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Pode ser lamentável, mas as sondagens de opinião nos obrigam a reconhecê-lo, o nível de aceitação do governo bolsonarista ainda se situa numa faixa que vai de 25 a 30% de nossa população. Tudo isto, apesar da terrível catástrofe que ele representa para a ampla maioria de nosso povo.
Os dados de que dispomos nos indicam que isto se deve, em grande medida, ao forte apoio que o bolsonarismo ainda recebe de setores identificados com certas igrejas evangélicas.
Mas, se os evangélicos se orgulham de estar entre os mais fiéis seguidores de Jesus Cristo, como explicar que eles apareçam como base de sustentação para um governante que demonstra não cultivar nem praticar quase nenhum dos fundamentos com os quais o próprio Jesus se identificou plenamente em todo seu período de vida entre nós?
Basta que empreguemos um pouquinho de nossa atenção para revisar a trajetória de vida de Jesus em seu trânsito terrenal para nos darmos conta de um ser inteiramente envolvido com projetos que se confrontam drasticamente com o que observamos no comportamento da maioria dos governantes e ativistas políticos do bolsonarismo.
Sabemos que Jesus sempre considerou como sua prioridade o bem-estar, a dignidade e os direitos do conjunto do povo mais pobre e humilde. Seu combate à avareza e ao individualismo egoísta foi constante. Por sua vez, os bolsonaristas se encarregam essencialmente de zelar pelos interesses dos poderosos e mais abastados. E também reivindicam a validade do egoísmo da meritocracia do cada um por si.
Mas, se o comportamento de Jesus para com os demais sempre se pautou pelo respeito e pela solidariedade, as características típicas do bolsonarismo apontam muito mais para o rumo da intolerância, da discriminação e da falta de empatia.
Em todas as instâncias expostas nos relatos de sua vida, Jesus nunca foi visto apregoando o uso de armas mortíferas nem fomentando a guerra. O que percebemos é sempre seu profundo desejo de alcançar a paz, de promover o congraçamento entre os seres humanos e eliminar suas penúrias. Quanto aos bolsonaristas, o que se evidencia é todo o oposto.
Portanto, precisamos entender os motivos por trás de contradições tão gritantes. E é por isso que o documentário do vídeo que estamos trazendo para análise é importante. Ali vamos observar que não são todos os evangélicos que aceitam como válidos os parâmetros que norteiam essas igrejas filobolsonaristas. Em nosso país, via de regra, a adesão a essa tendência ocorre com mais expressividade no campo do neopentecostalismo.
Conforme veremos no vídeo que apresentaremos à continuação, o dispensacionalismo é uma vertente surgida entre os evangélicos há não muito tempo. Boa parte dos teóricos evangélicos mais conceituados não aceitam os postulados que servem de base para a prática dessa vertente do evangelismo, uma vez que, segundo eles, há flagrantes contradições entre o que as igrejas do dispensacionalismo pregam e o que o espírito do cristianismo inspira.
O surgimento dessa ramificação evangélica se deu nos Estados Unidos a partir das condições e dos interesses de grupos e personagens religiosos daquele país. Sua ligação umbilical com a política do Estado de Israel se origina de um oportunismo que nada tem a ver com a tradição do amor à paz, com as predicações de igualdade, fraternidade e solidariedade que sempre emanaram do comportamento e do pensamento de Jesus. É desta vinculação profunda com o Estado de Israel que deriva a expressão “sionismo cristão”.
Embora sejam intrinsecamente antissemitas em sua proposta, essas igrejas prestam apoio incondicional a todas as medidas tomadas pelo Estado de Israel em seus embates contra o povo palestino, por mais arbitrárias e desumanas que sejam. Evidentemente, isto não encontra nenhum respaldo nas pregações do fundador do cristianismo. Na verdade, essas previsões e aspirações dos dispensacionalistas funcionam como um macabro presságio que busca juntar o quanto antes em Israel os judeus para que estes sejam exterminados a fim de possibilitar que a nova era cristã se consolide. Em outras palavras, o objetivo torna-se uma profecia que busca sua autorrealização.
Não é difícil entender que, por atuar em sintonia com os interesses imperialistas concretos dos Estados Unidos, as igrejas evangélicas dispensacionalistas estadunidenses se prestem ao papel de avalizar a perseguição e a desapropriação do povo palestino, inclusive dos palestinos cristãos. Mesmo que seja algo medonhamente diabólico, os ganhos materiais e geopolíticos advindos desse apoio poderiam explicá-lo.
De igual maneira, é possível detectar as razões que levam os sionistas israelenses a se aliarem com tanta afinidade àqueles que, como propósito último, almejam seu extermínio. É o pragmatismo e caradurismo do momento. Para remover de seu caminho o povo palestino, vale tudo, até mesmo uma aliança com quem deseja seu futuro aniquilamento total.
No entanto, que motivações poderiam nutrir os seguidores de igrejas evangélicas brasileiras para justificar uma vinculação irrestrita com as políticas do Estado de Israel? Na verdade, com exceção dos interesses comerciais dos proprietários dessas igrejas, para o povo evangélico brasileiro em seu conjunto não há absolutamente nada que possa convalidar tal aberração. Muito menos ainda empregar o nome de Jesus para dar guarida a tão monstruosa decisão.
A ampla maioria dos evangélicos de nosso país é de gente trabalhadora humilde, ou seja, a gente à qual Jesus sempre procurou defender. Por isso, Jesus jamais poderia estar em sintonia com aqueles que não se preocupam com as condições reais de vida desse povo. Desde que assumiu o governo, o bolsonarismo vem se empenhando em retirar direitos dos trabalhadores, em precarizar seus empregos, em tornar inviável sua aposentadoria, em eliminar sua possibilidade de adquirir sua moradia. Não é por casualidade que as ruas de todas nossas cidades estão agora repletas de gente vivendo no abandono. A fome, que tinha sido erradicada em nosso país, voltou com força para dezenas de milhões de seres humanos, todos eles parte integrante e inalienável do povo de Jesus.
A lição mais relevante que podemos extrair deste documentário é que, para continuar alavancando o bolsonarismo e seu governo, um fiel evangélico precisa romper seus vínculos com a essência do significado espiritual e humano que os ensinamentos de Jesus representam. De onde vieram essas correntes e quais são suas perspectivas é o que este vídeo procura esclarecer. Vale a pena vê-lo atentamente e refletir a respeito. O link de acesso é: https://www.youtube.com/watch?v=GxIdbuhCJ_g&t=292s
* Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
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