Por Bruno Chapadeiro, no site Vermelho:
A História mostra que, com medidas de austeridade e crescentes taxas de desemprego estrutural, a miséria e a desigualdade social tendem a se agravar. Isso resulta, dentre outras mazelas, na elevação das taxas de suicídios. Seria um recurso sistêmico e (in)consequente de uma política higienista de “eliminação dos indesejáveis” – a redução dos extratos saturados do exército industrial de reserva e/ou do lumpemproletariado? Seria o suicídio “não um ato livre, mas ideológico”?
A História mostra que, com medidas de austeridade e crescentes taxas de desemprego estrutural, a miséria e a desigualdade social tendem a se agravar. Isso resulta, dentre outras mazelas, na elevação das taxas de suicídios. Seria um recurso sistêmico e (in)consequente de uma política higienista de “eliminação dos indesejáveis” – a redução dos extratos saturados do exército industrial de reserva e/ou do lumpemproletariado? Seria o suicídio “não um ato livre, mas ideológico”?
Ao discorrer sobre o fenômeno do suicídio, Marx (2006) afirma que este deve ser compreendido enquanto expressão da organização deficiente de nossa sociedade. No capitalismo, em sua etapa de crise estrutural, marcada por baixas nos setores produtivos e medidas de austeridade que visam a captura do fundo público, “esse sintoma é sempre mais evidente e assume um caráter epidêmico” (p. 24). Embora demonstre que encontramos o suicídio em todas as classes, “tanto entre os ricos ociosos como entre os artistas e os políticos” (p. 25), Marx aponta a miséria como sendo a maior causa dos suicídios.
Numa revisão literária em 130 estudos sociológicos sobre o fenômeno do suicídio datados de 1981 a 1995, Stack (2000) destacou a pobreza como uma situação que pode predispor ao suicídio, incluindo-se fatores como o desemprego, o estresse econômico e a instabilidade familiar. De acordo com a Organização Mundial de Saúde – OMS (2018), somente no ano de 2016, 79% dos suicídios no mundo ocorreram em países de baixa e média renda.
Conforme relatório deste ano, cerca de 800 mil pessoas se suicidam a cada ano no mundo, o que dá uma morte a cada 40 segundos (WHO, 2019). O órgão também evidencia (2019b) que medidas de regulação de pesticidas, por meio de sua proibição, pode levar a redução nas taxas nacionais de suicídio, uma vez que, atrás dos enforcamentos, estes figuram, seguidos das armas de fogo, como os principais métodos de autoextermínio. Dessa forma, o documento aponta que restringir o acesso a estes meios demonstra sucesso na redução de suicídios.
Algo que o Brasil parece caminhar na contramão, visto que, somente no último 17 de setembro, foram autorizados mais 63 novos agrotóxicos com o Ato nº 62/2019 (contabilizando 325 já liberados somente em 2019) e a sanção da Lei nº 13.870/2019 que amplia a extensão em área rural para a posse de arma de fogo. Mesmo que por aqui, o enforcamento seja o principal meio de morte por suicídio (60%), a intoxicação é o principal meio utilizado na tentativa de suicídio (57,6%). Os dados são do Sistema de Informações de Agravos de Notificação - Sinan que compreende os anos de 2011 a 2017 (BRASIL, 2017a).
Entre 2007 e 2016, o Brasil (2017a) registrou no Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM, 106.374 óbitos por suicídio, o que o coloca como a quarta maior causa mortis em, por exemplo, indivíduos com idades entre 15 a 29 anos no país (a segunda maior no mundo na mesma população, atrás somente dos acidentes de trânsito). A terceira maior entre os homens, e a oitava entre mulheres.
Em média, 11 mil pessoas tiraram a própria vida por ano no país, com maiores concentrações na região Sul. Estima‑se que as tentativas de suicídio superem o número de óbitos por suicídios em pelo menos dez vezes. Tais dados oficiais são também certamente subestimados devido às subnotificações e subregistros. O que pode nos levar a números ainda maiores.
Na análise dos casos de tentativas de suicídio, Formenti (2018) diz que cerca de 40% não trazem dados quanto às relações de trabalho dos indivíduos. Entretanto, nos casos em que o registro foi feito, 52% indicaram que a pessoa estava desempregada. O estudo de Stack (2000) citado anteriormente, já demonstrava que pessoas sem emprego apresentam taxas de suicídio maiores que as empregadas, principalmente entre a população masculina, a seu ver, mais sensível aos reveses econômicos.
