Por Renata Mielli, no site do Centro de Estudos Barão de Itararé:
A criminalização da política e a promessa de eliminar a “ideologia de esquerda” resultou na vitória da anti-política. Se fosse possível resumir em uma única frase o que levou à vitória de Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018, talvez essa fosse a mais abrangente e emblemática. Claro, há muito mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar a nossa vã filosofia, como disse William Shakespeare há mais de 400 anos.
Entre elas, a crise do capitalismo que atingiu as principais economias do mundo em 2008, contaminando toda a economia global e acelerando conflitos geopolíticos pela disputa de hegemonia internacional entre o imperialismo estadunidense e o bloco de poder instituído a partir da constituição dos BRIC’s - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Esse pano de fundo da disputa pelo poder global é importante para entender, tanto os acontecimentos na América Latina, quanto o crescimento da ultra-direita no próprio Estados Unidos e em outros países do mundo.
América Latina, uma pedra no sapato dos EUA
As experiências de governos democráticos e populares na América Latina foram fator determinante para acelerar o rearranjo de forças na geopolítica internacional e ameaçar efetivamente o poder dos Estados Unidos. Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Honduras, Nicarágua, Paraguai, Uruguai, Venezuela, não ao mesmo tempo e nem na mesma intensidade, se constituíram em obstáculo para os interesses econômicos e políticos dos EUA na região. Lembremos da criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) que foi inviabilizada e, de outro lado, do fortalecimento do Mercosul, da criação do Banco do Sul e da Unasul.
Brasil e Venezuela tiveram protagonismo fundamental nesse processo. Seja pelo peso de suas economias no continente, seja pelo tamanho e pelas riquezas naturais que possuem.
Golpes fracassados na Venezuela
Foram inúmeras as tentativas de derrubar o ex-presidente Hugo Chávez e agora Nicolás Maduro. Golpes, desestabilização política, sabotagem econômica, imposição de resoluções e sanções internacionais contra a Venezuela, manipulação da opinião pública internacional - que tenta caracterizar o país como uma ditadura-, entre outras iniciativas que até agora fracassaram. A resposta do povo venezuelano tem sido a da afirmação da sua soberania e da defesa das conquistas no campo social que mudaram o país nos últimos 20 anos.
O governo bolivariano, desde o início, colocou no centro de suas ações políticas nas áreas de educação, cultura e comunicação. Abertamente de esquerda, defensor do socialismo e da construção da Pátria Grande, Hugo Chávez entendeu, talvez mais do que todos os outros governos do campo democrático e popular que surgiram no continente, que além de dar emprego, moradia, saúde e mais qualidade de vida para o povo, era preciso disputar as ideias no seio da sociedade. Em outras palavras, era preciso disputar a hegemonia ideológica contra o pensamento neoliberal e colocar em questionamento os paradigmas do capitalismo. Elevar o nível de consciência da sociedade é empoderamento. E uma sociedade ciente dos seus direitos e deveres não se curva a golpes orquestrados por uma elite parasita como a venezuelana e pelos interesses estadunidenses nas reservas de petróleo daquele país.
Eleições, plebiscitos, constituintes e outros instrumentos de participação popular na definição dos rumos do Estado e de escolha de seus representantes têm demonstrado que, mesmo com problemas e críticas, a maioria dos venezuelanos apostam e querem a manutenção dos governos bolivarianos.
Golpe vitorioso no Brasil
Infelizmente, no Brasil, a história se deu de forma diferente. Dentre os muitos fatores que diferenciam a experiência venezuelana da brasileira, o elemento da disputa de ideias na sociedade é um dos que vale destacar. Diferentemente dos governos bolivarianos, os governos Lula e Dilma no Brasil se abstiveram de enfrentar o pensamento neoliberal - seja na economia, na cultura, nos valores sociais. Acreditou-se que seria possível construir um projeto de desenvolvimento econômico e social com distribuição de renda, combate às desigualdades e pautado pela defesa da integração regional, da soberania e do protagonismo dos países da América Latina perante o mundo em aliança com os oligopólios privados de comunicação - historicamente porta vozes e representantes da elite econômica brasileira e internacional.
