Por Luis Nassif, no Jornal GGN:
Peça 1 – as fragilidades de Bolsonaro
Prosseguimos na tentativa de decifrar Jair Bolsonaro, juntando mais fragmentos do homem e do grupo trazidos por pessoas que transitam por lá. Como Bolsonaro é um ator político totalmente não-convencional, esses bastidores são mais reveladores do que a cobertura da mídia brasiliense, espremida por pressões dos veículos ou pela necessidade de construir boas relações com as novas fontes.
Ontem, no Twitter, o jornalista norte-americano Vincent Bevins – que foi correspondente no Brasil do Los Angeles Times – traçou um retrato cruel da cobertura sobre Bolsonaro.
Disse ele:
"Os jornalistas estão tão desesperados para parecer neutros que toda vez que Bolsonaro diz algo que não é uma mentira ou um incitamento ao genocídio, eles praticamente quebram os dedos tentando retwittar (...)
O cara pode falar por uma hora incentivando eliminar uma classe de pessoas, mas se o discurso incluir "2 + 2 = 4" jornalistas aparentemente têm que dizer "Ele pediu por extermínio, o que é controverso, mas, para ser justo, sua matemática passou na checagem (...).
Eu digo que, como um americano confortável que nem vive mais em tempo integral no Brasil, muitos jornalistas brasileiros estão sob séria pressão financeira que os levam a ficar com a cabeça baixa. Mas isso não é verdade para os grandes nomes e vozes que têm a liberdade de serem melhores, mas não são (...)
E o mais engraçado é que os fãs de Bolsonaro ainda pensam que os jornalistas que fazem isso são comunistas que provavelmente não deveriam poder escrever".
Por isso mesmo, é mais produtivo tentar decifrá-lo através de olhos de terceiros, mais perspicazes, do que pela cobertura tradicional.
Uma primeira impressão, que tem chamado a atenção de pessoas que têm mantido contato com Bolsonaro, é sua fragilidade: física sim, devido à facada recebida; fragilidade intelectual óbvia, mas, principalmente, fragilidade social. Ele não fica à vontade quando confrontado com temas relevantes, se mostra incomodado presidindo reuniões ou se relacionando formalmente com pessoas de fora do círculo.
É significativo de ampla ignorância, o deslumbramento com o encontro agendado com John Bolton, assessor de Segurança Nacional dos Estados Unidos. Bolton não vem se encontrar com Bolsonaro. Ele vai a um encontro do G20 em Buenos Aires e fará uma parada no Rio para conhecer Bolsonaro. A notícia foi recebida por Bolsonaro com um autêntico êxtase cívico, divulgando seu deslumbramento pelas redes sociais.
Bolton é odiado da portaria à copa do Departamento de Estado. Só existe porque Trump o retirou da lata do lixo. Tornou-se inimigo declarado do Brasil quando fez o diretor geral da Organização contra as Armas Químicas, o diplomata brasileiro José Bustami, ser demitido do cargo porque recusou-se a endossar a informação de existência de armas químicas no Iraque.
Bustami estava certo e Bolton errado, o Itamaraty nunca esqueceu. Em Washington, sua credibilidade é nula. Na Europa é um paria diplomático. Que Bolsonaro de importância a Bolton diz muita coisa sobre seu nível de informação.
Peça 2 – os personagens da trama
Esse personagem socialmente inseguro está no meio de um jogo com vários personagens sem afinidade entre si, disputando espaço e comando de uma das sete maiores economias do planeta.
Personagem 1 – o apoio dos filhos
Bolsonaro demonstra necessitar da proximidade dos filhos. Estes, por sua vez, criam conflitos por todos os cantos com vários personagens da nova corte. Um dos filhos tem bom discernimento em análises de caráter, mas em nada ajudando para entender como trabalhar a lógica do poder.
Personagem 2 – os financiadores vorazes
O núcleo que deu base partidária e recursos para a campanha – o advogado Gustavo Bebiano, o dono do PSL, Luciano Bivar, e o lobista carioca Paulo Marinho – têm-se mostrado voraz, pretendendo controlar todos os grandes contratos do governo.