O autor constatou que aqueles emocionalmente comprometidos com o trabalho eram os primeiros a serem demitidos na vigência de políticas de recessão econômica. Também aponta o fantasma do desemprego como capaz de afetar a mortalidade por suicídio, direta ou indiretamente, por aumentar os níveis de ansiedade dos indivíduos frente à possibilidade de serem despedidos.
Santos (2009) expõe que, de 1993 a 1995, tivemos 72 casos de suicídios (um a cada 15 dias) e, entre 1996 a 2005, 181 (um a cada 20 dias) de trabalhadores do setor bancário no Brasil. Em comum a estes casos, Heloani (2018) identifica a reestruturação produtiva de cariz neoliberal a qual a área financeira vem passando no Brasil desde os anos 1990 e que se utiliza com veemência de ferramentas como os Programas de Demissão Voluntária (PDVs) para enxugamento do quadro de pessoal. Sabe-se que o suicídio que ocorre no próprio local de trabalho deixa poucas dúvidas: há um endereçamento, uma mensagem. Principalmente porque muitas dessas pessoas deixam longos relatos, onde associam seu sofrimento às condições e aos perversos modelos de gestão a que estavam submetidas.
Abordagens reducionistas comumente convertem problemas políticos e macroeconômicos desta ordem em problemas psicológicos isolados. De fato, numa revisão de 31 artigos científicos publicados entre 1959 e 2001, feita por Bertolote e Fleischmann (2002), que engloba 15.629 casos de suicídios na população geral, demonstrou que em 96,8% dos casos, caberia um diagnóstico de transtorno mental à época do ato fatal. Dentre eles, a depressão, transtorno bipolar e dependência de álcool e de outras drogas psicoativas.
O Ministério da Saúde - MS (BRASIL, 2018) constatou que em locais onde há Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) em funcionamento, o risco de suicídio é 14% menor. O custo médio de 12 mil internações hospitalares no SUS por autointoxicação intencional, entre 2007 e 2016, foi de 3 milhões/ano, o equivalente ao custo de implantação e custeio de 8 CAPS/ano. No entanto, o que vemos é, após a publicação da Nota Técnica nº 11/2019 do MS, um desmonte da Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas atualmente caminhando na direção oposta dos pressupostos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) com parcos recursos destinados aos programas que a sustentam.
Contudo, o que buscamos chamar atenção aqui, é do próprio aumento de casos de transtornos mentais enquanto fenômeno social, e do suicídio como expressão extremada destes, tal como o demonstrado na pesquisa de Stansfeld (2006), que aponta o aumento do desemprego como fator de vulnerabilidade ao sofrimento mental. De Vogli (2014) observou que, na Itália, as políticas sociais funcionaram como fatores protetivos contra o aumento de suicídios associados ao desemprego. A Organização Internacional do Trabalho – OIT (2018) afirma que 269 milhões de novos empregos seriam criados no mundo se os investimentos em educação, saúde e assistência social fossem duplicados até 2030.
Achados como o de Schramm, Paes-Sousa e Mendes (2018) demonstram que países que mantiveram ou reforçaram suas políticas de proteção social, incluindo as de transferências monetárias para populações pobres e extremamente pobres, apresentaram níveis menores de suicídios. A pesquisa conduzida por Alves, Machado e Barreto (2018), por exemplo, fornece evidências de que o aumento de programas de transferência de renda condicionada, como o Bolsa-Família, pode reduzir indiretamente as taxas de suicídio nos municípios brasileiros, mitigando o efeito da pobreza sobre a incidência de suicídio.
Gertner, Rotter e Shafer (2019), demonstram que estados norte-americanos que aumentam seus salários mínimos, as taxas de suicídio crescem mais lentamente. Para cada US$ 1/hora aumentado, corresponde uma redução de 1,9% na taxa anual de suicídio. Também evidenciaram que indivíduos de famílias com maiores rendimentos têm menos risco de tirar a própria vida.
