Reproduzo artigo do professor Venício A. de Lima, publicado no Observatório da Imprensa:
Tenho recorrido com freqüência neste Observatório ao conceito grego de hybris (ou hubris) para me referir a uma constante do comportamento de jornalistas que revelam "confiança excessiva, orgulho exagerado, presunção, arrogância ou insolência".
Escrevi ainda em fevereiro de 2007 que "a imprensa (mídia) não gosta e, muitas vezes, não admite, ser criticada. Embora a crítica seja a sua tarefa preferida, ela não suporta delegar ou reconhecer que outros possam ter o mesmo direito, sobretudo se a crítica se refere à sua própria atuação. Em geral, a imprensa e os jornalistas padecem do mal que os gregos clássicos consideravam o mal maior, a hybris, isto é, a soberba, a arrogância. Não reconhecem suas limitações e se colocam acima do bem e do mal".
Constato tardiamente que ao lado da hybris – ou seria apenas um de seus componentes? – jornalistas famosos, em situações nas quais são chamados a prestar depoimentos sobre sua experiência profissional, recorrem à falsa modéstia que logo revela sua verdadeira natureza, bastando para isso que alguém questione mitos nos quais sua postura se apóia.
O momento de intensas mudanças pelo qual passam a mídia e a prática profissional do jornalismo é extremamente propício a esse tipo de comportamento.
Jornalismo online vs. jornalismo impresso
A crise universal da mídia impressa nos autorizaria a afirmar que ela já acabou, é coisa do passado? A expansão avassaladora da internet significa que não se deve mais dar importância ao que a mídia impressa publica? O número de acessos individuais a sites e/ou blogs é comparável, sem mais, à tiragem e à circulação de jornais? A mídia tradicional – jornais, revistas, rádio e televisão – "não faz a cabeça de ninguém" e hoje o que de fato interessa são os jornais eletrônicos, blogs, sites de notícia, sites de relacionamento e as redes sociais?
As assessorias de comunicação social devem canalizar todos os seus recursos orçamentários para as "novas mídias" (incluindo a criação de redes de relacionamento), ignorar a velha mídia e se escorar exclusivamente na chamada "mídia espontânea"?
Jornalistas que, por uma razão ou outra, migraram precocemente para os blogs – temáticos e/ou genéricos – e optaram por abandonar a mídia tradicional, logo se surpreenderam com o elevado número de acessos individuais a seus blogs e à oportunidade que a interatividade da internet permite de correção ou acréscimo de informações depois que a notícia já está "no ar". Logo concluíram, sem mais, que a sobrevivência da mídia tradicional é apenas uma questão de tempo: ela já acabou e ainda não se deu conta disso.
"Pioneiros" da blogosfera afirmam que fizeram a mudança por intuir que o jornalismo tradicional havia chegado ao fim. Apesar de não serem acadêmicos e de serem apenas e tão somente intuitivos – desconhecedores, inclusive, de muitos dos recursos que a tecnologia lhes oferece – se aperceberam da nova realidade, faz tempo. Segundo eles, não partilhar essa visão revelaria a incapacidade de enxergar o que de fato está acontecendo diante de seus olhos.
Recurso à "ciência"
Se perguntados, todavia, sobre o papel dessa mídia tradicional, por exemplo, em relação ao assassinato de reputações – pessoais e/ou institucionais; à formação da opinião pública – por omissão ou manipulação –; à construção da agenda pública de debates e ao processo eleitoral, a coisa muda de figura. A falsa modéstia da intuição desinformada cede lugar a uma enxurrada de números e percentagens "científicos", oriundos de pesquisas sempre realizadas por instituições credenciadas em outros países, os Estados Unidos, de preferência.
Os até então intuitivos não acadêmicos recorrem a referências "científicas" que atestariam, há mais de 70 anos, o fato de a mídia tradicional "nunca ter feito a cabeça de ninguém". Ao contrário, ela apenas reforça as opiniões e os comportamentos preexistentes. Vale dizer, a mídia tradicional nunca teve a importância que se atribui a ela, especialmente, aqueles – os acadêmicos desinformados – que estão distantes da prática profissional.
O novo e o velho
Além de revelador de uma falsa modéstia oportunista, o comportamento descrito acima faz evocar o que também já tive a oportunidade de afirmar por diversas vezes neste OI. Embora, por óbvio, as circunstâncias fossem outras e seja necessária uma pequena adaptação no texto, penso que se aplica ao momento de transição que a mídia vive no Brasil a idéia gramsciana de que "o velho está morrendo e o novo apenas acaba de nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece".
(A frase original correta é: "A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece").
Um dos riscos que se corre, enquanto não se completam as intensas mudanças pelas quais passa a prática profissional do jornalismo, é esquecer que o velho resiste e sobrevive e está mais ativo do que nunca em defesa de seus antigos privilégios.
Não reconhecer essa realidade pode fazer bem ao ego insaciável de uns poucos blogueiros pioneiros, mas está longe de contemplar a verdade do que ainda ocorre no Brasil de nossos dias. A mídia tradicional continua exercendo um poder importante demais para ser simplesmente ignorado.
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sexta-feira, 2 de abril de 2010
Um novo modelo para as comunicações
Reproduzo mais um artigo do amigo Marcos Dantas, professor de comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro:
O projeto governamental para universalizar a banda larga (PNBL) parece que pretente definir um novo modelo de atuação do estado regulador, diferente e possivelmente mais eficaz que o experimentado até agora. Pelo que se sabe, vazado no Twitter ou não, o possível renascimento da Telebrás, à qual seriam adjudicados os troncos de fibras da Eletrobrás e suas subsidiárias antes operados pela falida Eletronet, tem por objetivo dar ao Estado um instrumento de regulação do mercado, não de sua substituição ou supressão.
A Telebrás a ser ressuscitada viria a atuar complementarmente às empresas privadas já detentoras de concessões ou autorizações para prestar diferentes serviços regulamentados, em regime público ou privado: STFC, SMP, SCM, etc. Incorporando os troncos hoje ociosos da Eletronet (o que não se confunde com recuperar a Eletronet, beneficiando este ou aquele, conforme certa imprensa udenista quer fazer crer), poderia levar a infraestrutura de redes de alta velocidade a cerca de 4.200 municípios brasileiros, muito acima dos poucos mais de 400 hoje servidos, de fato, pelas redes das concessionárias ou autorizatárias.
O papel da Telebrás
O governo acredita que a Telebrás seria capaz de prestar o serviço básico de infraestrutura a um custo que permitiria, aos demais agentes privados ou públicos, dela alugar capacidade de rede para revenda a outros usuários, intermediários ou finais, a preços que seriam ainda competitivos ou módicos. Por exemplo, conforme uma ideia apresentada a interlocutores, esses locatários poderiam ser micros, pequenas ou médias empresas (provedores, lan houses, outros empreendedores) situadas em municípios mais distantes dos centros de riqueza, detentores de autorizações de SCM, ou mesmo suas autoridades municipais, cabendo àquelas ou estas investir na capilarização final da rede, usando , inclusive, tecnologias mais baratas sem-fio, como o WiFi, e recursos oriundos do Fust.
A Telebrás, assim, acabaria vindo a ser um instrumento de fomento da concorrência e da multiplicação de agentes privados no mercado, não de estatização, como costuma a ser percebida ou entendida. Diante dessa possível pressão, as grandes operadoras (concessionárias ou autorizatárias) talvez viessem também a se mover para capturar esse mercado a ser criado ou expandido.
Ao mesmo tempo em que pensa em reintroduzir, nas comunicações, um braço operador do Estado, sabe-se que o governo também discute a possibilidade de vir a elaborar e implementar esta política por meio de alguma “mesa de negociação” na qual reuniria os principais atores interessados. As decisões não seriam mais exclusivas de um organismo tecnocrático, pretensamente, mas só pretensamente, protegido das pressões e contra-pressões sociais, como o são a Anatel e demais agências criadas por FHC, mas emanariam de um conselho explicitamente político e aberto.
A sociedade, nela incluída, obviamente, as representações das grandes empresas, seria chamada a participar na formulação política e na busca de solução para os problemas, ao estilo, talvez, de órgãos como o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI-Br) ou a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNT-Bio). A universalização da banda-larga, no Brasil, resultaria assim de decisões tomadas com base na construção de consensos entre os diversos e, não raro, conflitantes interesses econômicos e sociais.
O novo estágio da banda larga
Não podemos ignorar que, nos próximos 10 anos a 20 anos, banda larga, com ou sem fio, será quase sinônimo de telecomunicações, assim como o foi, por mais de meio século, a hoje em dia elementar e decadente telefonia fixa cabeada. Significa dizer que, se o projeto do governo avançar e se consolidar, estaremos assistindo à construção de um novo modelo político-institucional, nas telecomunicações, distinto, em aspectos decisivos, daquele herdado do governo FHC.
O monopólio estatal deu lugar a monopólios privados, exceto onde se concentram as cidades ou regiões sócio-econômicas mais ricas e dinâmicas. A propalada universalização da mera telefonia fixa ainda não atingiu, nem parece prestes a atingir, cerca de 40% dos lares brasileiros e pequenos negócios adjacentes. Na telefonia celular, além de inexistir em quase mil municípios, propagou-se o sistema “pré-pago” que, como todos sabemos, somente é usado pela metade (“só recebe”). Tudo isso era previsível ainda quando se aprovou a atual LGT e se optou pela privatização fatiada da Telebrás (e o autor dessas linhas está a cavaleiro para sustentar o que afirma).
A refusão Oi-BrT, a tramitação da PL-29 (de cujo processo, o governo também mantém-se, ao menos formalmente, à margem), a introdução da TV digital, as novas regras para a licitação do 3G impondo à s autorizatárias compromissos que seriam mais próprios ao regime público (ponto para a Anatel!), o permanente impasse do FUST, o enorme déficit da balança comercial eletroeletrônica, são alguns dos macros problemas vivenciados nos últimos oito anos que, nos casos efetivamente enfrentados, a exemplo da Oi-BrT, impuseram soluções práticas que, sem sofismas, estavam redefinindo o modelo.
A convergência dos meios
Tudo isso que vivenciamos e discutimos reduz-se a duas palavras: convergência dos meios. O Brasil precisa adotar um modelo político-institucional para desenvolver as suas comunicações que se apoie na realidade político-econômica da convergência dos negócios mediáticos com base nas novas tecnologias digitais de informação e comunicação (NTICs).
A banda larga não será apenas um setor a mais e distinto das telecomunicações. Será as telecomunicações. Sobre ela se apoiarão, cada vez mais nas próximas décadas, todos os serviços, de telefonia de voz à internet ou televisão digital interativa. Será a infraestrutura necessária ao tráfego dos conteúdos sociais ou econômicos que agenciarão os comportamentos cotidianos ou movimentarão os lucros na sociedade e na economia do século XXI.
Aliás, também aqui, o governo demonstra estar consciente das dimensões do problema que decidiu encarar, pois sua política, conforme já antecipado a diversos interlocutores, também deverá contemplar incentivo e fomento à produção de conteúdos nacionais, bem como desenvolvimento industrial-tecnológico.
Será uma política abrangente, estratégica. No entanto, até por isto mesmo, o presidente Lula deverá estar alertado de que, no máximo, poderá tomar um conjunto de decisões políticas a serem implementadas pelo seu sucessor ou sucessora.
Hoje, o governo está amarrado por um cenário sócio-econômico, legal e empresarial que pode pôr a perder todas as suas boas intenções. Além dos interesses mesquinhos de sempre que já se manifestaram ao inventar esse “affair” Dirceu-Eletronet assim tentando desviar o foco do debate, há um amplo conjunto de questões reais, de natureza jurídica ou econômica, que não podem ser ignoradas.
A disputa sobre a universalização
Chega a ser curioso perceber como o governo – este governo –, ou parte dele, parece ter aderido ao discurso neoliberal que vê a concorrência como solução para universalização. O problema da universalização está relacionado à renda da população, não à ausência de empresas competidoras no mercado. Onde o monopólio sobrevive (e sobrevive na maior parte do país), tal se deve à ausência de mercado real, isto é, ao baixo poder aquisitivo da população, não gerando demanda quantitativa e qualitativa por serviços capazes de atrair os investidores competitivos.
Os monopólios não são responsáveis por nossa tão desigual distribuição da renda, mesmo que disso tirem algum proveito. Para enfrentar essa realidade, a Telebrás teria que lograr, nas periferias urbanas e nas grandes regiões pobres do país, operar a custos baixíssimos e, não raro, oferecer serviços quase de graça. Há lan houses por aí que cobram exatamente 1 real por 30 minutos de conexão a passo de cágado. Ora, a Telebrás não vai escapar de arcar com custos similares aos das operadoras privadas, mesmo que venha a operar uma infraestrutura já quase amortizada que, no entanto, terá de estar sempre sendo mantida, atualizada, renovada e expandida.
Além do mais, ao contrário das operadoras privadas que podem auferir altas receitas nos mercados capitalizados, assim praticando subsídios cruzados explícitos ou implícitos, a Telebrás dificilmente entrará nesses mercados, talvez seja mesmo impedida de fazê-lo por normas legais que venham a ser criadas por pressão de agentes interessados, ou, ao contrário, se desimpedida, neles se apresentará como mais um agressivo competidor, assim como a Petrobras na distribuição de gasolina, ou o Banco do Brasil no crédito.
É fácil imaginar a poderosa oposição política, inclusive na imprensa (já iniciada, aliás), que essa possibilidade despertará. Com o tempo, a oposição poderá, quem sabe, ser superada, mas, em ano eleitoral, o tempo urge... E o preço é alto. Portanto, como não existe almoço grátis, com certeza uma pergunta não pode deixar de estar sendo colocada nas mesas de reuniões do governo: quem paga a conta? Aliás, de quanto é essa conta? Quando se ouve, de vozes oficiais, valores que variam entre 3 milhões de reais a 15 milhões de reais por ano, só se pode concluir que, até agora, ninguém fez, para valer, esse cálculo.
O marco legal
Para dificultar ou retardar ainda mais as decisões, o governo não poderá deixar de obedecer ao atual marco legal – ou se dispor abertamente a reformá-lo. Num caso ou noutro, haverá que se conformar aos tempos exigidos pelos rituais democráticos. Apesar de a Constituição permitir a operação direta de telecomunicações pelo Estado, a LGT foi genialmente, reconheça-se, elaborada para vedar essa hipótese.
A Telebrás ressuscitada terá que se enquadrar em algum dos serviços regulamentados pela Anatel, mais provavelmente como autorizatária de SCM. Será uma ironia, a “tele” estatal operar em regime privado – e não podendo, sob o argumento de ser controlada pelo Estado, deixar de atuar como qualquer outra operadora em regime privado, sob pena de fazer a alegria dos escritórios de advocacia.
Um programa estratégico, de amplo alcance econômico e cultural, que deve envolver até políticas de conteúdo e industrial-tecnológicas, precisará ser implementado em regime público. De fato, estranha-se que um governo dito de esquerda, ou setores dele, continuem ignorando a crucial diferença entre o regime público e o privado, mantido na própria LGT. Na lei, é verdade, teve-se que admitir o regime público apenas para permitir a necessária sobrevivência, ainda por algum tempo, do STFC.
Todos os demais serviços existentes ou por existir, inclusive o hoje essencial “celular”, seriam oferecidos, nos termos da LGT, em regime privado. Seria de se esperar que esta lógica viesse a ser modificada, e novos serviços em regime público fossem instituídos, durante o governo Lula. A lei, tal como está, embora podendo e devendo ser aperfeiçoada, não nega esse poder ao Executivo. A política de universalização da banda larga será a sua maior oportunidade para expandir estruturalmente os serviços prestados em regime público.
A operadora em regime público, mesmo se empresa privada, presta um serviço por delegação do Estado, na condição de concessionária. Está submetida a metas contratuais de universalização, qualidade, controle tarifário, ainda outras de interesse da sociedade e da Nação (política industrial, por exemplo).
Os desafios do atual governo
No caso das telecomunicações, seus bens são reversíveis à União, ao fim do contrato. Sob o marco legal atual, seria possível, mas polêmico, ampliar os contratos das três concessionárias para universalizar a banda larga: bastaria redefinir-se o STFC com uma simples mudança no seu regulamento. Seria possível, também, estatuir, por decreto, um novo serviço específico para a banda larga, estabelecendo-se novo plano de outorgas, de universalização etc., seguido por licitação para contratar nova ou novas concessionárias.
Nada impede, também, que o marco legal seja modificado, por emenda à LGT ou por nova lei, definindo-se explicitamente a empresa Telebrás, sob controle da União, como operadora nacional da infraestrutura pública de banda larga, oferecendo no atacado serviços de rede, neutros em relação à concorrência, para o varejo dos fornecedores finais a empresas e famílias. Seria um caminho para, na expansão nacional da banda larga, o governo introduzir o princípio da separação estrutural de redes e serviços, adotado em alguns outros países, a exemplo do Reino Unido.
Em qualquer situação, o governo está, diga-o ou não, redesenhando o modelo, convencido que estamos todos, de que o mercado não resolverá o problema social da universalização das comunicações digitais, no Brasil. Mas não adianta ter pressa. Quaisquer que sejam as soluções, terão que ser muito bem estudadas e melhor discutidas com os muitos interesses estabelecidos. O governo já terá feito muito se, pelo menos, deixar politicamente fechados os acordos financeiros e normativos para... 2011.
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O projeto governamental para universalizar a banda larga (PNBL) parece que pretente definir um novo modelo de atuação do estado regulador, diferente e possivelmente mais eficaz que o experimentado até agora. Pelo que se sabe, vazado no Twitter ou não, o possível renascimento da Telebrás, à qual seriam adjudicados os troncos de fibras da Eletrobrás e suas subsidiárias antes operados pela falida Eletronet, tem por objetivo dar ao Estado um instrumento de regulação do mercado, não de sua substituição ou supressão.
A Telebrás a ser ressuscitada viria a atuar complementarmente às empresas privadas já detentoras de concessões ou autorizações para prestar diferentes serviços regulamentados, em regime público ou privado: STFC, SMP, SCM, etc. Incorporando os troncos hoje ociosos da Eletronet (o que não se confunde com recuperar a Eletronet, beneficiando este ou aquele, conforme certa imprensa udenista quer fazer crer), poderia levar a infraestrutura de redes de alta velocidade a cerca de 4.200 municípios brasileiros, muito acima dos poucos mais de 400 hoje servidos, de fato, pelas redes das concessionárias ou autorizatárias.
O papel da Telebrás
O governo acredita que a Telebrás seria capaz de prestar o serviço básico de infraestrutura a um custo que permitiria, aos demais agentes privados ou públicos, dela alugar capacidade de rede para revenda a outros usuários, intermediários ou finais, a preços que seriam ainda competitivos ou módicos. Por exemplo, conforme uma ideia apresentada a interlocutores, esses locatários poderiam ser micros, pequenas ou médias empresas (provedores, lan houses, outros empreendedores) situadas em municípios mais distantes dos centros de riqueza, detentores de autorizações de SCM, ou mesmo suas autoridades municipais, cabendo àquelas ou estas investir na capilarização final da rede, usando , inclusive, tecnologias mais baratas sem-fio, como o WiFi, e recursos oriundos do Fust.
A Telebrás, assim, acabaria vindo a ser um instrumento de fomento da concorrência e da multiplicação de agentes privados no mercado, não de estatização, como costuma a ser percebida ou entendida. Diante dessa possível pressão, as grandes operadoras (concessionárias ou autorizatárias) talvez viessem também a se mover para capturar esse mercado a ser criado ou expandido.
