Por Manuel Domingos Neto
Minha cidade é antiga e bonita. Fica no delta do rio Parnaíba, outrora porta de entrada e saída para grande parte do que hoje se chama Nordeste. O seu centro comercial foi tombado como patrimônio histórico brasileiro.
A rua mais importante era chamada “Rua Grande”. Depois do golpe de 1954, tornou-se Avenida Getúlio Vargas. Desconheço melhor mostruário nacional de estilos arquitetônicos. Tem do colonial ao moderno, entremeado pelo neoclássico, o eclético e muito “art décor”. Começa no velho porto a beira-rio e termina num colégio fundado em 1926, que ganhou o nome de Miranda Osório, um herói da Independência do Brasil. Há quem não saiba, mas o Piauí sangrou muito para libertar o país. E o Vale do Parnaíba era estratégico para Lisboa: abastecia de proteína animal grande parte de sua principal Colônia.
Esse colégio marcou a valorização do ensino na República Velha. Tem um porão garantindo-lhe projeção de altitude e monumentalidade. As escadarias e janelas são simetricamente distribuídas. Foi pintado de creme-pastel com traços neoclássicos em branco. Foi cercado harmonicamente por uma mureta com grade de ferro pintada de ocre. Oitizeiros ao redor atenuaram a luminosidade e o calor. Sabem aquela junção convidativa do grandioso com o mimoso?
Estudei neste colégio. Aos 16 anos, presidi o grêmio estudantil, que lutava pela melhoria da biblioteca. Arrecadamos livros. O diretor pediu que retirássemos Graciliano Ramos, Jorge Amado e Josué de Castro. “Vidas Secas”, “Capitães da Areia” e “Geografia da Fome” seriam leituras inadequadas. Discordamos e ele trancou a biblioteca. Entramos em greve. Terminei expulso. Isso ocorreu em 1966.
O prédio abrigou depois o Curso de Direito da Universidade Estadual do Piauí. A Reitoria não dispôs de recursos para recuperá-lo. O SESC apresentou-se, dizendo que nele desenvolveria atividades usuais. O governador Wellington Dias consentiu.
Eu me preparava para cumprimentar o SESC, lamentar a poda radical dos oitizeiros e sugerir-lhe mais rigor na preservação da fachada. Soube, então, que o prédio agasalharia o “Colégio Militar Presidente Jair Bolsonaro”. Sabem como é ser expulso do colégio pela segunda vez, aos 70 anos?
O episódio retrata a insanidade que toma conta do país. O SESC, tentando defender-se da tesoura do Guedes, desvirtua-se de suas funções e envereda na militarização da juventude! É fascismo em marcha batida.
A ditadura militar censurou, prendeu, torturou, matou, mas não ousou cuspir nos heróis da Independência. Onde já se viu trocar Miranda Osório por um promotor do neocolonialismo?
A maravilhosa rua emporcalhada pelo nome de um defensor da tortura, inimigo da diversidade e do Nordeste!
Sabem aquela junção repulsiva do violento com o sabujento?
Minha cidade é antiga e bonita. Fica no delta do rio Parnaíba, outrora porta de entrada e saída para grande parte do que hoje se chama Nordeste. O seu centro comercial foi tombado como patrimônio histórico brasileiro.
A rua mais importante era chamada “Rua Grande”. Depois do golpe de 1954, tornou-se Avenida Getúlio Vargas. Desconheço melhor mostruário nacional de estilos arquitetônicos. Tem do colonial ao moderno, entremeado pelo neoclássico, o eclético e muito “art décor”. Começa no velho porto a beira-rio e termina num colégio fundado em 1926, que ganhou o nome de Miranda Osório, um herói da Independência do Brasil. Há quem não saiba, mas o Piauí sangrou muito para libertar o país. E o Vale do Parnaíba era estratégico para Lisboa: abastecia de proteína animal grande parte de sua principal Colônia.
Esse colégio marcou a valorização do ensino na República Velha. Tem um porão garantindo-lhe projeção de altitude e monumentalidade. As escadarias e janelas são simetricamente distribuídas. Foi pintado de creme-pastel com traços neoclássicos em branco. Foi cercado harmonicamente por uma mureta com grade de ferro pintada de ocre. Oitizeiros ao redor atenuaram a luminosidade e o calor. Sabem aquela junção convidativa do grandioso com o mimoso?
Estudei neste colégio. Aos 16 anos, presidi o grêmio estudantil, que lutava pela melhoria da biblioteca. Arrecadamos livros. O diretor pediu que retirássemos Graciliano Ramos, Jorge Amado e Josué de Castro. “Vidas Secas”, “Capitães da Areia” e “Geografia da Fome” seriam leituras inadequadas. Discordamos e ele trancou a biblioteca. Entramos em greve. Terminei expulso. Isso ocorreu em 1966.
O prédio abrigou depois o Curso de Direito da Universidade Estadual do Piauí. A Reitoria não dispôs de recursos para recuperá-lo. O SESC apresentou-se, dizendo que nele desenvolveria atividades usuais. O governador Wellington Dias consentiu.
Eu me preparava para cumprimentar o SESC, lamentar a poda radical dos oitizeiros e sugerir-lhe mais rigor na preservação da fachada. Soube, então, que o prédio agasalharia o “Colégio Militar Presidente Jair Bolsonaro”. Sabem como é ser expulso do colégio pela segunda vez, aos 70 anos?
O episódio retrata a insanidade que toma conta do país. O SESC, tentando defender-se da tesoura do Guedes, desvirtua-se de suas funções e envereda na militarização da juventude! É fascismo em marcha batida.
A ditadura militar censurou, prendeu, torturou, matou, mas não ousou cuspir nos heróis da Independência. Onde já se viu trocar Miranda Osório por um promotor do neocolonialismo?
A maravilhosa rua emporcalhada pelo nome de um defensor da tortura, inimigo da diversidade e do Nordeste!
Sabem aquela junção repulsiva do violento com o sabujento?
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