Por Juarez Guimarães, no site Carta Maior:
Neste meio do decisivo mês de setembro, parece bem mais provável a passagem de Bolsonaro ao segundo turno das eleições presidenciais. A candidatura Alckmin se parece cada vez mais com o sujeito que tem de fazer três movimentos ao mesmo tempo: amarrar o sapato, pentear o cabelo e dar o nó na gravata. Isto é, vencer a rejeição e subir nas pesquisas, dissolver a força eleitoral de Bolsonaro e conter a transmissão de votos do Lula líder nas pesquisas para a chapa Haddad-Manuela.
Há claramente um impasse entre a potência de poder da candidatura Alckmin (seu status inicial de candidato preferencial da ordem, o peso maior de sua coligação, as forças econômicas que mobiliza) e sua potência eleitoral ( incapaz até agora até de ser majoritária em suas bases eleitorais mais tradicionais, como São Paulo). E nenhum dos três movimentos, isoladamente, é de fácil resolução.
Alckmin é de longe o candidato mais associado ao governo Temer e, por isso, herda o seu desgaste. O PSDB vive hoje, como já se anotou desde 2017, a maior crise de sua história. A previsão de Fernando Henrique Cardoso de que Alckmin seria “um corredor de maratona” ( começa devagar mas termina em primeiro) não parece se confirmar. A base do erro de FHC é sempre a mesma: um brutal elitismo que o faz quase sempre subestimar o grau de consciência da maioria do povo brasileiro.
O fenômeno Lula presidente – que resistiu à mais brutal calúnia, condenação, prisão , censura e impugnação – é politizado ( ver o crescimento muito expressivo da simpatia pelo PT), é social ( a base social histórica do chamado lulismo não foi rompida pelo golpe) e é eleitoral ( sua alta capacidade de transmissão veio sendo medida até nas pesquisas mais adversárias).
E, agora, a candidatura Bolsonaro que vinha se mostrando vulnerável aos primeiros ataques da candidatura Alckmin está passando à condição de um bolsonarismo, isto é, de um movimento político ofensivo que faz da sua condição de ser a última tábua de salvação do naufrágio golpista a sua maior virtude, iniciando a transformação de sua potência eleitoral em potência política.
O bolsonarismo
Certamente foi Marcos Coimbra quem primeiro e já em 2017 alertou sobre o longo fôlego eleitoral inscrito na candidatura Bolsonaro. Havia já um indicador eleitoral: o alto índice de cristalização do voto de seus eleitores, isto é, uma decisão de voto já firmada e com pouca disposição para se alterar. Em seguida, Marcos Coimbra indicava uma dimensão sócio-econômica expressiva: as posições proto-fascistas tinham uma base social, uma parte da sociedade brasileira havia encontrado o seu canal de expressão em Bolsonaro. Um fenômeno internacional, que se faz presente até no principal bastião da social-democracia, a Suécia, havia deitado raízes em nossa sociedade tão violentamente desigual. Em terceiro lugar, em uma de suas últimas entrevistas, Marcos Coimbra elaborou uma narrativa temporal: houve um primeiro tempo Bolsonaro, de sua construção nos meios policiais e de subúrbio no Rio; um segundo tempo, de nacionalização em meio às ondas de ódio dos últimos anos; o tempo, enfim, de construção do poder político com o lançamento de sua candidatura à presidente.
Agora, seria preciso falar do bolsonarismo, ou seja, do movimento político de construção do encontro entre este movimento proto-fascista e o centro do poder das classes dominantes no Brasil e internacionais. Há três breves observações a fazer.
A primeira é que a candidatura Bolsonaro-Mourão é o casamento entre a paixão da barbárie (o fascismo) e a razão da barbárie (o neoliberalismo). De forma não certamente aleatória, o programa neoliberal está hoje orgânico a, pelo menos, cinco candidaturas: Alckmin (Bacha e Pérsio Arida), Amoedo (Gustavo Franco), Marina (André Lara Resende), Meirelles (o próprio) e Bolsonaro ( Paulo Guedes). Não seria a primeira vez que o neoliberalismo faz par com um fascista!
A segunda observação é que o risco do movimento bolsonarista estaria exatamente em sua capacidade de operar a fusão entre a imagem anti-sistema (um anti-político contra a corrupção) com as forças econômicas e políticas do sistema. Este processo de fusão parece já ter se iniciado: com o aumento dos apoios de grandes grupos econômicos, do agronegócio a financistas de Wall Street; com a sua entrada na alta hierarquia militar, com a participação do general Mourão na vice e a já nem tão velada simpatia de outros comandantes militares; com várias decisões protetivas dos tribunais superiores e da Procuradoria Geral da República (será decisivo, neste sentido, a decisão sobre o processo de crime de racismo em julgamento no STF). Agora, é a própria Rede Globo de Televisão que dá sinais ostensivos em favor da candidatura Bolsonaro. O que pode ser decisivo para tentar diminuir a sua rejeição e torna-lo mais competitivo em um segundo turno.
