Por Rodrigo Gomes, na Rede Brasil Atual:
A mesma preocupação não norteou a atuação de três policiais militares na zona oeste da capital paulista. O sargento José Valdir de Oliveira Júnior e os soldados Victor Rodrigues Pinto da Silva e Celso Ferreira Menezes Junior abordaram Cauê Doretto de Assis e outro homem não identificado em um carro. Assis se identificou como policial civil, disse estar armado e apresentou um documento funcional falso. Os policiais não o revistaram e não o vigiaram. Quando deram as costas, Assis sacou outra arma e atirou contra os três PMs. Ele também foi atingido no revide e morreu. Assis era branco.
Estatísticas e a cor da pele
A diferença na atuação por conta da cor da pele também fica evidente em outros casos. No final de maio deste ano, um policial militar foi humilhado pelo empresário Ivan Storel, em Alphaville. O policial foi atender a um chamado, da mulher de Storel, por violência doméstica. “Você é um bosta. É um merda de um PM que ganha R$ 1 mil por mês, eu ganho R$ 300 mil por mês. Quero que você se foda, seu lixo do caralho. Você não me conhece. Você pode ser macho na periferia, mas aqui você é um bosta. Aqui é Alphaville”, ouviu o PM, que não reagiu. Storel é branco.
Vinte dias depois, um policial militar estrangulou um jovem na cidade de Carapicuíba até ele desmaiar. O jovem, que é negro, estava andando de moto sem habilitação. Não estava armado e já estava rendido. Desacordado, foi conduzido em uma viatura para a delegacia. Só depois de autuado foi levado a um pronto-socorro. A polícia alegou que ele tentou fugir da abordagem, embora estivesse indo na direção dos policiais no momento da ação.
Os eventos corroboram o que as estatísticas mostram há anos. A violência policial tem alvos definidos pela cor da pele – o racismo institucionalizado na PM de São Paulo. Dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP) mostram que, no primeiro trimestre deste ano, a PM paulista matou uma pessoa negra a cada 16 horas. Das 514 pessoas mortas no primeiro semestre0 – a maior letalidade da série histórica –, 63,5% eram negras. Outras pesquisas apontam percentuais de até 73%.
Para o coronel reformado da Polícia Militar paulista e mestre em direitos humanos Adilson Paes de Souza, “não tem como negar que existe um racismo estrutural arraigado nas instituições que direciona a atuação dos agentes de segurança pública”.
Falta treinamento e sobra racismo
Souza lembrou que, historicamente, as forças de segurança têm na população negra um inimigo padrão. “As pessoas são definidas como marginais ou criminosas não tanto pelo crime que praticam, mas pelos atributos físicos e pessoais que possuem, que as marcam como inimigas. O que foge desse perfil, é um cidadão. Eu não preciso tomar certos cuidados porque é um cidadão e eu confio no que ele está falando”, observa.
Em relação aos casos citados, Souza avalia que o racismo estrutural e problemas de formação e treinamento na PM de São Paulo acabam determinando o resultado da atuação policial – os de alta letalidade ou os que terminam em morte de policiais. Tanto em Alphaville quanto no caso do falso policial civil, as pessoas abordadas “não representavam o inimigo”. E isso resultou na morte dos três agentes, no segundo caso.
“Uma falha de treinamento aliada ao racismo na PM de São Paulo. Branco, se identificou. Por que eu vou tomar outras medidas de cautela? Não tem o perfil de ser o inimigo. A instituição tem responsabilidade sobre este fato porque eles estão sendo mal treinados”, afirmou. Souza, que também é doutor em psicologia escolar e desenvolvimento humano pela Universidade de São Paulo (USP), esteve como pesquisador visitante na Universidade da Polícia da Noruega e ficou impressionado com o processo de seleção de policiais.
“A preocupação que eles têm com o processo de seleção dos candidatos é uma coisa fantástica. Primeiro eles traçam um perfil. E isso é tratado com acadêmicos, não são só policiais que determinam qual vai ser o perfil do policial”, relata o ex-oficial. Segundo ele, vários psicólogos e outros profissionais participam do processo, que conta com entrevistas individuais, coletivas, dinâmicas.