Enquanto na Venezuela Chávez e depois Maduro não se furtaram a debater temas sensíveis com a sociedade e enfrentar a propaganda internacional contra seus governos, no Brasil Lula e Dilma renunciaram ao seu papel de mostrar para a sociedade que suas políticas públicas de educação, saúde, moradia, emprego e renda eram diferentes porque partiam de uma visão diferente de sociedade. Renunciaram, inclusive, de se defenderem publicamente da campanha de desestabilização política que teve seu primeiro episódio - que ficou conhecido como Mensalão - lá nos idos de 2005, até o golpe midiático-jurídico-parlamentar de 2016.
O combustível dessa campanha foi o argumento da corrupção. Se no Brasil a política e os movimentos sociais já são tratados de forma negativa pela mídia e tidos pela sociedade como algo ruim, a partir dos governo Lula e Dilma se ampliou o discurso de criminalização da política, mas de forma mais virulenta e com alvo definido - a esquerda, e dentro da esquerda o seu maior partido - o Partido dos Trabalhadores. Mas, mesmo com toda a campanha midiática contra o PT e a esquerda, Lula se reelegeu, e em seguida elegeu Dilma, que se reelegeu. Ou seja, a percepção do povo, a melhoria concreta das condições materiais de vida das pessoas ainda prevaleceu sobre as tentativas de criminalização da esquerda e do PT.
Então, a direita brasileira percebeu que era preciso ir além, era preciso romper a ordem democrática. Veio o golpe. E a direita percebeu também que não bastava o golpe, era preciso prender o maior líder político da história recente do país. Lula foi condenado e preso sem provas, num processo que se deu à margem das regras do devido processo legal e totalmente à revelia da Constituição. Era preciso tirar Lula de circulação e impedir que ele fosse candidato a presidente da República. Mesmo depois de preso, Lula continuou em primeiro lugar em todas as pesquisas de intenção de voto, até as vésperas da homologação das candidaturas.
Bolsonaro é um efeito colateral do golpe promovido pela direita
Toda a campanha de criminalização da política, da esquerda e dos movimentos sociais se deu de forma simultânea e sincronizada nos meios de comunicação de massa e na internet. Na mídia hegemônica ela ganhava relevância e credibilidade, na internet - em particular nas redes sociais - ela ganhava escala, velocidade e era ressignificada para provocar emoção nas pessoas - medo, raiva, ódio, preconceito.
Essa campanha atingiu todo o sistema partidário tradicional. A direita neoliberal representada principalmente pelo PSDB de Fernando Henrique Cardoso, Geraldo Alckmin e cia - e todos os demais partidos também foram empurrados para a vala do senso comum de que era preciso atacar a política. Não era exatamente este o objetivo da elite econômica, que tinha como candidato Geraldo Alckmin. Mas quando perceberam que este não iria decolar da disputa, rapidamente assumiram Bolsonaro para impedir que Haddad pudesse ganhar a eleição.
Bolsonaro - e o pensamento conservador que ele representa - arregimentou uma legião de seguidores e ativistas para espalhar mentiras, calúnias e construir uma imagem de que ele era o candidato que rompia com a política tradicional, o homem de família, o defensor de Deus e do Brasil. Ele, ex-militar que ocupava uma vaga de deputado federal na Câmara dos Deputados desde 1990, há 27 anos portanto, se projetou como o candidato que representava o rompimento com a política.
E no seu discurso - para além do fundamentalismo religioso e da pregação em defesa da família, da homofobia e do machismo - aparece um inimigo central a ser combatido: a esquerda, o PT e todas as formas de ativismo, como ele mesmo afirmou em várias oportunidades. Ele e seus asseclas se firmaram como os porta-vozes do combate à ideologia de esquerda, ao marxismo, ao socialismo, às "ditaduras populistas de esquerda" - dentre elas a Venezuela.