Ao mesmo tempo em que pensa em reintroduzir, nas comunicações, um braço operador do Estado, sabe-se que o governo também discute a possibilidade de vir a elaborar e implementar esta política por meio de alguma “mesa de negociação” na qual reuniria os principais atores interessados. As decisões não seriam mais exclusivas de um organismo tecnocrático, pretensamente, mas só pretensamente, protegido das pressões e contra-pressões sociais, como o são a Anatel e demais agências criadas por FHC, mas emanariam de um conselho explicitamente político e aberto.
A sociedade, nela incluída, obviamente, as representações das grandes empresas, seria chamada a participar na formulação política e na busca de solução para os problemas, ao estilo, talvez, de órgãos como o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI-Br) ou a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNT-Bio). A universalização da banda-larga, no Brasil, resultaria assim de decisões tomadas com base na construção de consensos entre os diversos e, não raro, conflitantes interesses econômicos e sociais.
O novo estágio da banda larga
Não podemos ignorar que, nos próximos 10 anos a 20 anos, banda larga, com ou sem fio, será quase sinônimo de telecomunicações, assim como o foi, por mais de meio século, a hoje em dia elementar e decadente telefonia fixa cabeada. Significa dizer que, se o projeto do governo avançar e se consolidar, estaremos assistindo à construção de um novo modelo político-institucional, nas telecomunicações, distinto, em aspectos decisivos, daquele herdado do governo FHC.
O monopólio estatal deu lugar a monopólios privados, exceto onde se concentram as cidades ou regiões sócio-econômicas mais ricas e dinâmicas. A propalada universalização da mera telefonia fixa ainda não atingiu, nem parece prestes a atingir, cerca de 40% dos lares brasileiros e pequenos negócios adjacentes. Na telefonia celular, além de inexistir em quase mil municípios, propagou-se o sistema “pré-pago” que, como todos sabemos, somente é usado pela metade (“só recebe”). Tudo isso era previsível ainda quando se aprovou a atual LGT e se optou pela privatização fatiada da Telebrás (e o autor dessas linhas está a cavaleiro para sustentar o que afirma).
A refusão Oi-BrT, a tramitação da PL-29 (de cujo processo, o governo também mantém-se, ao menos formalmente, à margem), a introdução da TV digital, as novas regras para a licitação do 3G impondo à s autorizatárias compromissos que seriam mais próprios ao regime público (ponto para a Anatel!), o permanente impasse do FUST, o enorme déficit da balança comercial eletroeletrônica, são alguns dos macros problemas vivenciados nos últimos oito anos que, nos casos efetivamente enfrentados, a exemplo da Oi-BrT, impuseram soluções práticas que, sem sofismas, estavam redefinindo o modelo.
A convergência dos meios
Tudo isso que vivenciamos e discutimos reduz-se a duas palavras: convergência dos meios. O Brasil precisa adotar um modelo político-institucional para desenvolver as suas comunicações que se apoie na realidade político-econômica da convergência dos negócios mediáticos com base nas novas tecnologias digitais de informação e comunicação (NTICs).
A banda larga não será apenas um setor a mais e distinto das telecomunicações. Será as telecomunicações. Sobre ela se apoiarão, cada vez mais nas próximas décadas, todos os serviços, de telefonia de voz à internet ou televisão digital interativa. Será a infraestrutura necessária ao tráfego dos conteúdos sociais ou econômicos que agenciarão os comportamentos cotidianos ou movimentarão os lucros na sociedade e na economia do século XXI.
Aliás, também aqui, o governo demonstra estar consciente das dimensões do problema que decidiu encarar, pois sua política, conforme já antecipado a diversos interlocutores, também deverá contemplar incentivo e fomento à produção de conteúdos nacionais, bem como desenvolvimento industrial-tecnológico.
Será uma política abrangente, estratégica. No entanto, até por isto mesmo, o presidente Lula deverá estar alertado de que, no máximo, poderá tomar um conjunto de decisões políticas a serem implementadas pelo seu sucessor ou sucessora.
Hoje, o governo está amarrado por um cenário sócio-econômico, legal e empresarial que pode pôr a perder todas as suas boas intenções. Além dos interesses mesquinhos de sempre que já se manifestaram ao inventar esse “affair” Dirceu-Eletronet assim tentando desviar o foco do debate, há um amplo conjunto de questões reais, de natureza jurídica ou econômica, que não podem ser ignoradas.
A disputa sobre a universalização
Chega a ser curioso perceber como o governo – este governo –, ou parte dele, parece ter aderido ao discurso neoliberal que vê a concorrência como solução para universalização. O problema da universalização está relacionado à renda da população, não à ausência de empresas competidoras no mercado. Onde o monopólio sobrevive (e sobrevive na maior parte do país), tal se deve à ausência de mercado real, isto é, ao baixo poder aquisitivo da população, não gerando demanda quantitativa e qualitativa por serviços capazes de atrair os investidores competitivos.
Os monopólios não são responsáveis por nossa tão desigual distribuição da renda, mesmo que disso tirem algum proveito. Para enfrentar essa realidade, a Telebrás teria que lograr, nas periferias urbanas e nas grandes regiões pobres do país, operar a custos baixíssimos e, não raro, oferecer serviços quase de graça. Há lan houses por aí que cobram exatamente 1 real por 30 minutos de conexão a passo de cágado. Ora, a Telebrás não vai escapar de arcar com custos similares aos das operadoras privadas, mesmo que venha a operar uma infraestrutura já quase amortizada que, no entanto, terá de estar sempre sendo mantida, atualizada, renovada e expandida.
Além do mais, ao contrário das operadoras privadas que podem auferir altas receitas nos mercados capitalizados, assim praticando subsídios cruzados explícitos ou implícitos, a Telebrás dificilmente entrará nesses mercados, talvez seja mesmo impedida de fazê-lo por normas legais que venham a ser criadas por pressão de agentes interessados, ou, ao contrário, se desimpedida, neles se apresentará como mais um agressivo competidor, assim como a Petrobras na distribuição de gasolina, ou o Banco do Brasil no crédito.
É fácil imaginar a poderosa oposição política, inclusive na imprensa (já iniciada, aliás), que essa possibilidade despertará. Com o tempo, a oposição poderá, quem sabe, ser superada, mas, em ano eleitoral, o tempo urge... E o preço é alto. Portanto, como não existe almoço grátis, com certeza uma pergunta não pode deixar de estar sendo colocada nas mesas de reuniões do governo: quem paga a conta? Aliás, de quanto é essa conta? Quando se ouve, de vozes oficiais, valores que variam entre 3 milhões de reais a 15 milhões de reais por ano, só se pode concluir que, até agora, ninguém fez, para valer, esse cálculo.
O marco legal
Para dificultar ou retardar ainda mais as decisões, o governo não poderá deixar de obedecer ao atual marco legal – ou se dispor abertamente a reformá-lo. Num caso ou noutro, haverá que se conformar aos tempos exigidos pelos rituais democráticos. Apesar de a Constituição permitir a operação direta de telecomunicações pelo Estado, a LGT foi genialmente, reconheça-se, elaborada para vedar essa hipótese.
A Telebrás ressuscitada terá que se enquadrar em algum dos serviços regulamentados pela Anatel, mais provavelmente como autorizatária de SCM. Será uma ironia, a “tele” estatal operar em regime privado – e não podendo, sob o argumento de ser controlada pelo Estado, deixar de atuar como qualquer outra operadora em regime privado, sob pena de fazer a alegria dos escritórios de advocacia.
Um programa estratégico, de amplo alcance econômico e cultural, que deve envolver até políticas de conteúdo e industrial-tecnológicas, precisará ser implementado em regime público. De fato, estranha-se que um governo dito de esquerda, ou setores dele, continuem ignorando a crucial diferença entre o regime público e o privado, mantido na própria LGT. Na lei, é verdade, teve-se que admitir o regime público apenas para permitir a necessária sobrevivência, ainda por algum tempo, do STFC.
Todos os demais serviços existentes ou por existir, inclusive o hoje essencial “celular”, seriam oferecidos, nos termos da LGT, em regime privado. Seria de se esperar que esta lógica viesse a ser modificada, e novos serviços em regime público fossem instituídos, durante o governo Lula. A lei, tal como está, embora podendo e devendo ser aperfeiçoada, não nega esse poder ao Executivo. A política de universalização da banda larga será a sua maior oportunidade para expandir estruturalmente os serviços prestados em regime público.
A operadora em regime público, mesmo se empresa privada, presta um serviço por delegação do Estado, na condição de concessionária. Está submetida a metas contratuais de universalização, qualidade, controle tarifário, ainda outras de interesse da sociedade e da Nação (política industrial, por exemplo).
Os desafios do atual governo
No caso das telecomunicações, seus bens são reversíveis à União, ao fim do contrato. Sob o marco legal atual, seria possível, mas polêmico, ampliar os contratos das três concessionárias para universalizar a banda larga: bastaria redefinir-se o STFC com uma simples mudança no seu regulamento. Seria possível, também, estatuir, por decreto, um novo serviço específico para a banda larga, estabelecendo-se novo plano de outorgas, de universalização etc., seguido por licitação para contratar nova ou novas concessionárias.
Nada impede, também, que o marco legal seja modificado, por emenda à LGT ou por nova lei, definindo-se explicitamente a empresa Telebrás, sob controle da União, como operadora nacional da infraestrutura pública de banda larga, oferecendo no atacado serviços de rede, neutros em relação à concorrência, para o varejo dos fornecedores finais a empresas e famílias. Seria um caminho para, na expansão nacional da banda larga, o governo introduzir o princípio da separação estrutural de redes e serviços, adotado em alguns outros países, a exemplo do Reino Unido.
Em qualquer situação, o governo está, diga-o ou não, redesenhando o modelo, convencido que estamos todos, de que o mercado não resolverá o problema social da universalização das comunicações digitais, no Brasil. Mas não adianta ter pressa. Quaisquer que sejam as soluções, terão que ser muito bem estudadas e melhor discutidas com os muitos interesses estabelecidos. O governo já terá feito muito se, pelo menos, deixar politicamente fechados os acordos financeiros e normativos para... 2011.
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Armando Nogueira, sedutor irresistível
Reproduzo o impressionante artigo-depoimento de Eliakin Araújo, publicado no sítio Viomundo:
Como jornalista, Armando Nogueira foi um excelente poeta e um prosista de texto refinado. Entrou no jornalismo da TV Globo em 1966, quando o golpe militar estava ainda fresquinho, e lá ficou até 1990, quando o novo presidente, Fernando Collor, convenceu Roberto Marinho a promover Alberico Souza Cruz ao posto máximo do jornalismo global, não que tivesse qualquer objeção a Armando, simplesmente porque precisava premiar o amigo Alberico que teve participação decisiva na edição do debate presidencial e ainda palpitou nos programas especiais que transformaram Collor no indômito “caçador de marajás”.
Armando não foi demitido, pior que isso, sofreu uma “capitis diminutio”. Foi “promovido” a assessor especial da presidência, o que a plebe chama carinhosamente de “aspone”. Dedicou-se então ao jornalismo esportivo, onde, aí sim, foi um verdadeiro mestre da palavra escrita e falada. Fui revê-lo anos mais tarde apresentando um programa de esportes num dos inúmeros canais a cabo da Globo.
De Armando, pessoalmente, guardo duas passagens. Eu estava há menos de um ano à frente do Jornal da Globo quando cruzamos no corredor onde ficava a redação do Globo Repórter. Ele me parou e disse: “olha, eu quero te cumprimentar porque desde Heron Domingues não aparecia aqui um apresentador como a mesma naturalidade dele”. Heron era o ícone de toda uma geração de telejornalistas e ser comparado a ele era um elogio e tanto que elevou meu ego às alturas. Hoje, honestamente, não sei se foi sincero ou apenas uma frase de efeito com a qual seduzia todos que estavam entrando no império global.
Doutra feita, estava eu no Eng, a sala da técnica que comanda a transmissão dos telejornais, quando alguém me chamou ao telefone. Era o Armando: “Tenho uma boa notícia para lhe dar, a partir de agora você vai passar a ganhar cinco mil cruzeiros por mês”. Entre surpreso e curioso, rebati de primeira: “e o que é que vocês vão querer em troca?” Armando ficou visivelmente decepcionado com minha reação, esperava talvez um emocionado agradecimento de quem ganhava dois mil cruzeiros. Ora, pensei naquele momento, onde já se viu um patrão mais que dobrar o salário do empregado sem um motivo especial? Depois se esclareceu que eu, e todos os demais apresentadores, perdiam ali o status de funcionários da Globo e passavam a Pessoa Jurídica com contrato de firma. Na época uma novidade, hoje uma prática comum no mercado televisivo.
Mas apesar de todas as virtudes de Armando, cantadas em prosa e verso nos depoimentos de personalidades das artes, da política e do jornalismo, não dá pra esquecer que ele esteve à frente do jornalismo mais comprometido do Brasil: o que foi praticado pela Globo durante os anos da ditadura militar. O JN era conhecido como “o porta-voz do regime”. As ordens que emanavam dos governos militares eram obedecidas sem questionamento. Não me lembro, sinceramente, de ter visto por parte dos profissionais da Globo alguma tentativa de desobediência ou de driblar a censura, como fez por exemplo o Jornal do Brasil, que saiu com aquela capa histórica no dia seguinte à decretação do AI-5, 13 de dezembro de 68, iludindo os militares fardados que ocuparam as redações assim que terminou a leitura do ato discricionário.
Eu estava na TV Globo durante o primeiro mandato de Leonel Brizola à frente do governo do Estado do Rio. Entrei em maio de 83, pouco depois da posse do novo governo, e o jornalismo da Globo passava por uma grave crise de credibilidade, com seus repórteres e carros ameaçados nas ruas pela população. Pesava sobre a emissora a acusação de, junto com a Proconsult, empresa contratada pelo TRE para apurar os votos da eleição direta para governador do Estado, em 1982, tentar fraudar o resultado para dar a vitória a Moreira Franco, o candidato do regime militar, apoiado pela família Marinho. Por engano ou má-fé, a emissora divulgava números que não refletiam a verdade da apuração.
Em 1984, no episódio das Diretas Já, onde atuei como narrador em off no comício da Candelária, no Rio, a postura da Globo foi a de ignorar por completo os movimentos populares que cresciam em todo país. Mas não bastava ignorar, era proibido usar a palavra “diretas” em qualquer situação, mesmo como notícia, contra ou a favor. Até que a pressão popular tornou-se irresístivel e a emissora foi obrigada a render-se ao apelo da população brasileira.
Em 1989, no segundo e último debate entre Collor e Lula nos estúdios da TV Bandeirantes, no Morumbi, quando eu tinha acabado de deixar a Globo e estava lá representando a Manchete, observei que Lula estava visivelmente cansado e abatido. Além do esforço da reta final da campanha, ele tinha sido acusado no programa de Collor por uma ex-namorada, Mirian, de tentar convencê-la a abortar uma criança (a filha dele, Lurian). Depois se soube que a estratégia (financeira) de colocar a enfermeira Mirian no foco da mídia a três dias da votação partiu de Leopoldo, o irmão de Collor e muito amigo dos Marinho. A família Collor é dona da emissora que retransmite a programação da Globo em Alagoas. Toda essa lembrança histórica é para dizer que Lula foi mal naquele segundo debate, mesmo assim a Globo, na edição da matéria, destacou os melhores momentos de Collor e os piores de Lula.
Os que têm boa memória hão de se lembrar da severa campanha do Jornal Nacional contra o então ministro da Justiça do governo Figueiredo, Ibrahim Abi-Ackel, que ousou impedir a liberação de uma carga de equipamentos supostamente contrabandeados destinados à TV Globo. Durante várias edições, o JN acusou o ministro de envolvimento no contrabando de pedras preciosas, no qual Abi-Ackel não teve, comprovou-se depois, nenhuma participação. Mas pouca gente lembra disso. É provável até que os jovens executivos da Globo “desconheçam” o fato ou, se souberem, contem uma história diferente.
Armando Nogueira estava à frente do jornalismo em todos esses episódios nebulosos que narrei com absoluta fidelidade. De uma maneira ou de outra compactuou com esse tipo de jornalismo corporativo e subserviente.
Talvez tenha faltado em Armando a coragem de assumir sua responsabilidade como diretor de jornalismo da Globo que notoriamente era o braço da ditadura militar na mídia. Sua memória estaria resgatada para sempre se um dia ele tivesse contado toda a verdade, que apenas cumpria ordens que vinham do oitavo andar, mais precisamente da sala do Doutor Roberto. Armando, como eu e todos os que trabalharam na emissora nos anos de chumbo, fomos cúmplices do regime. Uns por total desinteresse político, outros por opção ideológica, outros ainda por necessidade profissional.
Deixo aqui minha homenagem ao Armando Nogueira, poeta, cronista e escritor de texto sensível. E um adjetivo que ainda não ouvi nos inúmeros depoimentos sobre ele: um sedutor irresistível.
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Como jornalista, Armando Nogueira foi um excelente poeta e um prosista de texto refinado. Entrou no jornalismo da TV Globo em 1966, quando o golpe militar estava ainda fresquinho, e lá ficou até 1990, quando o novo presidente, Fernando Collor, convenceu Roberto Marinho a promover Alberico Souza Cruz ao posto máximo do jornalismo global, não que tivesse qualquer objeção a Armando, simplesmente porque precisava premiar o amigo Alberico que teve participação decisiva na edição do debate presidencial e ainda palpitou nos programas especiais que transformaram Collor no indômito “caçador de marajás”.
Armando não foi demitido, pior que isso, sofreu uma “capitis diminutio”. Foi “promovido” a assessor especial da presidência, o que a plebe chama carinhosamente de “aspone”. Dedicou-se então ao jornalismo esportivo, onde, aí sim, foi um verdadeiro mestre da palavra escrita e falada. Fui revê-lo anos mais tarde apresentando um programa de esportes num dos inúmeros canais a cabo da Globo.
De Armando, pessoalmente, guardo duas passagens. Eu estava há menos de um ano à frente do Jornal da Globo quando cruzamos no corredor onde ficava a redação do Globo Repórter. Ele me parou e disse: “olha, eu quero te cumprimentar porque desde Heron Domingues não aparecia aqui um apresentador como a mesma naturalidade dele”. Heron era o ícone de toda uma geração de telejornalistas e ser comparado a ele era um elogio e tanto que elevou meu ego às alturas. Hoje, honestamente, não sei se foi sincero ou apenas uma frase de efeito com a qual seduzia todos que estavam entrando no império global.
Doutra feita, estava eu no Eng, a sala da técnica que comanda a transmissão dos telejornais, quando alguém me chamou ao telefone. Era o Armando: “Tenho uma boa notícia para lhe dar, a partir de agora você vai passar a ganhar cinco mil cruzeiros por mês”. Entre surpreso e curioso, rebati de primeira: “e o que é que vocês vão querer em troca?” Armando ficou visivelmente decepcionado com minha reação, esperava talvez um emocionado agradecimento de quem ganhava dois mil cruzeiros. Ora, pensei naquele momento, onde já se viu um patrão mais que dobrar o salário do empregado sem um motivo especial? Depois se esclareceu que eu, e todos os demais apresentadores, perdiam ali o status de funcionários da Globo e passavam a Pessoa Jurídica com contrato de firma. Na época uma novidade, hoje uma prática comum no mercado televisivo.
Mas apesar de todas as virtudes de Armando, cantadas em prosa e verso nos depoimentos de personalidades das artes, da política e do jornalismo, não dá pra esquecer que ele esteve à frente do jornalismo mais comprometido do Brasil: o que foi praticado pela Globo durante os anos da ditadura militar. O JN era conhecido como “o porta-voz do regime”. As ordens que emanavam dos governos militares eram obedecidas sem questionamento. Não me lembro, sinceramente, de ter visto por parte dos profissionais da Globo alguma tentativa de desobediência ou de driblar a censura, como fez por exemplo o Jornal do Brasil, que saiu com aquela capa histórica no dia seguinte à decretação do AI-5, 13 de dezembro de 68, iludindo os militares fardados que ocuparam as redações assim que terminou a leitura do ato discricionário.
