sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Bolsonaro e o anúncio da tempestade

Por Gustavo Noronha, no site Brasil Debate:

Eles anunciaram a tempestade,
Trouxeram ventos de ódio,
E se imaginam invulneráveis
Porque acreditam que estamos sós…
Eles se enganam,
Caminhamos juntos,
Construímos o amor,
Carregamos o Sol
Que vai romper a tempestade
E dar vida ao arco-íris!


Em diversos artigos, neste espaço, alertamos sobre o processo de ascensão do fascismo, passo a passo, no Brasil. Os resultados do primeiro turno são indiscutíveis, o fascismo está aí como força política relevante no país, qualquer que seja o resultado do segundo turno. No dia 28 de outubro se definirá não exatamente a vitória em uma batalha, mas os termos em que será travada a guerra contra o fascismo no Brasil. As pesquisas iniciais do segundo turno apontam para uma larga vantagem para Jair Bolsonaro. Ainda que Fernando Haddad consiga uma virada, é praticamente impossível que o faça com larga margem.

Surgiu no twitter, infelizmente não conheço o autor original, a pérola que resume a situação do Brasil: “as pessoas vão votar num fascista de verdade acreditando que é de mentira por causa de um comunismo de mentira que acreditam ser de verdade”. Neste sentido, procuremos neste breve texto fazer uma curta aventura prospectiva do que pode ser o Brasil num governo Bolsonaro e o que deve ser independente dos resultados nas urnas.

As perspectivas para o governo Bolsonaro devem ser tratadas de antemão a partir do que Robert Paxton, o maior estudioso sobre o fascismo, já nos alertou: os fascistas não têm programa e se orgulham disso. Nas próprias palavras de Paxton, “os líderes fascistas não faziam segredo de não terem um programa. Mussolini exaltava essa ausência”. Ele ainda alerta que “os programas eram informais e fluídos” e que os fascistas faziam as concessões necessárias para “conquistar aliados e subir ao poder”. Ou seja, qualquer análise sobre um possível governo Bolsonaro a partir do seu programa de governo está errada já na largada.

Tudo que é possível prever é que o governo de Jair Bolsonaro será autoritário. Sua fala contra qualquer tipo de ativismo indica um duro período para sindicatos, movimentos sociais e qualquer tentativa da sociedade civil se organizar, não há dúvidas que as leis antiterrorista e de organizações criminosas serão usadas de todas as formas inimagináveis para criminalizar a luta social no país. No serviço público, não há que se duvidar que o fim da estabilidade defendido pelo vice Mourão ocorrerá de forma que seja uma espada de Dâmocles sobre a cabeça de todos os servidores que ousarem questionar até mesmo por melhoria nas suas carreiras. Com Bolsonaro no poder, ou se estará com ele ou contra ele.

Os inúmeros casos de agressões a eleitores antagonistas de Jair Bolsonaro já anunciam o porvir. A simples vitória do candidato do fascismo faz com que seus seguidores se sintam autorizados aos mais bárbaros atos de intolerância. E não podemos esquecer que o fascismo historicamente se organiza em falanges ou algo parecido com nossas milícias. Soma-se a isso o apoio aberto da bancada ruralista ao candidato do PSL, que defende o direito de os proprietários rurais possuírem forças paramilitares para “defesa da propriedade”. Se lembrarmos que Bolsonaro é a favor da legalização do porte de armas e já defendeu a legalização das milícias, haverá banho de sangue, particularmente direcionado às populações LGBTI+ e camponesa.

Outro ponto relevante é a parceria com o poder judiciário que se mantém conivente com a ascensão do fascismo. A evidência mais forte é o impedimento de que Lula seja entrevistado enquanto traficantes, homicidas e estupradores podem livremente conceder entrevistas de dentro do sistema prisional. Não há dúvidas que a Lava Jato será usada para cassar todos os partidos contrários à Nova Ordem, iludem-se os próceres do PSDB e MDB achando que seus partidos sobreviverão à tempestade. Com um parlamentar que seja envolvido na Lava Jato serão cassados os registros de todos os partidos sob entusiasmados aplausos da população, que verá nisso a “destruição” do “monstro da corrupção”. Quem não for enquadrado por aí, descobrirá de maneira dura os novos usos que poderão ser dados à lei antiterrorista.

O erro do PDT de apostar em 2022 é ainda mais pueril, não há garantia de que as eleições de 2022 ocorrerão dentro na normalidade. Para além da aliança com o Poder Judiciário, para o qual inclusive ele quer um controle ainda mais absoluto ampliando para 21 o número de ministros no STF, o governo Bolsonaro terá uma sólida maioria parlamentar a partir da bancada do Boi, da Bala e da Bíblia. Qualquer emenda constitucional será aprovada com facilidade, inclusive um parlamentarismo, que pode ser usado no cenário hoje pouco provável de derrota do bolsonarismo.

Uma questão que também deveria pôr em alerta não apenas os brasileiros, mas toda a comunidade internacional, é a natural instabilidade regional que a vitória de Bolsonaro traz. A ameaça de guerra contra a Venezuela torna-se fortíssima na primeira grande crise política ou econômica de seu governo. Não custa lembrar que os fascismos normalmente recorrem aos gastos bélicos para sustentar o pleno emprego, isso inclusive for demonstrado por Kalecki.

Embora o Uruguai seja logo ali, é um país pequeno e não comporta todos os possíveis exilados brasileiros (e tampouco não seria surpreendente que Jair resolvesse reanexar a “Província da Cisplatina”). Os mais pobres sequer têm condições de imaginar uma fuga. E mesmo em caso de derrota do fascismo nas urnas, neste segundo turno, o fascismo não aceitará pacificamente. Uma das mensagens que mais circula na bolha do candidato da extrema-direita é para não aceitar um resultado que não seja a vitória do ex-capitão expulso das Forças Armadas. É importante ressaltar que o campo autoritário pode facilmente construir uma maioria parlamentar sólida o suficiente para um novo golpe na nossa democracia.

Portanto, ganhando ou perdendo, serão tempos duros e de resistência. Os militantes e as organizações democráticas têm que pensar seriamente na segurança física de seus militantes e, sim, há que se mandar as figuras mais vulneráveis para lugares protegidos. Há que se pensar em estratégias coletivas de autoproteção. E inevitável falar de segurança digital nos computadores pessoais, nos mensageiros de telefones móveis, nas redes sociais.

Todavia, como dizem os gaúchos, não tá morto quem peleia. Não é tempo de muros, de indecisões ou cálculos mesquinhos. Temos mil críticas a fazer, e faremos depois de vencermos esta batalha que se apresenta no curtíssimo prazo. Guardemos as diferenças para daqui a pouco, pois a luta está apenas no início. Se do lado deles caminha o ódio, a violência, do nosso lado está o amor, a tolerância. Sobreviveremos à tempestade e, sim, juntos e organizados, traremos sol que vai romper as nuvens e dali vai surgir o arco-íris. Somos resilientes, somos solidários, acreditamos numa sociedade humana livre, justa, fraterna, democrática, mais igual, onde todos tenhamos chances de alcançar nossos sonhos. Vamos juntos, até a vitória!

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