Nesses casos últimos, Marx (2006, p. 25) dizia que as razões de suicídio para pessoas de um meio social mais abastado seriam bem diferentes, tais como “as doenças debilitantes, contra as quais a atual ciência é inócua e insuficiente, as falsas amizades, os amores traídos, os acessos de desânimo, os sofrimentos familiares, as rivalidades sufocantes, o desgosto de uma vida monótona, um entusiasmo frustrado e reprimido” e não o fato de serem/estarem apartadas da produção/reprodução da base material tão cara ao capitalismo.
Marcolan (2018) averigua que, no período em que se agrava a crise ética-política-econômica brasileira (2014-2017) com altas taxas de desemprego na pauta do dia, o comportamento suicida se amplia. Entretanto, o que se vê no horizonte tupiniquim são medidas de austeridade que preveem a retirada de direitos sociais e o congelamento do orçamento público para políticas de proteção social. Como bem ressalta Antunes (2019), entre “intermitentes e imprevidentes”, são 13 milhões sem nenhum trabalho, mais 5 milhões no horroroso “desemprego por desalento”, além de um contingente imenso na informalidade, todos rodopiando em um “mercado de trabalho” que resulta no enigma esfíngico “decifra-me ou devoro-te”: se não há empregos estáveis, não há como contribuir para a Previdência, e, portanto, não há aposentadoria.
Noutro documento do MS sobre os suicídios no Brasil (2017b), as maiores taxas foram observadas na população idosa a partir de 70 anos. Nas proféticas palavras do economista Eduardo Fagnani sobre uma possível aprovação da Reforma da Previdência: “O governo vai jogar 70% dessa população trabalhadora na miséria. Eles não vão conseguir se aposentar. Vão sobreviver de auxílios e benefícios”.
Assim como a Reforma Trabalhista não solucionou o problema do desemprego como prometera, a da Previdência igualmente não mitigará a desigualdade social que assegura. O capital precisa de crises estruturais para se reinventar, expandir e se valorizar. Com isso, a história nos mostra que a miséria e a desigualdade social tendem a se agravar e, tal como o exposto nesse texto, resultam, dentre outras mazelas, na elevação das taxas de suicídios.
Cabe pensarmos, então, o fenômeno mundial do suicídio enquanto recurso sistêmico e (in)consequente de uma política higienista com fins últimos voltados à redução dos extratos saturados do exército industrial de reserva e/ou do lumpemproletariado? Como o exposto por Netto (2007, p. 156), seria o suicídio “não um ato livre, mas ideológico”?
Em resumo, as – cada vez mais – ampliadas taxas de suicídios ao redor do globo são apenas a ponta do iceberg da barbárie inerente ao sociometabolismo do capital que têm nas medidas de austeridade e crescentes taxas de desemprego estrutural sua expressão de eliminação dos indesejáveis nos dizeres de Casara (2018). Mas isso as campanhas do Setembro Amarelo passam longe de abordar, restringindo-se a ações que visam saídas individuais e reducionistas para uma questão tão epidêmica.
* Bruno Chapadeiro é pós-doutorando em Saúde Coletiva pela Escola Paulista de Medicina da Unifesp.
Numa revisão literária em 130 estudos sociológicos sobre o fenômeno do suicídio datados de 1981 a 1995, Stack (2000) destacou a pobreza como uma situação que pode predispor ao suicídio, incluindo-se fatores como o desemprego, o estresse econômico e a instabilidade familiar. De acordo com a Organização Mundial de Saúde – OMS (2018), somente no ano de 2016, 79% dos suicídios no mundo ocorreram em países de baixa e média renda.
Conforme relatório deste ano, cerca de 800 mil pessoas se suicidam a cada ano no mundo, o que dá uma morte a cada 40 segundos (WHO, 2019). O órgão também evidencia (2019b) que medidas de regulação de pesticidas, por meio de sua proibição, pode levar a redução nas taxas nacionais de suicídio, uma vez que, atrás dos enforcamentos, estes figuram, seguidos das armas de fogo, como os principais métodos de autoextermínio. Dessa forma, o documento aponta que restringir o acesso a estes meios demonstra sucesso na redução de suicídios.