Eu estava na TV Globo durante o primeiro mandato de Leonel Brizola à frente do governo do Estado do Rio. Entrei em maio de 83, pouco depois da posse do novo governo, e o jornalismo da Globo passava por uma grave crise de credibilidade, com seus repórteres e carros ameaçados nas ruas pela população. Pesava sobre a emissora a acusação de, junto com a Proconsult, empresa contratada pelo TRE para apurar os votos da eleição direta para governador do Estado, em 1982, tentar fraudar o resultado para dar a vitória a Moreira Franco, o candidato do regime militar, apoiado pela família Marinho. Por engano ou má-fé, a emissora divulgava números que não refletiam a verdade da apuração.
Em 1984, no episódio das Diretas Já, onde atuei como narrador em off no comício da Candelária, no Rio, a postura da Globo foi a de ignorar por completo os movimentos populares que cresciam em todo país. Mas não bastava ignorar, era proibido usar a palavra “diretas” em qualquer situação, mesmo como notícia, contra ou a favor. Até que a pressão popular tornou-se irresístivel e a emissora foi obrigada a render-se ao apelo da população brasileira.
Em 1989, no segundo e último debate entre Collor e Lula nos estúdios da TV Bandeirantes, no Morumbi, quando eu tinha acabado de deixar a Globo e estava lá representando a Manchete, observei que Lula estava visivelmente cansado e abatido. Além do esforço da reta final da campanha, ele tinha sido acusado no programa de Collor por uma ex-namorada, Mirian, de tentar convencê-la a abortar uma criança (a filha dele, Lurian). Depois se soube que a estratégia (financeira) de colocar a enfermeira Mirian no foco da mídia a três dias da votação partiu de Leopoldo, o irmão de Collor e muito amigo dos Marinho. A família Collor é dona da emissora que retransmite a programação da Globo em Alagoas. Toda essa lembrança histórica é para dizer que Lula foi mal naquele segundo debate, mesmo assim a Globo, na edição da matéria, destacou os melhores momentos de Collor e os piores de Lula.
Os que têm boa memória hão de se lembrar da severa campanha do Jornal Nacional contra o então ministro da Justiça do governo Figueiredo, Ibrahim Abi-Ackel, que ousou impedir a liberação de uma carga de equipamentos supostamente contrabandeados destinados à TV Globo. Durante várias edições, o JN acusou o ministro de envolvimento no contrabando de pedras preciosas, no qual Abi-Ackel não teve, comprovou-se depois, nenhuma participação. Mas pouca gente lembra disso. É provável até que os jovens executivos da Globo “desconheçam” o fato ou, se souberem, contem uma história diferente.
Armando Nogueira estava à frente do jornalismo em todos esses episódios nebulosos que narrei com absoluta fidelidade. De uma maneira ou de outra compactuou com esse tipo de jornalismo corporativo e subserviente.
Talvez tenha faltado em Armando a coragem de assumir sua responsabilidade como diretor de jornalismo da Globo que notoriamente era o braço da ditadura militar na mídia. Sua memória estaria resgatada para sempre se um dia ele tivesse contado toda a verdade, que apenas cumpria ordens que vinham do oitavo andar, mais precisamente da sala do Doutor Roberto. Armando, como eu e todos os que trabalharam na emissora nos anos de chumbo, fomos cúmplices do regime. Uns por total desinteresse político, outros por opção ideológica, outros ainda por necessidade profissional.
Deixo aqui minha homenagem ao Armando Nogueira, poeta, cronista e escritor de texto sensível. E um adjetivo que ainda não ouvi nos inúmeros depoimentos sobre ele: um sedutor irresistível.
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Como a televisão virou telefone no Brasil
Reproduzo aprofundada análise do professor Marcos Dantas, publicada no Tele.Síntese com o título “No país da jabuticaba, ou como a televisão virou telefone no Brasil”:
Mesmo correndo o risco de parecer pernóstico, inicio este texto citando no inglês original um recente relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que reúne as mais desenvolvidas economias capitalistas: “Legal definitions of broadcasting differ across the OECD but more in terms of nuance than in the broad coverage of the definitions of radio and television programmes which can be received by the general public either directly (terrestrial transmission) or through cable or satellite platforms. Differences arise in definitions in the treatment of programmes distributed over the internet and vídeo-on-demand” (OCDE, Communications Outlook 2009, disponível em http://www.oecd.org).
Os leitores deste Tele.Síntese são fluentes em inglês. Leram e entenderam. Está dito aí que, nos países capitalistas centrais, programas de rádio e televisão são definidos como radiodifusão (“broadcasting”), independentemente das plataformas de transmissão – terrestre, cabo ou satélite. No entanto, nos casos de vídeo sob demanda (VsD) e internet, podem existir, nesses países, diferenças na definição: alguns os tratam também como radiodifusão, outros não.
O Brasil não é um país membro da OCDE. Talvez por isso, aqui, televisão, a cabo ou a satélite, passou a ser tratada como telecomunicações...
Vejamos as definições usadas em alguns países selecionados.
Alemanha: “Radiodifusão é definida na Seção 2 (1) do Acordo Interestadual de Radiodifusão como provisão e transmissão para o público geral, de qualquer tipo de apresentação de palavras, sons, imagens, usando oscilações eletromagnéticas sem linhas conectadas (“junction lines”) ou através ou por meio de algum condutor. A plataforma de transmissão é irrelevante. A definição inclui apresentações transmitidas em forma codificada ou que sejam recebidas por pagamento especial. A definição não inclui telemeios (“telemedia”), regulada separadamente pela Lei de Telemeios (federal) e no capítulo VI do Acordo Interestadual”.
“Telemeios são considerados outro serviço de informação e comunicação, similar à radiodifusão e telecomunicações”. Portanto, internet, na Alemanha, é um serviço a parte, prestado sem necessidade de licenciamento prévio, embora o rádio e a televisão, se transmitidos via internet, devam obedecer às regras do Acordo Interestadual (a Alemanha é uma república federativa) e aos princípios constitucionais. Já o VsD é regulado conforme o seu conteúdo e relevância social, embora devendo vir a se adaptar às normas da Comunidade Européia que propõem não mais defini-lo como radiodifusão.
Austrália: “A Seção 6 (1) da Lei de Serviços de Radiodifusão de 1992 (Broadcasting Services Act 1992) define ‘serviço de radiodifusão’ (“broadcasting service”) como serviço que entrega programas de televisão ou programas de rádio para pessoas que tenham equipamento apropriado à recepção desses serviços, se essa entrega faz uso de espectro de radiofreqüência, cabo, fibra ótica, satélite ou qualquer outro meio ou combinação desses meios”.
Esta definição, diz o documento da OCDE, não inclui serviços de teletexto, programas ponto-a-ponto adquiridos sob demanda e outros serviços que possam ser excluídos por decisão do Ministério. Dada a definição geral, a Austrália reconhece sete categorias de serviços de radiodifusão, entre elas a “comunitária” (não-comercial), a “nacional” (estatal-governamental), a “comercial aberta” (ou “free-to-air” – FTA) e a “paga por assinatura” (“pay TV”). Na regulamentação australiana, serviços de áudio e vídeo transmitidos sobre a internet não são considerados radiodifusão, mas podem sofrer restrições por razões éticas, morais, legais, etc. Vídeo sob demanda também não é regulado como radiodifusão.
Canadá: “A definição do termo radiodifusão se aplica a todas as plataformas, conforme definido na Lei de Radiodifusão. Diz o texto [legal]: ‘radiodifusão significa qualquer transmissão de programas, esteja ou não encriptada, por ondas de rádio ou outros meios de telecomunicações, para recepção por parte do público, através de aparelhos de recepção de radiodifusão (“broadcasting receiving apparatus”), mas não inclui nenhuma transmissão de programas feitos apenas para exibição (“perfomance”) ou apresentação em espaço públicos”. Serviços sobre a internet estão em geral excluídos, mas, no momento, há um debate público e parlamentar a respeito. VsD fornecidos pela internet também estão excluídos da definição.
Coréia: “Radiodifusão se refere ao planejamento, programação, produção e transmissão de programas de radiodifusão para o público (incluindo receptores com contratos individuais; “viewers”) através de sistemas (“facilities”) de telecomunicações”.
A partir desse conceito guarda-chuva, os coreanos distinguem as modalidades de “televisão”, “rádio”, “dados”, “móvel multimeios” e “internet multimeios”, todas caracterizadas como “radiodifusão de programas”, mas diferenciadas conforme as características do sistema receptor (sons e imagens para a TV, mobilidade no celular, etc.). Assim, a IPTV será entendida como um “serviço de convergência radiodifusão-telecomunicações” (“broadcasting-telecommunications convergence service”) fornecido sobre uma rede de banda larga. No geral, um serviço multimeios em banda larga requer licença para operar, mas, obtida a licença, cada tipo de negócio, inclusive VsD requer apenas notificação, à autoridade, do operador autorizado.
Espanha: “Pela Lei de Telecomunicações, serviços de radiodifusão são s erviços de telecomunicações pelos quais a comunicação é transmitida numa única direção para inúmeros pontos [de recepção] simultaneamente. O serviço será prestado sob concessão do Estado (“administrative concession”) se for prestado em regime de administração indireta.”
Em termos estritamente técnicos, é a melhor definição: radiodifusão, com efeito, é um tipo unidirecional de telecomunicações. Neste sentido, pela lei espanhola, a televisão é um serviço de radiodifusão, seja transmitida pelo ar, pelo cabo ou satélite, seja livre ou codificada, que “em nenhum caso pode ser prestado como serviço de valor adicionado”. Esta definição inclui VsD e IPTV, ambos submetidos às mesmas regras legais, inclusive regimes de outorga, vigentes para o restante da radiodifusão. Por outro lado, somente a televisão terrestre é considerada um serviço público. As TVs a cabo ou satélite são definidas como serviços autorizados para livre competição.
Estados Unidos: “Conforme a Lei de Comunicação de 1934, a palavra radiodifusão (‘broadcasting’) significa a disseminação de comunicações por rádio destinadas a ser recebidas pelo público, diretamente ou por meio de estações retransmissoras (‘relay stations’)”.
O relatório não traz muitos detalhes sobre a regulamentação estadunidense. Acrescento meus próprios comentários. Os EUA são sabidamente pouco intervencionistas. Os agentes econômicos e sociais são livres até o limite da liberdade de outrem, ou até afetarem sensibilidades éticas, morais, etc., problemas estes todos resolvidos principalmente na Justiça. A entidade reguladora procura intervir o mínimo possível, não tendo nunca havido, da parte da FCC maior interesse em regulamentar conteúdo. Assim, as novas tecnologias, inclusive TV paga e internet, podem se desenvolver ao sabor da iniciativa de investidores ou, no máximo, limitadas por ações jurídicas ou políticas de natureza civil. A FCC, ela mesma, faz apenas um grande esforço para estimular e garantir a máxima competição entre os, e dentro dos novos meios de comunicação, sobretudo a internet. Sem surpresa, há uma legislação específica para vídeo sob demanda.
França: “Serviços audiovisuais incluem os serviços de comunicação audiovisual conforme definidos no Artigo 2 da Lei 86-1067 de 30 de setembro de 1986), assim como os serviços adaptados (“services making audiovisual”), [isto é] obras cinematográficas ou de áudio disponíveis para o público, independentemente dos meios técnicos usados. Serviços de comunicação audiovisuais são todas as comunicações destinadas ao público de serviços de rádio ou TV, independentemente dos meios técnicos usados, bem como todas as comunicações eletrônicas de serviços diferentes daqueles de rádio ou televisão. Nesta definição não está incluída a comunicação em linha, definida no artigo 1 da Lei 2004-575 de 21 de junho de 2004, lei esta que trata da economia digital”.
Em um caso, a internet é regulada como radiodifusão: IPTV. É que são considerados serviços de televisão “qualquer comunicação para o público por meios eletrônicos destinada a ser recebida simultaneamente pelo público ou categoria de público, cujos principais programas sejam organizados (“is composed of”) numa ordem continuada de emissões contendo imagens e sons”. Por esta definição, o VsD está excluído e, de fato, desde que o serviço não necessite de freqüências assignadas pelo órgão regulador, pode ser prestado livremente. Mas esta é um não-regra que pode mudar, devido a novas normas da Comunidade Européia.
Itália: “Programas de televisão são definidos como conteúdos audiovisuais organizados por um editor (“content provider”), direcionados para o público em geral e difundidos por qualquer meio técnico. [Programas] por assinatura ou encriptados são também incluídos nessa definição”. Serviços audiovisuais fornecidos via internet ainda não estão incluídos nessa definição, mas suas atividades têm sido monitoradas pela entidade reguladora e associações de consumidores, diz o relatório. Também os serviços sob demanda não são tratados pela legislação atual.
Japão: “Radiodifusão significa transmissão de comunicação via rádio destinada a ser recebida diretamente pelo público em geral (Lei da Radiodifusão, artº 2)”.
“Radiodifusão por cabo é definida como transmissão de telecomunicações por cabo destinada a ser recebida diretamente pelo público em geral (Lei da Radiodifusão por Cabo, artº 2)”.
“Serviços de radiodifusão e de telecomunicações significam transmissão de telecomunicações destinada a ser recebida diretamente pelo público em geral, em todo ou em parte transmitida por serviços de telecomunicações fornecidos por entidade (“by a person”) que opera um negócio de telecomunicações (Lei Tratando de Radiodifusão sobre Serviços de Telecomunicações, artº 2)”.
“Serviços por assinatura ou encriptados são incluídos em ‘radiodifusão” ou “radiodifusão via cabo’ ou ‘radiodifusão via serviços de telecomunicações’”.
O Japão é um raro caso de país central que dispõe de muitas leis diferentes para diferentes casos, embora, pelo que se pode depreender do texto do relatório da OCDE, essas leis identificam os diferentes negócios de radiodifusão, não propriamente as suas distintas plataformas tecnológicas.
Portugal: “Radiodifusão radiofônica (“radio broadcasting”) é a transmissão unilateral de comunicações de som, usando ondas radioelétricas ou qualquer outro método apropriado, destinada ao público em geral”. Esta definição exclui as transmissões por internet. “Radiodifusão televisiva é a transmissão não codificada ou codificada de imagens em movimento, com ou sem som, através de redes eletrônicas de comunicação, visando a recepção simultânea pelo público em geral”. Desta definição estão excluídos, entre outros casos muito particulares, os serviços operados “sob demanda individual”.
A lei portuguesa subordina a definição de radiodifusão televisiva à de “atividade televisiva”, consistindo esta na “organização, ou seleção e agregação, ou serviços de programação de televisão, visando a transmissão para, e recepção pelo público em geral”. A palavra “radiodifusão” inclui também os serviços por “assinatura” ou “encriptados” (“the t erm ‘broadcasting’ includes ‘subscription’ and ‘encrypted’ services”). Atualmente, os portugueses estão discutindo as implicações de sua legislação na internet, e devem introduzir mudanças a respeito. Por outro lado, já que os meios técnicos são neutros ou indiferentes, VsD é tratado nos mesmos termos gerais em que é tratado o conjunto da radiodifusão.
Concluindo
Este resumo feito acima nos remete para a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, onde se levantou a questão da inconstitucionalidade do substitutivo Bittar-Lustosa ao PL-29 porque o projeto estaria tratando em termos mais próprios à radiodifusão, conforme esta é abordada na nossa Constituição, um “serviço de telecomunicações”, ainda por cima em “regime privado”. O argumento não deixa de ter lá sua razão, embora a emenda que tenta solucionar o problema, simplesmente eliminando-o, seja pior do que o soneto.
No Brasil, TV por assinatura começou a ser tratada como telecomunicações, na Lei do Cabo de 1995. Estávamos no governo Fernando Henrique, para o qual esta seria uma lei sob medida para introduzir uma cunha no então monopólio da Telebrás, além de atender aos interesses das redes abertas de televisão, preocupadas com a crescente penetração dos canais a cabo no seu até então exclusivo território do audiovisual televisivo.
Em troca de algumas bijuterias, a Abert conseguiu apoio do Fórum Nacional pela Democratização da Comunica ção (FNDC) para poder passar uma lei que simplesmente não aborda aquilo que é mais importante em qualquer serviço de televisão, seja livre ou seja pago, seja aberto ou seja codificado: o conteúdo. Foi para corrigir isso (e também o “erro” óbvio de ignorar a TV por assinatura via satélite ou no celular) que os deputados Jorge Bittar e Paulo Lustosa assumiram a corajosa postura de elaborar substitutivos aos PLs originais, neles incluindo a regulamentação da crucial questão da programação e, assim, aproximando a futura lei, no máximo possível, dos ditames constitucionais. Não ocorreu porém à cabeça de ninguém aproveitar a oportunidade para corrigir aquele erro nada ingênuo oriundo da Lei do Cabo. Tudo se passou como se definir TV por assinatura à semelhança de um serviço de telecomunicações, fosse tão natural quanto o Pão de Açúcar.
O debate da PL-29 irá agora para o Senado. Será uma excelente oportunidade para corrigir esse grave defeito. “Radiodifusão de sons e de sons e imagens” tanto pode ser feita pelo ar, quanto pelo cabo, satélite, até pelo celular, tanto pode ser aberta e livre, quanto codificada e paga. Logo, conforme sustentado por muitas das teses aprovadas na Iª Confecom, inclusive com importantes contribuições da Telebrasil e da Abra, não importa a plataforma, a TV por assinatura deverá vir a ser submetida aos capítulos 220 a 223 da Constituição brasileira. O Brasil não pode querer ser um raro país, talvez único, onde televisão por assinatura seja definida como... telefone. Embora, bem saibamos, o Brasil também é o país exclusivo da jabuticaba.
* Marcos Dantas - Professor de Sistemas de Comunicação e Novas Tecnologias na Escola de Comunicação da UFRJ. É autor de “A lógica do capital-informação” (Ed. Contraponto, 2002).
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Mesmo correndo o risco de parecer pernóstico, inicio este texto citando no inglês original um recente relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que reúne as mais desenvolvidas economias capitalistas: “Legal definitions of broadcasting differ across the OECD but more in terms of nuance than in the broad coverage of the definitions of radio and television programmes which can be received by the general public either directly (terrestrial transmission) or through cable or satellite platforms. Differences arise in definitions in the treatment of programmes distributed over the internet and vídeo-on-demand” (OCDE, Communications Outlook 2009, disponível em http://www.oecd.org).
Os leitores deste Tele.Síntese são fluentes em inglês. Leram e entenderam. Está dito aí que, nos países capitalistas centrais, programas de rádio e televisão são definidos como radiodifusão (“broadcasting”), independentemente das plataformas de transmissão – terrestre, cabo ou satélite. No entanto, nos casos de vídeo sob demanda (VsD) e internet, podem existir, nesses países, diferenças na definição: alguns os tratam também como radiodifusão, outros não.
O Brasil não é um país membro da OCDE. Talvez por isso, aqui, televisão, a cabo ou a satélite, passou a ser tratada como telecomunicações...
Vejamos as definições usadas em alguns países selecionados.
Alemanha: “Radiodifusão é definida na Seção 2 (1) do Acordo Interestadual de Radiodifusão como provisão e transmissão para o público geral, de qualquer tipo de apresentação de palavras, sons, imagens, usando oscilações eletromagnéticas sem linhas conectadas (“junction lines”) ou através ou por meio de algum condutor. A plataforma de transmissão é irrelevante. A definição inclui apresentações transmitidas em forma codificada ou que sejam recebidas por pagamento especial. A definição não inclui telemeios (“telemedia”), regulada separadamente pela Lei de Telemeios (federal) e no capítulo VI do Acordo Interestadual”.
