Por Marcelo Zero
A apresentação da conclusão do acordo entre a União Europeia e o Mercosul como um “grande avanço” é, provavelmente, a maior fake news do governo Bolsonaro.
O governo e a imprensa venal falam da “grande conquista” de um acordo que demorava 20 anos para ser concluído.
Pudera. Na época em que tínhamos um governo que defendia o Brasil e o Mercosul, os nossos negociadores preferiam não fechar um acordo do que fechar um acordo ruim, lesivo à nossa soberania.
Deve-se entender que em toda negociação comercial, os países participantes têm interesses ofensivos, normalmente vinculados aos seus setores produtivos mais competitivos, e interesses defensivos, relacionados aos seus setores econômicos mais frágeis e que precisam de proteção para se desenvolver.
A partir da definição desses interesses, monta-se a estratégia de negociação, que usualmente procura maximizar os ganhos dos interesses ofensivos, minimizando, ao mesmo tempo, as perdas em seus interesses defensivos.
No caso específico das negociações Mercosul-União Europeia, os interesses ofensivos do bloco econômico europeu estavam concentrados em produtos industrializados (conhecidos, no jargão da OMC, por NAMA-non agricultural market acess), serviços (especialmente serviços tecnologicamente mais sofisticados, como telecomunicações, serviços financeiros, serviços de transporte-navegação de cabotagem, serviços ambientais e de consultoria etc.), propriedade intelectual (com vistas a impor regras mais rígidas do que as já acordadas na OMC- o chamado TRIPS plus), compras governamentais (com o intuito de abrir esse importante mercado para as empresas europeias) e investimentos (com o objetivo de proteger investimentos europeus no Mercosul mediante regras que criam privilégios para o investidor).
No que tange aos interesses defensivos da UE, eles estavam concentrados essencialmente em agricultura.
A União Europeia, pressionada principalmente pela França queria preservar, sem mudanças significativas, a sua política agrícola e de segurança alimentar, baseada não apenas em barreiras aduaneiras e não-aduaneiras às importações, mas também numa montanha de subsídios à agricultura que tornam os produtos agrícolas europeus artificialmente competitivos.
Somente a Política Agrícola Comum (PAC) disponibiliza, todos os anos, cerca de 60 bilhões de euros para os agricultores europeus, em subsídios diretos, consumindo 40% do orçamento comunitário. Isso sem falar dos apoios indiretos, como o crédito facilitado, e os subsídios concedidos em âmbito nacional.
A UE também tinha interesses defensivos em matéria sanitária e fitossanitária (de modo a poder manter barreiras técnicas a produtos agrícolas) e antidumping (de forma a impor barreiras contra produtos industrializados com preços muito baixos).
O Mercosul, sob a liderança do Brasil, tinha, por sua vez, naquela época, interesses ofensivos claros em agricultura, já que seus membros são muito competitivos nessa área, em certos setores de serviços (no chamado modo 4-transfronteiriço-, que são os serviços prestados com exportação de mão-de-obra), em alguns produtos industrializados (aço, alimentos processados, etanol, têxteis, aviões, etc.), em antidumping (queríamos regras mais claras e rigorosas para a sua aplicação) e medidas sanitárias e fitossanitárias (idem).
Em relação aos interesses defensivos do Mercosul eles estavam concentrados em setores estratégicos dos serviços (serviços financeiros, por exemplo, essenciais para não aprofundar a vulnerabilidade da economia), certos setores industriais (informática, automóveis, química e petroquímica etc.), propriedade intelectual (de modo a não prejudicar o nosso desenvolvimento tecnológico e a não comprometer certas políticas públicas, como a do combate à AIDS, por exemplo), compras governamentais (já que elas são importantes para estimular a produção nacional- no caso das compras da União -, regional - no caso das compras dos estados -, e local - no caso das compras municipais), e investimentos (para não criar privilégios para o investidor estrangeiro e comprometer políticas de desenvolvimento).
As negociações Mercosul-UE começaram oficialmente em 1999, mas até agora não tinha sido possível se chegar a um acordo abrangente e significativo. Elas ficaram paralisadas entre 2004 e 2010, uma vez que a distância entre as propostas era muito grande. Entretanto, em 2010 elas foram oficialmente retomadas por pressão da União Europeia, a qual, na época, estava sendo muito afetada pela recessão e buscava compensar a diminuição de seu mercado interno com o aumento de suas exportações.
