Por Vitor Nuzzi, na Rede Brasil Atual:
“O Brasil vai pagar um preço bem mais alto do que seria razoável e necessário pagar. Primeiro, pela forma com que está se lidando com a pandemia”, afirmou o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Ricardo Carneiro, ex-diretor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Pagar, esclareceu, do ponto de vista humano, sanitário, econômico e social. Em boa parte, disse ainda Carneiro, isso se dá “por conta dessa figura inqualificável que é o presidente da República”.
Segundo ele, há um conjunto de ações corretas sendo adotadas. “O problema é a intensidade. Você tem que pôr o Estado para recompor minimamente esses fluxos de renda. Isso vale para trabalhadores, formais e informais, estados e municípios.” Durante o debate, dois pontos serão destacados como cruciais: presença do Estado e acesso a crédito.
Longe da realidade
Também professor da Unicamp e diretor do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon) da instituição, Guilherme Mello afirma que o governo já mostrava “descolamento absoluto” da realidade mesmo antes da crise provocada pelo coronavírus, ao afirmar que a economia estava “decolando”, quando os indicadores mostravam outra direção. “Não havia decolagem, e a crise chega com o Brasil despreparado. O governo é claramente despreparado, no sentido de inépcia, não conhece a máquina pública nem o funcionamento de uma economia monetária”, afirma.
Além disso, trata-se de um problema de “fé” professada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em um “liberalismo rastaquera, uma posição que não dialoga nem com os liberais da atualidade”. A reação do governo começa apenas sob pressão, primeiro da realidade, e também da sociedade e do Congresso.
Sem discordar do socorro ao sistema financeiro (“Não existe capitalismo sem crédito”), ele manifestou preocupação com um setor “absolutamente desabrigado”, sem qualquer medida de apoio, representado pelos pequenos e micro empresários. “Isso é uma tragédia social”, afirmou, dando exemplo das escolas infantis, que não podem, por motivo óbvio, dar aulas virtuais e também não poderão cobrar mensalidades, sem ter qualquer acesso a programa de crédito.
A “solução” Guedes
Para ele, há incapacidade do governo de perceber como a crise atinge os diferentes setores da economia. Para piorar, na saída da crise, quando acontecer, o Executivo pretende voltar a reduzir o papel do Estado, quando o caminho deveria ser o oposto. ” Vai ser fundamental que a gente reverta essa posição e mostre a importância da coordenação, do poder indutor do Estado. O auxílio emergencial terá de ser prorrogado, talvez transformado em um programa de renda mínima”, diz Guilherme.
Ele destaca a importância das empresas e dos bancos públicos neste período. E diz que é preciso “impedir que a insanidade tome conta do país e que o país retome uma agenda de austeridade”. A “solução” de Guedes se traduz em mais reformas, austeridade, redução salarial e venda de patrimônio.
Para Belluzzo, o governo “se refugia” em palavras de ordem, mas não administra o país, que necessita de comando e coordenação. “Temos um desgoverno. A economia cultivada pelo Paulo Guedes e pelos demais, em vez de explicar o que está acontecendo, afasta as pessoas da compreensão. Na verdade, é uma economia do obscurecimento. O que tivemos foi uma ruptura do sistema monetário, de emprego e de renda.”
Dinheiro precisa circular
Ou seja: o dinheiro não circula. “Neste momento, todos os agentes do mercado financeiro estão procurando se defender. Se defender significa ficar com o dinheiro, ficar líquido. É preciso fazer com que esse dinheiro em algum momento se transforme em moeda que as pessoas usam para comprar e gastar.”
A preocupação, agora, é impedir um colapso desse circuito, diz Belluzzo, mas o governo demora, inclusive no socorro aos mais necessitados, que ele avalia com “lento e desfocalizado”. “Isso denota uma incompetência total na gestão dos instrumentos de Estado”, critica. O economista diz que não se pode ficar com “mimimi” em uma crise dessa proporção, precisa haver gastos público e a União deu pouco para estados e municípios.
“Eles são analfabetos macroeconômicos”, diz ainda o economista, cobrando organização de atividades como em um período de guerra, com planificação e coordenação. “Primeiro, manter um mínimo de liquidez. Em segundo, fazer uma política muito ativa de gasto público.” Belluzzo diz estar com medo pelo fato de o Brasil estar “entregue a um governo inepto”.
Como pagar as dívidas?