“Telemeios são considerados outro serviço de informação e comunicação, similar à radiodifusão e telecomunicações”. Portanto, internet, na Alemanha, é um serviço a parte, prestado sem necessidade de licenciamento prévio, embora o rádio e a televisão, se transmitidos via internet, devam obedecer às regras do Acordo Interestadual (a Alemanha é uma república federativa) e aos princípios constitucionais. Já o VsD é regulado conforme o seu conteúdo e relevância social, embora devendo vir a se adaptar às normas da Comunidade Européia que propõem não mais defini-lo como radiodifusão.
Austrália: “A Seção 6 (1) da Lei de Serviços de Radiodifusão de 1992 (Broadcasting Services Act 1992) define ‘serviço de radiodifusão’ (“broadcasting service”) como serviço que entrega programas de televisão ou programas de rádio para pessoas que tenham equipamento apropriado à recepção desses serviços, se essa entrega faz uso de espectro de radiofreqüência, cabo, fibra ótica, satélite ou qualquer outro meio ou combinação desses meios”.
Esta definição, diz o documento da OCDE, não inclui serviços de teletexto, programas ponto-a-ponto adquiridos sob demanda e outros serviços que possam ser excluídos por decisão do Ministério. Dada a definição geral, a Austrália reconhece sete categorias de serviços de radiodifusão, entre elas a “comunitária” (não-comercial), a “nacional” (estatal-governamental), a “comercial aberta” (ou “free-to-air” – FTA) e a “paga por assinatura” (“pay TV”). Na regulamentação australiana, serviços de áudio e vídeo transmitidos sobre a internet não são considerados radiodifusão, mas podem sofrer restrições por razões éticas, morais, legais, etc. Vídeo sob demanda também não é regulado como radiodifusão.
Canadá: “A definição do termo radiodifusão se aplica a todas as plataformas, conforme definido na Lei de Radiodifusão. Diz o texto [legal]: ‘radiodifusão significa qualquer transmissão de programas, esteja ou não encriptada, por ondas de rádio ou outros meios de telecomunicações, para recepção por parte do público, através de aparelhos de recepção de radiodifusão (“broadcasting receiving apparatus”), mas não inclui nenhuma transmissão de programas feitos apenas para exibição (“perfomance”) ou apresentação em espaço públicos”. Serviços sobre a internet estão em geral excluídos, mas, no momento, há um debate público e parlamentar a respeito. VsD fornecidos pela internet também estão excluídos da definição.
Coréia: “Radiodifusão se refere ao planejamento, programação, produção e transmissão de programas de radiodifusão para o público (incluindo receptores com contratos individuais; “viewers”) através de sistemas (“facilities”) de telecomunicações”.
A partir desse conceito guarda-chuva, os coreanos distinguem as modalidades de “televisão”, “rádio”, “dados”, “móvel multimeios” e “internet multimeios”, todas caracterizadas como “radiodifusão de programas”, mas diferenciadas conforme as características do sistema receptor (sons e imagens para a TV, mobilidade no celular, etc.). Assim, a IPTV será entendida como um “serviço de convergência radiodifusão-telecomunicações” (“broadcasting-telecommunications convergence service”) fornecido sobre uma rede de banda larga. No geral, um serviço multimeios em banda larga requer licença para operar, mas, obtida a licença, cada tipo de negócio, inclusive VsD requer apenas notificação, à autoridade, do operador autorizado.
Espanha: “Pela Lei de Telecomunicações, serviços de radiodifusão são s erviços de telecomunicações pelos quais a comunicação é transmitida numa única direção para inúmeros pontos [de recepção] simultaneamente. O serviço será prestado sob concessão do Estado (“administrative concession”) se for prestado em regime de administração indireta.”
Em termos estritamente técnicos, é a melhor definição: radiodifusão, com efeito, é um tipo unidirecional de telecomunicações. Neste sentido, pela lei espanhola, a televisão é um serviço de radiodifusão, seja transmitida pelo ar, pelo cabo ou satélite, seja livre ou codificada, que “em nenhum caso pode ser prestado como serviço de valor adicionado”. Esta definição inclui VsD e IPTV, ambos submetidos às mesmas regras legais, inclusive regimes de outorga, vigentes para o restante da radiodifusão. Por outro lado, somente a televisão terrestre é considerada um serviço público. As TVs a cabo ou satélite são definidas como serviços autorizados para livre competição.
Estados Unidos: “Conforme a Lei de Comunicação de 1934, a palavra radiodifusão (‘broadcasting’) significa a disseminação de comunicações por rádio destinadas a ser recebidas pelo público, diretamente ou por meio de estações retransmissoras (‘relay stations’)”.
O relatório não traz muitos detalhes sobre a regulamentação estadunidense. Acrescento meus próprios comentários. Os EUA são sabidamente pouco intervencionistas. Os agentes econômicos e sociais são livres até o limite da liberdade de outrem, ou até afetarem sensibilidades éticas, morais, etc., problemas estes todos resolvidos principalmente na Justiça. A entidade reguladora procura intervir o mínimo possível, não tendo nunca havido, da parte da FCC maior interesse em regulamentar conteúdo. Assim, as novas tecnologias, inclusive TV paga e internet, podem se desenvolver ao sabor da iniciativa de investidores ou, no máximo, limitadas por ações jurídicas ou políticas de natureza civil. A FCC, ela mesma, faz apenas um grande esforço para estimular e garantir a máxima competição entre os, e dentro dos novos meios de comunicação, sobretudo a internet. Sem surpresa, há uma legislação específica para vídeo sob demanda.
França: “Serviços audiovisuais incluem os serviços de comunicação audiovisual conforme definidos no Artigo 2 da Lei 86-1067 de 30 de setembro de 1986), assim como os serviços adaptados (“services making audiovisual”), [isto é] obras cinematográficas ou de áudio disponíveis para o público, independentemente dos meios técnicos usados. Serviços de comunicação audiovisuais são todas as comunicações destinadas ao público de serviços de rádio ou TV, independentemente dos meios técnicos usados, bem como todas as comunicações eletrônicas de serviços diferentes daqueles de rádio ou televisão. Nesta definição não está incluída a comunicação em linha, definida no artigo 1 da Lei 2004-575 de 21 de junho de 2004, lei esta que trata da economia digital”.
Em um caso, a internet é regulada como radiodifusão: IPTV. É que são considerados serviços de televisão “qualquer comunicação para o público por meios eletrônicos destinada a ser recebida simultaneamente pelo público ou categoria de público, cujos principais programas sejam organizados (“is composed of”) numa ordem continuada de emissões contendo imagens e sons”. Por esta definição, o VsD está excluído e, de fato, desde que o serviço não necessite de freqüências assignadas pelo órgão regulador, pode ser prestado livremente. Mas esta é um não-regra que pode mudar, devido a novas normas da Comunidade Européia.
Itália: “Programas de televisão são definidos como conteúdos audiovisuais organizados por um editor (“content provider”), direcionados para o público em geral e difundidos por qualquer meio técnico. [Programas] por assinatura ou encriptados são também incluídos nessa definição”. Serviços audiovisuais fornecidos via internet ainda não estão incluídos nessa definição, mas suas atividades têm sido monitoradas pela entidade reguladora e associações de consumidores, diz o relatório. Também os serviços sob demanda não são tratados pela legislação atual.
Japão: “Radiodifusão significa transmissão de comunicação via rádio destinada a ser recebida diretamente pelo público em geral (Lei da Radiodifusão, artº 2)”.
“Radiodifusão por cabo é definida como transmissão de telecomunicações por cabo destinada a ser recebida diretamente pelo público em geral (Lei da Radiodifusão por Cabo, artº 2)”.
“Serviços de radiodifusão e de telecomunicações significam transmissão de telecomunicações destinada a ser recebida diretamente pelo público em geral, em todo ou em parte transmitida por serviços de telecomunicações fornecidos por entidade (“by a person”) que opera um negócio de telecomunicações (Lei Tratando de Radiodifusão sobre Serviços de Telecomunicações, artº 2)”.
“Serviços por assinatura ou encriptados são incluídos em ‘radiodifusão” ou “radiodifusão via cabo’ ou ‘radiodifusão via serviços de telecomunicações’”.
O Japão é um raro caso de país central que dispõe de muitas leis diferentes para diferentes casos, embora, pelo que se pode depreender do texto do relatório da OCDE, essas leis identificam os diferentes negócios de radiodifusão, não propriamente as suas distintas plataformas tecnológicas.
Portugal: “Radiodifusão radiofônica (“radio broadcasting”) é a transmissão unilateral de comunicações de som, usando ondas radioelétricas ou qualquer outro método apropriado, destinada ao público em geral”. Esta definição exclui as transmissões por internet. “Radiodifusão televisiva é a transmissão não codificada ou codificada de imagens em movimento, com ou sem som, através de redes eletrônicas de comunicação, visando a recepção simultânea pelo público em geral”. Desta definição estão excluídos, entre outros casos muito particulares, os serviços operados “sob demanda individual”.
A lei portuguesa subordina a definição de radiodifusão televisiva à de “atividade televisiva”, consistindo esta na “organização, ou seleção e agregação, ou serviços de programação de televisão, visando a transmissão para, e recepção pelo público em geral”. A palavra “radiodifusão” inclui também os serviços por “assinatura” ou “encriptados” (“the t erm ‘broadcasting’ includes ‘subscription’ and ‘encrypted’ services”). Atualmente, os portugueses estão discutindo as implicações de sua legislação na internet, e devem introduzir mudanças a respeito. Por outro lado, já que os meios técnicos são neutros ou indiferentes, VsD é tratado nos mesmos termos gerais em que é tratado o conjunto da radiodifusão.
Concluindo
Este resumo feito acima nos remete para a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, onde se levantou a questão da inconstitucionalidade do substitutivo Bittar-Lustosa ao PL-29 porque o projeto estaria tratando em termos mais próprios à radiodifusão, conforme esta é abordada na nossa Constituição, um “serviço de telecomunicações”, ainda por cima em “regime privado”. O argumento não deixa de ter lá sua razão, embora a emenda que tenta solucionar o problema, simplesmente eliminando-o, seja pior do que o soneto.
No Brasil, TV por assinatura começou a ser tratada como telecomunicações, na Lei do Cabo de 1995. Estávamos no governo Fernando Henrique, para o qual esta seria uma lei sob medida para introduzir uma cunha no então monopólio da Telebrás, além de atender aos interesses das redes abertas de televisão, preocupadas com a crescente penetração dos canais a cabo no seu até então exclusivo território do audiovisual televisivo.
Em troca de algumas bijuterias, a Abert conseguiu apoio do Fórum Nacional pela Democratização da Comunica ção (FNDC) para poder passar uma lei que simplesmente não aborda aquilo que é mais importante em qualquer serviço de televisão, seja livre ou seja pago, seja aberto ou seja codificado: o conteúdo. Foi para corrigir isso (e também o “erro” óbvio de ignorar a TV por assinatura via satélite ou no celular) que os deputados Jorge Bittar e Paulo Lustosa assumiram a corajosa postura de elaborar substitutivos aos PLs originais, neles incluindo a regulamentação da crucial questão da programação e, assim, aproximando a futura lei, no máximo possível, dos ditames constitucionais. Não ocorreu porém à cabeça de ninguém aproveitar a oportunidade para corrigir aquele erro nada ingênuo oriundo da Lei do Cabo. Tudo se passou como se definir TV por assinatura à semelhança de um serviço de telecomunicações, fosse tão natural quanto o Pão de Açúcar.
O debate da PL-29 irá agora para o Senado. Será uma excelente oportunidade para corrigir esse grave defeito. “Radiodifusão de sons e de sons e imagens” tanto pode ser feita pelo ar, quanto pelo cabo, satélite, até pelo celular, tanto pode ser aberta e livre, quanto codificada e paga. Logo, conforme sustentado por muitas das teses aprovadas na Iª Confecom, inclusive com importantes contribuições da Telebrasil e da Abra, não importa a plataforma, a TV por assinatura deverá vir a ser submetida aos capítulos 220 a 223 da Constituição brasileira. O Brasil não pode querer ser um raro país, talvez único, onde televisão por assinatura seja definida como... telefone. Embora, bem saibamos, o Brasil também é o país exclusivo da jabuticaba.
* Marcos Dantas - Professor de Sistemas de Comunicação e Novas Tecnologias na Escola de Comunicação da UFRJ. É autor de “A lógica do capital-informação” (Ed. Contraponto, 2002).
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Blog do Planalto desmente o Estadão
Reproduzo a corajosa resposta do Blog do Planalto às manipulações do jornalão oligárquico O Estado de S.Paulo. O texto foi publicado em 30 de março:
Na sexta-feira passada (26/03) o Estadão publicou editorial reclamando do presidente Lula por se queixar da má-fé de setores da imprensa. Até parece que o jornal estava se defendendo antecipadamente. Vejam como o Estadão muda o contexto de uma declaração do presidente em reportagem assinada pelos repórteres Tânia Monteiro e Renato Andrade na edição desta terça-feira (30/3) e tirem suas conclusões.
O título da matéria é “Ao lado de 18 governadores, Lula lança PAC 2 para impulsionar Dilma”. No quarto parágrafo, os repórteres, que deveriam reportar os fatos com fidelidade, dizem o seguinte:
“No mesmo discurso, o presidente anunciou que havia desistido de viajar hoje a Pernambuco para inaugurar uma parte da Ferrovia Transnordestina, por problemas com a obra. “Eu não estou contente com o que nós fizemos até agora”, disse Lula, reconhecendo fragilidades do PAC 1”.
Em primeiro lugar, o Presidente não reconheceu fragilidades do PAC 1, como afirmaram os repórteres do Estadão. A reconhecida insatisfação com o que foi feito até agora foi dita em um contexto diferente do apontado no texto. Ele se referia ao conjunto de realizações do governo. Inclusive, o exemplo citado foi o do Bolsa Família, que não está no PAC.
Vejam o trecho a seguir para tirar suas conclusões e ver se o presidente não tem razão de criticar:
“Então, eu quero terminar, companheiros, dizendo para vocês apenas duas coisas. Eu não estou contente com o que nós fizemos até agora, e acho que nenhum de vocês está contente, porque nós temos a obrigação de fazer mais, temos competência de fazer mais. O povo pobre deste país precisa que a gente faça mais, e a economia precisa que isso aconteça”.
“Eu fico imaginando se nós, naquele momento de crise, tivemos que fazer um investimento de quase R$ 12 bilhões no Bolsa Família, o próximo governo não pode se contentar com [R$] 12 [bilhões], vai ter que fazer mais. Ou vai ter que gerar tanto emprego, que um dia não vai precisar mais ninguém ter o Bolsa Família. Porque quando a gente começou a fazer o programa Bolsa Família, qual era a crítica que a gente recebia? “Cadê a porta da saída? A porta da saída? A porta da saída?”. Os coitados não tinham nem entrado. Eu não sei porque pobre incomoda tanta gente neste país! Não, porque a verdade é essa, é que incomoda”.
Em segundo lugar, o presidente não disse que havia desistido de viajar a Pernambuco para inaugurar parte da Ferrovia Transnordestina e nem que a obra estava com problemas. Até porque não estava prevista nenhuma inauguração de trecho da ferrovia. O que se cogitou foi inaugurar uma fábrica de dormentes e uma fábrica de britas, que não ficaram prontas. Isso foi dito à repórter Tânia Monteiro por mais de um assessor de imprensa da Presidência, mas foi ignorado. Confiram o que o presidente disse, e julguem a qualidade da reportagem:
“Veja, eu estou dizendo isso de público porque eu ia amanhã para a Transnordestina, para inaugurar a fábrica de dormentes, a maior do mundo, e a fábrica de brita que, sozinha a usina de brita, vai produzir mais brita que as quarenta que tem em São Paulo. E não vamos porque não está pronta. Esse compromisso foi feito comigo em janeiro, em janeiro. Não está pronta”.
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Na sexta-feira passada (26/03) o Estadão publicou editorial reclamando do presidente Lula por se queixar da má-fé de setores da imprensa. Até parece que o jornal estava se defendendo antecipadamente. Vejam como o Estadão muda o contexto de uma declaração do presidente em reportagem assinada pelos repórteres Tânia Monteiro e Renato Andrade na edição desta terça-feira (30/3) e tirem suas conclusões.
O título da matéria é “Ao lado de 18 governadores, Lula lança PAC 2 para impulsionar Dilma”. No quarto parágrafo, os repórteres, que deveriam reportar os fatos com fidelidade, dizem o seguinte:
“No mesmo discurso, o presidente anunciou que havia desistido de viajar hoje a Pernambuco para inaugurar uma parte da Ferrovia Transnordestina, por problemas com a obra. “Eu não estou contente com o que nós fizemos até agora”, disse Lula, reconhecendo fragilidades do PAC 1”.
Em primeiro lugar, o Presidente não reconheceu fragilidades do PAC 1, como afirmaram os repórteres do Estadão. A reconhecida insatisfação com o que foi feito até agora foi dita em um contexto diferente do apontado no texto. Ele se referia ao conjunto de realizações do governo. Inclusive, o exemplo citado foi o do Bolsa Família, que não está no PAC.
Vejam o trecho a seguir para tirar suas conclusões e ver se o presidente não tem razão de criticar:
“Então, eu quero terminar, companheiros, dizendo para vocês apenas duas coisas. Eu não estou contente com o que nós fizemos até agora, e acho que nenhum de vocês está contente, porque nós temos a obrigação de fazer mais, temos competência de fazer mais. O povo pobre deste país precisa que a gente faça mais, e a economia precisa que isso aconteça”.
“Eu fico imaginando se nós, naquele momento de crise, tivemos que fazer um investimento de quase R$ 12 bilhões no Bolsa Família, o próximo governo não pode se contentar com [R$] 12 [bilhões], vai ter que fazer mais. Ou vai ter que gerar tanto emprego, que um dia não vai precisar mais ninguém ter o Bolsa Família. Porque quando a gente começou a fazer o programa Bolsa Família, qual era a crítica que a gente recebia? “Cadê a porta da saída? A porta da saída? A porta da saída?”. Os coitados não tinham nem entrado. Eu não sei porque pobre incomoda tanta gente neste país! Não, porque a verdade é essa, é que incomoda”.
Em segundo lugar, o presidente não disse que havia desistido de viajar a Pernambuco para inaugurar parte da Ferrovia Transnordestina e nem que a obra estava com problemas. Até porque não estava prevista nenhuma inauguração de trecho da ferrovia. O que se cogitou foi inaugurar uma fábrica de dormentes e uma fábrica de britas, que não ficaram prontas. Isso foi dito à repórter Tânia Monteiro por mais de um assessor de imprensa da Presidência, mas foi ignorado. Confiram o que o presidente disse, e julguem a qualidade da reportagem:
“Veja, eu estou dizendo isso de público porque eu ia amanhã para a Transnordestina, para inaugurar a fábrica de dormentes, a maior do mundo, e a fábrica de brita que, sozinha a usina de brita, vai produzir mais brita que as quarenta que tem em São Paulo. E não vamos porque não está pronta. Esse compromisso foi feito comigo em janeiro, em janeiro. Não está pronta”.
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quinta-feira, 1 de abril de 2010
O “bota fora” de Serra e da TV Globo
Milhares de servidores públicos tomaram a Avenida Paulista na tarde de ontem (31) para fazer o “bota-fora” do tucano José Serra, que anunciou, numa festança no Palácio dos Bandeirantes, sua saída do governo paulista para se candidatar à presidência da República. Os professores deram mais um show de participação e combatividade. Em greve desde 8 de março, eles reivindicam 30% de reajuste salarial, mas esbarram na truculência do tucano, que se recusa a negociar e aciona a polícia para reprimir os grevistas e infiltrar provocadores nas suas assembléias e passeatas.