Inspiração mortal
“Aqui nós não sabemos qual é o perfil ideal que a polícia busca de seus candidatos e quais são os testes aplicados. Esse ambiente de segredos só traz malefícios e faz com problemas estruturais da nossa sociedade não sejam enfrentados ou pelo menos minimizados. Aí você tem a repercussão do racismo na atividade policial”, explica Adilson Paes de Souza.
O pesquisador também avaliou que o aumento da letalidade policial está ligado ao discurso do presidente da República, Jair Bolsonaro, e de governadores que se colaram a imagem à dele, como João Doria (PSDB), em São Paulo, e Wilson Witzel (PSC), no Rio de janeiro. Doria chegou a dizer que, em seu governo, a polícia ia “atirar pra matar” e que ia “pagar os melhores advogados” aos policiais. Hoje, com aumento dos casos de violência e execução por policiais, Doria mudou o discurso e fala em punição aos “maus policiais”.
Mas Souza também ressaltou como elemento fundamental ao aumento da letalidade policial a mudança no artigo 16-A do Código de Processo Penal Militar, alterado com a aprovação do chamado pacote anticrime, elaborado pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. Segundo a legislação, quando um policial mata alguém, deve ser aberto um inquérito e o policial apresentar um advogado.
“Diz essa alteração que se o policial não tiver advogado constituído, a instituição deverá providenciar advogado para o policial. E qual é o pulo do gato? A instituição não designa um advogado e os inquéritos ficam parados. Na prática, não tem inquérito. A excludente de ilicitude, que eles tentaram emplacar de maneira expressa, acabou passando. Basta ver que, depois que começou a valer essa medida, disparou o número de mortes pela polícia militar paulista. E tem mais de 300 inquéritos parados”, explicou.
Casos recentes de atuação da Polícia Militar (PM) de São Paulo evidenciam como o racismo estrutural permeia e conduz a atuação de policiais. E é decisivo até mesmo para que o resultado da ação acabe em morte. De pessoas abordadas, ou de agentes policiais. No domingo (9), o jovem negro Rogério Ferreira da Silva Júnior foi morto por policiais militares, no Parque Bristol, zona sul de São Paulo. A moto que conduzia não era fruto de roubo, ele não estava armado e não reagiu. Mas os policiais alegaram “risco iminente de agressão” por ele ter colocado a mão na cintura no momento da abordagem.
A mesma preocupação não norteou a atuação de três policiais militares na zona oeste da capital paulista. O sargento José Valdir de Oliveira Júnior e os soldados Victor Rodrigues Pinto da Silva e Celso Ferreira Menezes Junior abordaram Cauê Doretto de Assis e outro homem não identificado em um carro. Assis se identificou como policial civil, disse estar armado e apresentou um documento funcional falso. Os policiais não o revistaram e não o vigiaram. Quando deram as costas, Assis sacou outra arma e atirou contra os três PMs. Ele também foi atingido no revide e morreu. Assis era branco.
Estatísticas e a cor da pele
A diferença na atuação por conta da cor da pele também fica evidente em outros casos. No final de maio deste ano, um policial militar foi humilhado pelo empresário Ivan Storel, em Alphaville. O policial foi atender a um chamado, da mulher de Storel, por violência doméstica. “Você é um bosta. É um merda de um PM que ganha R$ 1 mil por mês, eu ganho R$ 300 mil por mês. Quero que você se foda, seu lixo do caralho. Você não me conhece. Você pode ser macho na periferia, mas aqui você é um bosta. Aqui é Alphaville”, ouviu o PM, que não reagiu. Storel é branco.
Vinte dias depois, um policial militar estrangulou um jovem na cidade de Carapicuíba até ele desmaiar. O jovem, que é negro, estava andando de moto sem habilitação. Não estava armado e já estava rendido. Desacordado, foi conduzido em uma viatura para a delegacia. Só depois de autuado foi levado a um pronto-socorro. A polícia alegou que ele tentou fugir da abordagem, embora estivesse indo na direção dos policiais no momento da ação.
