Mesmo que se considere verdadeira a mudança de posicionamento de Jair Bolsonaro frente às vacinas e às máscaras necessárias ao combate à pandemia – algo que poucos acreditam verdadeiro e quase todos creditam ao efeito da fala do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – o discurso de ódio e de intolerância que o presidente e sua trupe plantaram no país já fincou raízes e vem dando frutos. Podres, é verdade. Mas a reprodução acontece.
Basta verificar-se o que acontece em Juiz de Fora, cidade mineira na Zona da Mata, com uma população em torno de 570 mil habitantes. Nela já faleceram pela Covid-19, até a noite de quarta-feira (10/03), 869 pessoas, entre os 21.502 oficialmente contaminados. Mas o número de juiz-foranos com suspeita da doença ultrapassa os 10% da população. Eram, até a mesma quarta-feira, 63.514. Quantidade que tem aumentado exponencialmente, provocando a ocupação de quase 94% dos leitos de UTI na rede do SUS.
A crescente disseminação da doença pelo município – na quarta-feira, 436 pessoas estavam internadas em enfermarias e leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em hospitais públicos e privados e ocorreram nove novas mortes – levou a prefeita Margarida Salomão (PT), domingo passado (07/03), suspende o funcionamento de todas atividades no município (“lockdown”), por uma semana.
Foi o suficiente para fazer brotar os “frutos podres” do discurso de ódio bolsonarista na cidade. Tal como já revelou Denise Assis, no Brasil-247, em Empresários de Juiz de Fora informam que vão romper isolamento e exigem troca por “tratamento precoce”. No próprio domingo, Margarida e o seu vice-prefeito, Kennedy Ribeiro (PV), começaram a ser ameaçados. Inclusive com ameaça de morte, como registrada em Boletim de Ocorrência na delegacia de polícia local, na noite de segunda-feira. Ameaça que falava em utilização de arma de fogo, explicou o secretário Municipal de Segurança Urbana e Cidadania, Fernando Tadeu David, através da página oficial da Prefeitura nas redes sociais.
“Queixa-crime é da Pedagogia da Paz”
“Tomamos conhecimento de uma denúncia de ameaças recebidas nas mídias sociais por uma determinada pessoa, encaminhamos a Inteligência da Guarda Municipal e certificamos da existência dessa denúncia, inclusive envolvendo a utilização de armas e isso a gente não permite de forma alguma”, disse.
Como a própria Margarida explicou em vídeo, o registro da ameaça na polícia fez-se necessário para combater o fascismo que confunde oposição política com ameaças físicas. No cargo, ela se diz obrigada a praticar a “Pedagogia da Paz”. Esta, por sua vez, prega a intolerância contra a retórica do ódio:
“A queixa-crime é pedagógica. Faz parte da Pedagogia da Paz (…) Independentemente de a ameaça ter ou não fundamento, é fato que não se pode aceitar que alguém faça uma disputa de posição política ameaçando a eliminação do outro“, explicou a prefeita no vídeo [aqui].
Violência se materializou
Se a ameaça à prefeita se concretizaria ou não, já não importa. O fato real é que um grupo de comerciantes, com características típicas de bolsonaristas – não apenas pelas roupas, como camisetas amarelas e bandeiras do Brasil, mas também no discurso – que na quarta-feira protestava perante a sede da Prefeitura, acabou ameaçando fisicamente a vereadora petista Laiz Perrut (PT).
Foi quando ela saía de uma reunião na sede da prefeitura. Chamada a conversar, a vereadora ainda pensou em falar com os manifestantes. Tanto que antes de entrar no carro parou por alguns instantes, como evidencia o vídeo registrado pela câmera da prefeitura.
Mas assustou-se quando viu a verdadeira “turba” aproximando-se. Alguém ainda gritou, “agora não dá mais para cercar, não”. Não faltaram camisetas amarelas e bandeiras do Brasil às costas. Os manifestantes, aos gritos, cercaram o veículo, para barrar a sua saída. Acusando-a, não se sabe bem de que. Pedindo que devolvessem “o meu dinheiro”. “Você não é do povo? Fala com o povo. Dá uma declaração”. Amedrontada, entrou no carro e tentou sair.
Ela, atendendo a uma orientação do único guarda municipal ali presente, continuou o percurso livrando-se daqueles que tentavam impedir o carro de sair. Mesmo com alguns poucos se posicionando à frente do veículo. Depois, um deles foi apresentar queixa na polícia: tentativa de assassinato [aqui].
Milícia, risco cada dia mais palpável
A queixa do atropelamento foi feita por Flávio de Souza Mattos. Dono de uma loja de material de informática, Mattos é filiado ao Partido Novo, do governador Romeu Zema Neto, que se elegeu na onda bolsonarista e jamais se posicionou de forma clara contra os despautérios de Bolsonaro no combate à pandemia.
Mattos foi candidato a vereador em Juiz de Fora nas últimas eleições. Obteve 212 votos. Laiz conquistou dez vezes mais eleitores, um total de 2.997 votos. Conquistou a terceira cadeira do PT na Câmara que tem 19 vereadores. Margarida, por sua vez, chegou à prefeitura com 144.529 votos (54,98%) no segundo turno.
O ocorrido em Juiz de Fora, cidade considerada desenvolvida, que possui uma importante Universidade Federal, mostra bem o que o discurso de ódio que Bolsonaro prega nestes seus pouco mais de dois anos de governo tem disseminado país a dentro. Ele está plantando a violência contra os que pensam diferente. “Empoderando” como os empresários juiz-foranos que, como mostrou Denise Assis em sua reportagem, acham que estão acima da lei e da ordem, na defesa do seu direito de trabalhar, esquecendo o direito à vida da população da cidade.
Na Zona da Mata mineira, esse discurso de ódio está encontrando resposta à altura, como da prefeita Margarida. Não se dobrou e vai levar adiante a queixa-crime da ameaça sofrida. O grande problema, porém, é no interiorzão do país, onde milícias idênticas se criam e talvez nem sempre encontrem barreias e adversários à altura. Um risco real e, cada dia mais, palpável, com o qual conviveremos se o discurso de ódio e da intolerância não for barrado.
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