Já Carneiro disse estar “desmotivado” ao deparar, com tantos problemas, com um governo “autista”, alheio ao que acontece. “Olha as coisas que o Bolsonaro está discutindo. A vida dele gira em torno de quê? Olha o país real e o país que está na cabeça dele e do Paulo Guedes, que está discutindo privatização.”
Além da questão central, a perda de renda das pessoas e de faturamento das empresas, ele aponta um problema adicional, da incapacidade, presente ou futura, de pagamento das dívidas. Assim, o único ente econômico capaz de atenuar essa questão é o Estado, por sua capacidade de emitir moeda e por poder também assumir parte desses passivos. Ou você faz isso ou não terá solução minimamente decente na crise.” Ele lembra que há projeções apontando para até 18 milhões de desempregados ainda este ano, ante os 12,3 milhões atuais.
Guilherme reforça: “De fato, a saída para nós, quem pode assumir é o Estado, é o governo federal, porque tem monopólio de emissão de moeda. Tem um tabu sobre isso, mas eu acho que é uma saída”. Mas ele vê contaminação ideológica em todas as áreas, lembrando que o ministro da Saúde se posicionou contra a ocupação de leitos privados pelo SUS alegando preocupação com a imagem do país. “Olha o governo de que você está participando!”, exclamou, com ironia.
Mediado pelo jornalista Osvaldo Maneschy, o debate foi organizado pelo Observatório da Democracia, com as fundações Astrojildo Pereira (PPS), João Mangabeira (PSB), Lauro Campos (Psol), Leonel Brizola-Alberto Pasqualini (PDT), Maurício Grabois (PCdoB), da Ordem Social (Pros) e Perseu Abramo (PT). Estava prevista a participação de Monica de Bolle, pesquisadora-sênior do Peterson Institute for International Economics e diretora do Programa de Estudos Latino Americanos da Johns Hopkins University, mas o motivo da ausência não foi informado.
Debate promovido por várias fundações ligadas a partidos, na tarde desta sexta-feira (8), reuniu três economistas que apontaram o governo como mau condutor no período anterior à pandemia, neste momento de crescimento da doença pelo país e que, provavelmente, seguirá assim na saída da crise. Um deles, o professor e ex-ministro Luiz Gonzaga Belluzzo, confessou-se sem paciência para a atual gestão e chamou a política econômica de “vagabunda”. Todos concordaram que o governo Bolsonaro parece alheio à realidade e aponta caminhos que aprofundarão os problemas.
“O Brasil vai pagar um preço bem mais alto do que seria razoável e necessário pagar. Primeiro, pela forma com que está se lidando com a pandemia”, afirmou o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Ricardo Carneiro, ex-diretor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Pagar, esclareceu, do ponto de vista humano, sanitário, econômico e social. Em boa parte, disse ainda Carneiro, isso se dá “por conta dessa figura inqualificável que é o presidente da República”.
Segundo ele, há um conjunto de ações corretas sendo adotadas. “O problema é a intensidade. Você tem que pôr o Estado para recompor minimamente esses fluxos de renda. Isso vale para trabalhadores, formais e informais, estados e municípios.” Durante o debate, dois pontos serão destacados como cruciais: presença do Estado e acesso a crédito.
Longe da realidade
Também professor da Unicamp e diretor do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (Cecon) da instituição, Guilherme Mello afirma que o governo já mostrava “descolamento absoluto” da realidade mesmo antes da crise provocada pelo coronavírus, ao afirmar que a economia estava “decolando”, quando os indicadores mostravam outra direção. “Não havia decolagem, e a crise chega com o Brasil despreparado. O governo é claramente despreparado, no sentido de inépcia, não conhece a máquina pública nem o funcionamento de uma economia monetária”, afirma.
Além disso, trata-se de um problema de “fé” professada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em um “liberalismo rastaquera, uma posição que não dialoga nem com os liberais da atualidade”. A reação do governo começa apenas sob pressão, primeiro da realidade, e também da sociedade e do Congresso.
Sem discordar do socorro ao sistema financeiro (“Não existe capitalismo sem crédito”), ele manifestou preocupação com um setor “absolutamente desabrigado”, sem qualquer medida de apoio, representado pelos pequenos e micro empresários. “Isso é uma tragédia social”, afirmou, dando exemplo das escolas infantis, que não podem, por motivo óbvio, dar aulas virtuais e também não poderão cobrar mensalidades, sem ter qualquer acesso a programa de crédito.