Algo que o Brasil parece caminhar na contramão, visto que, somente no último 17 de setembro, foram autorizados mais 63 novos agrotóxicos com o Ato nº 62/2019 (contabilizando 325 já liberados somente em 2019) e a sanção da Lei nº 13.870/2019 que amplia a extensão em área rural para a posse de arma de fogo. Mesmo que por aqui, o enforcamento seja o principal meio de morte por suicídio (60%), a intoxicação é o principal meio utilizado na tentativa de suicídio (57,6%). Os dados são do Sistema de Informações de Agravos de Notificação - Sinan que compreende os anos de 2011 a 2017 (BRASIL, 2017a).
Entre 2007 e 2016, o Brasil (2017a) registrou no Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM, 106.374 óbitos por suicídio, o que o coloca como a quarta maior causa mortis em, por exemplo, indivíduos com idades entre 15 a 29 anos no país (a segunda maior no mundo na mesma população, atrás somente dos acidentes de trânsito). A terceira maior entre os homens, e a oitava entre mulheres.
Em média, 11 mil pessoas tiraram a própria vida por ano no país, com maiores concentrações na região Sul. Estima‑se que as tentativas de suicídio superem o número de óbitos por suicídios em pelo menos dez vezes. Tais dados oficiais são também certamente subestimados devido às subnotificações e subregistros. O que pode nos levar a números ainda maiores.
Na análise dos casos de tentativas de suicídio, Formenti (2018) diz que cerca de 40% não trazem dados quanto às relações de trabalho dos indivíduos. Entretanto, nos casos em que o registro foi feito, 52% indicaram que a pessoa estava desempregada. O estudo de Stack (2000) citado anteriormente, já demonstrava que pessoas sem emprego apresentam taxas de suicídio maiores que as empregadas, principalmente entre a população masculina, a seu ver, mais sensível aos reveses econômicos.
O autor constatou que aqueles emocionalmente comprometidos com o trabalho eram os primeiros a serem demitidos na vigência de políticas de recessão econômica. Também aponta o fantasma do desemprego como capaz de afetar a mortalidade por suicídio, direta ou indiretamente, por aumentar os níveis de ansiedade dos indivíduos frente à possibilidade de serem despedidos.
Santos (2009) expõe que, de 1993 a 1995, tivemos 72 casos de suicídios (um a cada 15 dias) e, entre 1996 a 2005, 181 (um a cada 20 dias) de trabalhadores do setor bancário no Brasil. Em comum a estes casos, Heloani (2018) identifica a reestruturação produtiva de cariz neoliberal a qual a área financeira vem passando no Brasil desde os anos 1990 e que se utiliza com veemência de ferramentas como os Programas de Demissão Voluntária (PDVs) para enxugamento do quadro de pessoal. Sabe-se que o suicídio que ocorre no próprio local de trabalho deixa poucas dúvidas: há um endereçamento, uma mensagem. Principalmente porque muitas dessas pessoas deixam longos relatos, onde associam seu sofrimento às condições e aos perversos modelos de gestão a que estavam submetidas.
Abordagens reducionistas comumente convertem problemas políticos e macroeconômicos desta ordem em problemas psicológicos isolados. De fato, numa revisão de 31 artigos científicos publicados entre 1959 e 2001, feita por Bertolote e Fleischmann (2002), que engloba 15.629 casos de suicídios na população geral, demonstrou que em 96,8% dos casos, caberia um diagnóstico de transtorno mental à época do ato fatal. Dentre eles, a depressão, transtorno bipolar e dependência de álcool e de outras drogas psicoativas.
O Ministério da Saúde - MS (BRASIL, 2018) constatou que em locais onde há Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) em funcionamento, o risco de suicídio é 14% menor. O custo médio de 12 mil internações hospitalares no SUS por autointoxicação intencional, entre 2007 e 2016, foi de 3 milhões/ano, o equivalente ao custo de implantação e custeio de 8 CAPS/ano. No entanto, o que vemos é, após a publicação da Nota Técnica nº 11/2019 do MS, um desmonte da Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas atualmente caminhando na direção oposta dos pressupostos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) com parcos recursos destinados aos programas que a sustentam.
Contudo, o que buscamos chamar atenção aqui, é do próprio aumento de casos de transtornos mentais enquanto fenômeno social, e do suicídio como expressão extremada destes, tal como o demonstrado na pesquisa de Stansfeld (2006), que aponta o aumento do desemprego como fator de vulnerabilidade ao sofrimento mental. De Vogli (2014) observou que, na Itália, as políticas sociais funcionaram como fatores protetivos contra o aumento de suicídios associados ao desemprego. A Organização Internacional do Trabalho – OIT (2018) afirma que 269 milhões de novos empregos seriam criados no mundo se os investimentos em educação, saúde e assistência social fossem duplicados até 2030.
