É inegável que os quartéis entram fortalecidos na atual fase da história do Brasil. Mas não é correta a interpretação de que os militares estão de volta ao poder só pelo fato de o presidente eleito ser ex-militar e anunciar membros das reserva das Forças Armadas na linha de frente de seu futuro governo.
Ele próprio faz grande esforço pra parecer que conta com apoio maciço das três armas. Simula um caráter militar a eventos públicos e reuniões fechadas, bate continência até pra poste e só falta andar fardado, mas tudo é mais invencionice dele do que uma efetiva militarização do poder.
Chegou a mandar que tocassem o hino do Exército no saguão do hotel onde funcionava seu bunker de campanha. Além de contrariar as regras do cerimonial do Exército, que dita as circunstância em que essa celebração deve ocorrer, o gesto não foi lá muito bem visto na caserna. Mas ninguém o impediu de fazer.
Em entrevista que concedeu ao jornal Folha de S.Paulo, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas ressaltou que a participação no governo do eleito é vista com muita prudência.
- “A imagem dele como militar vem de fora. Ele é muito mais um político. Estamos tratando com muito cuidado essa interpretação de que a eleição dele representa uma volta dos militares ao poder. Absolutamente não é”, disse o general.
Isso é o que se deduz, também, de ações concretas vindas dos quartéis, como a negativa de uma reunião do Alto-Comando do Exército com o presidente eleito. Ele havia agendado um encontro com esse colegiado de 15 generais de 4 estrelas pra quarta-feira, 7 de novembro, mas teve de cancelar, pois recebeu um “não” que pode não ter sido sonoro, mas foi sentido.
Vale lembrar que as três forças trocarão seus comandos em janeiro, pois seus mandatos coincidem com o de chefe do governo. O ex-presidente Lula havia instituído a escolha por antiguidade, ou seja, o mais antigo detentor da patente máxima de cada arma era guindado automaticamente à função de seu comandante superior.
Dilma Rousseff, por sua vez, atendeu a pleito dos quartéis e instituiu o sistema de “lista tríplice”, como ocorre em outras autarquias da República. Assim, foi ela quem pinçou o nome do general Villas Boas de uma nominata oferecida pelo Alto-Comando do Exército, após as eleições de 2014.
O sistema continua em vigor, de modo que uma reunião com os membros do comando de uma força com o presidente eleito, agora, como ele queria, poderia ser uma prévia da escolha. Há muito zunzum sobre qual seria o quatro-estrelas favorito do futuro presidente, mas a negativa do encontro foi um recado de que esse é um assunto dos militares, não do futuro ocupante do Planalto, que tradicionalmente endossa a escolha.
Por falar em meter o bedelho onde não é chamado, na mesma entrevista Villas Boas reconheceu que procurou o Supremo Tribunal Federal (STF) pra sugerir que “a situação poderia sair do controle” caso Lula fosse libertado antes das eleições. Se sua sugestão foi ou não levada em conta, não se sabe, mas o fato é que Lula ficou preso.
De toda essa movimentação, o que se pode ter como certo é que os militares não estão dispostos a queimar cartucho dividindo responsabilidades pelo que vier a ocorrer a partir de janeiro. Mas tampouco se manterão na hibernagem a que foram submetidos pela opinião pública após o fim da ditadura.
* Jaime Sautchuk trabalhou nos principais órgãos da imprensa, Estado de SP, Globo, Folha de S.Paulo e Veja. E na imprensa de resistência, Opinião e Movimento. Atuou na BBC de Londres, dirigiu duas emissoras da RBS.
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