Personagem 3 – Onix Lorenzoni
O deputado Lorenzoni tem provavelmente a maior unanimidade contrária do Congresso. Ficou do lado da Lava Jato, mesmo tendo sido beneficiado por financiamentos de caixa 2. Hoje em dia é uma alma penada, sem trânsito algum no Congresso. E a ele está sendo conferido o papel de coordenador político.
Personagem 4 – o Imperador Paulo Guedes
Dia desses, houve uma reunião com Bolsonaro. Todos os presentes quedavam em atitude respeitosa normal. De repente, ouviu-se uma agitação. Era Paulo Guedes chegando, como se fosse o Imperador da Alemanha. Entrou, todos se levantaram para cumprimenta-lo, enquanto Bolsonaro permanecia quieto, em sua cadeira, observando. Parecia que Guedes era o presidente. Esses superpoderes sempre acabam se voltando contra quem os utiliza, sem deter o poder originário, a Presidência.
Peça 4 – a arbitragem de Mourão
Todos os personagens acima giram em torno de Bolsonaro. Mas há um componente extra-Bolsonaro na história: o vice-presidente general Hamilton Mourão.
Em sua coluna de hoje, na Folha, Jânio de Freitas traz mais algumas informações relevantes sobre seu papel (clique aqui). Segundo Jânio, há indícios (ainda não confirmados por ele) de que Bolsonaro foi "aconselhado" na área militar a ceder o lugar de vice para Mourão.
Jânio reparou, corretamente, que Mourão tem uma segurança afirmativa que não se assemelha mais a meros arroubos, como passava a impressão durante a campanha eleitoral.
Por exemplo:
"Tenho certeza absoluta de que nós não vamos brigar" [com a China]. A mudança da embaixada brasileira em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém, já reafirmada por Bolsonaro, "é uma decisão que não pode ser tomada de afogadilho, de orelhada". Sobre o fim do Mercosul, também dado como decisão, "antes de pensar em extinguir, derrubar, boicotar, temos que fazer os esforços necessários para que atinja os seus objetivos".
Peça 5 – a lógica do Congresso
Congressos repetem indefinidamente os mesmos vícios e virtudes do Senado romano. Entram os cidadãos mais abonados, muitas vezes comprando os mandatos com campanhas caras e/ou herança política, com o objetivo de negociar com o Imperador os filtros a seus atos.
A lógica política demandaria um acordo com o Centrão, apoiando a eleição de Rodrigo Maia na Câmara e Renan Calheiros no Senador. Seria um acordo de sobrevivência, não de adesão. Mas há convicção de que os círculos íntimos de Bolsonaro farão tudo para impedir e partir para o confronto.
Na hipótese de Bolsonaro ganhar a presidência de uma das casas, os perdedores irão retaliar. Mesmo porque há um clima pesado, por conta da indicação do juiz Sérgio Moro para o Ministério da Justiça, entendida como tentativa do grupo de Moro de intimidar o Congresso.
O resultado da eleição para o Congresso mostrará melhor o rumo do governo. Entre velhas raposas há a convicção de que Bolsonaro sabe que o melhor caminho – para seu governo – seria o acordo de sobrevivência. Mas duvidam que ele tenha força para enfrentar os lobbies internos, constituído de um pessoal primário que acha que poderá domar o Congresso – algo que nem o governo militar de 1964 conseguiu, a ponto de fechar o Congresso pela impossibilidade de controla-lo.
Peça 6 – os primeiros conflitos
Os primeiros conflitos à vista provavelmente serão entre os filhos, contra a gana dos financiadores e de Onix Lorenzoni.
A eles se somarão os generais Hamilton Mourão e Augusto Heleno, agastados com a fritura a que foi exposta o general Ferreira por Onix e o grupo dos financiadores.
Conforme observamos semanas atrás, as únicas ideias consistentes, sistematizadas, que poderiam ser entendidos como um projeto de governo era o plano integrado de infraestrutura, preparado pelo general Ferreira, contemplando o curto, médio e longo prazo.
E nem houve espaço para falar do novo Ministro da Educação Ricardo Velez Rodrigues e do inacreditável chanceler Ernesto Araújo.