O ditador José Serra não foi um único alvo dos protestos. Os manifestantes também criticaram, num gesto democrático e consciente, a cobertura manipulada da mídia “privada”, que sataniza os grevistas, jogando a sociedade contra os professores. A Folha Online até registrou o protesto, mas também de maneira distorcida. “Servidores hostilizam jornalistas em manifestação contra Serra”, foi o título da matéria. “Policiais militares tiveram de intervir e a equipe da TV Globo foi levada para uma base da PM na região”, descreveu a reportagem em tom terrorista.
“Fora Rede Globo, o povo não é bobo”
A não ser que o repórter Márcio Neves também se considere dono da Folha, a tal “hostilização” não foi contra a categoria dos jornalistas, mas sim contra os monopólios midiáticos, que tratam as greves sempre como “baderna”, “distúrbio” e “congestionamento de trânsito”. No caso da TV Globo, a revolta dos grevistas é plenamente compreensível. O Jornal Nacional veiculou matéria, na semana passada, culpando os professores pelo violento conflito nos arredores do Palácio dos Bandeirantes. Ela deu destaque a uma pedra arremessada, mas nada falou sobre a truculência da polícia ou sobre a infiltração do serviço secreto (PM-2) nos protestos dos docentes.
O coro de milhares de manifestantes na passeata da Avenida Paulista – “fora Rede Globo, o povo não é bobo” – relembra a bordão que ficou famoso na campanha das Diretas-Já. Naquela época, a emissora simplesmente se recusou a cobrir os protestos no país em defesa das eleições diretas para presidente. O protesto de São Paulo, que mobilizou 350 mil pessoas, foi exibido como uma homenagem ao aniversário da cidade – numa das cenas mais deprimentes da televisão brasileira. Os docentes em greve demonstram elevada consciência ao condenar as manipulações da mídia.
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Estadão esconde a conexão Serra-Alstom
A blindagem midiática de proteção ao presidenciável José Serra chega a ser ridícula. O jornal O Estado de S.Paulo da semana passada teve a caradura de publicar a manchete “três executivos da Alstom são presos no Reino Unido” e não escreveu sequer uma linha sobre as relações da multinacional com a cúpula do PSDB. Registrou somente que os três foram acusados de subornar “funcionários públicos brasileiros”. Nada, nadinha, sobre os milionários contratos com os governos tucanos de São Paulo (Covas, Alckmin e Serra) e com o presidiário demo do Distrito Federal (Arruda).
US$ 6,8 milhões de suborno
Na ocasião, o Departamento de Investigação de Fraudes Financeiras da Grã-Bretanha informou que foram presos em Londres três dirigentes do conselho de administração da empresa francesa Alstom “sob a acusação de pagamento de propina”. A nota oficial do governo britânico registrou ainda que a multinacional é suspeita de subornar políticos para vencer contratos internacionais, nos quais estão incluídos os firmados com o Metrô de São Paulo. Ela também cita “lavagem de dinheiro” e outros esquemas ilícitos, num escândalo de enormes dimensões que abala a Europa.
Segundo repercutiu o jornal Wall Street Journal, há suspeitas de que U$ 6,8 milhões teriam sido pagos pela Alstom para ganhar o contrato de US$ 45 milhões de expansão do Metrô paulistano. Os recursos percorriam sinuoso caminho para despistar a fiscalização. Eles saiam da sede da Alstom, na França, eram transferidos para seu escritório em Rugby, no Reino Unido, e passavam por duas empresas do Uruguai, a Leraway e a Gantow, antes de chegar ao seu destino final.
Tentativas de abafar o caso
Caso a mídia brasileira fosse minimamente imparcial, a bombástica notícia teria forte impacto na ambição presidencial dos demotucanos. Mas, por motivos político-eleitorais, ela prefere omitir o grave episódio. A denúncia aparece em notinhas nos jornalões e nem é registrada pelas emissoras “privadas” de TV. Tudo é feito para abafar o caso, repetindo a estratégia adotada pelos serristas de São Paulo, que mantêm na geladeira pedido antigo de abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para averiguar a sinistra relação entre a Alstom e os governos tucanos.
As provas do crime são fartas. A prisão dos três executivos é apenas um desdobramento natural das investigações em curso. Em reportagem recente, intitulada “Lamaçal sobre trilhos”, a revista CartaCapital revela que “o Ministério Público Federal de São Paulo recebeu documento enviado por um executivo com detalhes sobre o caminho sinuoso do esquema de propinas das empresas Alstom e Siemens para políticos no Brasil”. Obras do Metrô do DF, governado por José Roberto Arruda, o “vice-careca” de José Serra hoje na cadeia, são citadas explicitamente no documento.
Arruda, Serra e a maquete da Alstom
A mesma Alstom firmou contratos com os governos tucanos de São Paulo para obras do Metrô. Em julho passado, antes da explosão do “mensalão do demo”, o próprio Arruda visitou a fábrica da multinacional no interior paulista para assinar um novo contrato. Serra, que gosta de inaugurar maquetes, esteve no local para prestigiar seu “vice-careca” e para desfilar com um trenzinho. Na sequência, em agosto, a Justiça determinou o seqüestro dos bens de oito demos-tucanos acusados de receberem propinas da Alstom – entre eles, Jorge Fagali e Robson Marinho.
Segundo as investigações feitas na Suíça, Fagali, ex-secretário de Transportes Metropolitanos, teria o equivalente a US$ 10 milhões em contas secretas no país. As autoridades locais já teriam bloqueado US$ 7,5 bilhões. Já Robson Marinho, que foi secretário de governo de Mário Covas e hoje é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, teria cerca de US$ 1 milhão nos bancos da Suíça. Manuscrito em francês, apreendido pela polícia, descreve o pagamento de “comissões” e registra as iniciais R.M – o que reforça a suspeita do envolvimento de Robson Marinho.
Ordens para não publicar nada
Outra investigação, desta vez do Ministério Público Estadual, propôs uma ação por improbidade administrativa contra três ex-diretores da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e integrantes do Consórcio Ferroviário Espanhol-Brasileiro (Cofesbra), composta pela Alstom, Bombardier e Ferrocarriles. A promotoria apontou fraude à lei de licitações no sexto reajuste do contrato de 2005, de R$ 223 milhões. Segundo o MPE, houve aumento de 73% no valor original da suspeita negociata, o que extrapola em muito o limite permitido por lei.
Apesar das evidências, a mídia insiste em ficar calada. Segundo o jornalista Rodrigo Vianna, do excelente blog Escrevinhador, um relatório da Polícia Federal “já chegou às mãos de bons repórteres de São Paulo, que receberam dos jornais ordem de não publicar nada sobre o caso – que chegaria perto de determinado candidato a presidente da República”. Ainda segundo o blogueiro, nesta mesma investigação “o nome de um destacado líder tucano aparece associado ao de um jornalista (?) que gosta de usar chapéu... Os dois, pelo que indica planilha apreendida pela PF, teriam 50 mil razões para tratar muito bem uma construtora que está sob investigação”.
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US$ 6,8 milhões de suborno
Na ocasião, o Departamento de Investigação de Fraudes Financeiras da Grã-Bretanha informou que foram presos em Londres três dirigentes do conselho de administração da empresa francesa Alstom “sob a acusação de pagamento de propina”. A nota oficial do governo britânico registrou ainda que a multinacional é suspeita de subornar políticos para vencer contratos internacionais, nos quais estão incluídos os firmados com o Metrô de São Paulo. Ela também cita “lavagem de dinheiro” e outros esquemas ilícitos, num escândalo de enormes dimensões que abala a Europa.
Segundo repercutiu o jornal Wall Street Journal, há suspeitas de que U$ 6,8 milhões teriam sido pagos pela Alstom para ganhar o contrato de US$ 45 milhões de expansão do Metrô paulistano. Os recursos percorriam sinuoso caminho para despistar a fiscalização. Eles saiam da sede da Alstom, na França, eram transferidos para seu escritório em Rugby, no Reino Unido, e passavam por duas empresas do Uruguai, a Leraway e a Gantow, antes de chegar ao seu destino final.
Tentativas de abafar o caso
Caso a mídia brasileira fosse minimamente imparcial, a bombástica notícia teria forte impacto na ambição presidencial dos demotucanos. Mas, por motivos político-eleitorais, ela prefere omitir o grave episódio. A denúncia aparece em notinhas nos jornalões e nem é registrada pelas emissoras “privadas” de TV. Tudo é feito para abafar o caso, repetindo a estratégia adotada pelos serristas de São Paulo, que mantêm na geladeira pedido antigo de abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para averiguar a sinistra relação entre a Alstom e os governos tucanos.
As provas do crime são fartas. A prisão dos três executivos é apenas um desdobramento natural das investigações em curso. Em reportagem recente, intitulada “Lamaçal sobre trilhos”, a revista CartaCapital revela que “o Ministério Público Federal de São Paulo recebeu documento enviado por um executivo com detalhes sobre o caminho sinuoso do esquema de propinas das empresas Alstom e Siemens para políticos no Brasil”. Obras do Metrô do DF, governado por José Roberto Arruda, o “vice-careca” de José Serra hoje na cadeia, são citadas explicitamente no documento.
Arruda, Serra e a maquete da Alstom
A mesma Alstom firmou contratos com os governos tucanos de São Paulo para obras do Metrô. Em julho passado, antes da explosão do “mensalão do demo”, o próprio Arruda visitou a fábrica da multinacional no interior paulista para assinar um novo contrato. Serra, que gosta de inaugurar maquetes, esteve no local para prestigiar seu “vice-careca” e para desfilar com um trenzinho. Na sequência, em agosto, a Justiça determinou o seqüestro dos bens de oito demos-tucanos acusados de receberem propinas da Alstom – entre eles, Jorge Fagali e Robson Marinho.
Segundo as investigações feitas na Suíça, Fagali, ex-secretário de Transportes Metropolitanos, teria o equivalente a US$ 10 milhões em contas secretas no país. As autoridades locais já teriam bloqueado US$ 7,5 bilhões. Já Robson Marinho, que foi secretário de governo de Mário Covas e hoje é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, teria cerca de US$ 1 milhão nos bancos da Suíça. Manuscrito em francês, apreendido pela polícia, descreve o pagamento de “comissões” e registra as iniciais R.M – o que reforça a suspeita do envolvimento de Robson Marinho.
Ordens para não publicar nada
Outra investigação, desta vez do Ministério Público Estadual, propôs uma ação por improbidade administrativa contra três ex-diretores da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e integrantes do Consórcio Ferroviário Espanhol-Brasileiro (Cofesbra), composta pela Alstom, Bombardier e Ferrocarriles. A promotoria apontou fraude à lei de licitações no sexto reajuste do contrato de 2005, de R$ 223 milhões. Segundo o MPE, houve aumento de 73% no valor original da suspeita negociata, o que extrapola em muito o limite permitido por lei.
Apesar das evidências, a mídia insiste em ficar calada. Segundo o jornalista Rodrigo Vianna, do excelente blog Escrevinhador, um relatório da Polícia Federal “já chegou às mãos de bons repórteres de São Paulo, que receberam dos jornais ordem de não publicar nada sobre o caso – que chegaria perto de determinado candidato a presidente da República”. Ainda segundo o blogueiro, nesta mesma investigação “o nome de um destacado líder tucano aparece associado ao de um jornalista (?) que gosta de usar chapéu... Os dois, pelo que indica planilha apreendida pela PF, teriam 50 mil razões para tratar muito bem uma construtora que está sob investigação”.
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quarta-feira, 31 de março de 2010
Mídia clama pelo golpe militar no Brasil
Quinta-feira, 1º de abril, marca os 46 anos do fatídico golpe civil-militar de 1964. Na época, o imperialismo estadunidense, os latifundiários e parte da burguesia nativa derrubaram o governo democraticamente eleito de João Goulart. Naquela época, a imprensa teve papel destacado nos preparativos do golpe. Na sequência, muitos jornalões continuaram apoiando a ditadura, as suas torturas e assassinatos. Outros engoliram o seu próprio veneno, sofrendo censura e perseguições.
Nesta triste data da história brasileira, vale à pena recordar os editoriais dos jornais burgueses – que clamaram pelo golpe, aplaudiram a instalação da ditadura militar e elogiaram a sua violência contra os democratas. No passado, os militares foram acionados para defender os saqueadores da nação. Hoje, esse papel é desempenhado pela mídia privada, que continua orquestrando golpes contra a democracia. Daí a importância de relembrar sempre os seus editorais da época:
O golpismo do jornal O Globo
“Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares que os protegeram de seus inimigos. Este não foi um movimento partidário. Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais”. O Globo, 2 de abril de 1964.
“Fugiu Goulart e a democracia está sendo restaurada..., atendendo aos anseios nacionais de paz, tranqüilidade e progresso... As Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a nação na integridade de seus direitos, livrando-a do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal. O Globo, 2 de abril de 1964.
“Ressurge a democracia! Vive a nação dias gloriosos... Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas que, obedientes a seus chefes, demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições. Como dizíamos, no editorial de anteontem, a legalidade não poderia ter a garantia da subversão, a ancora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada”. O Globo, 4 de abril de 1964.
“A revolução democrática antecedeu em um mês a revolução comunista”. O Globo, 5 de abril de 1964.
Conluio dos jornais golpistas
“Minas desta vez está conosco... Dentro de poucas horas, essas forças não serão mais do que uma parcela mínima da incontável legião de brasileiros que anseiam por demonstrar definitivamente ao caudilho que a nação jamais se vergará às suas imposições”. O Estado de S.Paulo, 1º de abril de 1964.
“Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalistas. Um dos maiores gatunos que a história brasileira já registrou, o Sr João Goulart passa outra vez à história, agora também como um dos grandes covardes que ela já conheceu”. Tribuna da Imprensa, 2 de abril de 1964.
“Desde ontem se instalou no país a verdadeira legalidade... Legalidade que o caudilho não quis preservar, violando-a no que de mais fundamental ela tem: a disciplina e a hierarquia militares. A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas”. Jornal do Brasil, 1º de abril de 1964.
“Golpe? É crime só punível pela deposição pura e simples do Presidente. Atentar contra a Federação é crime de lesa-pátria. Aqui acusamos o Sr. João Goulart de crime de lesa-pátria. Jogou-nos na luta fratricida, desordem social e corrupção generalizada”. Jornal do Brasil, 1º de abril de 1964.
“Pontes de Miranda diz que Forças Armadas violaram a Constituição para poder salvá-la”. Jornal do Brasil, 6 de abril de 1964.
“Multidões em júbilo na Praça da Liberdade. Ovacionados o governador do estado e chefes militares. O ponto culminante das comemorações que ontem fizeram em Belo Horizonte, pela vitória do movimento pela paz e pela democracia foi, sem dúvida, a concentração popular defronte ao Palácio da Liberdade”. O Estado de Minas, 2 de abril de 1964.
“A população de Copacabana saiu às ruas, em verdadeiro carnaval, saudando as tropas do Exército. Chuvas de papéis picados caíam das janelas dos edifícios enquanto o povo dava vazão, nas ruas, ao seu contentamento”. O Dia, 2 de abril de 1964.
“A paz alcançada. A vitória da causa democrática abre o País a perspectiva de trabalhar em paz e de vencer as graves dificuldades atuais. Não se pode, evidentemente, aceitar que essa perspectiva seja toldada, que os ânimos sejam postos a fogo. Assim o querem as Forças Armadas, assim o quer o povo brasileiro e assim deverá ser, pelo bem do Brasil”. O Povo, 3 de abril de 1964.
“Milhares de pessoas compareceram, ontem, às solenidades que marcaram a posse do marechal Humberto Castelo Branco na Presidência da República... O ato de posse do presidente Castelo Branco revestiu-se do mais alto sentido democrático, tal o apoio que obteve”. Correio Braziliense, 16 de abril de 1964.
Apoio à ditadura sanguinária
“Um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular, está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social – realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama”. Folha de S.Paulo, 22 de setembro de 1971.
“Vive o País, há nove anos, um desses períodos férteis em programas e inspirações, graças à transposição do desejo para a vontade de crescer e afirmar-se. Negue-se tudo a essa revolução brasileira, menos que ela não moveu o país, com o apoio de todas as classes representativas, numa direção que já a destaca entre as nações com parcela maior de responsabilidades”. Jornal do Brasil, 31 de março de 1973.
“Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada”. Editorial de Roberto Marinho, O Globo, 7 de outubro de 1984.
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Nesta triste data da história brasileira, vale à pena recordar os editoriais dos jornais burgueses – que clamaram pelo golpe, aplaudiram a instalação da ditadura militar e elogiaram a sua violência contra os democratas. No passado, os militares foram acionados para defender os saqueadores da nação. Hoje, esse papel é desempenhado pela mídia privada, que continua orquestrando golpes contra a democracia. Daí a importância de relembrar sempre os seus editorais da época:
O golpismo do jornal O Globo
“Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares que os protegeram de seus inimigos. Este não foi um movimento partidário. Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais”. O Globo, 2 de abril de 1964.
“Fugiu Goulart e a democracia está sendo restaurada..., atendendo aos anseios nacionais de paz, tranqüilidade e progresso... As Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a nação na integridade de seus direitos, livrando-a do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal. O Globo, 2 de abril de 1964.
“Ressurge a democracia! Vive a nação dias gloriosos... Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas que, obedientes a seus chefes, demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições. Como dizíamos, no editorial de anteontem, a legalidade não poderia ter a garantia da subversão, a ancora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada”. O Globo, 4 de abril de 1964.
“A revolução democrática antecedeu em um mês a revolução comunista”. O Globo, 5 de abril de 1964.
Conluio dos jornais golpistas
“Minas desta vez está conosco... Dentro de poucas horas, essas forças não serão mais do que uma parcela mínima da incontável legião de brasileiros que anseiam por demonstrar definitivamente ao caudilho que a nação jamais se vergará às suas imposições”. O Estado de S.Paulo, 1º de abril de 1964.
“Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalistas. Um dos maiores gatunos que a história brasileira já registrou, o Sr João Goulart passa outra vez à história, agora também como um dos grandes covardes que ela já conheceu”. Tribuna da Imprensa, 2 de abril de 1964.
“Desde ontem se instalou no país a verdadeira legalidade... Legalidade que o caudilho não quis preservar, violando-a no que de mais fundamental ela tem: a disciplina e a hierarquia militares. A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas”. Jornal do Brasil, 1º de abril de 1964.
“Golpe? É crime só punível pela deposição pura e simples do Presidente. Atentar contra a Federação é crime de lesa-pátria. Aqui acusamos o Sr. João Goulart de crime de lesa-pátria. Jogou-nos na luta fratricida, desordem social e corrupção generalizada”. Jornal do Brasil, 1º de abril de 1964.
“Pontes de Miranda diz que Forças Armadas violaram a Constituição para poder salvá-la”. Jornal do Brasil, 6 de abril de 1964.
“Multidões em júbilo na Praça da Liberdade. Ovacionados o governador do estado e chefes militares. O ponto culminante das comemorações que ontem fizeram em Belo Horizonte, pela vitória do movimento pela paz e pela democracia foi, sem dúvida, a concentração popular defronte ao Palácio da Liberdade”. O Estado de Minas, 2 de abril de 1964.
“A população de Copacabana saiu às ruas, em verdadeiro carnaval, saudando as tropas do Exército. Chuvas de papéis picados caíam das janelas dos edifícios enquanto o povo dava vazão, nas ruas, ao seu contentamento”. O Dia, 2 de abril de 1964.