Achados como o de Schramm, Paes-Sousa e Mendes (2018) demonstram que países que mantiveram ou reforçaram suas políticas de proteção social, incluindo as de transferências monetárias para populações pobres e extremamente pobres, apresentaram níveis menores de suicídios. A pesquisa conduzida por Alves, Machado e Barreto (2018), por exemplo, fornece evidências de que o aumento de programas de transferência de renda condicionada, como o Bolsa-Família, pode reduzir indiretamente as taxas de suicídio nos municípios brasileiros, mitigando o efeito da pobreza sobre a incidência de suicídio.
Gertner, Rotter e Shafer (2019), demonstram que estados norte-americanos que aumentam seus salários mínimos, as taxas de suicídio crescem mais lentamente. Para cada US$ 1/hora aumentado, corresponde uma redução de 1,9% na taxa anual de suicídio. Também evidenciaram que indivíduos de famílias com maiores rendimentos têm menos risco de tirar a própria vida.
Nesses casos últimos, Marx (2006, p. 25) dizia que as razões de suicídio para pessoas de um meio social mais abastado seriam bem diferentes, tais como “as doenças debilitantes, contra as quais a atual ciência é inócua e insuficiente, as falsas amizades, os amores traídos, os acessos de desânimo, os sofrimentos familiares, as rivalidades sufocantes, o desgosto de uma vida monótona, um entusiasmo frustrado e reprimido” e não o fato de serem/estarem apartadas da produção/reprodução da base material tão cara ao capitalismo.
Marcolan (2018) averigua que, no período em que se agrava a crise ética-política-econômica brasileira (2014-2017) com altas taxas de desemprego na pauta do dia, o comportamento suicida se amplia. Entretanto, o que se vê no horizonte tupiniquim são medidas de austeridade que preveem a retirada de direitos sociais e o congelamento do orçamento público para políticas de proteção social. Como bem ressalta Antunes (2019), entre “intermitentes e imprevidentes”, são 13 milhões sem nenhum trabalho, mais 5 milhões no horroroso “desemprego por desalento”, além de um contingente imenso na informalidade, todos rodopiando em um “mercado de trabalho” que resulta no enigma esfíngico “decifra-me ou devoro-te”: se não há empregos estáveis, não há como contribuir para a Previdência, e, portanto, não há aposentadoria.
Noutro documento do MS sobre os suicídios no Brasil (2017b), as maiores taxas foram observadas na população idosa a partir de 70 anos. Nas proféticas palavras do economista Eduardo Fagnani sobre uma possível aprovação da Reforma da Previdência: “O governo vai jogar 70% dessa população trabalhadora na miséria. Eles não vão conseguir se aposentar. Vão sobreviver de auxílios e benefícios”.
Assim como a Reforma Trabalhista não solucionou o problema do desemprego como prometera, a da Previdência igualmente não mitigará a desigualdade social que assegura. O capital precisa de crises estruturais para se reinventar, expandir e se valorizar. Com isso, a história nos mostra que a miséria e a desigualdade social tendem a se agravar e, tal como o exposto nesse texto, resultam, dentre outras mazelas, na elevação das taxas de suicídios.
Cabe pensarmos, então, o fenômeno mundial do suicídio enquanto recurso sistêmico e (in)consequente de uma política higienista com fins últimos voltados à redução dos extratos saturados do exército industrial de reserva e/ou do lumpemproletariado? Como o exposto por Netto (2007, p. 156), seria o suicídio “não um ato livre, mas ideológico”?
Em resumo, as – cada vez mais – ampliadas taxas de suicídios ao redor do globo são apenas a ponta do iceberg da barbárie inerente ao sociometabolismo do capital que têm nas medidas de austeridade e crescentes taxas de desemprego estrutural sua expressão de eliminação dos indesejáveis nos dizeres de Casara (2018). Mas isso as campanhas do Setembro Amarelo passam longe de abordar, restringindo-se a ações que visam saídas individuais e reducionistas para uma questão tão epidêmica.
