Por Wladimir Pomar, no site Correio da Cidadania:
Para vislumbrar os cenários de 2019 será preciso ter em conta, além da influência dos distúrbios internacionais e da caótica situação nacional, as experiências históricas dos governos fascistas. Neste caso, tanto os que galgaram governos e poderes de Estado através de golpes quanto os que chegaram lá através de eleições, todos combinando métodos de ação de diferentes tipos.
Isto é, métodos pacíficos e brutais, legais e ilegais, estatais e não-estatais, tendo em vista eliminar os inimigos, subordinar ou esmagar os aliados, e culminar com a instauração de um sistema ditatorial sobre toda a população. Tempo que variou de alguns poucos anos a mais de uma década, dependendo da capacidade de resistência e de resiliência dos inimigos internos. Em alguns casos o fascismo só fracassou ao tentar submeter outros povos através da agressão armada.
Em nosso caso, aparentemente, a coligação fascista que galgou o governo brasileiro pela via eleitoral não tem condições de “limpar” rapidamente o território de todas as forças democráticas e populares (que nomeia como petistas, comunistas, esquerdistas etc.). Mas há indícios de que trabalhará desde logo para impedir a atuação legal ou, pelo menos, criar obstáculos para evitar que tais forças criem um movimento político comum, gerem fortes movimentos populares e democráticos e se revigorem para as futuras disputas eleitorais.
Em vista disso, é possível que não haja qualquer trégua desde o início de 2019. O que, desde logo, coloca as forças populares e democráticas diante de opções extremas: capitular ou reciclar-se rapidamente para enfrentar lutas defensivas de longa duração. Como a capitulação tem sido rara no histórico de tais forças, ao contrário do denodo com que enfrentaram os regimes ditatoriais, talvez seja conveniente discriminar os possíveis desafios práticos e teóricos que terão que enfrentar.
Por exemplo, lutas defensivas de longa duração compelem os resistentes populares e democráticos a retornarem às suas bases sociais. Isto é, ao chão das fábricas e de outros locais de trabalho, às escolas e centros de convivência urbanos e rurais, às comunidades de bairro e de rua. Só desse modo é possível conhecer as condições de trabalho, de vida e de luta cotidiana das classes e camadas populares, integrar-se a elas, e travar as lutas econômicas, sociais, ideológicas e política capazes de livrá-las da influência fascista.
É evidente que partidos populares que possuem militância ampla e aguerrida podem aplicar tais medidas mais rapidamente. No entanto, tal vantagem pode estender a batalha, mas não salvá-los da ofensiva fascista se também não mudarem sua estratégia. Estratégia que proporcionou resultados positivos ao retirar grandes contingentes populacionais da condição de pobreza e de miséria e abrir espaços para o acesso de jovens pobres às universidades. No entanto, que foi incapaz de impedir a ascensão fascista na disputa por uma solução democrática, popular e nacional dos profundos problemas do país.
Isso impõe às forças populares uma apreciação mais realista do capitalismo brasileiro. Um capitalismo que não cumpriu sequer a tarefa histórica de desenvolver as forças produtivas de forma independente, soberana e avançada, que manteve sua indústria atrasada científica e tecnologicamente e tem seus principais segmentos oligopolizados por empresas estrangeiras. Como na época colonial, o Brasil continua dependendo da exportação de produtos minerais e agrícolas e da importação de insumos industriais produzidos fora do país.
Só uma classe capitalista atrasada, dependente e subordinada seria capaz de aceitar o desmonte da rede ferroviária e da rede de cabotagem marítima do país em prol do transporte rodoviário imposto pelas montadoras estrangeiras. Só uma classe dominante ideológica e politicamente atrasada, dependente e subordinada ao capital transnacional colocaria o Estado, ou seu Poder de Estado, a serviço de tal atraso, dependência e subordinação.
Nas poucas vezes em que o Estado brasileiro foi ocupado por correntes burguesas com viés independente, a exemplo de Vargas, nos anos 1950, e de Jango, nos anos 1960, os setores dominantes fizeram com que o Poder de Estado, ou parte dele, se incumbisse de alijar tais correntes. Experiência histórica que obriga as correntes populares e democráticas a analisarem e enfrentarem a questão do Estado ou do Poder de Estado de forma diferente da realizada nos últimos anos.
Por exemplo, não foram poucos os que acreditaram que a Constituição republicana e democrática de 1988 lhes permitiria ir muito além de participar de parlamentos e governos, inclusive do governo central. E que seria possível, além de consolidar a república e a democracia, superar o atraso econômico e social através de uma industrialização soberana, de um desenvolvimento independente e de uma distribuição menos desigual da renda e da riqueza.