“A paz alcançada. A vitória da causa democrática abre o País a perspectiva de trabalhar em paz e de vencer as graves dificuldades atuais. Não se pode, evidentemente, aceitar que essa perspectiva seja toldada, que os ânimos sejam postos a fogo. Assim o querem as Forças Armadas, assim o quer o povo brasileiro e assim deverá ser, pelo bem do Brasil”. O Povo, 3 de abril de 1964.
“Milhares de pessoas compareceram, ontem, às solenidades que marcaram a posse do marechal Humberto Castelo Branco na Presidência da República... O ato de posse do presidente Castelo Branco revestiu-se do mais alto sentido democrático, tal o apoio que obteve”. Correio Braziliense, 16 de abril de 1964.
Apoio à ditadura sanguinária
“Um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular, está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social – realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama”. Folha de S.Paulo, 22 de setembro de 1971.
“Vive o País, há nove anos, um desses períodos férteis em programas e inspirações, graças à transposição do desejo para a vontade de crescer e afirmar-se. Negue-se tudo a essa revolução brasileira, menos que ela não moveu o país, com o apoio de todas as classes representativas, numa direção que já a destaca entre as nações com parcela maior de responsabilidades”. Jornal do Brasil, 31 de março de 1973.
“Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada”. Editorial de Roberto Marinho, O Globo, 7 de outubro de 1984.
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Chico Buarque e a ditabranda da Folha
A lembrança do fatídico 1º de abril de 1964, data do golpe militar no Brasil, traz à mente recente editorial da Folha que rotulou a sanguinária ditadura de “ditabranda”. O jornal da famíglia Frias clamou pelo golpe, deu apoio ao setor linha dura dos generais e, inclusive, cedeu suas peruas de transporte do jornal para levar os presos políticos à tortura. Hoje, é um dos principais veículos golpistas do país. O seu deplorável neologismo jamais poderá ser esquecido.
Para azucrinar o jornal FSP (Força Serra Presidente), reproduzo o belo poema de Chico Buarque em homenagem à estilista Zuzu Angel, morta em condições misteriosas quando tentava descobrir o paradeiro do seu filho, Stuart Angel Jones, torturado e assassinado pela ditadura militar:
Angélica
Quem é essa mulher
Que canta sempre esse estribilho?
Só queria embalar meu filho
Que mora na escuridão do mar
Quem é essa mulher
Que canta sempre esse lamento?
Só queria lembrar o tormento
Que fez meu filho suspirar
Quem é essa mulher
Que canta sempre o mesmo arranjo?
Só queria agasalhar meu anjo
E deixar seu corpo descansar
Quem é essa mulher
Que canta como dobra um sino?
Queria cantar por meu menino
Que ele não pode mais cantar
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terça-feira, 30 de março de 2010
Pedro Bial e a homofobia no BBB-10
A Justiça Federal determinou que a TV Globo deverá apresentar hoje, no último programa do deplorável Big Brother Brasil, esclarecimentos sobre as formas de contágio do vírus HIV. Ela acatou pedido do Ministério Público Federal, que responsabilizou a emissora por divulgar falsas informações sobre o tema. Num dos capítulos do BBB, o figurante Marcelo Dourado afirmou que “hetero não pega AIDS” e que todo aidético “em algum momento teve relação com outro homem”. Pura besteira homofóbica, que a TV Globo difundiu para milhões de telespectadores.
O juiz Paulo Cezar Neves, titular em exercício da 3ª Vara Civil Federal de São Paulo, considerou que tais opiniões causam dano à sociedade, desinformando-a sobre as várias formas de contágio do vírus e reforçando os preconceitos. Ele ainda fixou multa de R$ 1 milhão caso a emissora não cumpra a decisão. Desde que o caso veio à tona, a TV Globo esperneia. Num primeiro momento, ela alegou que não é responsável pelas opiniões dos participantes do BBB – uma excrescência, em se tratando de uma concessão pública que tem obrigações legais com a população.
Baixarias da televisão “privada”
Diante a repercussão do caso, o patético Pedro Bial, que considera o BBB uma expressão maior da cultura, ainda justificou. “As opiniões e batatadas emitidas pelos participantes deste programa são de responsabilidade exclusiva dos participantes do programa. Para ter acesso a informações corretas sobre como é transmitido o vírus HIV, acesse o site do Ministério da Saúde”, despistou. A Justiça, porém, rejeitou a desculpa e a arrogante resposta da TV Globo, que se jactou da sua “liberalidade” nas escusas de Bial. Agora, ou ela presta os esclarecimentos ou será multada.
Como alegou o juiz, “num país em que a AIDS cresce entre as mulheres casadas e os idosos, a declaração de Dourado, exibida pela TV Globo, é ainda mais perigosa e é preciso a intervenção do Ministério Público Federal”. Ele lembrou que o artigo 13 da Constituição garante a liberdade de expressão, mas que as concessionárias públicas de radiodifusão têm responsabilidades quando suas opiniões prejudicam a sociedade, em especial quando se trata de saúde pública.
“A emissora atentou contra os programas de prevenção de doenças adotados pelo poder público, constituindo verdadeira contrapropaganda, diante do seu poder de convencimento”. Ainda para o juíz do MPF, “há que se considerar a condição de verdadeiras celebridades a que são alçados os participantes dos chamados reality shows sendo, por isso, de grande peso suas declarações sobre boa parte da sociedade”. Pena que se contem nos dedos os casos em que a Justiça adota punições contra os preconceitos e as baixarias bombardeados diariamente pelas emissoras “privadas” de televisão.
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O juiz Paulo Cezar Neves, titular em exercício da 3ª Vara Civil Federal de São Paulo, considerou que tais opiniões causam dano à sociedade, desinformando-a sobre as várias formas de contágio do vírus e reforçando os preconceitos. Ele ainda fixou multa de R$ 1 milhão caso a emissora não cumpra a decisão. Desde que o caso veio à tona, a TV Globo esperneia. Num primeiro momento, ela alegou que não é responsável pelas opiniões dos participantes do BBB – uma excrescência, em se tratando de uma concessão pública que tem obrigações legais com a população.
Baixarias da televisão “privada”
Diante a repercussão do caso, o patético Pedro Bial, que considera o BBB uma expressão maior da cultura, ainda justificou. “As opiniões e batatadas emitidas pelos participantes deste programa são de responsabilidade exclusiva dos participantes do programa. Para ter acesso a informações corretas sobre como é transmitido o vírus HIV, acesse o site do Ministério da Saúde”, despistou. A Justiça, porém, rejeitou a desculpa e a arrogante resposta da TV Globo, que se jactou da sua “liberalidade” nas escusas de Bial. Agora, ou ela presta os esclarecimentos ou será multada.
Como alegou o juiz, “num país em que a AIDS cresce entre as mulheres casadas e os idosos, a declaração de Dourado, exibida pela TV Globo, é ainda mais perigosa e é preciso a intervenção do Ministério Público Federal”. Ele lembrou que o artigo 13 da Constituição garante a liberdade de expressão, mas que as concessionárias públicas de radiodifusão têm responsabilidades quando suas opiniões prejudicam a sociedade, em especial quando se trata de saúde pública.
“A emissora atentou contra os programas de prevenção de doenças adotados pelo poder público, constituindo verdadeira contrapropaganda, diante do seu poder de convencimento”. Ainda para o juíz do MPF, “há que se considerar a condição de verdadeiras celebridades a que são alçados os participantes dos chamados reality shows sendo, por isso, de grande peso suas declarações sobre boa parte da sociedade”. Pena que se contem nos dedos os casos em que a Justiça adota punições contra os preconceitos e as baixarias bombardeados diariamente pelas emissoras “privadas” de televisão.
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As relações íntimas de Gilberto Dimenstein
O colunista Gilberto Dimenstein, integrante do conselho editorial da Folha de S.Paulo, virou um inimigo declarado da greve dos professores paulistas. Nos protestos da categoria, faixas contra o jornalista são expostas e os adjetivos desferidos contra ele são impublicáveis. Não é para menos. Nos últimos dias, ele já escreveu três artigos provocadores contrários à paralisação – “uma greve contra o povo”, “vocês desrespeitam os professores” e “professores dão aula de baderna”.
Neste último, publicado logo após a brutal repressão da PM de José Serra contra os grevistas, ele exagerou no seu reacionarismo e na distorção dos fatos. “Fico me perguntando como os alunos analisam as imagens de professores desrespeitando a lei e atirando paus e pedras contra a polícia, como vimos na manifestação nos arredores do Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo – afinal, supostamente são os professores que, em sala de aula, devem zelar pela disciplina”.
Serra, Kassab e a ética jornalística
Metido a especialista em educação, Dimenstein sempre desprezou a categoria dos professores, procurando desqualificá-la profissionalmente e responsabilizando-a pela precariedade do ensino. Neoliberal convicto, ele é adepto da chamada meritocracia, que rebaixa o papel do poder público e exacerba no elogio ao individualismo. No terreno político, o colunista da Folha também nunca escondeu a sua simpatia pelos tucanos. Ficou famoso o seu artigo “Parabéns, Serra”, no qual ele paparica o governador paulista pela concessão de bônus, em detrimento dos reajustes salariais.
Nos últimos anos, Dimenstein também se aproximou do prefeito demo Gilberto Kassab. A organização “não-governamental” Associação Cidade Escola Aprendiz, criada pelo jornalista, firmou várias parcerias com a prefeitura da capital paulista. Esta relação íntima com os demos-tucanos talvez explique porque tanta verborragia contra a greve dos professores e tamanha bondade com Serra e Kassab. O blog Namarianews, famoso por vasculhar as contas públicas, escancarou a sujeira.
R$ 3,7 milhões para o "aprendiz" tucano
Ao pesquisar a “planilha do balanço e prestação de contas do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fumcad)”, ele descobriu alguns contratos firmados entre o prefeito Gilberto Kassab e a Associação Cidade Escola Aprendiz. Eles somam R$ 3,7 milhões dos cofres públicos entregues à ONG fundada por Gilberto Dimenstein. Os dados, retirados do Diário Oficial de 5 de fevereiro de 2009, colocam em xeque a ética e a independência do badalado colunista da Folha:
2006
- Escola na Praça (de 02/05/06 a 01/05/07) – 170 alunos de 04 a 16 anos – R$ 264.446,00;
- Trilhas Urbanas (de 02/05/06 a 01/05/07) – 95 alunos de 15 a 17 anos – R$ 144.510,00;
2007
- Projeto Trilhas na Vida (de 01/03/07 a 01/03/08) – 160 – 14 a 17 anos - R$ 776.566,30;
- Aprendiz das Letras (de 01/07/07 a 29/02/08) – 60 – 04 a 15 anos – R$ 87.594,72;
- Percurso Formativo (de 01/07/07 a 29/02/08) – 70 – 12 a 18 anos – R$ 222.300,00;
2008
- Trilhas na Vida (de 01/04/08 a 31/03/09) – 120 – 14 a 17 anos/11 meses – R$ 848.744,39;
- Aprendiz das Letras (de 01/05/08 31/12/08) – 60 – 04 a 15 anos – R$ 85.610,00;
- Percurso Formativo (de 01/05/08 31/12/08) – 115 – 11 a 18 anos – R$ 369.840,60.
Em outras edições do Diário Oficial da Cidade, o blog ainda descobriu mais alguns projetos aprovados:
- Comunidade Educativa - Escola na Praça – por 12 meses a partir de 02/04/2009 (para 75 adolescentes) - R$ 439.474,17 (DO da Cidade de 26 de março de 2009);
- Formação - Agência de Notícias – por 12 meses a partir do dia 01/04/2009 (para 20 estudantes de 14 a 18 anos) - R$ 108.302,00 (DO da Cidade de 31 de março de 2009);
- Trilhas – por 12 meses a partir de 02/04/2009 (para 60 adolescentes) - R$ 317.834,56 (DO da Cidade de 2 de abril de 2009);
- Já com a Secretaria de Cultura do Estado, a ONG de Dimenstein firmou o contrato 457/2009, de 36 meses para o projeto Escola da Rua - R$ 60.000,00 (DO de 25 de dezembro de 2009).
Comentário final do blog Namarianews: “Total geral (parcial) daquele aprendiz que trata com amor aqueles que o amam: R$ 3.725.222,74”.
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segunda-feira, 29 de março de 2010
Datafolha serve de alerta para Dilma
A pesquisa Datafolha deste final de semana animou a deprimida oposição de direita. Os caciques demo-tucanos, que andavam cabisbaixos, soltaram rojões e agora se agitam para o lançamento da candidatura de José Serra, em 10 de abril. A mídia “privada” também ficou empolgada. O Jornal Nacional da TV Globo, que escondeu a divulgação das pesquisas desfavoráveis ao seu candidato, deu destaque aos “nove pontos de vantagem de José Serra” no Datafolha. A famíglia Frias, dona do instituto tucano e do jornal tucano Folha, também caprichou na divulgação dos resultados.
Espera-se que este bombardeio não desnorteie certos apoiadores de Dilma Rousseff, sempre tão influenciáveis pela mídia e que costumam amarelar nas horas decisivas, passando rapidamente da euforia à depressão. Em certo sentido, a pesquisa tem, pelo menos, dois méritos e serve de alerta aos que apóiam a continuidade do ciclo político aberto pelo governo Lula. Caso ela seja fajuta, como muitos garantem, comprova-se que a campanha será das mais sujas. Caso não, ela confirma que a batalha será das mais duras e exigirá muita combatividade e habilidade política.
As suspeitas de manipulação
A suspeita de que a pesquisa Datafolha tenha sido manipulada tem sólidos motivos. Afinal, este instituto não é confiável. Ele pertence à famíglia Frias, que nunca escondeu seu ódio de classe ao governo Lula e sempre apostou no tucano José Serra, um assíduo freqüentador da sede da Folha. As pesquisas são uma poderosa arma política; não são neutras nem Brasil nem no mundo. Elas interferem na opinião pública, ajudam a costurar alianças e a obter apoios – inclusive financeiros. “A margem de erro da pesquisa é a margem de lucro” dos institutos, dizia Ulysses Guimarães.
No caso desta última, as suspeitas são ainda maiores. Para o sociólogo Emir Sader, a pesquisa foi feita sob encomenda, após outras pesquisas apontarem o crescimento da petista e a estagnação do tucano. “A FSP (Força Serra Presidente) se apressou em fazer a nova pesquisa, que nem esperou a tradicional divulgação de domingo, saindo no sábado. Sem que nenhum fato político pudesse explicar, fizeram o que se imaginaria que um adepto da campanha serrista faria: levantar o ânimo depressivo da campanha opositora, tentando evitar o anticlímax do lançamento de José Serra”.
Disputa sem limites éticos
No mesmo rumo, o blogueiro Eduardo Guimarães lança suspeita sobre “a pressa e o sigilo” desta sondagem. Para ele, o Datafolha é mentiroso. “Estamos falando de um instituto de pesquisas que pertence à Folha de S.Paulo, aquele jornal que não hesitou em publicar, em sua primeira página, falsificação grosseira de ficha policial da grande adversária de Serra”. A pesquisa seria bastante oportuna para o grão-tucano. “Esses números serão usados para ajudar a fechar apoios políticos à sua candidatura e a soterrar resistências dentro do seu partido e entre seus aliados externos”.
Difícil de comprovação, a possibilidade de que pesquisas sejam manipuladas só indica que não haverá limites éticos na disputa presidencial. No convescote do Instituto Millenium, realizado no início de março, os barões da mídia deixaram explícito, através de seus jagunços de aluguel, que farão de tudo para derrotar Dilma Rousseff – como registrou o sítio Carta Maior. Na sequência, a revista Veja já produziu duas capas furiosas contra o partido da atual ministra. O tiroteio não se refletiu nas pesquisas subseqüentes, mas agora o Datafolha ressuscita as esperanças do tucano.
Muitos interesses em jogo
No caso da pesquisa registrar uma nova arrancada de José Serra, mesmo que não existam fatos políticos que expliquem a reversão das tendências e o surpreendente crescimento do candidato da oposição neoliberal-conservadora, ela somente confirmaria o que já era bem previsível: a batalha sucessória será duríssima, disputada palmo a palmo. Ela não será um passeio, com a fácil vitória de Dilma Rousseff já no primeiro turno. Há muitos interesses em jogo nas eleições de outubro.
O império estadunidense não está contente com os rumos da política externa brasileira – contra o golpe em Honduras, em defesa da soberania cubana, em retaliação as medidas protecionistas dos EUA, de relação com o Irã. Já a direita nativa não tolera o Plano Nacional de Direitos Humanos, deseja criminalizar o MST e os movimentos grevistas, rejeita as conferências de comunicação e cultura. A mídia privada, como o partido do capital na atualidade, reflete esta furiosa oposição.
Não subestimar a oposição de direita
A oposição de direita tem base social, principalmente nas regiões Sul e Sudeste; conta com fartos recursos; goza de poder político e econômico; e controla os meios de comunicação. Ela não pode ser subestimada. Uma derrota em outubro aceleraria o seu definhamento institucional – os demos podem sumir do mapa político, juntos com os trânsfugas do PPS, e os tucanos ficariam isolados. Para este bloco político-social, a sucessão de 2010 é decisiva, representa o tudo ou nada!
As condições hoje são mais favoráveis às forças que apóiam o governo Lula – apesar do suspiro dado pelo Datafolha. Mas a vitória dependerá de vários fatores. Exigirá um programa que não se limite à mera continuidade, mas que aponte para novos avanços, com as reformas estruturais que o país necessita. Demandará habilidade nas alianças, atraindo setores de centro e neutralizando potenciais adversários. Dependerá de uma campanha de militância ativa. Estas e outras razões reforçam a urgência de uma maior aproximação de Dilma Rousseff com os movimentos sociais, que poderão jogar um papel mais protagonista na batalha eleitoral deste ano.
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Espera-se que este bombardeio não desnorteie certos apoiadores de Dilma Rousseff, sempre tão influenciáveis pela mídia e que costumam amarelar nas horas decisivas, passando rapidamente da euforia à depressão. Em certo sentido, a pesquisa tem, pelo menos, dois méritos e serve de alerta aos que apóiam a continuidade do ciclo político aberto pelo governo Lula. Caso ela seja fajuta, como muitos garantem, comprova-se que a campanha será das mais sujas. Caso não, ela confirma que a batalha será das mais duras e exigirá muita combatividade e habilidade política.
As suspeitas de manipulação
A suspeita de que a pesquisa Datafolha tenha sido manipulada tem sólidos motivos. Afinal, este instituto não é confiável. Ele pertence à famíglia Frias, que nunca escondeu seu ódio de classe ao governo Lula e sempre apostou no tucano José Serra, um assíduo freqüentador da sede da Folha. As pesquisas são uma poderosa arma política; não são neutras nem Brasil nem no mundo. Elas interferem na opinião pública, ajudam a costurar alianças e a obter apoios – inclusive financeiros. “A margem de erro da pesquisa é a margem de lucro” dos institutos, dizia Ulysses Guimarães.
No caso desta última, as suspeitas são ainda maiores. Para o sociólogo Emir Sader, a pesquisa foi feita sob encomenda, após outras pesquisas apontarem o crescimento da petista e a estagnação do tucano. “A FSP (Força Serra Presidente) se apressou em fazer a nova pesquisa, que nem esperou a tradicional divulgação de domingo, saindo no sábado. Sem que nenhum fato político pudesse explicar, fizeram o que se imaginaria que um adepto da campanha serrista faria: levantar o ânimo depressivo da campanha opositora, tentando evitar o anticlímax do lançamento de José Serra”.