A “solução” Guedes
Para ele, há incapacidade do governo de perceber como a crise atinge os diferentes setores da economia. Para piorar, na saída da crise, quando acontecer, o Executivo pretende voltar a reduzir o papel do Estado, quando o caminho deveria ser o oposto. ” Vai ser fundamental que a gente reverta essa posição e mostre a importância da coordenação, do poder indutor do Estado. O auxílio emergencial terá de ser prorrogado, talvez transformado em um programa de renda mínima”, diz Guilherme.
Ele destaca a importância das empresas e dos bancos públicos neste período. E diz que é preciso “impedir que a insanidade tome conta do país e que o país retome uma agenda de austeridade”. A “solução” de Guedes se traduz em mais reformas, austeridade, redução salarial e venda de patrimônio.
Para Belluzzo, o governo “se refugia” em palavras de ordem, mas não administra o país, que necessita de comando e coordenação. “Temos um desgoverno. A economia cultivada pelo Paulo Guedes e pelos demais, em vez de explicar o que está acontecendo, afasta as pessoas da compreensão. Na verdade, é uma economia do obscurecimento. O que tivemos foi uma ruptura do sistema monetário, de emprego e de renda.”
Dinheiro precisa circular
Ou seja: o dinheiro não circula. “Neste momento, todos os agentes do mercado financeiro estão procurando se defender. Se defender significa ficar com o dinheiro, ficar líquido. É preciso fazer com que esse dinheiro em algum momento se transforme em moeda que as pessoas usam para comprar e gastar.”
A preocupação, agora, é impedir um colapso desse circuito, diz Belluzzo, mas o governo demora, inclusive no socorro aos mais necessitados, que ele avalia com “lento e desfocalizado”. “Isso denota uma incompetência total na gestão dos instrumentos de Estado”, critica. O economista diz que não se pode ficar com “mimimi” em uma crise dessa proporção, precisa haver gastos público e a União deu pouco para estados e municípios.
“Eles são analfabetos macroeconômicos”, diz ainda o economista, cobrando organização de atividades como em um período de guerra, com planificação e coordenação. “Primeiro, manter um mínimo de liquidez. Em segundo, fazer uma política muito ativa de gasto público.” Belluzzo diz estar com medo pelo fato de o Brasil estar “entregue a um governo inepto”.
Como pagar as dívidas?
Já Carneiro disse estar “desmotivado” ao deparar, com tantos problemas, com um governo “autista”, alheio ao que acontece. “Olha as coisas que o Bolsonaro está discutindo. A vida dele gira em torno de quê? Olha o país real e o país que está na cabeça dele e do Paulo Guedes, que está discutindo privatização.”
Além da questão central, a perda de renda das pessoas e de faturamento das empresas, ele aponta um problema adicional, da incapacidade, presente ou futura, de pagamento das dívidas. Assim, o único ente econômico capaz de atenuar essa questão é o Estado, por sua capacidade de emitir moeda e por poder também assumir parte desses passivos. Ou você faz isso ou não terá solução minimamente decente na crise.” Ele lembra que há projeções apontando para até 18 milhões de desempregados ainda este ano, ante os 12,3 milhões atuais.
Guilherme reforça: “De fato, a saída para nós, quem pode assumir é o Estado, é o governo federal, porque tem monopólio de emissão de moeda. Tem um tabu sobre isso, mas eu acho que é uma saída”. Mas ele vê contaminação ideológica em todas as áreas, lembrando que o ministro da Saúde se posicionou contra a ocupação de leitos privados pelo SUS alegando preocupação com a imagem do país. “Olha o governo de que você está participando!”, exclamou, com ironia.
Mediado pelo jornalista Osvaldo Maneschy, o debate foi organizado pelo Observatório da Democracia, com as fundações Astrojildo Pereira (PPS), João Mangabeira (PSB), Lauro Campos (Psol), Leonel Brizola-Alberto Pasqualini (PDT), Maurício Grabois (PCdoB), da Ordem Social (Pros) e Perseu Abramo (PT). Estava prevista a participação de Monica de Bolle, pesquisadora-sênior do Peterson Institute for International Economics e diretora do Programa de Estudos Latino Americanos da Johns Hopkins University, mas o motivo da ausência não foi informado.
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