Tal sonho estratégico teve como pressuposto que parte da burguesia, ao apoiar a eleição de Lula e, depois, de Dilma, seria capaz de mudar sua natureza. Isso, apesar das razões de sobra que apontavam tal situação como uma anomalia histórica, mesmo apenas em relação ao período “republicano-democrático”. Anomalia que poderia ter sido detectada se tal classe dominante (que inclui frações importantes de classes dominantes estrangeiras) tivesse sido analisada de forma consistente, colocando a nu a predominância e o monopólio das suas frações mais conservadoras e reacionárias sobre o Poder de Estado.
Isso pouparia dissabores e desilusões, a exemplo da descoberta de que as medidas que aumentaram a força e a autonomia das instituições do atual Estado brasileiro contribuíram para impedir a adoção de medidas contra o oligopólio da mídia, mas permitiram levar a efeito operações policiais e judiciais contra organizações e meios de comunicação populares. Uma análise realista da classe burguesa permitiria desnudar que ela convive mal com a democracia, mesmo quando tal democracia se manifesta no singelo direito de pobres poderem viajar de avião.
Além disso, permitiria colocar a nu os elos, mesmo encobertos por mil e um disfarces, entre ela e as corporações transnacionais, principalmente norte-americanas. E o entrelaçamento incestuoso e ilegal dos membros dessa burguesia com paraísos fiscais e organizações financeiras internacionais. Em outras palavras, teriam alertado que, em algum momento, as frações hegemônicas dessa burguesia voltariam a mobilizar toda a classe para atentar contra os direitos democráticos, mesmo simplesmente formais.
Essa burguesia é incapaz de aceitar a superação das imensas desigualdades sociais presentes em nosso país. Não consegue conviver com a extensão dos direitos humanos a todos. Não pode conviver com a suposição de que o Brasil pode ser soberano e ter uma política externa que, por exemplo, mantenha relações de igualdade com Angola, Peru e Estados Unidos. E teria auxiliado a esclarecer que Governo e Poder são construções diferentes.
Diante de tais condições, a conquista de governos por forças populares não pode ser mais do que um passo tático numa estratégia de longo prazo para participar do Poder de Estado e direcionar tal Poder no sentido de reforçar a independência e a soberania nacional e colocar a máquina estatal a serviço de todo o povo e não de uma minoria. Na realidade, ao supor que Governo e Estado eram a mesma coisa, grande parte da esquerda brasileira, em especial do PT, elaborou uma estratégia que tinha como meta única ser eleita para a direção de governos e governar em benefício dos pobres e miseráveis.
Ao acreditar que os demais aparelhos do Estado seriam simpáticos àquela “causa nobre”, parte da esquerda esqueceu que a burguesia tem como meta básica a obtenção de lucros máximos e se sentiria ultrajada por políticas públicas que transferissem para os pobres parte da receita, ou da mais-valia ou mais-valor gerada pelo processo produtivo comandado por ela. Portanto, em algum momento mobilizaria ideológica e politicamente (e, se necessário, militarmente) não só os setores sociais sob sua influência (como setores da pequena-burguesia, que puxaram as manifestações de 2015), mas também o aparato de Estado sob o comando de seus representantes (como as parcelas do judiciário que monopolizaram a Operação Lava Jato, e do parlamento, que realizaram o golpe de 2016).
Em outras palavras, podemos considerar a necessidade de conviver por um tempo relativamente longo com uma burguesia proprietária de meios de produção. Afinal, o capitalismo e a exploração do homem pelo homem só podem ser extintos quando tiverem completado duas tarefas históricas: 1) desenvolvidas as forças produtivas ao ponto de atenderem a todas as necessidades sociais; 2) tal desenvolvimento se tornar incompatível e irracional com a divisão social entre proprietários e não-proprietários, gerando desemprego estrutural e brutal redução da capacidade de consumo (vide a situação a que estão chegando os Estados Unidos em virtude de seu desenvolvimento tecnológico).
Para que essa transição se dê de forma civilizada, a questão chave consiste em fazer com que o Estado tenha todo o povo como seu mandante e seu objetivo máximo. Ou seja, que o Estado tenha a capacidade e o propósito de inverter o princípio moral básico da burguesia: ao invés de “exploração máxima com o mínimo de bem-estar, liberdades e soberania”, adote a máxima de “exploração mínima ou nenhuma com o máximo de bem-estar, liberdades e soberania”.
Para tanto é necessária uma estratégia que tenha a conquista eleitoral de governos como instrumento para a reforma e transformação do Estado, ou do Poder de Estado, num poder a serviço da soberania nacional, da ampliação da democracia e do bem-estar de todo o povo. E que tal estratégia parta da condição básica para sua realização: laços profundos, sólidos e inquebrantáveis com a base da sociedade, em toda a sua diversidade, incluindo variedade considerável de formas de associação e de resistência.