Jair Bolsonaro ataca Nicolás Maduro em todas as oportunidades. Afirma que o Brasil se alinhará ao mundo para libertar os venezuelanos da opressão. Denuncia o governo venezuelano argumentando que, naquele país, não há liberdade política para os opositores e nem democracia. Ora, discurso vindo exatamente de um homem que só foi eleito porque no Brasil, o principal líder da oposição é um preso político. Bolsonaro acusa os venezuelanos de impedir a existência da oposição, mas em vários momentos de campanha pregou a eliminação física dos militantes de esquerda: “vamos fuzilar a petralhada”, disse no Acre em cima de um carro de som; depois disse que o erro da ditadura brasileira foi “torturar e não matar”, e no discurso transmitido ao vivo durante comício no segundo turno, ele foi ainda mais explícito ao dizer que os “marginais vermelhos serão banidos do país”.
Veja trecho abaixo na íntegra do discurso de Bolsonaro em comício realizado em outubro:
"Petralhada, vai tudo vocês pra ponta da praia. Vocês não terão mais vez em nossa pátria, porque eu vou cortar todas as mordomias de vocês. Vocês não terão mais ONG’s para saciar a fome de mortadela de vocês(…) Vagabundo vai ter que trabalhar. Vai deixar de fazer demagogia junto ao povo brasileiro. Vocês verão as instituições sendo reconhecidas. Vocês verão umas Forças Armadas altiva, que estarão colaborando com o futuro do Brasil. Vocês, petralhada, verão uma polícia civil e militar com retaguarda jurídica para fazer a lei do lombo de vocês. Bandidos do MST, bandidos do MTST, as ações de vocês serão tipificadas como terrorismo. Vocês não levarão mais o terror ao campo ou a cidade. Ou vocês se enquadram e se submetem às leis ou vão fazer companhia ao cachaceiro lá em Curitiba”.
Bolsonaro também ameaçou diretamente Lula e Fernando Haddad. “E seu Lula da Silva, se você estava esperando o Haddad ser presidente para assinar o decreto de indulto, eu vou te dizer uma coisa: você vai apodrecer na cadeia (…) Aguarde. O Haddad vai chegar aí também. Mas não será para visitá-lo não. Será para ficar alguns anos ao teu lado”.
Início de governo mostra viés autoritário
Em menos de dois meses (enquanto escrevo esse artigo), o governo Jair Bolsonaro chafurda em meio a inúmeras denúncias de corrupção atingindo ministros, parlamentares do seu partido, o PSL, e seus filhos. Um decreto presidencial já facilitou o acesso às armas de fogo no Brasil (conforme promessa de campanha de que ele iria armar o cidadão de bem para se defender dos terroristas do MST e dos bandidos), um pacote do Ministro Sérgio Moro (o juiz de segunda estância que prendeu indevidamente Lula) abre caminho para acabar com a presunção da inocência e com o devido processo legal. Retira direitos fundamentais, estimula a polícia a matar e o judiciário a prender. Além disso, tramita aceleradamente a lei antiterrorismo que tipifica organizações sociais como criminosas, abrindo caminho legal para atacar, por exemplo, o MST. Já foi alterada, também, a Lei de Acesso à Informação, aumentando o número de servidores com poder para classificar documentos como secretos e ultrassecretos. E, além disso, há um ataque aberto contra a imprensa, mostrando que faz parte da política deste governo violar a liberdade de expressão no país.
Além disso, parte de seu governo já se manifestou favorável à intervenção na Venezuela, faz propaganda de Juan Guaidó e já anuncia que enviará missão “humanitária" ao país vizinho, dando suporte aos movimentos golpistas do Trump e do imperialismo.
Tudo isso mostra que Jair Bolsonaro e seu governo não possuem nenhum predicado para atacar a soberania e a vontade popular do povo da Venezuela e, muito menos, de criticar o governo de Nicolás Maduro.
O mundo está imerso em uma profunda disputa de rumos políticos, econômicos e ideológicos. O capitalismo para manter seus lucros e seu poder, nesta quadra histórica, precisa se impôr pelo viés da força das ideias e, se preciso, pela força física. O que está em jogo na Venezuela e em outros países é exatamente a resistência à ofensiva do capitalismo.