Disputa sem limites éticos
No mesmo rumo, o blogueiro Eduardo Guimarães lança suspeita sobre “a pressa e o sigilo” desta sondagem. Para ele, o Datafolha é mentiroso. “Estamos falando de um instituto de pesquisas que pertence à Folha de S.Paulo, aquele jornal que não hesitou em publicar, em sua primeira página, falsificação grosseira de ficha policial da grande adversária de Serra”. A pesquisa seria bastante oportuna para o grão-tucano. “Esses números serão usados para ajudar a fechar apoios políticos à sua candidatura e a soterrar resistências dentro do seu partido e entre seus aliados externos”.
Difícil de comprovação, a possibilidade de que pesquisas sejam manipuladas só indica que não haverá limites éticos na disputa presidencial. No convescote do Instituto Millenium, realizado no início de março, os barões da mídia deixaram explícito, através de seus jagunços de aluguel, que farão de tudo para derrotar Dilma Rousseff – como registrou o sítio Carta Maior. Na sequência, a revista Veja já produziu duas capas furiosas contra o partido da atual ministra. O tiroteio não se refletiu nas pesquisas subseqüentes, mas agora o Datafolha ressuscita as esperanças do tucano.
Muitos interesses em jogo
No caso da pesquisa registrar uma nova arrancada de José Serra, mesmo que não existam fatos políticos que expliquem a reversão das tendências e o surpreendente crescimento do candidato da oposição neoliberal-conservadora, ela somente confirmaria o que já era bem previsível: a batalha sucessória será duríssima, disputada palmo a palmo. Ela não será um passeio, com a fácil vitória de Dilma Rousseff já no primeiro turno. Há muitos interesses em jogo nas eleições de outubro.
O império estadunidense não está contente com os rumos da política externa brasileira – contra o golpe em Honduras, em defesa da soberania cubana, em retaliação as medidas protecionistas dos EUA, de relação com o Irã. Já a direita nativa não tolera o Plano Nacional de Direitos Humanos, deseja criminalizar o MST e os movimentos grevistas, rejeita as conferências de comunicação e cultura. A mídia privada, como o partido do capital na atualidade, reflete esta furiosa oposição.
Não subestimar a oposição de direita
A oposição de direita tem base social, principalmente nas regiões Sul e Sudeste; conta com fartos recursos; goza de poder político e econômico; e controla os meios de comunicação. Ela não pode ser subestimada. Uma derrota em outubro aceleraria o seu definhamento institucional – os demos podem sumir do mapa político, juntos com os trânsfugas do PPS, e os tucanos ficariam isolados. Para este bloco político-social, a sucessão de 2010 é decisiva, representa o tudo ou nada!
As condições hoje são mais favoráveis às forças que apóiam o governo Lula – apesar do suspiro dado pelo Datafolha. Mas a vitória dependerá de vários fatores. Exigirá um programa que não se limite à mera continuidade, mas que aponte para novos avanços, com as reformas estruturais que o país necessita. Demandará habilidade nas alianças, atraindo setores de centro e neutralizando potenciais adversários. Dependerá de uma campanha de militância ativa. Estas e outras razões reforçam a urgência de uma maior aproximação de Dilma Rousseff com os movimentos sociais, que poderão jogar um papel mais protagonista na batalha eleitoral deste ano.
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domingo, 28 de março de 2010
Record desmascara conluio Serra/Globo
Levado ao ar hoje à noite, o programa Domingo Espetacular, da TV Record, traz uma denúncia bombástica sobre as promíscuas relações entre o governador José Serra, o presidenciável demo-tucano, e a poderosa Rede Globo de Televisão.
Meses atrás, a emissora mostrou que a famíglia Marinho invadiu um terreno pertencente ao governo de São Paulo. Devido à repercussão das denúncias, a Rede Globo anunciou recentemente a construção de uma escola técnica no terreno – avaliado em mais de R$ 11 milhões –, em parceria com o governo paulista, “na tentativa de mascarar o ato ilegal e a omissão do Estado”, segundo afirma o Portal R-7.
A reportagem sobre bastidores da negociata traz entrevistas com vários especialistas – entre eles, o professor Laurindo Lalo Leal Filho – e mostra a irritação do governador José Serra quando perguntado sobre a maracutaia. Vale à pena conferir o vídeo, que já está disponível no endereço http://www.r7.com - no primeiro botão ao lado direito da página.
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Meses atrás, a emissora mostrou que a famíglia Marinho invadiu um terreno pertencente ao governo de São Paulo. Devido à repercussão das denúncias, a Rede Globo anunciou recentemente a construção de uma escola técnica no terreno – avaliado em mais de R$ 11 milhões –, em parceria com o governo paulista, “na tentativa de mascarar o ato ilegal e a omissão do Estado”, segundo afirma o Portal R-7.
A reportagem sobre bastidores da negociata traz entrevistas com vários especialistas – entre eles, o professor Laurindo Lalo Leal Filho – e mostra a irritação do governador José Serra quando perguntado sobre a maracutaia. Vale à pena conferir o vídeo, que já está disponível no endereço http://www.r7.com - no primeiro botão ao lado direito da página.
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BBB-10: A quintessência da frivolidade
Reproduzo instigante artigo do jornalista Washington Araújo, publicado no Observatório da Imprensa:
Nos últimos dez anos, o canal de maior audiência da TV aberta no Brasil exibiu durante 900 noites seguidas a atração Big Brother Brasil. Em outras palavras, a TV Globo passou mais de dois anos transmitindo, de forma ininterrupta, o programa que segue o formato criado em 1994 pelos holandeses Joop van den Ende e John de Mol, nomes que deságuam na ora famosa marca Endemol.
No conjunto, são dois anos e meio falando de prêmio de dinheiro graúdo. R$ 500 mil, R$ 1 milhão, R$ 1,5 milhão. E também de anjo, monstro, liderança, paredão, eliminação. E tome Pedro Bial pontificando, filosofando, misturando superego, mito do herói, arquétipo e inconsciente coletivo, Brecht e Paulo Coelho, Maiakovski e Paulo Leminski, Renato Russo e Bob Dylan, arrematando tudo com a manjada moral da história extraída possivelmente dos contos da lavra dos irmãos Grimm.
O BBB é mais atração que programa. Programa tem algum tipo de encadeamento, de estrutura, enquanto atração tem pouco de previsibilidade, a "coisa em si" é o que capta os sentidos da audiência. Há a ilusão da imprevisibilidade. Apenas ilusão, porque o que vale mesmo é a realidade fabricada ali na mesa de edição; é ali que se constroem os mocinhos e os bandidos, os "cabeças" e os iletrados, o éticos e os aéticos.
Contrariando a máxima de que homem algum é uma ilha, o BBB termina sendo a própria ilha a ter como mar suas paredes e o tempo todo é desperdiçado com conversa, namoro, intriga, ginástica, bebedeira. No entretempo, os super-heróis do Bial se digladiam para eliminar os outros e vencer. E é o vale-tudo: fazem alianças, traem, simulam, dissimulam, enfim, tentam se aproximar do Santo Graal, aquele objeto de desejo agora representado pelo cheque de R$ 1,5 milhão.
Quem está ali se depara com o dilema da modernidade: se tornará celebridade instantânea ou retornará ao anonimato. Ser celebridade, mesmo que por poucos dias, parece conceder um sentido à vida desses participantes; e renunciar aos holofotes deve, em sua estima, equivaler simbolicamente à própria morte.
Em volta da piscina
Concordo com o ótimo poeta brasiliense Gustavo Dourado. E, de sua autoria, compartilho os bem-humorados versos:
"É um joguete da mídia:/ De lucro comercial.../ Os bobos no telefone:/ Escravidão digital.../ A mando do Grande Irmão:/ Que acumula o vil metal.../// Loteria de milhões:/ Os bundões em evidência.../ Decadente baixaria:/ Em busca de audiência.../ Programinha indecente:/ Que está na repetência..."
É aquele desfile de corpos sarados – na maioria dos casos – com mentes vazias. Gigantes materiais e pigmeus éticos. Muita futilidade, caras e bocas, mau caratismo explícito, atentados ao pudor e à língua pátria, preconceitos raciais e sociais de todos os matizes. O voyeurismo estimulado pela atração supera e muito o interesse e curiosidade com que visitantes param em um zôo para observar a jaguaritaca, o filhote de anta e o urso polar, a girafa ou o flamingo.
O programa de maior audiência da televisão brasileira é a versão moderna de um zoológico, onde em vez de observar animais observamos do que são capazes semelhantes nossos trancafiados em uma jaula com aparência de casa, com jeito de casa. Ninguém joga pipoca nem banana, mas a atenção é concentrada: em determinada noite da semana se contabilizam formidáveis dezenas de milhões de ligações telefônicas jogadas na jaula em forma de casa com o nobilíssimo intuito de sensibilizar os administradores do zôo para que expulsem da casa – em forma de jaula doméstica – este ou aquele participante.
Em pleno verão carioca, sempre no período de janeiro a março, sabemos na edição noturna os que ficaram papeando na piscina ou desmaiados em volta desta, sempre em trajes sumários, sumaríssimos. E os instintos estarão, quase sempre, à flor da pele. E isso me faz lembrar os jacarés do papo amarelo, aquela espécie de jacaré que habitava rios, lagos e brejos próximos ao mar, desde o Rio Grande do Norte até o Rio Grande do Sul e na bacia do Rio Paraná, chegando até o Pantanal. É que ali já estiveram trancafiados gente de quase todos os estados brasileiros. Largados em volta da piscina colocando em dia seus papos amarelos. E põe amarelos nisso.
A verdadeira natureza
Todos parecem desfrutar do mesmo DNA do Pedro Bial: belos, sarados e afinados com essa cultura de frivolidades de que a atração é seu fruto mais maduro e consumido. Quando Bial surge na tela com seus jargões pomposos – meus heróis, meus ídolos, tripulantes de minha nave, habitantes da casa mais vigiada do Brasil, meus mais-mais – os participantes dão uma última retocada no visual, uma nova cruzada de pernas, e como integrantes de bem ensaiado coral capricham no sorriso e retribuem o desejo de boa noite.
Bial não consegue disfarçar seu encantamento com aqueles espécimes humanos, fala como se Oráculo fosse e tem a plena convicção que jamais – jamais! – será contraditado ou contrariado por quaisquer deles – e não importa quão infamante seja seu gracejo ou quão estúpidas as observações a ser proferidas em tom ora solene ora galhofeiro. E todos sabem que agradar o Bial é o mesmo que aparecer bem nas casas de milhões de telespectadores.
Mas nem tudo está perdido. O Big Brother Brasil está a merecer estudo sociológico. A casa-jaula assemelha-se também a uma gaiola de hamsters (aqueles pequenos roedores brincalhões). São 80-90 dias de cativeiro, privados de intimidade, alvos de simpatia e da antipatia de uns e de outros, do ciúme e da inveja de uns e de outros, com tanto tempo ocioso e pouco afeitos à atividade de pensar, talvez acreditando piamente que pensar enlouquece.
Como hamsters, têm acesso à roda gigante: festas no sábado, gincanas premiando o vencedor com carros 0 km, esforço físico colossal para fixar na mente dos telespectadores a marca do detergente que pode limpar tudo menos os lugares vazios, muito vazios de ideais e de sentido para a vida.
Do ponto de vista financeiro a atração é uma mina de ouro. Muito merchandising, pouco investimento. Assim como é fácil de tratar o hamster e de o mesmo não necessitar de alimentação dispendiosa, a manutenção da casa do BBB é relativamente econômica. Eles mesmos são quem fazem a comida e esta precisa ser conquistada vencendo obstáculos. E agora o formato da Endemol inclui a existência da Casa Grande & Senzala – ou, como chamam seus participantes, a casa de luxo e o puxadinho.
Hamsters levam a vantagem de rapidamente conquistar a nossa simpatia com seu comportamento amistoso ao contrário dos heróis do Bial, que na maioria das vezes apenas revelam sua verdadeira natureza com o passar do tempo em cativeiro.
A maior tragédia
Nesta décima edição houve recorde de votos para eliminação de um participante: 92 milhões. Pausa para alguns rápidos cálculos. Neste paredão recorde, caso 100% dos votos tenha sido transmitido por ligação telefônica, podemos calcular que as ligações renderam R$ 27,6 milhões – considerando o preço da ligação a R$ 0,30.
Agora... sim, sempre tem um agora. Agora, vamos imaginar que a Rede Globo tenha feito um contrato "50% por 50%", ou melhor, "meio a meio" com uma operadora de telefonia. Então, nesse único paredão a emissora carioca teria embolsado nada desprezíveis R$ 13,8 milhões. Toda essa dinheirama em um único paredão. Acontece que em três meses a quantidade de paredões varia de 14 a 16. Portanto, seguindo certa mentalidade de nossos meios de comunicação, ante tamanho volume de dinheiro, algum desses empresários pensaria duas vezes antes de riscar de sua grade conteúdos que favoreçam e cultura e cidadania do povo brasileiro?
Outra constatação é que pensamentos egoístas e imagens preconceituosas dominam o programa ou, ao menos, a quase totalidade da edição do programa. Os que se sentem acima da média – que, aliás, é muito baixa – avocam para si o atributo de serem elas mesmas, de serem sinceras em suas opiniões, de não estarem jogando pra platéia e que "dinheiro não é tudo na vida". Para estes, os outros apenas vêm confirmar o pensamento de Jean-Paul Sartre de ser, os outros, o próprio inferno.
O Big Brother Brasil é autoexplicativo. Mesmo quem diz que nunca assistiu consegue rapidamente formular opinião sobre o programa. Até porque é de longe fonte primária para o jornalismo de frivolidades – também conhecido como de entretenimento –, crítica de televisão e, na verdade, reedita o velho colunismo social dos jornais impressos. Só que bem mais ao gosto dos dias atravessados que vivemos, com direito a pergunta em rede nacional em horário nobre tão instrutiva e recatada quanto: "Você é ativo, passivo ou ambos?" E a resposta de supetão: "Nessa idade, eu sou tudo".
À sua maneira, os participantes se põem a conversar sobre tudo e todos, sobre tudo e nada. É uma pena que não consigam elaborar em 90 dias perguntas que façam a vida valer a pena. Penso em busca de respostas para questões essenciais: todo mundo é corrupto ou depende das circunstâncias? Você toparia tudo – mas tudo mesmo! – por dinheiro? Todo mundo mente, faz intriga, é fofoqueiro, traíra ou X9? Existe algum ser humano que seja confiável quando há muito dinheiro em jogo? Por que tenho medo de lhe dizer o que eu sou?
É que ainda não entendemos que a pior tragédia na vida de um homem é aquilo que morre dentro dele enquanto ele ainda está vivo. Não preciso escrever mais nada, né?
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Nos últimos dez anos, o canal de maior audiência da TV aberta no Brasil exibiu durante 900 noites seguidas a atração Big Brother Brasil. Em outras palavras, a TV Globo passou mais de dois anos transmitindo, de forma ininterrupta, o programa que segue o formato criado em 1994 pelos holandeses Joop van den Ende e John de Mol, nomes que deságuam na ora famosa marca Endemol.
No conjunto, são dois anos e meio falando de prêmio de dinheiro graúdo. R$ 500 mil, R$ 1 milhão, R$ 1,5 milhão. E também de anjo, monstro, liderança, paredão, eliminação. E tome Pedro Bial pontificando, filosofando, misturando superego, mito do herói, arquétipo e inconsciente coletivo, Brecht e Paulo Coelho, Maiakovski e Paulo Leminski, Renato Russo e Bob Dylan, arrematando tudo com a manjada moral da história extraída possivelmente dos contos da lavra dos irmãos Grimm.
O BBB é mais atração que programa. Programa tem algum tipo de encadeamento, de estrutura, enquanto atração tem pouco de previsibilidade, a "coisa em si" é o que capta os sentidos da audiência. Há a ilusão da imprevisibilidade. Apenas ilusão, porque o que vale mesmo é a realidade fabricada ali na mesa de edição; é ali que se constroem os mocinhos e os bandidos, os "cabeças" e os iletrados, o éticos e os aéticos.
Contrariando a máxima de que homem algum é uma ilha, o BBB termina sendo a própria ilha a ter como mar suas paredes e o tempo todo é desperdiçado com conversa, namoro, intriga, ginástica, bebedeira. No entretempo, os super-heróis do Bial se digladiam para eliminar os outros e vencer. E é o vale-tudo: fazem alianças, traem, simulam, dissimulam, enfim, tentam se aproximar do Santo Graal, aquele objeto de desejo agora representado pelo cheque de R$ 1,5 milhão.
Quem está ali se depara com o dilema da modernidade: se tornará celebridade instantânea ou retornará ao anonimato. Ser celebridade, mesmo que por poucos dias, parece conceder um sentido à vida desses participantes; e renunciar aos holofotes deve, em sua estima, equivaler simbolicamente à própria morte.
Em volta da piscina
Concordo com o ótimo poeta brasiliense Gustavo Dourado. E, de sua autoria, compartilho os bem-humorados versos:
"É um joguete da mídia:/ De lucro comercial.../ Os bobos no telefone:/ Escravidão digital.../ A mando do Grande Irmão:/ Que acumula o vil metal.../// Loteria de milhões:/ Os bundões em evidência.../ Decadente baixaria:/ Em busca de audiência.../ Programinha indecente:/ Que está na repetência..."
É aquele desfile de corpos sarados – na maioria dos casos – com mentes vazias. Gigantes materiais e pigmeus éticos. Muita futilidade, caras e bocas, mau caratismo explícito, atentados ao pudor e à língua pátria, preconceitos raciais e sociais de todos os matizes. O voyeurismo estimulado pela atração supera e muito o interesse e curiosidade com que visitantes param em um zôo para observar a jaguaritaca, o filhote de anta e o urso polar, a girafa ou o flamingo.
O programa de maior audiência da televisão brasileira é a versão moderna de um zoológico, onde em vez de observar animais observamos do que são capazes semelhantes nossos trancafiados em uma jaula com aparência de casa, com jeito de casa. Ninguém joga pipoca nem banana, mas a atenção é concentrada: em determinada noite da semana se contabilizam formidáveis dezenas de milhões de ligações telefônicas jogadas na jaula em forma de casa com o nobilíssimo intuito de sensibilizar os administradores do zôo para que expulsem da casa – em forma de jaula doméstica – este ou aquele participante.
Em pleno verão carioca, sempre no período de janeiro a março, sabemos na edição noturna os que ficaram papeando na piscina ou desmaiados em volta desta, sempre em trajes sumários, sumaríssimos. E os instintos estarão, quase sempre, à flor da pele. E isso me faz lembrar os jacarés do papo amarelo, aquela espécie de jacaré que habitava rios, lagos e brejos próximos ao mar, desde o Rio Grande do Norte até o Rio Grande do Sul e na bacia do Rio Paraná, chegando até o Pantanal. É que ali já estiveram trancafiados gente de quase todos os estados brasileiros. Largados em volta da piscina colocando em dia seus papos amarelos. E põe amarelos nisso.
A verdadeira natureza
Todos parecem desfrutar do mesmo DNA do Pedro Bial: belos, sarados e afinados com essa cultura de frivolidades de que a atração é seu fruto mais maduro e consumido. Quando Bial surge na tela com seus jargões pomposos – meus heróis, meus ídolos, tripulantes de minha nave, habitantes da casa mais vigiada do Brasil, meus mais-mais – os participantes dão uma última retocada no visual, uma nova cruzada de pernas, e como integrantes de bem ensaiado coral capricham no sorriso e retribuem o desejo de boa noite.
Bial não consegue disfarçar seu encantamento com aqueles espécimes humanos, fala como se Oráculo fosse e tem a plena convicção que jamais – jamais! – será contraditado ou contrariado por quaisquer deles – e não importa quão infamante seja seu gracejo ou quão estúpidas as observações a ser proferidas em tom ora solene ora galhofeiro. E todos sabem que agradar o Bial é o mesmo que aparecer bem nas casas de milhões de telespectadores.