O Mercosul, liderado pelo Brasil, fez, naqueles tempos, ofertas racionais em compras governamentais (abrindo a possibilidade de preferência para empresas europeias, preservadas as políticas de estímulo à produção nacional), NAMA (com concessões em cerca de 90% da pauta importadora, preservando, no entanto, setores considerados estratégicos) e mesmo em certos setores de serviços (como seguro bancário, ligações internacionais, serviços profissionais especializados, etc.). Porém, a União Europeia queria muito mais.
A União Europeia, por sua vez, admitiu aumentar quotas de importação para certos produtos, como carnes e etanol.
No entanto, a União Europeia se negou a fazer concessões significativas naqueles setores que mais interessam ao Mercosul e ao Brasil, como barreiras não-tarifárias a produtos agrícolas e industriais e, acima de tudo, subsídios à agricultura, os quais não apenas impedem a penetração de nossos produtos agrícolas no mercado europeu, como dificultam também a venda desses produtos em outros mercados, já que a União Europeia é grande exportadora de commodities agrícolas subsidiadas.
A estratégia da União Europeia é de só negociar esses assuntos (chamados de “temas sistêmicos”, em jargão técnico) na OMC. Contudo, as ofertas que a UE fez na OMC sobre subsídios agrícolas foram pífias, e decepcionaram os países em desenvolvimento.
Era essa atitude da UE que vinha impedindo a consecução de um acordo abrangente, no âmbito das negociações com o Mercosul.
Com efeito, sem concessões significativas em subsídios agrícolas e barreiras não-tarifárias por parte da UE, um acordo com o Mercosul poderia resultar em sérias assimetrias e desequilíbrios para os nossos países.
Deve-se ter em mente o que aconteceu com o México, que firmou um acordo de livre comércio com a UE, em 1999.
As assimetrias consolidadas nesse acordo acabaram por duplicar o déficit comercial que o México tinha com a União Europeia.
Coisa semelhante aconteceu com Peru, Colômbia, Equador, que também passaram a ter largos déficits em sua relação comercial com a UE, após entrarem em vigor acordos de liberação comercial.
Os precedentes, portanto, são desastrosos.
Observe-se que, entre 2013-2017, o Brasil acumulou um déficit comercial com a UE de US$ 5,2 bilhões.
Nesse período, só tivemos superávits em 2016 e 2017. Contudo, esses superávits recentes não foram ocasionados pelo aumento de nossas exportações para o bloco europeu, já que elas caíram de US$ 47,8 bilhões, em 2013, para US$ 34,9 bilhões, em 2017.
Na realidade, esses superávits recentes foram causados pela queda brutal das nossas importações, devido à forte recessão brasileira.
Com efeito, as nossas importações da UE desabaram de US$ 50,7 bilhões, em 2013, para meros US$ 32 bilhões, em 2017. Assim sendo, a assinatura de um acordo assimétrico poderá ampliar o desequilíbrio estrutural entre economias que estão em um estágio diferente, em seu nível de desenvolvimento.
Pois bem, nos últimos tempos, vinha crescendo o receio de que o Brasil e o Mercosul acabariam por concordar com um tratado comercial desequilibrado.
Isso por três razões. A primeira se relaciona com a crescente desnacionalização da nossa indústria.
Hoje, os setores mais poderosos da indústria instalada no Brasil, como a automobilística, por exemplo, já são bastante internacionalizados.
Ao contrário do que acontecia no passado, esses setores são agora favoráveis a um acordo que permita a livre importação de insumos industrializados que diminuam seus custos, como motores, componentes eletrônicos etc.
Por esse motivo, a Fiesp mudou de posição relativamente ao acordo com a UE e vinha defendendo regras comerciais mais liberais para a indústria.
Já segunda razão tangia ao fator político e ideológico.
O golpe e o governo Bolsonaro são neoliberais até a medula e acreditam que a adesão apressada do Brasil a acordos comerciais amplos e de “nova geração” poderá fazer com que o país retome seu crescimento, compensando a contração recente de seu mercado interno.
Trata-se, do nosso ponto de vista, de uma aposta ingênua e suicida que não tem qualquer base empírica.
A bem da verdade, o que a história econômica mostra é que todos os grandes países praticaram políticas protecionistas, principalmente para proteger a sua indústria nascente. Tais políticas só foram parcialmente flexibilizadas quando esses países adquiriram níveis muito altos de competitividade internacional.
Mesmo hoje, os países desenvolvidos e industrializados continuam a proteger seus setores industriais mais frágeis e sensíveis. Isso sem falar de seu setor agrícola fortemente subsidiado.
Considere-se que, nos últimos tempos, ocorreu mudança considerável nas políticas comerciais de vários países, que passaram a ser consideravelmente mais protecionistas.