A terceira observação é que todo movimento fascista constrói para si uma narrativa épica. A esquerda e, em geral, todas as candidaturas defenderam claramente os direitos humanos do cidadão Bolsonaro contra as ideias do candidato Bolsonaro. Mas é preciso reconhecer que o atentado violento está sendo imediatamente apropriado por quem faz a apologia da violência. O bolsonarismo está certamente refletindo dimensões mais profundas do acirramento do conflito de classes no Brasil. E setembro será um momento decisivo da construção deste sentimento fascista no Brasil.
Povo brasileiro versus bolsonarismo
Mas setembro será o tempo também, possível e provável, da transmissão da liderança eleitoral de Lula à chapa Haddad-Manoela. Como se relacionará este processo político, potencialmente majoritário no povo brasileiro, com a ofensiva bolsonarista?
O primeiro princípio de um movimento político que visa construir a hegemonia política é não perder o núcleo de sua narrativa. Assim, em um primeiro momento, a linguagem política do batismo de massas da candidatura Haddad- Manoela seria: os golpistas, no sentido de continuar a dinâmica de ataque aos direitos humanos do povo brasileiro, impediram Lula de ser candidato á presidente; Haddad-Manoela são Lula nestas eleições para voltar ao tempo da construção dos direitos humanos do povo brasileiro.
Em um segundo momento, antes do fim de setembro, a polarização política contra os golpistas deve ser associada à luta contra o bolsonarismo. Isto é, ela deve ser atualizada já na disputa contra o bolsonarismo, antes dele ter assentado a passagem de sua potência eleitoral à sua potência de poder político. Bolsonaro é o maior inimigo dos direitos humanos do povo brasileiro!
De fato, até agora o bolsonarismo não encontrou uma crítica de massas à altura de seu potencial político. Alckmin e os golpistas são incapazes de fazê-lo e estarão cada vez menos dispostos a fazê-lo.
É possível construir uma vitória política e eleitoral já majoritária das esquerdas sobre o golpe e seu prolongamento proto-fascista neste primeiro turno das eleições presidenciais.
Neste meio do decisivo mês de setembro, parece bem mais provável a passagem de Bolsonaro ao segundo turno das eleições presidenciais. A candidatura Alckmin se parece cada vez mais com o sujeito que tem de fazer três movimentos ao mesmo tempo: amarrar o sapato, pentear o cabelo e dar o nó na gravata. Isto é, vencer a rejeição e subir nas pesquisas, dissolver a força eleitoral de Bolsonaro e conter a transmissão de votos do Lula líder nas pesquisas para a chapa Haddad-Manuela.
Há claramente um impasse entre a potência de poder da candidatura Alckmin (seu status inicial de candidato preferencial da ordem, o peso maior de sua coligação, as forças econômicas que mobiliza) e sua potência eleitoral ( incapaz até agora até de ser majoritária em suas bases eleitorais mais tradicionais, como São Paulo). E nenhum dos três movimentos, isoladamente, é de fácil resolução.
Alckmin é de longe o candidato mais associado ao governo Temer e, por isso, herda o seu desgaste. O PSDB vive hoje, como já se anotou desde 2017, a maior crise de sua história. A previsão de Fernando Henrique Cardoso de que Alckmin seria “um corredor de maratona” ( começa devagar mas termina em primeiro) não parece se confirmar. A base do erro de FHC é sempre a mesma: um brutal elitismo que o faz quase sempre subestimar o grau de consciência da maioria do povo brasileiro.
O fenômeno Lula presidente – que resistiu à mais brutal calúnia, condenação, prisão , censura e impugnação – é politizado ( ver o crescimento muito expressivo da simpatia pelo PT), é social ( a base social histórica do chamado lulismo não foi rompida pelo golpe) e é eleitoral ( sua alta capacidade de transmissão veio sendo medida até nas pesquisas mais adversárias).
E, agora, a candidatura Bolsonaro que vinha se mostrando vulnerável aos primeiros ataques da candidatura Alckmin está passando à condição de um bolsonarismo, isto é, de um movimento político ofensivo que faz da sua condição de ser a última tábua de salvação do naufrágio golpista a sua maior virtude, iniciando a transformação de sua potência eleitoral em potência política.