A criminalização da política e a promessa de eliminar a “ideologia de esquerda” resultou na vitória da anti-política. Se fosse possível resumir em uma única frase o que levou à vitória de Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018, talvez essa fosse a mais abrangente e emblemática. Claro, há muito mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar a nossa vã filosofia, como disse William Shakespeare há mais de 400 anos.
Entre elas, a crise do capitalismo que atingiu as principais economias do mundo em 2008, contaminando toda a economia global e acelerando conflitos geopolíticos pela disputa de hegemonia internacional entre o imperialismo estadunidense e o bloco de poder instituído a partir da constituição dos BRIC’s - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Esse pano de fundo da disputa pelo poder global é importante para entender, tanto os acontecimentos na América Latina, quanto o crescimento da ultra-direita no próprio Estados Unidos e em outros países do mundo.
América Latina, uma pedra no sapato dos EUA
As experiências de governos democráticos e populares na América Latina foram fator determinante para acelerar o rearranjo de forças na geopolítica internacional e ameaçar efetivamente o poder dos Estados Unidos. Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Honduras, Nicarágua, Paraguai, Uruguai, Venezuela, não ao mesmo tempo e nem na mesma intensidade, se constituíram em obstáculo para os interesses econômicos e políticos dos EUA na região. Lembremos da criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) que foi inviabilizada e, de outro lado, do fortalecimento do Mercosul, da criação do Banco do Sul e da Unasul.
Brasil e Venezuela tiveram protagonismo fundamental nesse processo. Seja pelo peso de suas economias no continente, seja pelo tamanho e pelas riquezas naturais que possuem.
Golpes fracassados na Venezuela
Foram inúmeras as tentativas de derrubar o ex-presidente Hugo Chávez e agora Nicolás Maduro. Golpes, desestabilização política, sabotagem econômica, imposição de resoluções e sanções internacionais contra a Venezuela, manipulação da opinião pública internacional - que tenta caracterizar o país como uma ditadura-, entre outras iniciativas que até agora fracassaram. A resposta do povo venezuelano tem sido a da afirmação da sua soberania e da defesa das conquistas no campo social que mudaram o país nos últimos 20 anos.
O governo bolivariano, desde o início, colocou no centro de suas ações políticas nas áreas de educação, cultura e comunicação. Abertamente de esquerda, defensor do socialismo e da construção da Pátria Grande, Hugo Chávez entendeu, talvez mais do que todos os outros governos do campo democrático e popular que surgiram no continente, que além de dar emprego, moradia, saúde e mais qualidade de vida para o povo, era preciso disputar as ideias no seio da sociedade. Em outras palavras, era preciso disputar a hegemonia ideológica contra o pensamento neoliberal e colocar em questionamento os paradigmas do capitalismo. Elevar o nível de consciência da sociedade é empoderamento. E uma sociedade ciente dos seus direitos e deveres não se curva a golpes orquestrados por uma elite parasita como a venezuelana e pelos interesses estadunidenses nas reservas de petróleo daquele país.
Eleições, plebiscitos, constituintes e outros instrumentos de participação popular na definição dos rumos do Estado e de escolha de seus representantes têm demonstrado que, mesmo com problemas e críticas, a maioria dos venezuelanos apostam e querem a manutenção dos governos bolivarianos.
Golpe vitorioso no Brasil
Infelizmente, no Brasil, a história se deu de forma diferente. Dentre os muitos fatores que diferenciam a experiência venezuelana da brasileira, o elemento da disputa de ideias na sociedade é um dos que vale destacar. Diferentemente dos governos bolivarianos, os governos Lula e Dilma no Brasil se abstiveram de enfrentar o pensamento neoliberal - seja na economia, na cultura, nos valores sociais. Acreditou-se que seria possível construir um projeto de desenvolvimento econômico e social com distribuição de renda, combate às desigualdades e pautado pela defesa da integração regional, da soberania e do protagonismo dos países da América Latina perante o mundo em aliança com os oligopólios privados de comunicação - historicamente porta vozes e representantes da elite econômica brasileira e internacional.
