Por Theófilo Rodrigues, no blog Cafezinho:
As razões por trás da prisão do ex-presidente Michel Temer e de seu braço direito, o ex-governador Moreira Franco, ainda não são plenamente conhecidas. As interpretações são as mais variadas, mas a sensação de que estamos em um processo de transição para um novo tipo de gestão do presidencialismo brasileiro é cada vez mais presente.
Nosso modelo político da Nova República é comumente descrito como o de um presidencialismo de coalizão. O termo foi cunhado por Sergio Abranches em artigo publicado na revista Dados em fins da década de 80 e descreve um sistema político que reúne características como o presidencialismo, o multipartidarismo, o voto proporcional e o federalismo.
Abranches havia notado que o Brasil teria um sistema político diferente do presidencialismo estadunidense e do parlamentarismo europeu. Aqui, como dificilmente um único partido conquistaria sozinho uma maioria no Congresso Nacional, o presidente teria que reunir outras legendas que lhe oferecessem uma margem segura de votos para a aprovação de leis. Esse foi o modelo que, sob graus diferenciados, vigorou no país do governo Sarney até o fim do governo Temer. Alguns souberam gerir bem esse presidencialismo de coalizão – Itamar, FHC, Lula e Temer – outros, como Collor e Dilma, nem tanto.
Com a vitória eleitoral de Bolsonaro em 2018 esse cenário do presidencialismo de coalizão sofreu sua primeira alteração. O capitão da reserva passou por cima dos partidos políticos e trouxe para o seu governo cinco diferentes grupos sociais: os militares, os neoliberais, os evangélicos, os olavistas, e a Lavajato.
Sem o apoio concreto de partidos políticos, Bolsonaro apostou na construção de uma maioria parlamentar por meio de bancadas temáticas como a bancada da bala, a bancada da Bíblia e a bancada ruralista, entre outras. No entanto, na votação da primeira polêmica proposta pelo governo, o novo modelo de articulação política de Bolsonaro não passou no teste. Logo no segundo mês de governo, a Câmara dos Deputados derrubou por ampla maioria o decreto do governo Bolsonaro que alterava a Lei de Acesso à Informação.
Para substituir o presidencialismo de coalizão seria necessária uma virtude maquiaveliana, uma habilidade política que o governo Bolsonaro não demonstrou ter até agora. Bastaria dizer que o responsável pela articulação política do governo, o ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni, é um inimigo declarado do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Sem uma base partidária consistente e sem uma articulação política hábil, aqueles atores que participam do governo Bolsonaro perceberam que precisariam investir numa nova tática. Foi aí que entrou novamente em cena o grupo político da Lavajato.
O projeto político da Lavajato, liderado por Sergio Moro, Deltan Dallagnol e Marcelo Bretas, tem obtido sucesso desde 2014 com o mesmo modus operandi, qual seja, o uso ilegal da justiça para obter resultados. Para chegar ao poder, o primeiro passo foi retirar da disputa eleitoral o seu principal adversário, o ex-presidente Lula, mesmo que para isso fossem necessários o compartilhamento ilegal de grampos sigilosos entre outros artifícios.
Com a eleição de Bolsonaro o Grupo Lavajato deu o seu segundo passo. A questão agora era influir diretamente no governo federal. Para isso, Moro foi alçado ao importante cargo de Ministro da Justiça e Segurança Pública, com a responsabilidade de criar condições ainda mais amplas para a atuação de seu grupo político.
No governo federal o Grupo Lavajato passou a ter condições de operar a política em larga escala. Uma das primeiras medidas foi exigir do presidente eleito que o poderoso Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o COAF, passasse para as mãos de Moro. Assim foi feito.
Em seguida, chegou a vez de enviar ao Congresso Nacional um conjunto de medidas que ficou conhecido como o Pacote Moro. Como bem alerta a colega Carol Proner, há no Pacote Moro um verdadeiro Cavalo de Troia. No meio de tantas medidas de segurança pública, o líder do Grupo Lavajato incluiu uma proposta de flexibilização da lei para permitir que o Ministério Público Federal possa fazer acordos internacionais. Como sabemos, a Constituição Federal exige que acordos internacionais sejam feitos apenas com autorização do Congresso Nacional. Pela proposta de Moro, o MPF poderia passar por cima do Poder Legislativo.
O Cavalo de Troia teria passado desapercebido se um outro escândalo não tivesse alcançado os meios de comunicação ao mesmo tempo. Notícias deram conta de que Deltan Dallagnol havia feito um acordo internacional nos Estados Unidos para que recursos recuperados da Petrobras na ordem dos 2,5 bilhões de reais voltassem ao Brasil para serem geridos pelo Grupo Lavajato. O próprio STF entrou em cena e acusou a ilegalidade da ação. Tudo fazia sentido agora: Moro pretendia alterar a lei para retirar da ilegalidade a ação de Dallagnol.
O Pacote Moro exigia certa urgência. Do contrário, não apenas Dallagnol, mas todo o Grupo Lavajato poderia sofrer as consequências do acordo bilionário. Moro passou então a pressionar o presidente da Câmara para que seu projeto tramitasse com urgência. Maia, que já havia sido atingido pelos vazamentos da Lavajato, não gostou nada da pressão e deixou claro que o projeto não tramitaria no tempo desejado por Moro.
Foi então que o Grupo Lavajato voltou a executar seu tradicional modus operandi. Na mesma semana em que a Lavajato sofreu duas duras derrotas, no STF e no Congresso, o juiz Marcelo Bretas decretou a prisão do ex-presidente Michel Temer e do sogro de Rodrigo Maia, o ex-governador do Rio de Janeiro Moreira Franco. O recado foi claro: “políticos, tomem cuidado, não nos desagradem, pois ainda estamos no jogo”.
Sem uma base partidária capaz de garantir o funcionamento do presidencialismo de coalizão e sem qualquer habilidade política para articular a aprovação de projetos no Congresso, o Grupo Lavajato apostou em uma inovação: a criação do presidencialismo de coerção. O Congresso se intimidará e cederá ao presidencialismo de coerção? Ou, liderado por Rodrigo Maia, dobrará a aposta e enfrentará o Grupo Lavajato? Só há um caminho possível para a restauração da democracia e das instituições políticas no país. E esse caminho não passa pelo fortalecimento da Lavajato.
* Theófilo Rodrigues é cientista político.
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