* Bruno Chapadeiro é pós-doutorando em Saúde Coletiva pela Escola Paulista de Medicina da Unifesp.
* Publicado originalmente no Boletim Informativo do Fórum Intersindical Saúde - Trabalho - Direito (setembro/2019, ano V, Nº 49 ) e no portal Multiplicadores de Visat.
Referências
- ALVES, F.J.O; MACHADO, D.B.; BARRETO, M.L. Effect of the Brazilian cash transfer programme on suicide rates: a longitudinal analysis of the Brazilian municipalities. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol (2019) 54: 599.
- ALVES, G. A vingança de Kant, ou, porque o assédio moral tornou-se a Peste Negra do século XXI. Blog da Boitempo. Publicado em 13 abr 2015. Disponível em: . Acesso em 04 jun. 2019.
- ANTUNES, R. Intermitentes e imprevidentes. Le Monde Diplomatique Brasil. Publicado em 9 abr 2019. Disponível em : . Acesso em 04 jun. 2019.
- BRASIL. Agenda de Ações Estratégicas para a Vigilância e Prevenção do Suicídio e Promoção da Saúde no Brasil: 2017 a 2020. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Brasília: Ministério da Saúde, 2017a.
- BRASIL. Boletim Epidemiológico. Secretaria de Vigilância em Saúde. vol. 48, nº 30. Brasília: Ministério da Saúde, 2017b.
- BRASIL, Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde. Nota Técnica Nº 11/2019-CGMAD/DAPES/SAS/MS. Esclarecimentos sobre as mudanças na Política Nacional de Saúde Mental e nas Diretrizes da Política Nacional sobre Drogas. Brasília: Ministério da Saúde, 2019.
- BRASIL. Lei nº 13.819 de 26 de abril de 2019. Institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, a ser implementada pela União, em cooperação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; e altera a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Diário Oficial da União. 29 abr 2019.
- BRASIL. Lei nº 13.870 de 17 de setembro de 2019. Altera a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, para determinar que, em área rural, para fins de posse de arma de fogo, considera-se residência ou domicílio toda a extensão do respectivo imóvel. Diário Oficial da União. 17 set 2019.
- BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento/Secretaria de Defesa Agropecuária/Departamento de Sanidade Vegetal e Insumos Agrícolas/Coordenação-Geral de Agrotóxicos e Afins. Ato nº 62 de 13 de setembro de 2019. O Coordenador-Geral de Agrotóxicos e Afins no uso das suas atribuições legais resolve dar publicidade ao resumo dos registros de agrotóxicos, seus componentes e afins concedidos, conforme previsto no Artigo 14 do Decreto nº 4074, de 04 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União. 17 set 2019.
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______________. Suicide in the world: Global Health Estimates. Geneva: World Health Organization, 2019.
Referências
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- ALVES, G. A vingança de Kant, ou, porque o assédio moral tornou-se a Peste Negra do século XXI. Blog da Boitempo. Publicado em 13 abr 2015. Disponível em: . Acesso em 04 jun. 2019.
- ANTUNES, R. Intermitentes e imprevidentes. Le Monde Diplomatique Brasil. Publicado em 9 abr 2019. Disponível em : . Acesso em 04 jun. 2019.
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- BRASIL. Lei nº 13.819 de 26 de abril de 2019. Institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, a ser implementada pela União, em cooperação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; e altera a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Diário Oficial da União. 29 abr 2019.
- BRASIL. Lei nº 13.870 de 17 de setembro de 2019. Altera a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, para determinar que, em área rural, para fins de posse de arma de fogo, considera-se residência ou domicílio toda a extensão do respectivo imóvel. Diário Oficial da União. 17 set 2019.
- BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento/Secretaria de Defesa Agropecuária/Departamento de Sanidade Vegetal e Insumos Agrícolas/Coordenação-Geral de Agrotóxicos e Afins. Ato nº 62 de 13 de setembro de 2019. O Coordenador-Geral de Agrotóxicos e Afins no uso das suas atribuições legais resolve dar publicidade ao resumo dos registros de agrotóxicos, seus componentes e afins concedidos, conforme previsto no Artigo 14 do Decreto nº 4074, de 04 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União. 17 set 2019.
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