Enquanto na Venezuela Chávez e depois Maduro não se furtaram a debater temas sensíveis com a sociedade e enfrentar a propaganda internacional contra seus governos, no Brasil Lula e Dilma renunciaram ao seu papel de mostrar para a sociedade que suas políticas públicas de educação, saúde, moradia, emprego e renda eram diferentes porque partiam de uma visão diferente de sociedade. Renunciaram, inclusive, de se defenderem publicamente da campanha de desestabilização política que teve seu primeiro episódio - que ficou conhecido como Mensalão - lá nos idos de 2005, até o golpe midiático-jurídico-parlamentar de 2016.
O combustível dessa campanha foi o argumento da corrupção. Se no Brasil a política e os movimentos sociais já são tratados de forma negativa pela mídia e tidos pela sociedade como algo ruim, a partir dos governo Lula e Dilma se ampliou o discurso de criminalização da política, mas de forma mais virulenta e com alvo definido - a esquerda, e dentro da esquerda o seu maior partido - o Partido dos Trabalhadores. Mas, mesmo com toda a campanha midiática contra o PT e a esquerda, Lula se reelegeu, e em seguida elegeu Dilma, que se reelegeu. Ou seja, a percepção do povo, a melhoria concreta das condições materiais de vida das pessoas ainda prevaleceu sobre as tentativas de criminalização da esquerda e do PT.
Então, a direita brasileira percebeu que era preciso ir além, era preciso romper a ordem democrática. Veio o golpe. E a direita percebeu também que não bastava o golpe, era preciso prender o maior líder político da história recente do país. Lula foi condenado e preso sem provas, num processo que se deu à margem das regras do devido processo legal e totalmente à revelia da Constituição. Era preciso tirar Lula de circulação e impedir que ele fosse candidato a presidente da República. Mesmo depois de preso, Lula continuou em primeiro lugar em todas as pesquisas de intenção de voto, até as vésperas da homologação das candidaturas.
Bolsonaro é um efeito colateral do golpe promovido pela direita
Toda a campanha de criminalização da política, da esquerda e dos movimentos sociais se deu de forma simultânea e sincronizada nos meios de comunicação de massa e na internet. Na mídia hegemônica ela ganhava relevância e credibilidade, na internet - em particular nas redes sociais - ela ganhava escala, velocidade e era ressignificada para provocar emoção nas pessoas - medo, raiva, ódio, preconceito.
Essa campanha atingiu todo o sistema partidário tradicional. A direita neoliberal representada principalmente pelo PSDB de Fernando Henrique Cardoso, Geraldo Alckmin e cia - e todos os demais partidos também foram empurrados para a vala do senso comum de que era preciso atacar a política. Não era exatamente este o objetivo da elite econômica, que tinha como candidato Geraldo Alckmin. Mas quando perceberam que este não iria decolar da disputa, rapidamente assumiram Bolsonaro para impedir que Haddad pudesse ganhar a eleição.
Bolsonaro - e o pensamento conservador que ele representa - arregimentou uma legião de seguidores e ativistas para espalhar mentiras, calúnias e construir uma imagem de que ele era o candidato que rompia com a política tradicional, o homem de família, o defensor de Deus e do Brasil. Ele, ex-militar que ocupava uma vaga de deputado federal na Câmara dos Deputados desde 1990, há 27 anos portanto, se projetou como o candidato que representava o rompimento com a política.
E no seu discurso - para além do fundamentalismo religioso e da pregação em defesa da família, da homofobia e do machismo - aparece um inimigo central a ser combatido: a esquerda, o PT e todas as formas de ativismo, como ele mesmo afirmou em várias oportunidades. Ele e seus asseclas se firmaram como os porta-vozes do combate à ideologia de esquerda, ao marxismo, ao socialismo, às "ditaduras populistas de esquerda" - dentre elas a Venezuela.
