Por Jair de Souza
Queria começar este texto por aquilo que considero que deveria ser sua conclusão de encerramento: Nossa luta depende tanto da correlação de forças, como a correlação de forças depende de nossa luta.
Em 2016, foi desfechado um fortíssimo golpe contra a maioria do povo brasileiro. Os interesses do grande capital dos Estados Unidos e os do grande capital nacional se impuseram sobre os de nosso povo, e, em vista disto, arrumaram um pretexto dos mais imbecis imagináveis para derrubar o governo de Dilma Rousseff.
Parece até que foi brincadeira aquilo de fazer o impeachment de uma governante apelando para as tais pedaladas fiscais. Mas, precisamos ter clareza, os motivos para a grande burguesia e o imperialismo imporem sua dominação sobre uma nação nada precisam ter a ver com a realidade. Se não houver motivos reais justificáveis, os mesmos serão fabricados. E assim foi.
O que importa mesmo é que, com a chegada de Temer ao governo e, mais ainda, com a entrega do comando a Bolsonaro, os grandes capitalistas gringos e as classes dominantes locais que lhes são serviçais puderam pôr em prática o mais tenebroso projeto de espoliação das maiorias trabalhadoras em toda a história de nosso país.
Em pouco mais de 5 anos, foram eliminadas conquistas sociais que os trabalhadores tinham levado mais de um século para alcançar através de heroicas e sofridas lutas. Perdemos grande parte dos direitos que amparavam os trabalhadores na CLT; o direito a uma aposentadoria justa e digna passou a ser algo praticamente inalcançável; dentre outras várias perdas irreparáveis.
Como o projeto encampado pelas forças das classes dominantes em associação com o imperialismo também visava desestruturar a base econômica que poderia dar sustentação a um Brasil soberano e independente, foram desfechados golpes demolidores contra tudo o que poderia significar a possibilidade de que viéssemos a ser donos de nosso próprio futuro no seio das nações.
Nesse curtíssimo espaço de tempo, fomos privados de nossas reservas petrolíferas do pré-sal, as mesmas que tinham passado a simbolizar um amanhã em condições muito mais benéficas para a educação e a saúde pública brasileiras. As forças antipatrióticas e antipovo decidiram que, em lugar de estar a serviço dos interesses de toda a nação, os recursos que haviam sido descobertos e prospectados pela emblemática empresa do povo brasileiro, a Petrobrás, passassem a servir prioritariamente para pagar juros e dividendos aos acionistas privados da empresa.
Não satisfeitos com este violento ato de traição, as forças coligadas do imperialismo e grande capital financeiro se puseram em ação para desmantelar a própria Petrobrás. Já venderam boa parte de suas principais refinarias, já criaram todo tipo de entraves para sua continuidade como polo de fomento do progresso nacional, e vão tornando-a mais inviável a cada dia.
A privatização da Eletrobrás e a dos Correios são outros exemplos de como a sanha macabra do imperialismo e seus serviçais se faz sentir sobre a nação. A verdade é que muito pouco vai restar quando finalmente nos tivermos livrado do bando de usurpadores e traidores da pátria que estão saqueando nosso país.
A novidade do momento é que boa parte daqueles que patrocinaram e atuaram no golpe que abriu a porta para a destruição de nossos sonhos de uma vida mais justa para a maioria do povo está agora em dissintonia com as posturas de Jair Bolsonaro, um fruto que jamais teria amadurecido e ganhado as proporções que hoje tem se não fosse pelas ações do bloco coligado das forças do imperialismo e do grande capital financeiro.
Estamos vendo como os jornalões tradicionais das classes dominantes (Folha de S.Paulo, Estado de S. Paulo, etc.), a rede Globo e vários outros órgãos representativos dos endinheirados vociferam seu descontentamento com a figura de Bolsonaro e suas estripulias.
Bem, é certo que nenhum deles levanta a mais mínima objeção às medidas econômicas antipovo e antinacionais que o governo Bolsonaro vem tomando desde seu início. Muito pelo contrário, quanto a isto, há uma aprovação unânime, uma concordância que não pode ser tachada nem mesmo de generalizada, e sim de totalizada.
