundo assistia a expansão do nazi-fascismo na Europa, e a América de Franklin Roosevelt se debatia para vencer a Grande Depressão, brasileiros e mexicanos possuiam governantes que fizeram história a partir de projetos de mudança com ideias aparentadas.
No Brasil, o tenentismo levou Getúlio ao poder, no qual uma república belle-epoque foi levada a reconhecer os direitos do povo através da CLT, a abrir caminho para a industrialização e negociar, com soberania, seus interesses e parceiros no mundo, como fez com a criação da Usina de Volta Redonda, ponto de partida da industrialização das décadas seguintes.
General da revolução mexicana, ex-governador de seu Estado natal, como Vargas, em seis anos de mandato, entre 1934 e 1940, Lazaro Cárdenas nacionalizou as reservas de petróleo, efetivou uma reforma agrária que Emiliano Zapata só pode planejar. Fez uma revolução no sistema educacional e, numa semelhança óbvia com o colega brasileiro, ajudou a criar sindicatos de trabalhadores e camponeses.
Afastados por décadas, as correntes políticas do México e Brasil voltaram a aproximar-se de verdade na década de 1980. Desta vez, contudo, produziam cursos opostos, que levaram a destinos também diferentes. O percurso agora era de integração subordinada aos projetos de globalização conduzidos por Washinton.
Miguel de La Madri foi o primeiro presidente da região a render-se ao programas do Fundo Monetário Internacional, arrastando um bloco de países atrás de si, inclusive o Brasil. Também foi o México que assumiu com toda força as linhas de um programa conservador chamado Consenso de Washington, decisão que, por um curto período, deu à elite do país a ilusão de que havia sido promovida a parceira preferencial dos verdadeiros senhores do Continente. Eu era corresponde nos EUA, naquele momento, e pude testemunhar os olhares de cima para baixo de determinados diplomatas mexicanos em direção aos colegas de países situados abaixo do Rio Grande.
Atendendo a apelos diretos de George Bush, pai, e Bill Clinton, o México assinou os acordos comerciais do Nafta. Após uma etapa inicial, que até alimentou a ideia de se criar a ALCA para abarcar as principais economias do Continente, a começar pelo Brasil, constatou-se que a riqueza do país fora transformada em reserva de caça para os interesses norte-americanos. Forçada a competir com rivais do outro lado do Rio Grande, uma massa imensa de agricultores que sobrevivia através da pequena propriedade foi arruinada pelo gigantismo da agricultura dos EUA. Os trabalhadores tornaram-se mão-de-obra barata a serviço da economia desenvolvida, enquanto jovens desamparados foram convocadas a integrar quadrilhas que fizeram do país um corredor do tráfico de drogas destinado aos Estados Unidos.
Vítimas de uma ditadura de partido único em decomposição, o povo mexicano resistiu por décadas a um sistema de fraudes, corrupção e violência política até conseguir eleger Lopez Obrador, titular de um programa que lembra Lula em 2002, pela combinação de ideias de mudança e disposição para negociação.
Nos anos Lula-Dilma, o Brasil deslocou a diplomacia mexicana. Num fato reconhecido pela imprensa norte-americana, Brasília consolidou-se na posição de principal liderança do continente, graças à química funcional produzida pelos programas de combate à miséria, ao esforço pelo desenvolvimento -- e àquilo que o ministro Celso Amorim chamou de "diplomacia altiva e ativa".
Sabemos o que veio depois. A tragédia em etapas que atingiu a população mexicana jorrou na forma de tempestade que sobre o Brasil de Temer-Meirelles.
Forçados a se reconstruir, as duas maiores e mais influentes nações da região, podem reencontrar-se, arrastando a América Latina inteira consigo. A rendição de um continente inteiro a seus predadores só interessa a aventureiros e aventureiros sem compromisso com o bem-estar do povo. "Lula é esperança de unidade", diz Ernesto Samper, presidente da Colombia (1994-1998), de passagem por São Paulo a caminho de uma visita a Lula em Curitiba.
Este é o significado de uma possível vitória de Lula, fruto de um movimento de placas teutônicas comparável à força que elegeu Lopez Obrador por 53,6 % dos votos, numa eleição em primeiro turno. O sonho de unidade latino-americano, um dos traços da política desde a década de 1960, pode tornar-se realidade -- por vias democráticas.
Não por acaso, a todo momento assistimos a novas demonstrações das forças empenhadas noite e dia para impedir a realização desse projeto. Sabemos que, neste momento, seu alvo principal é a candidatura de Lula e que, com essa finalidade, estão dispostas até a desafiar uma decisão da ONU, escrita e aprovada no início do ciclo democrático que marcou a derrota das ditaduras militares da região,.
Mais do que nunca, é essencial entender o que está em jogo.
Alguma dúvida?
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