Por Jeferson Miola, em seu blog:
No íntimo, Trump sempre teve consciência da improbabilidade de conseguir perpetrar um golpe para reverter sua derrota eleitoral. Também no íntimo, ele sempre soube que não foi prejudicado por fraude eleitoral, mas sim que sofreu uma derrota eleitoral.
Apesar disso, entretanto, desde que sua derrota ficou matematicamente confirmada, Trump intensificou a pregação de fraude eleitoral e fincou a bandeira da ilegitimidade da eleição do oponente Joe Biden.
Em todas as 3 etapas da liturgia do processo eleitoral dos EUA – apuração pelos estados [novembro], votação pelo colégio eleitoral [dezembro] e confirmação do resultado pelo Congresso em 6 de janeiro – Trump não recuou um milímetro na escalada de deslegitimação do sistema e do presidente eleito.
Em nenhum momento ele admitiu a derrota. Não cumprimentou Biden e repetiu como um Goebbels a retórica de fraude. Não se empenhou minimamente em descomprimir o clima político. Ao contrário, fez de tudo para manter a pressão elevada em níveis explosivos, inclusive colocando em risco o sistema de segurança do país.
Esta escolha tem método e estratégia, não é fruto de alguma ação passional, ainda que o bufão da Casa Branca mostre dificuldades em lidar com fracassos.
Trump conseguiu alimentar e manter atiçada sua matilha extremista com a falácia de que, por ser um político antissistema [sic], foi “roubado” pelo próprio sistema – retórica idêntica à adotada pelo bufão do Planalto desde a eleição de 2018, e também sem provas.
Mesmo no momento mais crítico da invasão do Capitólio, Trump decidiu manter a execução da estratégia: infundiu mais raiva e legitimou a selvageria da matilha.
Num vídeo que seria para pedir para seus seguidores irascíveis cessarem a violência, ele adicionou gasolina na fogueira: “Estas são as coisas e eventos que acontecem quando uma sagrada vitória eleitoral esmagadora é tão sem cerimônia e cruelmente retirada de grandes patriotas que foram mal e injustamente tratados por tanto tempo. Vá para casa com amor e em paz”, disse ele, terminando com uma conclamação épica da “batalha do Capitólio”: “Lembre-se deste dia para sempre!”. Nisso ele tem razão: este 6 de janeiro de 2021 já se tornou uma data inesquecível.
Durante todo mandato Trump trabalhou metodicamente para consolidar o poder e construir a hegemonia da extrema-direita supremacista e fascista.
O significado da derrota dele em novembro passado precisa ser matizado pelo desempenho eleitoral surpreendentemente competitivo que teve. A despeito das centenas de milhares de mortes que teriam sido evitadas se ele tivesse agido com responsabilidade no combate à COVID; a despeito do desemprego recorde causado pela crise sanitária, e a despeito de toda sorte de sandices por demais conhecidas, Trump esteve muito próximo de vencer a eleição.
Trump dá corpo e voz aos anseios, às raivas e aos ressentimentos destas dezenas de milhões que ele considera os “grandes patriotas que foram mal e injustamente tratados por tanto tempo”. Estes patriotas – adjetivo também usado pela filha Ivanka – agora tiveram roubada a “sagrada vitória eleitoral esmagadora”.
É difícil supor que Trump seja tão estupidamente tolo a ponto de se iludir que com o atentado ao Capitólio conseguiria promover um golpe para reverter um resultado sabidamente irreversível. Não houve golpe ou tentativa de golpe, mas uma batalha Trump-supremacista para criar um estado permanente de guerra na política.
A conquista de maioria no Senado pelo Partido Democrata traz alívio para Biden. Caso Trump não seja enterrado politicamente [e criminalmente] depois da promoção do atentado de 6 de janeiro, contudo, a política passará a ser não um espaço de disputas legítimas e democráticas, mas um palco de guerra permanente.
Projetos eugenistas, supremacistas e fascistas como os de Trump e Bolsonaro só vicejam em ambientes de caos com militarismo miliciano, fundamentalismo religioso, fabricação de mentiras, destruição e violência extremada.
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