Por João Paulo Cunha, no jornal Brasil de Fato:
De onde menos se espera é que não sai nada mesmo. A reação dos presidentes da Câmara e do Senado, do Supremo Tribunal Federal e do Procurador Geral da União se resumiu a uma sequência de vexames. As chamadas instituições, por meio de seus representantes, depois de enxovalhadas grosseiramente por Bolsonaro, numa fila de crimes vomitados no 7 de setembro, não reagiram à altura. É preciso ser muito ingênuo para alimentar expectativas com Lira, Pacheco, Fux e Aras.
Cada um deles, dentro do estilo que os caracteriza e dos interesses que representam, preferiu a via do discurso, mais ou menos indignado, a assumir a responsabilidade da ação em suas áreas de responsabilidade. As manifestações se pareceram com o comportamento de meninos ameaçados pelo fortão da turma, que respondem com falsa bravura: “me segura, ou acabo com ele”. Na verdade, não querem fazer nada, apenas não revelar de forma temerária o medo que os define.
Os analistas políticos da mídia corporativa bem que tentaram criar uma atmosfera de reação a Bolsonaro, dando estofo ao que foi vazio e reticente. A própria imprensa, pelo menos parte dela, parece ter se anistiado da adesão ao horror em que ajudaram a meter o país, usando pela primeira vez a palavra golpismo para descrever ações golpistas. O que se revelaria apenas óbvio, no entanto, é quase uma revolução para empresas que até poucos meses atrás haviam banido de seu vocabulário a expressão “extrema direita” e “fascismo”.
Não adianta buscar sinais de dignidade e respeito ao cargo. As falas dos presidentes de poderes e do PGR foram apenas sinalizações que não vão fazer nada. Na verdade, já não fizeram, mesmo com a demonstração inequívoca de crimes que eles mesmos fizeram questão de destacar. O jogo parecia combinado. Para cada indignação um aceno condescendente de que da próxima vez não haverá tolerância. Todos, de certa forma, soltaram um “vai trabalhar, vagabundo”, para o presidente. Mas não seguiram o próprio conselho.
Corporativista, egoísta, omisso e conivente
O presidente da Câmara, Arthur Lira, depois de dar um perdido antes e durante os atos antidemocráticos, reiterou que vai se manter sentado sobre as dezenas de pedidos de impeachment, mesmo com o crime de responsabilidade confesso de própria voz por Bolsonaro, em tom histérico, do alto de um palanque.
Lira preferiu falar de voto impresso – cuja votação pautou para agradar o presidente e recebeu de volta a ética do escorpião – a se comprometer a fazer o trabalho que se espera dele. Seu horizonte é um país sob Bolsonaro, refém de uma bancada venal, votando e negociando passo a passo, fatura a fatura, a pauta do governo.
O senador Rodrigo Pacheco repetiu o tom melífluo, a postura mansa e o encimadomurismo que calça seu projeto de desagradar o mínimo para se manter ao jogo no máximo. Também tem em mãos atitudes objetivas a serem tomadas à frente do Senado, como desaprovar a indicação do candidato indicado pelo presidente ao STF (para agradar a base evangélica e votar alinhado com o Planalto) e o julgamento de medidas provisórias e vetos. Mas preferiu suspender a pauta. Em vez de agir para transformar, preferiu protestar pela inação.
Corporativista, Lira faz o jogo do Centrão; egoísta, Pacheco segue seu desejo de se cacifar como candidato da terceira via.
Luiz Fux, presidente do Supremo, foi o mais duro no conteúdo e iracundo na forma. No entanto, seu esperado pronunciamento foi puro anticlímax, como se não fosse ele o magistrado que comanda a alta corte capaz de limitar o desvario autoritário e inconstitucional. Ninguém, cioso de suas responsabilidades e poder, diz que não vai tolerar ilícito, simplesmente não tolera.
O Supremo tem instrumentos para agir e os utiliza muito pouco, como fez no caso da decisão que obrigou a instalação da CPI da covid pelo Senado. O inquérito das fake news é outra oportunidade de cumprir seu papel.
O ataque ao STF e ao Tribunal Superior Eleitoral estava no coração dos atos convocados pelo presidente, que insuflou a população contra o Judiciário, anunciando que vai descumprir decisões da Justiça e questionar o resultado das eleições. Não cabia ao ministro-presidente, exatamente por isso, apenas garantir que ninguém vai fechar a casa ou ofender seus integrantes, mas agir contra esses crimes de maneira objetiva. Tendo ao lado o PGR, não se viu um ato ostensivo de cobrança de instauração de inquérito contra a ameaça à democracia.
Augusto Aras, por sua vez, depois de renovados atos de recusa de sua função em jogar luz sobre o comportamento irresponsável e criminoso do presidente e de seus filhos, achou de dar aula sobre a separação entre os poderes e recordar o exemplo de Ulysses Guimarães. Não tem estofo intelectual para se mirar na história da filosofia política e, menos ainda, para se secundar ao exemplo do timoneiro da Constituinte.
Há muitas formas de descumprir a Constituição, a mais canalha delas é elogiando seus méritos enquanto distribui para subalternos o serviço sujo de negar seu espírito.
O presidente Bolsonaro cumpriu no Dia da Independência seu roteiro de ódio e destruição. Já havia antecipado que o faria e mais uma vez não surpreendeu em sua capacidade de jogar o país no esgoto do autoritarismo, das ameaças à democracia e da vergonha internacional.
Houve tempo para que as orgulhosas instituições se antecipassem o risco ou se preparassem para responder à altura dos interesses da nação. Não o fizeram. Não foi por falta de aviso. É por isso que elas precisam ser defendidas em sua substância: nem sempre teremos pessoas capazes no seu comando.
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