Por João Sicsú, na revista CartaCapital:
Nessa crise, um governo pode financiar um programa de salvação de três formas: impostos, dívida e emissão de dinheiro. Seria ideal taxar as grandes fortunas (um imposto de solidariedade) e os lucros e dividendos recebidos por empresários e acionistas. Seria ideal, mas não seria exequível. O governo precisa de dinheiro imediatamente e, além disso, tais medidas causariam cisão política no momento em que são necessárias união e unidade de propósitos.
A emissão de dívida seria inconveniente e desnecessária. Muitas empresas e pessoas físicas querem reter o seu dinheiro nesse momento. Deixem-as com o dinheiro. Estimula-las a emprestar pode elevar a taxe de juros na tentativa de seduzi-las. Ademais, não é necessário emitir dívida para o público, simplesmente porque não se deve incorrer em endividamento para comprar laranjas se você tem um laranjal no seu quintal. O governo tem duas fábricas de dinheiro que são comandadas pelo Banco Central. Uma fica em Santa Cruz, Rio de Janeiro, é a Casa da Moeda. Suas máquinas podem funcionar a pleno vapor. Outra se encontra no computador do próprio Banco Central já que se pode fazer emissão de dinheiro de forma eletrônica.
Para “comercializar” o dinheiro novo (ou seja, para dar início à rolagem da bola de neve), o Banco Central deve comprar títulos emitidos pelo governo central (o Tesouro). Essa forma de endividamento público não deve preocupar, pois é a dívida de um órgão do governo com outro. Mas isso pode causar inflação? Aliás, essa pergunta que é feita somente para a opção de emissão, poderia ser feita também se a opção fosse o endividamento junto ao público. Afinal, quando um governo se endivida, captura dinheiro que estava fora da economia real e joga-o na economia real na forma de novas demandas. Mas, a resposta pode ser NÃO, emissão de dinheiro pode não causar inflação.
Para que não ocorra inflação, deve haver um equilíbrio entre demanda, o dinheiro novo que estará nas mãos do governo, e a oferta de produtos que serão comprados com esses recursos. São basicamente dois grandes dispêndios. O primeiro é a aquisição de alimentos e produtos de higiene. Em relação a esses itens, há plena capacidade de produzir para atender a demanda. Quanto ao álcool gel, luvas, peças e produtos hospitalares, a escassez nos primeiros momentos da crise pode suscitar dúvidas. Alguns de seus preços mais que quintuplicaram. Por exemplo, uma máscara de proteção para uso profissional custava 0,35 real e hoje custa 2 reais ou mais. Mas seus preços não devem continuar subindo. Pelo contrário, podem cair dos atuais níveis.
O aumento desses preços representa uma queda das barreiras à entrada. Empresas que produzem similares de luvas ou máscaras e não são competitivas para produzi-las a 0,35, certamente já estão sendo incentivadas a reorientar suas linhas de produção para fabricá-las, com lucro, talvez a 0,70. Logo, a produção local poderá ser aumentada rapidamente, em especial, se houver demanda assegurada pelo setor público. Evidentemente, esse ambiente é favorável a um programa para uma rápida reorientação industrial. Ademais, a produção nacional economizaria o tempo consumido pela importação. Por fim, deve-se reconhecer que o notável esforço das Universidades Públicas para produzir álcool gel, testes, máscaras, ventiladores etc. precisa de um reforço em dinheiro para ampliar a escala.
Só a emissão de dinheiro é capaz de enfrentar a crise. A emissão é uma alternativa mais eficaz à oferta de crédito às empresas: afinal, que empresa vai se endividar para pagar salários de trabalhadores (possivelmente, de baixa qualificação) que ganham até dois salários mínimos? Com queda de demanda, a demissão custará menos às empresas do que o endividamento oferecido pelo governo. Além disso, um trabalhador solteiro que dirige Uber não deixará de trabalhar para receber apenas 600 reais por mês. O corona-emergencial é insuficiente, mesmo com valor de até 1.200 por mês para uma família.
O governo tem que pagar pelo menos 80% dos salários dos trabalhadores (salvo, exceções) do setor formal para impedir demissões. Do contrário, terá que pagar o seguro desemprego. O governo deve distribuir cestas básicas nas periferias e favelas de forma complementar ao corona-emergencial para, inclusive, evitar idas aos supermercados. As empresas, os trabalhadores, os pobres e os miseráveis precisam de socorro: dinheiro novo distribuído de acordo com critérios sanitários, sociais e econômicos é o que necessitam.