Os eventos corroboram o que as estatísticas mostram há anos. A violência policial tem alvos definidos pela cor da pele – o racismo institucionalizado na PM de São Paulo. Dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP) mostram que, no primeiro trimestre deste ano, a PM paulista matou uma pessoa negra a cada 16 horas. Das 514 pessoas mortas no primeiro semestre0 – a maior letalidade da série histórica –, 63,5% eram negras. Outras pesquisas apontam percentuais de até 73%.
Para o coronel reformado da Polícia Militar paulista e mestre em direitos humanos Adilson Paes de Souza, “não tem como negar que existe um racismo estrutural arraigado nas instituições que direciona a atuação dos agentes de segurança pública”.
Falta treinamento e sobra racismo
Souza lembrou que, historicamente, as forças de segurança têm na população negra um inimigo padrão. “As pessoas são definidas como marginais ou criminosas não tanto pelo crime que praticam, mas pelos atributos físicos e pessoais que possuem, que as marcam como inimigas. O que foge desse perfil, é um cidadão. Eu não preciso tomar certos cuidados porque é um cidadão e eu confio no que ele está falando”, observa.
Em relação aos casos citados, Souza avalia que o racismo estrutural e problemas de formação e treinamento na PM de São Paulo acabam determinando o resultado da atuação policial – os de alta letalidade ou os que terminam em morte de policiais. Tanto em Alphaville quanto no caso do falso policial civil, as pessoas abordadas “não representavam o inimigo”. E isso resultou na morte dos três agentes, no segundo caso.
“Uma falha de treinamento aliada ao racismo na PM de São Paulo. Branco, se identificou. Por que eu vou tomar outras medidas de cautela? Não tem o perfil de ser o inimigo. A instituição tem responsabilidade sobre este fato porque eles estão sendo mal treinados”, afirmou. Souza, que também é doutor em psicologia escolar e desenvolvimento humano pela Universidade de São Paulo (USP), esteve como pesquisador visitante na Universidade da Polícia da Noruega e ficou impressionado com o processo de seleção de policiais.
“A preocupação que eles têm com o processo de seleção dos candidatos é uma coisa fantástica. Primeiro eles traçam um perfil. E isso é tratado com acadêmicos, não são só policiais que determinam qual vai ser o perfil do policial”, relata o ex-oficial. Segundo ele, vários psicólogos e outros profissionais participam do processo, que conta com entrevistas individuais, coletivas, dinâmicas.
Inspiração mortal
“Aqui nós não sabemos qual é o perfil ideal que a polícia busca de seus candidatos e quais são os testes aplicados. Esse ambiente de segredos só traz malefícios e faz com problemas estruturais da nossa sociedade não sejam enfrentados ou pelo menos minimizados. Aí você tem a repercussão do racismo na atividade policial”, explica Adilson Paes de Souza.
O pesquisador também avaliou que o aumento da letalidade policial está ligado ao discurso do presidente da República, Jair Bolsonaro, e de governadores que se colaram a imagem à dele, como João Doria (PSDB), em São Paulo, e Wilson Witzel (PSC), no Rio de janeiro. Doria chegou a dizer que, em seu governo, a polícia ia “atirar pra matar” e que ia “pagar os melhores advogados” aos policiais. Hoje, com aumento dos casos de violência e execução por policiais, Doria mudou o discurso e fala em punição aos “maus policiais”.
Mas Souza também ressaltou como elemento fundamental ao aumento da letalidade policial a mudança no artigo 16-A do Código de Processo Penal Militar, alterado com a aprovação do chamado pacote anticrime, elaborado pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro. Segundo a legislação, quando um policial mata alguém, deve ser aberto um inquérito e o policial apresentar um advogado.
“Diz essa alteração que se o policial não tiver advogado constituído, a instituição deverá providenciar advogado para o policial. E qual é o pulo do gato? A instituição não designa um advogado e os inquéritos ficam parados. Na prática, não tem inquérito. A excludente de ilicitude, que eles tentaram emplacar de maneira expressa, acabou passando. Basta ver que, depois que começou a valer essa medida, disparou o número de mortes pela polícia militar paulista. E tem mais de 300 inquéritos parados”, explicou.
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