Em 2019, é o mínimo que se espera das forças populares e democráticas para enfrentarem a ofensiva fascista já em curso e evitarem derrotas ainda mais profundas de que as de 2016 e 2018. A conferir.
Isto é, métodos pacíficos e brutais, legais e ilegais, estatais e não-estatais, tendo em vista eliminar os inimigos, subordinar ou esmagar os aliados, e culminar com a instauração de um sistema ditatorial sobre toda a população. Tempo que variou de alguns poucos anos a mais de uma década, dependendo da capacidade de resistência e de resiliência dos inimigos internos. Em alguns casos o fascismo só fracassou ao tentar submeter outros povos através da agressão armada.
Em nosso caso, aparentemente, a coligação fascista que galgou o governo brasileiro pela via eleitoral não tem condições de “limpar” rapidamente o território de todas as forças democráticas e populares (que nomeia como petistas, comunistas, esquerdistas etc.). Mas há indícios de que trabalhará desde logo para impedir a atuação legal ou, pelo menos, criar obstáculos para evitar que tais forças criem um movimento político comum, gerem fortes movimentos populares e democráticos e se revigorem para as futuras disputas eleitorais.
Em vista disso, é possível que não haja qualquer trégua desde o início de 2019. O que, desde logo, coloca as forças populares e democráticas diante de opções extremas: capitular ou reciclar-se rapidamente para enfrentar lutas defensivas de longa duração. Como a capitulação tem sido rara no histórico de tais forças, ao contrário do denodo com que enfrentaram os regimes ditatoriais, talvez seja conveniente discriminar os possíveis desafios práticos e teóricos que terão que enfrentar.
Por exemplo, lutas defensivas de longa duração compelem os resistentes populares e democráticos a retornarem às suas bases sociais. Isto é, ao chão das fábricas e de outros locais de trabalho, às escolas e centros de convivência urbanos e rurais, às comunidades de bairro e de rua. Só desse modo é possível conhecer as condições de trabalho, de vida e de luta cotidiana das classes e camadas populares, integrar-se a elas, e travar as lutas econômicas, sociais, ideológicas e política capazes de livrá-las da influência fascista.
É evidente que partidos populares que possuem militância ampla e aguerrida podem aplicar tais medidas mais rapidamente. No entanto, tal vantagem pode estender a batalha, mas não salvá-los da ofensiva fascista se também não mudarem sua estratégia. Estratégia que proporcionou resultados positivos ao retirar grandes contingentes populacionais da condição de pobreza e de miséria e abrir espaços para o acesso de jovens pobres às universidades. No entanto, que foi incapaz de impedir a ascensão fascista na disputa por uma solução democrática, popular e nacional dos profundos problemas do país.
Isso impõe às forças populares uma apreciação mais realista do capitalismo brasileiro. Um capitalismo que não cumpriu sequer a tarefa histórica de desenvolver as forças produtivas de forma independente, soberana e avançada, que manteve sua indústria atrasada científica e tecnologicamente e tem seus principais segmentos oligopolizados por empresas estrangeiras. Como na época colonial, o Brasil continua dependendo da exportação de produtos minerais e agrícolas e da importação de insumos industriais produzidos fora do país.
Só uma classe capitalista atrasada, dependente e subordinada seria capaz de aceitar o desmonte da rede ferroviária e da rede de cabotagem marítima do país em prol do transporte rodoviário imposto pelas montadoras estrangeiras. Só uma classe dominante ideológica e politicamente atrasada, dependente e subordinada ao capital transnacional colocaria o Estado, ou seu Poder de Estado, a serviço de tal atraso, dependência e subordinação.
Nas poucas vezes em que o Estado brasileiro foi ocupado por correntes burguesas com viés independente, a exemplo de Vargas, nos anos 1950, e de Jango, nos anos 1960, os setores dominantes fizeram com que o Poder de Estado, ou parte dele, se incumbisse de alijar tais correntes. Experiência histórica que obriga as correntes populares e democráticas a analisarem e enfrentarem a questão do Estado ou do Poder de Estado de forma diferente da realizada nos últimos anos.
Por exemplo, não foram poucos os que acreditaram que a Constituição republicana e democrática de 1988 lhes permitiria ir muito além de participar de parlamentos e governos, inclusive do governo central. E que seria possível, além de consolidar a república e a democracia, superar o atraso econômico e social através de uma industrialização soberana, de um desenvolvimento independente e de uma distribuição menos desigual da renda e da riqueza.
Tal sonho estratégico teve como pressuposto que parte da burguesia, ao apoiar a eleição de Lula e, depois, de Dilma, seria capaz de mudar sua natureza. Isso, apesar das razões de sobra que apontavam tal situação como uma anomalia histórica, mesmo apenas em relação ao período “republicano-democrático”. Anomalia que poderia ter sido detectada se tal classe dominante (que inclui frações importantes de classes dominantes estrangeiras) tivesse sido analisada de forma consistente, colocando a nu a predominância e o monopólio das suas frações mais conservadoras e reacionárias sobre o Poder de Estado.