Só o dinheiro novo, produto de emissão, poderá manter o distanciamento social e o país longe do caos.
A emissão de dívida seria inconveniente e desnecessária. Muitas empresas e pessoas físicas querem reter o seu dinheiro nesse momento. Deixem-as com o dinheiro. Estimula-las a emprestar pode elevar a taxe de juros na tentativa de seduzi-las. Ademais, não é necessário emitir dívida para o público, simplesmente porque não se deve incorrer em endividamento para comprar laranjas se você tem um laranjal no seu quintal. O governo tem duas fábricas de dinheiro que são comandadas pelo Banco Central. Uma fica em Santa Cruz, Rio de Janeiro, é a Casa da Moeda. Suas máquinas podem funcionar a pleno vapor. Outra se encontra no computador do próprio Banco Central já que se pode fazer emissão de dinheiro de forma eletrônica.
Para “comercializar” o dinheiro novo (ou seja, para dar início à rolagem da bola de neve), o Banco Central deve comprar títulos emitidos pelo governo central (o Tesouro). Essa forma de endividamento público não deve preocupar, pois é a dívida de um órgão do governo com outro. Mas isso pode causar inflação? Aliás, essa pergunta que é feita somente para a opção de emissão, poderia ser feita também se a opção fosse o endividamento junto ao público. Afinal, quando um governo se endivida, captura dinheiro que estava fora da economia real e joga-o na economia real na forma de novas demandas. Mas, a resposta pode ser NÃO, emissão de dinheiro pode não causar inflação.
Para que não ocorra inflação, deve haver um equilíbrio entre demanda, o dinheiro novo que estará nas mãos do governo, e a oferta de produtos que serão comprados com esses recursos. São basicamente dois grandes dispêndios. O primeiro é a aquisição de alimentos e produtos de higiene. Em relação a esses itens, há plena capacidade de produzir para atender a demanda. Quanto ao álcool gel, luvas, peças e produtos hospitalares, a escassez nos primeiros momentos da crise pode suscitar dúvidas. Alguns de seus preços mais que quintuplicaram. Por exemplo, uma máscara de proteção para uso profissional custava 0,35 real e hoje custa 2 reais ou mais. Mas seus preços não devem continuar subindo. Pelo contrário, podem cair dos atuais níveis.
O aumento desses preços representa uma queda das barreiras à entrada. Empresas que produzem similares de luvas ou máscaras e não são competitivas para produzi-las a 0,35, certamente já estão sendo incentivadas a reorientar suas linhas de produção para fabricá-las, com lucro, talvez a 0,70. Logo, a produção local poderá ser aumentada rapidamente, em especial, se houver demanda assegurada pelo setor público. Evidentemente, esse ambiente é favorável a um programa para uma rápida reorientação industrial. Ademais, a produção nacional economizaria o tempo consumido pela importação. Por fim, deve-se reconhecer que o notável esforço das Universidades Públicas para produzir álcool gel, testes, máscaras, ventiladores etc. precisa de um reforço em dinheiro para ampliar a escala.
Só a emissão de dinheiro é capaz de enfrentar a crise. A emissão é uma alternativa mais eficaz à oferta de crédito às empresas: afinal, que empresa vai se endividar para pagar salários de trabalhadores (possivelmente, de baixa qualificação) que ganham até dois salários mínimos? Com queda de demanda, a demissão custará menos às empresas do que o endividamento oferecido pelo governo. Além disso, um trabalhador solteiro que dirige Uber não deixará de trabalhar para receber apenas 600 reais por mês. O corona-emergencial é insuficiente, mesmo com valor de até 1.200 por mês para uma família.
O governo tem que pagar pelo menos 80% dos salários dos trabalhadores (salvo, exceções) do setor formal para impedir demissões. Do contrário, terá que pagar o seguro desemprego. O governo deve distribuir cestas básicas nas periferias e favelas de forma complementar ao corona-emergencial para, inclusive, evitar idas aos supermercados. As empresas, os trabalhadores, os pobres e os miseráveis precisam de socorro: dinheiro novo distribuído de acordo com critérios sanitários, sociais e econômicos é o que necessitam.
Só o dinheiro novo, produto de emissão, poderá manter o distanciamento social e o país longe do caos.
* Com Andre Modenesi (Instituto de Economia/UFRJ), Antonio J. Alves Jr. (Departamento de Economia/UFRRJ), Daniel Negreiros Conceição (IPPUR/UFRJ) e Débora Pimentel – Depto. de Economia/UFRRJ.
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