É o caso óbvio dos EUA, sob a administração Trump. Recentemente, esse governo anunciou sobretaxas ao aço (25%) e ao alumínio (10%), à revelia do que dispõe a OMC, o que prejudicará muito a siderurgia brasileira, que exporta 30% de sua produção para lá. Na Europa, ocorre o mesmo fenômeno.
A saída da Grã-Bretanha da UE (Brexit) se insere na mesma tendência de nacionalismo e protecionismo.
Por conseguinte, essa aposta ingênua do governo Bolsonaro numa liberação comercial acrítica e unilateral coloca o Brasil na contramão da tendência mundial.
A terceira razão diz respeito ao fato inquietante de que as negociações, consolidado o golpe no Brasil, se aceleraram e passaram a ser realizadas sob um manto de inexplicável sigilo.
Nada era divulgado.
Surgiam apenas, aqui e ali, especulações sobre o que vem sendo efetivamente negociado.
Tal fato impede análises precisas sobre as possíveis consequências do acordo concluído para a estrutura produtiva nacional e os empregos dos brasileiros.
Mas, face às novas políticas internas neoliberais e à nova política externa “omissa e submissa”, teme-se que esse acordo com a UE possa ser usado para blindar as escolhas políticas do golpe. Com efeito, não há maneira mais eficiente de blindar escolhas políticas do que plasmá-las em tratados internacionais.
Nesse contexto internacional e nacional e sob essas condições de negociações, a possibilidade de um bom acordo, simétrico e que protegesse nossa indústria gravemente combalida, parecia ser muito remota.
A revisão significativa da Política Agrícola Comum (PAC) da UE, em particular, parecia estar fora do escopo da negociação.
De modo significativo, os europeus estavam, até pouco tempo, exultantes. Falavam da “oferta generosa” do Mercosul, sob a batuta de Bolsonaro e Macri, dois governos acossados pela recessão, a fragilidade política e a submissão ideológica. Os europeus não mudaram de posição, nós sim.
Não temos dúvidas de que a acordo firmado é assimétrico, desequilibrado, lesivo aos interesses nacionais e compromete, em definitivo, a capacidade do Estado nacional do Brasil de implementar políticas de desenvolvimento, de industrialização de ciência e tecnologia, etc.
Caberá ao Congresso, que terá de aprovar o acordo, defender o Brasil.
Não se enganem, não há nada a comemorar.
Tomamos de 7x1. Ou mais.
A apresentação da conclusão do acordo entre a União Europeia e o Mercosul como um “grande avanço” é, provavelmente, a maior fake news do governo Bolsonaro.
O governo e a imprensa venal falam da “grande conquista” de um acordo que demorava 20 anos para ser concluído.
Pudera. Na época em que tínhamos um governo que defendia o Brasil e o Mercosul, os nossos negociadores preferiam não fechar um acordo do que fechar um acordo ruim, lesivo à nossa soberania.
Deve-se entender que em toda negociação comercial, os países participantes têm interesses ofensivos, normalmente vinculados aos seus setores produtivos mais competitivos, e interesses defensivos, relacionados aos seus setores econômicos mais frágeis e que precisam de proteção para se desenvolver.
A partir da definição desses interesses, monta-se a estratégia de negociação, que usualmente procura maximizar os ganhos dos interesses ofensivos, minimizando, ao mesmo tempo, as perdas em seus interesses defensivos.
No caso específico das negociações Mercosul-União Europeia, os interesses ofensivos do bloco econômico europeu estavam concentrados em produtos industrializados (conhecidos, no jargão da OMC, por NAMA-non agricultural market acess), serviços (especialmente serviços tecnologicamente mais sofisticados, como telecomunicações, serviços financeiros, serviços de transporte-navegação de cabotagem, serviços ambientais e de consultoria etc.), propriedade intelectual (com vistas a impor regras mais rígidas do que as já acordadas na OMC- o chamado TRIPS plus), compras governamentais (com o intuito de abrir esse importante mercado para as empresas europeias) e investimentos (com o objetivo de proteger investimentos europeus no Mercosul mediante regras que criam privilégios para o investidor).
No que tange aos interesses defensivos da UE, eles estavam concentrados essencialmente em agricultura.
A União Europeia, pressionada principalmente pela França queria preservar, sem mudanças significativas, a sua política agrícola e de segurança alimentar, baseada não apenas em barreiras aduaneiras e não-aduaneiras às importações, mas também numa montanha de subsídios à agricultura que tornam os produtos agrícolas europeus artificialmente competitivos.
Somente a Política Agrícola Comum (PAC) disponibiliza, todos os anos, cerca de 60 bilhões de euros para os agricultores europeus, em subsídios diretos, consumindo 40% do orçamento comunitário. Isso sem falar dos apoios indiretos, como o crédito facilitado, e os subsídios concedidos em âmbito nacional.