Jair Bolsonaro ataca Nicolás Maduro em todas as oportunidades. Afirma que o Brasil se alinhará ao mundo para libertar os venezuelanos da opressão. Denuncia o governo venezuelano argumentando que, naquele país, não há liberdade política para os opositores e nem democracia. Ora, discurso vindo exatamente de um homem que só foi eleito porque no Brasil, o principal líder da oposição é um preso político. Bolsonaro acusa os venezuelanos de impedir a existência da oposição, mas em vários momentos de campanha pregou a eliminação física dos militantes de esquerda: “vamos fuzilar a petralhada”, disse no Acre em cima de um carro de som; depois disse que o erro da ditadura brasileira foi “torturar e não matar”, e no discurso transmitido ao vivo durante comício no segundo turno, ele foi ainda mais explícito ao dizer que os “marginais vermelhos serão banidos do país”.
Veja trecho abaixo na íntegra do discurso de Bolsonaro em comício realizado em outubro:
"Petralhada, vai tudo vocês pra ponta da praia. Vocês não terão mais vez em nossa pátria, porque eu vou cortar todas as mordomias de vocês. Vocês não terão mais ONG’s para saciar a fome de mortadela de vocês(…) Vagabundo vai ter que trabalhar. Vai deixar de fazer demagogia junto ao povo brasileiro. Vocês verão as instituições sendo reconhecidas. Vocês verão umas Forças Armadas altiva, que estarão colaborando com o futuro do Brasil. Vocês, petralhada, verão uma polícia civil e militar com retaguarda jurídica para fazer a lei do lombo de vocês. Bandidos do MST, bandidos do MTST, as ações de vocês serão tipificadas como terrorismo. Vocês não levarão mais o terror ao campo ou a cidade. Ou vocês se enquadram e se submetem às leis ou vão fazer companhia ao cachaceiro lá em Curitiba”.
Bolsonaro também ameaçou diretamente Lula e Fernando Haddad. “E seu Lula da Silva, se você estava esperando o Haddad ser presidente para assinar o decreto de indulto, eu vou te dizer uma coisa: você vai apodrecer na cadeia (…) Aguarde. O Haddad vai chegar aí também. Mas não será para visitá-lo não. Será para ficar alguns anos ao teu lado”.
Início de governo mostra viés autoritário
Em menos de dois meses (enquanto escrevo esse artigo), o governo Jair Bolsonaro chafurda em meio a inúmeras denúncias de corrupção atingindo ministros, parlamentares do seu partido, o PSL, e seus filhos. Um decreto presidencial já facilitou o acesso às armas de fogo no Brasil (conforme promessa de campanha de que ele iria armar o cidadão de bem para se defender dos terroristas do MST e dos bandidos), um pacote do Ministro Sérgio Moro (o juiz de segunda estância que prendeu indevidamente Lula) abre caminho para acabar com a presunção da inocência e com o devido processo legal. Retira direitos fundamentais, estimula a polícia a matar e o judiciário a prender. Além disso, tramita aceleradamente a lei antiterrorismo que tipifica organizações sociais como criminosas, abrindo caminho legal para atacar, por exemplo, o MST. Já foi alterada, também, a Lei de Acesso à Informação, aumentando o número de servidores com poder para classificar documentos como secretos e ultrassecretos. E, além disso, há um ataque aberto contra a imprensa, mostrando que faz parte da política deste governo violar a liberdade de expressão no país.
Além disso, parte de seu governo já se manifestou favorável à intervenção na Venezuela, faz propaganda de Juan Guaidó e já anuncia que enviará missão “humanitária" ao país vizinho, dando suporte aos movimentos golpistas do Trump e do imperialismo.
Tudo isso mostra que Jair Bolsonaro e seu governo não possuem nenhum predicado para atacar a soberania e a vontade popular do povo da Venezuela e, muito menos, de criticar o governo de Nicolás Maduro.
O mundo está imerso em uma profunda disputa de rumos políticos, econômicos e ideológicos. O capitalismo para manter seus lucros e seu poder, nesta quadra histórica, precisa se impôr pelo viés da força das ideias e, se preciso, pela força física. O que está em jogo na Venezuela e em outros países é exatamente a resistência à ofensiva do capitalismo.
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