Peça 1 – as fragilidades de Bolsonaro
Prosseguimos na tentativa de decifrar Jair Bolsonaro, juntando mais fragmentos do homem e do grupo trazidos por pessoas que transitam por lá. Como Bolsonaro é um ator político totalmente não-convencional, esses bastidores são mais reveladores do que a cobertura da mídia brasiliense, espremida por pressões dos veículos ou pela necessidade de construir boas relações com as novas fontes.
Ontem, no Twitter, o jornalista norte-americano Vincent Bevins – que foi correspondente no Brasil do Los Angeles Times – traçou um retrato cruel da cobertura sobre Bolsonaro.
Disse ele:
"Os jornalistas estão tão desesperados para parecer neutros que toda vez que Bolsonaro diz algo que não é uma mentira ou um incitamento ao genocídio, eles praticamente quebram os dedos tentando retwittar (...)
O cara pode falar por uma hora incentivando eliminar uma classe de pessoas, mas se o discurso incluir "2 + 2 = 4" jornalistas aparentemente têm que dizer "Ele pediu por extermínio, o que é controverso, mas, para ser justo, sua matemática passou na checagem (...).
Eu digo que, como um americano confortável que nem vive mais em tempo integral no Brasil, muitos jornalistas brasileiros estão sob séria pressão financeira que os levam a ficar com a cabeça baixa. Mas isso não é verdade para os grandes nomes e vozes que têm a liberdade de serem melhores, mas não são (...)
E o mais engraçado é que os fãs de Bolsonaro ainda pensam que os jornalistas que fazem isso são comunistas que provavelmente não deveriam poder escrever".
Por isso mesmo, é mais produtivo tentar decifrá-lo através de olhos de terceiros, mais perspicazes, do que pela cobertura tradicional.
Uma primeira impressão, que tem chamado a atenção de pessoas que têm mantido contato com Bolsonaro, é sua fragilidade: física sim, devido à facada recebida; fragilidade intelectual óbvia, mas, principalmente, fragilidade social. Ele não fica à vontade quando confrontado com temas relevantes, se mostra incomodado presidindo reuniões ou se relacionando formalmente com pessoas de fora do círculo.
É significativo de ampla ignorância, o deslumbramento com o encontro agendado com John Bolton, assessor de Segurança Nacional dos Estados Unidos. Bolton não vem se encontrar com Bolsonaro. Ele vai a um encontro do G20 em Buenos Aires e fará uma parada no Rio para conhecer Bolsonaro. A notícia foi recebida por Bolsonaro com um autêntico êxtase cívico, divulgando seu deslumbramento pelas redes sociais.
Bolton é odiado da portaria à copa do Departamento de Estado. Só existe porque Trump o retirou da lata do lixo. Tornou-se inimigo declarado do Brasil quando fez o diretor geral da Organização contra as Armas Químicas, o diplomata brasileiro José Bustami, ser demitido do cargo porque recusou-se a endossar a informação de existência de armas químicas no Iraque.
Bustami estava certo e Bolton errado, o Itamaraty nunca esqueceu. Em Washington, sua credibilidade é nula. Na Europa é um paria diplomático. Que Bolsonaro de importância a Bolton diz muita coisa sobre seu nível de informação.
Peça 2 – os personagens da trama
Esse personagem socialmente inseguro está no meio de um jogo com vários personagens sem afinidade entre si, disputando espaço e comando de uma das sete maiores economias do planeta.
Personagem 1 – o apoio dos filhos
Bolsonaro demonstra necessitar da proximidade dos filhos. Estes, por sua vez, criam conflitos por todos os cantos com vários personagens da nova corte. Um dos filhos tem bom discernimento em análises de caráter, mas em nada ajudando para entender como trabalhar a lógica do poder.
Personagem 2 – os financiadores vorazes
O núcleo que deu base partidária e recursos para a campanha – o advogado Gustavo Bebiano, o dono do PSL, Luciano Bivar, e o lobista carioca Paulo Marinho – têm-se mostrado voraz, pretendendo controlar todos os grandes contratos do governo.