A UE também tinha interesses defensivos em matéria sanitária e fitossanitária (de modo a poder manter barreiras técnicas a produtos agrícolas) e antidumping (de forma a impor barreiras contra produtos industrializados com preços muito baixos).
O Mercosul, sob a liderança do Brasil, tinha, por sua vez, naquela época, interesses ofensivos claros em agricultura, já que seus membros são muito competitivos nessa área, em certos setores de serviços (no chamado modo 4-transfronteiriço-, que são os serviços prestados com exportação de mão-de-obra), em alguns produtos industrializados (aço, alimentos processados, etanol, têxteis, aviões, etc.), em antidumping (queríamos regras mais claras e rigorosas para a sua aplicação) e medidas sanitárias e fitossanitárias (idem).
Em relação aos interesses defensivos do Mercosul eles estavam concentrados em setores estratégicos dos serviços (serviços financeiros, por exemplo, essenciais para não aprofundar a vulnerabilidade da economia), certos setores industriais (informática, automóveis, química e petroquímica etc.), propriedade intelectual (de modo a não prejudicar o nosso desenvolvimento tecnológico e a não comprometer certas políticas públicas, como a do combate à AIDS, por exemplo), compras governamentais (já que elas são importantes para estimular a produção nacional- no caso das compras da União -, regional - no caso das compras dos estados -, e local - no caso das compras municipais), e investimentos (para não criar privilégios para o investidor estrangeiro e comprometer políticas de desenvolvimento).
As negociações Mercosul-UE começaram oficialmente em 1999, mas até agora não tinha sido possível se chegar a um acordo abrangente e significativo. Elas ficaram paralisadas entre 2004 e 2010, uma vez que a distância entre as propostas era muito grande. Entretanto, em 2010 elas foram oficialmente retomadas por pressão da União Europeia, a qual, na época, estava sendo muito afetada pela recessão e buscava compensar a diminuição de seu mercado interno com o aumento de suas exportações.
O Mercosul, liderado pelo Brasil, fez, naqueles tempos, ofertas racionais em compras governamentais (abrindo a possibilidade de preferência para empresas europeias, preservadas as políticas de estímulo à produção nacional), NAMA (com concessões em cerca de 90% da pauta importadora, preservando, no entanto, setores considerados estratégicos) e mesmo em certos setores de serviços (como seguro bancário, ligações internacionais, serviços profissionais especializados, etc.). Porém, a União Europeia queria muito mais.
A União Europeia, por sua vez, admitiu aumentar quotas de importação para certos produtos, como carnes e etanol.
No entanto, a União Europeia se negou a fazer concessões significativas naqueles setores que mais interessam ao Mercosul e ao Brasil, como barreiras não-tarifárias a produtos agrícolas e industriais e, acima de tudo, subsídios à agricultura, os quais não apenas impedem a penetração de nossos produtos agrícolas no mercado europeu, como dificultam também a venda desses produtos em outros mercados, já que a União Europeia é grande exportadora de commodities agrícolas subsidiadas.
A estratégia da União Europeia é de só negociar esses assuntos (chamados de “temas sistêmicos”, em jargão técnico) na OMC. Contudo, as ofertas que a UE fez na OMC sobre subsídios agrícolas foram pífias, e decepcionaram os países em desenvolvimento.
Era essa atitude da UE que vinha impedindo a consecução de um acordo abrangente, no âmbito das negociações com o Mercosul.
Com efeito, sem concessões significativas em subsídios agrícolas e barreiras não-tarifárias por parte da UE, um acordo com o Mercosul poderia resultar em sérias assimetrias e desequilíbrios para os nossos países.
Deve-se ter em mente o que aconteceu com o México, que firmou um acordo de livre comércio com a UE, em 1999.
As assimetrias consolidadas nesse acordo acabaram por duplicar o déficit comercial que o México tinha com a União Europeia.
Coisa semelhante aconteceu com Peru, Colômbia, Equador, que também passaram a ter largos déficits em sua relação comercial com a UE, após entrarem em vigor acordos de liberação comercial.
Os precedentes, portanto, são desastrosos.
Observe-se que, entre 2013-2017, o Brasil acumulou um déficit comercial com a UE de US$ 5,2 bilhões.
Nesse período, só tivemos superávits em 2016 e 2017. Contudo, esses superávits recentes não foram ocasionados pelo aumento de nossas exportações para o bloco europeu, já que elas caíram de US$ 47,8 bilhões, em 2013, para US$ 34,9 bilhões, em 2017.