Mas nem tudo está perdido. O Big Brother Brasil está a merecer estudo sociológico. A casa-jaula assemelha-se também a uma gaiola de hamsters (aqueles pequenos roedores brincalhões). São 80-90 dias de cativeiro, privados de intimidade, alvos de simpatia e da antipatia de uns e de outros, do ciúme e da inveja de uns e de outros, com tanto tempo ocioso e pouco afeitos à atividade de pensar, talvez acreditando piamente que pensar enlouquece.
Como hamsters, têm acesso à roda gigante: festas no sábado, gincanas premiando o vencedor com carros 0 km, esforço físico colossal para fixar na mente dos telespectadores a marca do detergente que pode limpar tudo menos os lugares vazios, muito vazios de ideais e de sentido para a vida.
Do ponto de vista financeiro a atração é uma mina de ouro. Muito merchandising, pouco investimento. Assim como é fácil de tratar o hamster e de o mesmo não necessitar de alimentação dispendiosa, a manutenção da casa do BBB é relativamente econômica. Eles mesmos são quem fazem a comida e esta precisa ser conquistada vencendo obstáculos. E agora o formato da Endemol inclui a existência da Casa Grande & Senzala – ou, como chamam seus participantes, a casa de luxo e o puxadinho.
Hamsters levam a vantagem de rapidamente conquistar a nossa simpatia com seu comportamento amistoso ao contrário dos heróis do Bial, que na maioria das vezes apenas revelam sua verdadeira natureza com o passar do tempo em cativeiro.
A maior tragédia
Nesta décima edição houve recorde de votos para eliminação de um participante: 92 milhões. Pausa para alguns rápidos cálculos. Neste paredão recorde, caso 100% dos votos tenha sido transmitido por ligação telefônica, podemos calcular que as ligações renderam R$ 27,6 milhões – considerando o preço da ligação a R$ 0,30.
Agora... sim, sempre tem um agora. Agora, vamos imaginar que a Rede Globo tenha feito um contrato "50% por 50%", ou melhor, "meio a meio" com uma operadora de telefonia. Então, nesse único paredão a emissora carioca teria embolsado nada desprezíveis R$ 13,8 milhões. Toda essa dinheirama em um único paredão. Acontece que em três meses a quantidade de paredões varia de 14 a 16. Portanto, seguindo certa mentalidade de nossos meios de comunicação, ante tamanho volume de dinheiro, algum desses empresários pensaria duas vezes antes de riscar de sua grade conteúdos que favoreçam e cultura e cidadania do povo brasileiro?
Outra constatação é que pensamentos egoístas e imagens preconceituosas dominam o programa ou, ao menos, a quase totalidade da edição do programa. Os que se sentem acima da média – que, aliás, é muito baixa – avocam para si o atributo de serem elas mesmas, de serem sinceras em suas opiniões, de não estarem jogando pra platéia e que "dinheiro não é tudo na vida". Para estes, os outros apenas vêm confirmar o pensamento de Jean-Paul Sartre de ser, os outros, o próprio inferno.
O Big Brother Brasil é autoexplicativo. Mesmo quem diz que nunca assistiu consegue rapidamente formular opinião sobre o programa. Até porque é de longe fonte primária para o jornalismo de frivolidades – também conhecido como de entretenimento –, crítica de televisão e, na verdade, reedita o velho colunismo social dos jornais impressos. Só que bem mais ao gosto dos dias atravessados que vivemos, com direito a pergunta em rede nacional em horário nobre tão instrutiva e recatada quanto: "Você é ativo, passivo ou ambos?" E a resposta de supetão: "Nessa idade, eu sou tudo".
À sua maneira, os participantes se põem a conversar sobre tudo e todos, sobre tudo e nada. É uma pena que não consigam elaborar em 90 dias perguntas que façam a vida valer a pena. Penso em busca de respostas para questões essenciais: todo mundo é corrupto ou depende das circunstâncias? Você toparia tudo – mas tudo mesmo! – por dinheiro? Todo mundo mente, faz intriga, é fofoqueiro, traíra ou X9? Existe algum ser humano que seja confiável quando há muito dinheiro em jogo? Por que tenho medo de lhe dizer o que eu sou?
É que ainda não entendemos que a pior tragédia na vida de um homem é aquilo que morre dentro dele enquanto ele ainda está vivo. Não preciso escrever mais nada, né?
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O eterno retorno do discurso golpista
Reproduzo artigo do professor Gilson Caroni Filho, publicado no sítio Carta Maior:
As recentes críticas do presidente da República à mídia brasileira devem ser lidas à luz de um recorte deontológico preciso. Se um dos compromissos fundamentais do jornalismo é a preservação da memória, a imprensa nativa tem, ao longo das últimas décadas, empregado uma estrutura discursiva recorrente para produzir esquecimento. A preocupação de Lula com o hipotético estudante que, daqui a trinta anos, se debruçará sobre mentiras quando folhear o noticiário dos grandes jornais, não só tem fundamento como deveria preocupar os historiadores. Afinal, qual será o valor dos nossos periódicos como fontes primárias de consulta? Em princípio, nenhum. Salvo se a pesquisa for sobre o discurso noticioso e os interesses mais retrógados
Ao tentar colar o rótulo de "estatistas" nas propostas estratégicas do governo, e apresentar o Partido dos Trabalhadores e a ministra Dilma Rousseff como defensores de um "Estado-empresário" a mídia corporativa dá um passo a mais na escala do ridículo. Quer fazer crer que não acabou a era da ligeireza econômica, da irresponsabilidade estatal ante a economia, do infausto percurso da razão financista.
Fazendo tábua rasa das conseqüências do mercado desregulado, oculta o que marcou o governo de Fernando Henrique Cardoso: baixa produtividade e alta especulação, baixo consumo e elevadas taxas de desemprego, pobreza generalizada e riqueza concentrada. Prescreve como futuro promissor um passado fracassado. Esse é o eterno retorno dos editorialistas e articulistas de programa. Um feitiço no tempo que atualiza propostas desconectadas do contexto de origem.
Vejam a semelhança dos arrazoados. Tal como nos planos dos estrategistas do modelo de desenvolvimento implantado no país com o golpe de 1964, sem a propensão "estatizante" do governo Jango, o Brasil progrediria nos moldes do capitalismo mais antigo. Livres da intervenção do Estado na economia, da “permissão à desordem pelos comandos de greve” – e pela “infiltração comunista” –, voaríamos em céu de brigadeiro. O desenvolvimento, pregavam os editoriais escritos há 46 anos, seria ininterrupto, para todo o sempre, sem qualquer risco de fracasso. Note-se que a peroração golpista se assentava nos mesmos pilares dos textos de hoje: denúncias de corrupção, aparelhamento do Estado e criminalização dos movimentos sociais com o manifesto propósito de estabelecer uma ordem pretoriana no mundo do trabalho.
O enfraquecimento prematuro ou tardio de setores da classe dominante – com a conseqüente crise de hegemonia política – tornava decisiva a luta pelo controle do Estado. Sob as bênçãos da maioria dos jornalões, a classe média, conduzida pelos políticos mais reacionários, pela TFP e pelas Ligas Católicas de direita, foi às ruas participar de "Marchas da família com Deus pela Liberdade".
Os resultados práticos do regime militar não demoraram a surgir: a entrada de poupança externa foi inexpressiva; não se criou indústria nacional e autônoma nenhuma; o financiamento interno serviu para o desenvolvimento das indústrias basicamente estrangeiras de automóveis e eletrodomésticos que formavam o setor dinâmico da economia brasileira, puxando o comércio, serviços e indústrias locais também vinculados a esse pólo. Ao fim, o paraíso prometido foi uma quimera cara, com uma dívida externa estimada em 12 bilhões de dólares.
Ainda assim não faltam nostálgicos, muitos alojados na ANJ e Abert, a proclamar que “vivemos um momento grave, com investidas de inimigos da liberdade de imprensa, propostas que ferem o sentimento religioso do povo brasileiro", sem falar das hostilidades aos nossos mais tradicionais aliados, com gestos generosos a caudilhos.
Falam de cercos fiscais, regulatórios e ambientais à iniciativa privada, e lamentam não haver substitutos para Oscar Correa, Silvio Heck, Odilo Denis e outros notórios golpistas. Tal como os grandes jornais que tiveram as tiragens reduzidas, as viúvas do "milagre" de Roberto Campos, Delfim Neto, Ernane Galves e Mário Henrique Simonsen não se dão conta que não falam para quase ninguém. A reduzida base social não lhes permite margem de manobra mais ampla.
Se para a população ficou claro que o país precisa crescer distribuindo, e, para isso, cabe ao Estado criar políticas capazes de desconcentrar a renda, os editoriais do Globo, Estadão e Folha são escritos para quem? Longe de ser apenas uma questão ética, a questão social também é econômica. E o confronto com a mídia uma questão decisiva para que não tenhamos um arremedo de democracia.
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As recentes críticas do presidente da República à mídia brasileira devem ser lidas à luz de um recorte deontológico preciso. Se um dos compromissos fundamentais do jornalismo é a preservação da memória, a imprensa nativa tem, ao longo das últimas décadas, empregado uma estrutura discursiva recorrente para produzir esquecimento. A preocupação de Lula com o hipotético estudante que, daqui a trinta anos, se debruçará sobre mentiras quando folhear o noticiário dos grandes jornais, não só tem fundamento como deveria preocupar os historiadores. Afinal, qual será o valor dos nossos periódicos como fontes primárias de consulta? Em princípio, nenhum. Salvo se a pesquisa for sobre o discurso noticioso e os interesses mais retrógados
Ao tentar colar o rótulo de "estatistas" nas propostas estratégicas do governo, e apresentar o Partido dos Trabalhadores e a ministra Dilma Rousseff como defensores de um "Estado-empresário" a mídia corporativa dá um passo a mais na escala do ridículo. Quer fazer crer que não acabou a era da ligeireza econômica, da irresponsabilidade estatal ante a economia, do infausto percurso da razão financista.
Fazendo tábua rasa das conseqüências do mercado desregulado, oculta o que marcou o governo de Fernando Henrique Cardoso: baixa produtividade e alta especulação, baixo consumo e elevadas taxas de desemprego, pobreza generalizada e riqueza concentrada. Prescreve como futuro promissor um passado fracassado. Esse é o eterno retorno dos editorialistas e articulistas de programa. Um feitiço no tempo que atualiza propostas desconectadas do contexto de origem.
Vejam a semelhança dos arrazoados. Tal como nos planos dos estrategistas do modelo de desenvolvimento implantado no país com o golpe de 1964, sem a propensão "estatizante" do governo Jango, o Brasil progrediria nos moldes do capitalismo mais antigo. Livres da intervenção do Estado na economia, da “permissão à desordem pelos comandos de greve” – e pela “infiltração comunista” –, voaríamos em céu de brigadeiro. O desenvolvimento, pregavam os editoriais escritos há 46 anos, seria ininterrupto, para todo o sempre, sem qualquer risco de fracasso. Note-se que a peroração golpista se assentava nos mesmos pilares dos textos de hoje: denúncias de corrupção, aparelhamento do Estado e criminalização dos movimentos sociais com o manifesto propósito de estabelecer uma ordem pretoriana no mundo do trabalho.
O enfraquecimento prematuro ou tardio de setores da classe dominante – com a conseqüente crise de hegemonia política – tornava decisiva a luta pelo controle do Estado. Sob as bênçãos da maioria dos jornalões, a classe média, conduzida pelos políticos mais reacionários, pela TFP e pelas Ligas Católicas de direita, foi às ruas participar de "Marchas da família com Deus pela Liberdade".
Os resultados práticos do regime militar não demoraram a surgir: a entrada de poupança externa foi inexpressiva; não se criou indústria nacional e autônoma nenhuma; o financiamento interno serviu para o desenvolvimento das indústrias basicamente estrangeiras de automóveis e eletrodomésticos que formavam o setor dinâmico da economia brasileira, puxando o comércio, serviços e indústrias locais também vinculados a esse pólo. Ao fim, o paraíso prometido foi uma quimera cara, com uma dívida externa estimada em 12 bilhões de dólares.
Ainda assim não faltam nostálgicos, muitos alojados na ANJ e Abert, a proclamar que “vivemos um momento grave, com investidas de inimigos da liberdade de imprensa, propostas que ferem o sentimento religioso do povo brasileiro", sem falar das hostilidades aos nossos mais tradicionais aliados, com gestos generosos a caudilhos.
Falam de cercos fiscais, regulatórios e ambientais à iniciativa privada, e lamentam não haver substitutos para Oscar Correa, Silvio Heck, Odilo Denis e outros notórios golpistas. Tal como os grandes jornais que tiveram as tiragens reduzidas, as viúvas do "milagre" de Roberto Campos, Delfim Neto, Ernane Galves e Mário Henrique Simonsen não se dão conta que não falam para quase ninguém. A reduzida base social não lhes permite margem de manobra mais ampla.
Se para a população ficou claro que o país precisa crescer distribuindo, e, para isso, cabe ao Estado criar políticas capazes de desconcentrar a renda, os editoriais do Globo, Estadão e Folha são escritos para quem? Longe de ser apenas uma questão ética, a questão social também é econômica. E o confronto com a mídia uma questão decisiva para que não tenhamos um arremedo de democracia.
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Quem acredita na pesquisa do Datafolha?
Reproduzo artigo do sociólogo Emir Sader, publicado no sítio Carta Maior com o título “Quem acredita na FSP (Força Serra Presidente)?”:
Menos de duas semanas depois de ter que se render às inquestionáveis tendências de subida da candidatura da Dilma e de estagnação e até mesmo descenso da de Serra, a FSP (Força Serra Presidente) se apressou em fazer uma nova pesquisa, que nem esperou a tradicional divulgação de domingo, saindo no sábado.
Sem que nenhum fato político pudesse explicar, fizeram o que se imaginaria que um adepto da campanha serrista faria: levantar o animo depressivo da campanha opositora, tentando evitar o anticlímax do lançamento no dia 10 de abril da candidatura do Serra.
A manipulação – que já havia estado presente na não qualificação de empate técnico na diferença de quatro pontos – agora se revela abertamente. A FSP (Força Serra Presidente) faz parte da direção da campanha do Serra e qualquer divulgação de pesquisa tem que ser caracterizado como manobra da campanha opositora.
Quem acredita na FSP (Força Serra Presidente), depois de tudo que tem feito, desesperadamente, particularmente nestes últimos tempos, em que tiveram que abandonar a postura de aparente segurança na vitoria do seu colunista, o atual governador de São Paulo (ex presidente da UNE e ex prefeito de São Paulo, ambos cargos abandonados por ele sem concluir o mandato), para se jogar, já sem nenhum escrúpulo, na campanha serrista?
Quem acredita no jornal que emprestou seus carros para dar cobertura à repressão da ditadura militar? Quem acredita no jornal que anunciou que haveria dezenas de milhões de vitimas da gripe suína no Brasil? Quem acredita no jornal que divulgou ficha falsa da Dilma? Quem acredita no jornal que publicou na primeira pagina artigo de suposto psicanalista acusando o governo de ter assassinado (sic) a mais de cem pessoas no acidente da TAM em Congonhas?
Quem acredita na FSP (Força Serra Presidente), dirigida pelo filho do proprietário e não por nenhum tipo de eleição pública e democrática? Quem acredita em quem dirige o jornal porque é Frias Filho, filho do dono e não por algum tipo de mérito próprio que pudesse ter?
Quem acredita na FSP (Força Serra Presidente) se o candidato que apóiam é colunista permanente do jornal, circula pela redação como se fosse sua casa, indica jornalistas vinculados a ele para cargos do jornal – como a diretora da redação de Brasília, colunista da página 2, indicada por ele, conforme declaração de membro do Comitê Editorial do jornal?
Como acreditar na FSP (Força Serra Presidente) se ela se transformou no Diário Oficial Tucano (DOT), partido da direita brasileira, que dirigiu catastroficamente o país durante 8 anos – tendo mudado a Constituição durante seu mandato para se beneficiar, com a compra de votos de parlamentares -, com todo o apoio desse jornaleco da Barão de Limeira?
Quem ainda acredita na FSP (Força Serra Presidente)? Como se fez campanha no Chile, com Allende, contra o correspondente dessa imprensa no Chile, com o lema “El Mercurio miente”, aqui devemos espalhar por todas as partes, sobre a FSP (Forca Serra Presidente) e sobre seus congêneres, plásticos e toda forma de divulgação com o lema:
A Folha mente;
O Globo mente;
A Veja mente;
O Estadão mente.
Porque a direita mente.
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Menos de duas semanas depois de ter que se render às inquestionáveis tendências de subida da candidatura da Dilma e de estagnação e até mesmo descenso da de Serra, a FSP (Força Serra Presidente) se apressou em fazer uma nova pesquisa, que nem esperou a tradicional divulgação de domingo, saindo no sábado.
Sem que nenhum fato político pudesse explicar, fizeram o que se imaginaria que um adepto da campanha serrista faria: levantar o animo depressivo da campanha opositora, tentando evitar o anticlímax do lançamento no dia 10 de abril da candidatura do Serra.
A manipulação – que já havia estado presente na não qualificação de empate técnico na diferença de quatro pontos – agora se revela abertamente. A FSP (Força Serra Presidente) faz parte da direção da campanha do Serra e qualquer divulgação de pesquisa tem que ser caracterizado como manobra da campanha opositora.
Quem acredita na FSP (Força Serra Presidente), depois de tudo que tem feito, desesperadamente, particularmente nestes últimos tempos, em que tiveram que abandonar a postura de aparente segurança na vitoria do seu colunista, o atual governador de São Paulo (ex presidente da UNE e ex prefeito de São Paulo, ambos cargos abandonados por ele sem concluir o mandato), para se jogar, já sem nenhum escrúpulo, na campanha serrista?
Quem acredita no jornal que emprestou seus carros para dar cobertura à repressão da ditadura militar? Quem acredita no jornal que anunciou que haveria dezenas de milhões de vitimas da gripe suína no Brasil? Quem acredita no jornal que divulgou ficha falsa da Dilma? Quem acredita no jornal que publicou na primeira pagina artigo de suposto psicanalista acusando o governo de ter assassinado (sic) a mais de cem pessoas no acidente da TAM em Congonhas?
Quem acredita na FSP (Força Serra Presidente), dirigida pelo filho do proprietário e não por nenhum tipo de eleição pública e democrática? Quem acredita em quem dirige o jornal porque é Frias Filho, filho do dono e não por algum tipo de mérito próprio que pudesse ter?
Quem acredita na FSP (Força Serra Presidente) se o candidato que apóiam é colunista permanente do jornal, circula pela redação como se fosse sua casa, indica jornalistas vinculados a ele para cargos do jornal – como a diretora da redação de Brasília, colunista da página 2, indicada por ele, conforme declaração de membro do Comitê Editorial do jornal?
Como acreditar na FSP (Força Serra Presidente) se ela se transformou no Diário Oficial Tucano (DOT), partido da direita brasileira, que dirigiu catastroficamente o país durante 8 anos – tendo mudado a Constituição durante seu mandato para se beneficiar, com a compra de votos de parlamentares -, com todo o apoio desse jornaleco da Barão de Limeira?
Quem ainda acredita na FSP (Força Serra Presidente)? Como se fez campanha no Chile, com Allende, contra o correspondente dessa imprensa no Chile, com o lema “El Mercurio miente”, aqui devemos espalhar por todas as partes, sobre a FSP (Forca Serra Presidente) e sobre seus congêneres, plásticos e toda forma de divulgação com o lema:
A Folha mente;
O Globo mente;
A Veja mente;
O Estadão mente.
Porque a direita mente.
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