Ilustração: Divulgação |
A aprovação, pela Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei 5384/20, da deputada Maria do Rosário (PT-RS) - subscrito por outros parlamentares de PT, PCdoB, PDT e PSOL -, que reformula a Lei de Cotas no ensino federal, era para ter sido a notícia mais importante deste mês de agosto na área de educação. Embora a matéria ainda precise passar pelo Senado, a votação da proposta na Câmara foi, por si só, uma enorme conquista, uma vez que a revisão deveria ter sido feita no ano passado e não foi por motivos óbvios: o fato de o governo de Jair Bolsonaro (PL) ter elegido a educação pública como inimiga.
No entanto, a relevância da vitória estudantil - bem como de todas as pessoas que defendem uma educação pública, gratuita, de qualidade socialmente referenciada, democrática e inclusiva - foi suplantada, ao menos no noticiário, pelo anúncio da saída do estado de São Paulo do PNLD (Plano Nacional do Livro Didático).
Talvez alguém possa se questionar o porquê de se fazer esta reflexão tendo em vista que a justiça obrigou o governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) a retomar o PNLD e adquirir os livros didáticos do Ministério da Educação que haviam sido recusados para as escolas da rede estadual a partir do 6º ano. A reflexão segue válida, contudo, visto que, ainda que o problema específico pareça superado, ao menos momentaneamente, o pensamento equivocado que o motivou não está.
Pode-se perguntar também porque comparar acontecimentos que, apesar de estarem abrigados sob o mesmo “macrotema” - ou seja, o ensino -, não têm diretamente a ver entre si. Isso porque, ao passo que a renovação e a reformulação da Lei de Cotas estão relacionadas ao ensino superior nas instituições federais, a decisão inicial do governo de São Paulo versava sobre questão diversa e restrita à rede estadual paulista de educação básica. As medidas, porém, guardam uma semelhança. Ou melhor, uma profunda divergência. Uma inclui, a outra exclui.
Uma das mudanças aprovadas na Câmara em relação às cotas é um novo mecanismo para seu preenchimento. Em vez de os cotistas concorrerem exclusivamente às vagas reservadas para seu subgrupo (pretos ou indígenas, por exemplo), a proposta é que eles concorram às vagas gerais. Se não alcançarem a nota para ingresso, aí sim sua nota será usada para concorrer às vagas reservadas ao subgrupo, dentro da cota global de 50%. Além disso, o texto encaminhado ao Senado determina que quilombolas também possam acessar o ensino federal por meio dessa reserva. Trata-se, portanto, de avanço considerável em termos de inclusão.
Foi quase simultaneamente à votação dessa matéria, em Brasília, que o governo de Tarcísio de Freitas dispensou, em São Paulo, R$ 120 milhões em livros do PNLD, que seriam enviados gratuitamente pelo governo federal. Pior: disse que distribuiria seu próprio material didático de forma digital em uma rede formada por crianças e adolescentes que, muitas vezes, têm pouco ou nenhum acesso a internet e/ou computadores.
Esse acirramento da imensa desigualdade educacional já existente prejudica os estudantes até mesmo na hora de acessar políticas afirmativas como as próprias cotas, uma vez que o currículo estadual, apoiado em materiais didáticos apostilados que ninguém sabe quem elaborou e que não foi submetido a qualquer avaliação, segregaria estudantes que, no frigir dos ovos, pelo Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), entram numa concorrência que acontece em âmbito nacional.
Depois do alarido que a resolução do governo paulista causou, a gestão de Tarcísio de Freitas e Renato Feder (secretário de Estado de Educação de São Paulo) recuou parcialmente e anunciou que imprimiria seu próprio material didático. Com a liminar judicial, a pasta fez novo recuo e afirmou afirmou, em nota, que São Paulo vai aderir ao PNLD e que o ofício de adesão foi enviado ao Ministério da Educação na última quarta-feira (16).
Por ora, o comunicado resolve os problemas do desperdício de dinheiro público e da falta de avaliação das tais apostilas que seriam distribuídas. Não resolve, entretanto, a constatação de que o governador e o secretário de Educação do estado mais populoso do país, com a maior rede pública de ensino, apostam numa educação que, em vez de pública, democrática e inclusiva, é privatista, autoritária e excludente.
* Gilson Reis é coordenador-geral da Confederação dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Educação (Contee).
0 comentários:
Postar um comentário