O bolsonarismo
Certamente foi Marcos Coimbra quem primeiro e já em 2017 alertou sobre o longo fôlego eleitoral inscrito na candidatura Bolsonaro. Havia já um indicador eleitoral: o alto índice de cristalização do voto de seus eleitores, isto é, uma decisão de voto já firmada e com pouca disposição para se alterar. Em seguida, Marcos Coimbra indicava uma dimensão sócio-econômica expressiva: as posições proto-fascistas tinham uma base social, uma parte da sociedade brasileira havia encontrado o seu canal de expressão em Bolsonaro. Um fenômeno internacional, que se faz presente até no principal bastião da social-democracia, a Suécia, havia deitado raízes em nossa sociedade tão violentamente desigual. Em terceiro lugar, em uma de suas últimas entrevistas, Marcos Coimbra elaborou uma narrativa temporal: houve um primeiro tempo Bolsonaro, de sua construção nos meios policiais e de subúrbio no Rio; um segundo tempo, de nacionalização em meio às ondas de ódio dos últimos anos; o tempo, enfim, de construção do poder político com o lançamento de sua candidatura à presidente.
Agora, seria preciso falar do bolsonarismo, ou seja, do movimento político de construção do encontro entre este movimento proto-fascista e o centro do poder das classes dominantes no Brasil e internacionais. Há três breves observações a fazer.
A primeira é que a candidatura Bolsonaro-Mourão é o casamento entre a paixão da barbárie (o fascismo) e a razão da barbárie (o neoliberalismo). De forma não certamente aleatória, o programa neoliberal está hoje orgânico a, pelo menos, cinco candidaturas: Alckmin (Bacha e Pérsio Arida), Amoedo (Gustavo Franco), Marina (André Lara Resende), Meirelles (o próprio) e Bolsonaro ( Paulo Guedes). Não seria a primeira vez que o neoliberalismo faz par com um fascista!
A segunda observação é que o risco do movimento bolsonarista estaria exatamente em sua capacidade de operar a fusão entre a imagem anti-sistema (um anti-político contra a corrupção) com as forças econômicas e políticas do sistema. Este processo de fusão parece já ter se iniciado: com o aumento dos apoios de grandes grupos econômicos, do agronegócio a financistas de Wall Street; com a sua entrada na alta hierarquia militar, com a participação do general Mourão na vice e a já nem tão velada simpatia de outros comandantes militares; com várias decisões protetivas dos tribunais superiores e da Procuradoria Geral da República (será decisivo, neste sentido, a decisão sobre o processo de crime de racismo em julgamento no STF). Agora, é a própria Rede Globo de Televisão que dá sinais ostensivos em favor da candidatura Bolsonaro. O que pode ser decisivo para tentar diminuir a sua rejeição e torna-lo mais competitivo em um segundo turno.
A terceira observação é que todo movimento fascista constrói para si uma narrativa épica. A esquerda e, em geral, todas as candidaturas defenderam claramente os direitos humanos do cidadão Bolsonaro contra as ideias do candidato Bolsonaro. Mas é preciso reconhecer que o atentado violento está sendo imediatamente apropriado por quem faz a apologia da violência. O bolsonarismo está certamente refletindo dimensões mais profundas do acirramento do conflito de classes no Brasil. E setembro será um momento decisivo da construção deste sentimento fascista no Brasil.
Povo brasileiro versus bolsonarismo
Mas setembro será o tempo também, possível e provável, da transmissão da liderança eleitoral de Lula à chapa Haddad-Manoela. Como se relacionará este processo político, potencialmente majoritário no povo brasileiro, com a ofensiva bolsonarista?
O primeiro princípio de um movimento político que visa construir a hegemonia política é não perder o núcleo de sua narrativa. Assim, em um primeiro momento, a linguagem política do batismo de massas da candidatura Haddad- Manoela seria: os golpistas, no sentido de continuar a dinâmica de ataque aos direitos humanos do povo brasileiro, impediram Lula de ser candidato á presidente; Haddad-Manoela são Lula nestas eleições para voltar ao tempo da construção dos direitos humanos do povo brasileiro.
Em um segundo momento, antes do fim de setembro, a polarização política contra os golpistas deve ser associada à luta contra o bolsonarismo. Isto é, ela deve ser atualizada já na disputa contra o bolsonarismo, antes dele ter assentado a passagem de sua potência eleitoral à sua potência de poder político. Bolsonaro é o maior inimigo dos direitos humanos do povo brasileiro!
De fato, até agora o bolsonarismo não encontrou uma crítica de massas à altura de seu potencial político. Alckmin e os golpistas são incapazes de fazê-lo e estarão cada vez menos dispostos a fazê-lo.
É possível construir uma vitória política e eleitoral já majoritária das esquerdas sobre o golpe e seu prolongamento proto-fascista neste primeiro turno das eleições presidenciais.
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