Personagem 3 – Onix Lorenzoni
O deputado Lorenzoni tem provavelmente a maior unanimidade contrária do Congresso. Ficou do lado da Lava Jato, mesmo tendo sido beneficiado por financiamentos de caixa 2. Hoje em dia é uma alma penada, sem trânsito algum no Congresso. E a ele está sendo conferido o papel de coordenador político.
Personagem 4 – o Imperador Paulo Guedes
Dia desses, houve uma reunião com Bolsonaro. Todos os presentes quedavam em atitude respeitosa normal. De repente, ouviu-se uma agitação. Era Paulo Guedes chegando, como se fosse o Imperador da Alemanha. Entrou, todos se levantaram para cumprimenta-lo, enquanto Bolsonaro permanecia quieto, em sua cadeira, observando. Parecia que Guedes era o presidente. Esses superpoderes sempre acabam se voltando contra quem os utiliza, sem deter o poder originário, a Presidência.
Peça 4 – a arbitragem de Mourão
Todos os personagens acima giram em torno de Bolsonaro. Mas há um componente extra-Bolsonaro na história: o vice-presidente general Hamilton Mourão.
Em sua coluna de hoje, na Folha, Jânio de Freitas traz mais algumas informações relevantes sobre seu papel (clique aqui). Segundo Jânio, há indícios (ainda não confirmados por ele) de que Bolsonaro foi "aconselhado" na área militar a ceder o lugar de vice para Mourão.
Jânio reparou, corretamente, que Mourão tem uma segurança afirmativa que não se assemelha mais a meros arroubos, como passava a impressão durante a campanha eleitoral.
Por exemplo:
"Tenho certeza absoluta de que nós não vamos brigar" [com a China]. A mudança da embaixada brasileira em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém, já reafirmada por Bolsonaro, "é uma decisão que não pode ser tomada de afogadilho, de orelhada". Sobre o fim do Mercosul, também dado como decisão, "antes de pensar em extinguir, derrubar, boicotar, temos que fazer os esforços necessários para que atinja os seus objetivos".
Peça 5 – a lógica do Congresso
Congressos repetem indefinidamente os mesmos vícios e virtudes do Senado romano. Entram os cidadãos mais abonados, muitas vezes comprando os mandatos com campanhas caras e/ou herança política, com o objetivo de negociar com o Imperador os filtros a seus atos.
A lógica política demandaria um acordo com o Centrão, apoiando a eleição de Rodrigo Maia na Câmara e Renan Calheiros no Senador. Seria um acordo de sobrevivência, não de adesão. Mas há convicção de que os círculos íntimos de Bolsonaro farão tudo para impedir e partir para o confronto.
Na hipótese de Bolsonaro ganhar a presidência de uma das casas, os perdedores irão retaliar. Mesmo porque há um clima pesado, por conta da indicação do juiz Sérgio Moro para o Ministério da Justiça, entendida como tentativa do grupo de Moro de intimidar o Congresso.
O resultado da eleição para o Congresso mostrará melhor o rumo do governo. Entre velhas raposas há a convicção de que Bolsonaro sabe que o melhor caminho – para seu governo – seria o acordo de sobrevivência. Mas duvidam que ele tenha força para enfrentar os lobbies internos, constituído de um pessoal primário que acha que poderá domar o Congresso – algo que nem o governo militar de 1964 conseguiu, a ponto de fechar o Congresso pela impossibilidade de controla-lo.
Peça 6 – os primeiros conflitos
Os primeiros conflitos à vista provavelmente serão entre os filhos, contra a gana dos financiadores e de Onix Lorenzoni.
A eles se somarão os generais Hamilton Mourão e Augusto Heleno, agastados com a fritura a que foi exposta o general Ferreira por Onix e o grupo dos financiadores.
Conforme observamos semanas atrás, as únicas ideias consistentes, sistematizadas, que poderiam ser entendidos como um projeto de governo era o plano integrado de infraestrutura, preparado pelo general Ferreira, contemplando o curto, médio e longo prazo.
E nem houve espaço para falar do novo Ministro da Educação Ricardo Velez Rodrigues e do inacreditável chanceler Ernesto Araújo.
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