O que esses banqueiros e grandes capitalistas que andam assinando notas de discordância com Bolsonaro pretendem é encontrar uma forma de tirar Bolsonaro da parada, mas sem mexer em nenhum dos privilégios que o bolsonarismo conseguiu lhes entregar. Sim, eles querem as benesses obtidas no governo Bolsonaro, sem a presença asquerosa do próprio Bolsonaro. Se eles puderem, é isto o que eles vão ter.
De nossa parte, não devemos aceitar passivamente que isso se imponha. Precisamos entrar firmemente na luta para recuperar tudo o que perdemos a partir do golpe criminoso de 2016. Tudo: restabelecer os direitos trabalhistas eliminados, recuperar as bases da aposentadoria que nos foram extirpadas, resgatar para a propriedade da nação as reservas petrolíferas do pré-sal, reverter as privatizações da Eletrobrás e dos Correios, devolver ao Poder Público o comando do Banco Central, etc.
Porém, sonhos são sonhos. E como está a correlação de forças? Como vamos nos atrever a levantar questões que não estamos em condições de alcançar por não dispor da força necessária para tal? Como vamos neutralizar e eliminar o peso do respaldo que Bolsonaro recebe da cúpula militar, das polícias estaduais e das milícias espalhadas pelo país?
Parece que assimilamos bem a ideia de que o desenvolvimento das lutas de classes depende fortemente da correlação de forças entre as classes em pugna em determinados contextos. No entanto, não avançamos grande coisa com respeito à compreensão de que a citada correlação de forças, por sua vez, está fortemente condicionada pela forma e intensidade com que se trava a própria luta. Em outras palavras, se os resultados de nossas lutas dependem da correlação de forças, a correlação de forças também depende do processo de lutas. Quanto maior o engajamento e a determinação das massas em sua luta, mais favorável a elas tende a ser a dita cuja.
Não podemos e não devemos mentir para o povo. Precisamos expor aberta e claramente que nosso objetivo é lutar para recuperar cada uma das conquistas que nos foram usurpadas. Devemos falar das dificuldades existentes, da incerteza dos resultados imediatos, mas precisamos ressaltar a importância da luta contínua e incansável para que os objetivos almejados sejam atingidos.
Não entendo como correta a preocupação de evitar levantar bandeiras que desagradem as classes dominantes, ou seja, aqueles mesmos que articularam e desfecharam o golpe de 2016 e abriram as portas para a chegada de Bolsonaro ao governo. É positivo que existam divergências de grupos das classes dominantes com o nazifascista mor. Mas, eles em sua totalidade não representam quase nada em termos de votos para eleger seus candidatos.
Nós temos de encontrar maneiras para ganhar o apoio e o voto daquelas massas de classe média que estão sob a influência ideológica das classes dominantes, mas não o voto e o apoio das classes dominantes em si. E esconder que nosso objetivo é reverter o atual quadro de desgraça não vai nos favorecer junto às pessoas que queremos sensibilizar.
Para que um governante sintonizado com a causa popular tenha condições de travar as duríssimas batalhas com vistas a desfazer negociatas que tocam em interesses de grupos poderosos no Brasil e no exterior vai ser preciso contar com o apoio e a cobrança ativa de grandes movimentos de massas. Sem apontar neste sentido, o novo governante não vai passar de um mero administrador dos negócios das classes dominantes, e será incapaz de atender as reivindicações históricas do povo trabalhador.
Se não puderem encontrar um nome alternativo que possa competir contra Lula com alguma possibilidade real em eleições, as classes dominantes e os representantes do imperialismo podem até mesmo tomar a decisão de tampar o nariz e voltar a apoiar Bolsonaro. Porém, se sentirem que não vão ter como impedir a vitória de Lula, vão procurar encontrar maneiras de rodeá-lo de compromissos que o obriguem a manter-se dentro da cartilha que eles prescrevem para os dirigentes que atuam com seu aval.
Se não quiser ficar acorrentado a essas forças das trevas, Lula precisa deixar bem claro desde já que sua luta aponta para a reconquista de tudo o que foi perdido indevidamente. E deve ir mais além. Nenhuma declaração falando de vinganças, mas nenhuma omissão quanto àquilo que é o dever de todo líder popular de verdade: levantar as bandeiras e organizar o povo visando engajá-lo nas lutas para que os objetivos sejam conquistados.
* Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
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