Isso pouparia dissabores e desilusões, a exemplo da descoberta de que as medidas que aumentaram a força e a autonomia das instituições do atual Estado brasileiro contribuíram para impedir a adoção de medidas contra o oligopólio da mídia, mas permitiram levar a efeito operações policiais e judiciais contra organizações e meios de comunicação populares. Uma análise realista da classe burguesa permitiria desnudar que ela convive mal com a democracia, mesmo quando tal democracia se manifesta no singelo direito de pobres poderem viajar de avião.
Além disso, permitiria colocar a nu os elos, mesmo encobertos por mil e um disfarces, entre ela e as corporações transnacionais, principalmente norte-americanas. E o entrelaçamento incestuoso e ilegal dos membros dessa burguesia com paraísos fiscais e organizações financeiras internacionais. Em outras palavras, teriam alertado que, em algum momento, as frações hegemônicas dessa burguesia voltariam a mobilizar toda a classe para atentar contra os direitos democráticos, mesmo simplesmente formais.
Essa burguesia é incapaz de aceitar a superação das imensas desigualdades sociais presentes em nosso país. Não consegue conviver com a extensão dos direitos humanos a todos. Não pode conviver com a suposição de que o Brasil pode ser soberano e ter uma política externa que, por exemplo, mantenha relações de igualdade com Angola, Peru e Estados Unidos. E teria auxiliado a esclarecer que Governo e Poder são construções diferentes.
Diante de tais condições, a conquista de governos por forças populares não pode ser mais do que um passo tático numa estratégia de longo prazo para participar do Poder de Estado e direcionar tal Poder no sentido de reforçar a independência e a soberania nacional e colocar a máquina estatal a serviço de todo o povo e não de uma minoria. Na realidade, ao supor que Governo e Estado eram a mesma coisa, grande parte da esquerda brasileira, em especial do PT, elaborou uma estratégia que tinha como meta única ser eleita para a direção de governos e governar em benefício dos pobres e miseráveis.
Ao acreditar que os demais aparelhos do Estado seriam simpáticos àquela “causa nobre”, parte da esquerda esqueceu que a burguesia tem como meta básica a obtenção de lucros máximos e se sentiria ultrajada por políticas públicas que transferissem para os pobres parte da receita, ou da mais-valia ou mais-valor gerada pelo processo produtivo comandado por ela. Portanto, em algum momento mobilizaria ideológica e politicamente (e, se necessário, militarmente) não só os setores sociais sob sua influência (como setores da pequena-burguesia, que puxaram as manifestações de 2015), mas também o aparato de Estado sob o comando de seus representantes (como as parcelas do judiciário que monopolizaram a Operação Lava Jato, e do parlamento, que realizaram o golpe de 2016).
Em outras palavras, podemos considerar a necessidade de conviver por um tempo relativamente longo com uma burguesia proprietária de meios de produção. Afinal, o capitalismo e a exploração do homem pelo homem só podem ser extintos quando tiverem completado duas tarefas históricas: 1) desenvolvidas as forças produtivas ao ponto de atenderem a todas as necessidades sociais; 2) tal desenvolvimento se tornar incompatível e irracional com a divisão social entre proprietários e não-proprietários, gerando desemprego estrutural e brutal redução da capacidade de consumo (vide a situação a que estão chegando os Estados Unidos em virtude de seu desenvolvimento tecnológico).
Para que essa transição se dê de forma civilizada, a questão chave consiste em fazer com que o Estado tenha todo o povo como seu mandante e seu objetivo máximo. Ou seja, que o Estado tenha a capacidade e o propósito de inverter o princípio moral básico da burguesia: ao invés de “exploração máxima com o mínimo de bem-estar, liberdades e soberania”, adote a máxima de “exploração mínima ou nenhuma com o máximo de bem-estar, liberdades e soberania”.
Para tanto é necessária uma estratégia que tenha a conquista eleitoral de governos como instrumento para a reforma e transformação do Estado, ou do Poder de Estado, num poder a serviço da soberania nacional, da ampliação da democracia e do bem-estar de todo o povo. E que tal estratégia parta da condição básica para sua realização: laços profundos, sólidos e inquebrantáveis com a base da sociedade, em toda a sua diversidade, incluindo variedade considerável de formas de associação e de resistência.
Em 2019, é o mínimo que se espera das forças populares e democráticas para enfrentarem a ofensiva fascista já em curso e evitarem derrotas ainda mais profundas de que as de 2016 e 2018. A conferir.
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