Na realidade, esses superávits recentes foram causados pela queda brutal das nossas importações, devido à forte recessão brasileira.
Com efeito, as nossas importações da UE desabaram de US$ 50,7 bilhões, em 2013, para meros US$ 32 bilhões, em 2017. Assim sendo, a assinatura de um acordo assimétrico poderá ampliar o desequilíbrio estrutural entre economias que estão em um estágio diferente, em seu nível de desenvolvimento.
Pois bem, nos últimos tempos, vinha crescendo o receio de que o Brasil e o Mercosul acabariam por concordar com um tratado comercial desequilibrado.
Isso por três razões. A primeira se relaciona com a crescente desnacionalização da nossa indústria.
Hoje, os setores mais poderosos da indústria instalada no Brasil, como a automobilística, por exemplo, já são bastante internacionalizados.
Ao contrário do que acontecia no passado, esses setores são agora favoráveis a um acordo que permita a livre importação de insumos industrializados que diminuam seus custos, como motores, componentes eletrônicos etc.
Por esse motivo, a Fiesp mudou de posição relativamente ao acordo com a UE e vinha defendendo regras comerciais mais liberais para a indústria.
Já segunda razão tangia ao fator político e ideológico.
O golpe e o governo Bolsonaro são neoliberais até a medula e acreditam que a adesão apressada do Brasil a acordos comerciais amplos e de “nova geração” poderá fazer com que o país retome seu crescimento, compensando a contração recente de seu mercado interno.
Trata-se, do nosso ponto de vista, de uma aposta ingênua e suicida que não tem qualquer base empírica.
A bem da verdade, o que a história econômica mostra é que todos os grandes países praticaram políticas protecionistas, principalmente para proteger a sua indústria nascente. Tais políticas só foram parcialmente flexibilizadas quando esses países adquiriram níveis muito altos de competitividade internacional.
Mesmo hoje, os países desenvolvidos e industrializados continuam a proteger seus setores industriais mais frágeis e sensíveis. Isso sem falar de seu setor agrícola fortemente subsidiado.
Considere-se que, nos últimos tempos, ocorreu mudança considerável nas políticas comerciais de vários países, que passaram a ser consideravelmente mais protecionistas.
É o caso óbvio dos EUA, sob a administração Trump. Recentemente, esse governo anunciou sobretaxas ao aço (25%) e ao alumínio (10%), à revelia do que dispõe a OMC, o que prejudicará muito a siderurgia brasileira, que exporta 30% de sua produção para lá. Na Europa, ocorre o mesmo fenômeno.
A saída da Grã-Bretanha da UE (Brexit) se insere na mesma tendência de nacionalismo e protecionismo.
Por conseguinte, essa aposta ingênua do governo Bolsonaro numa liberação comercial acrítica e unilateral coloca o Brasil na contramão da tendência mundial.
A terceira razão diz respeito ao fato inquietante de que as negociações, consolidado o golpe no Brasil, se aceleraram e passaram a ser realizadas sob um manto de inexplicável sigilo.
Nada era divulgado.
Surgiam apenas, aqui e ali, especulações sobre o que vem sendo efetivamente negociado.
Tal fato impede análises precisas sobre as possíveis consequências do acordo concluído para a estrutura produtiva nacional e os empregos dos brasileiros.
Mas, face às novas políticas internas neoliberais e à nova política externa “omissa e submissa”, teme-se que esse acordo com a UE possa ser usado para blindar as escolhas políticas do golpe. Com efeito, não há maneira mais eficiente de blindar escolhas políticas do que plasmá-las em tratados internacionais.
Nesse contexto internacional e nacional e sob essas condições de negociações, a possibilidade de um bom acordo, simétrico e que protegesse nossa indústria gravemente combalida, parecia ser muito remota.
A revisão significativa da Política Agrícola Comum (PAC) da UE, em particular, parecia estar fora do escopo da negociação.
De modo significativo, os europeus estavam, até pouco tempo, exultantes. Falavam da “oferta generosa” do Mercosul, sob a batuta de Bolsonaro e Macri, dois governos acossados pela recessão, a fragilidade política e a submissão ideológica. Os europeus não mudaram de posição, nós sim.
Não temos dúvidas de que a acordo firmado é assimétrico, desequilibrado, lesivo aos interesses nacionais e compromete, em definitivo, a capacidade do Estado nacional do Brasil de implementar políticas de desenvolvimento, de industrialização de ciência e tecnologia, etc.
Caberá ao Congresso, que terá de aprovar o acordo, defender o Brasil.
Não se enganem, não há nada a comemorar.
Tomamos de 7x1. Ou mais.
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