Reproduzo artigo de Eduardo Guimarães, publicado no Blog da Cidadania:
Ser a única grande cidade brasileira a fazer um ato público de apoio aos delírios nazifascistas do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) era só o que faltava para terminar de envergonhar São Paulo diante do país depois de chocá-lo com os reiterados ataques a homossexuais na avenida Paulista, com a segunda pior educação pública do país e com uma polícia que ganha salários piores do que os pagos no Piauí apesar de esta ser a cidade mais rica do Brasil.
Nem no Rio de Janeiro, base eleitoral de Bolsonaro, os degenerados que apóiam suas idéias criminosas tiveram coragem de sair à luz do sol para defendê-lo. Em São Paulo, demonstrando que a burrice paulistana não se resume a escolher os piores governantes locais do país, dezenas de bolsonarinhos foram ao Museu de Arte Moderna de São Paulo (Masp), na avenida Paulista, para defender seu ídolo e pregar ódio e intolerância.
Sentindo-se à vontade em uma cidade em que parte expressiva da população pensa como Bolsonaro, a direita racista e homofóbica mostrou a cara no ato público em questão, mas acabou deparando com uma contramanifestação de defensores dos direitos dos homossexuais, um ato corajoso e insensato porque, do outro lado, havia criminosos conhecidos e procurados, o que gerou uma dezena de prisões de bolsonaretes.
Em nenhuma outra parte do país, neonazistas e skinheads, entre os quais devem estar os que vêm aterrorizando homossexuais na avenida Paulista, teriam coragem de sair assim tão abertamente à luz do sol. Alem de dementes, são burros. Mas o ambiente paulistano certamente contribuiu para induzi-los à crença de que não seriam presos mesmo ostentando até símbolos nazistas.
São Paulo me mata de vergonha. A mim e a todos os milhões de paulistanos decentes e normais da cidade. Em que pese que a maioria pensa exatamente como os bandidos que a polícia deteve, os paulistanos de respeito são em número suficiente para povoar várias grandes cidades.
A você, paulistano que apóia Bolsonaro, Serra, FHC, Maluf, Alckmin e outros dinossauros da política brasileira, e que acha que orientação sexual é doença e quer deportar nordestinos, ou que acredita em bater em filhos “gayzinhos” para “curá-los”, imploro que pare de fazer sua cidade passar vergonha ao difundir as tuas idéias doentias.
Acorde, paulistano. Pare de votar em incompetentes como Serra, Kassab e Alckmin só por raiva de “petistas”. A cidade e o Estado estão afundando. Temos os policiais e os professores mais mal pagos do país. A violência cai nos indicadores da Secretaria de Segurança e explode nas ruas. A cidade vira um inferno com a menor chuva.
Acorde, paulistano. Entre no século XXI. Homossexual não é doente, nordestino é tão brasileiro quanto qualquer um e tem o direito de estar aqui. Esses políticos dementes que você está elegendo ainda vão levar a sua vida numa enxurrada ou em um ataque criminoso desses que não param de aumentar. Pelo amor de Deus, reacionário paulistano, pare de envergonhar esta cidade. Nem todos, daqui, têm culpa pela tua burrice.
sábado, 9 de abril de 2011
Greve nas obras: o peão ainda é explosivo
Reproduzo artigo de Vito Giannotti, publicado no jornal Brasil de Fato:
No fim de março, as notícias das revoltas dos peões de obra de grandes construtoras, no norte e nordeste do país, repercutiram até na mídia empresarial. Dia 23 de março, lemos em vários jornais notícias da greve de mais de 25 mil trabalhadores, na construtora da refinaria Abreu e Lima, em Suape (PE).
A reivindicação chocou por sua crueza: pagamento de 100% das horas extras, aos sábados, aumento do vale- alimentação de R$ 80 mensais para a soma astronômica de R$ 160,00! Imaginem só. E o consórcio formado pela Camargo Correa e pela OAS, aceitando só R$ 130,00. Enquanto isso, a refinaria Abreu e Lima recebeu R$ 13, 3 bilhões de investimentos da Petrobras.
No dia 24, os jornais noticiaram que havia uma greve nas usinas de Jirau e Santo Antônio (RO), obras das grandes empresas como a Camargo Correa e Odebrecht, que trabalham com recursos do PAC. Neste dia, calculava-se que houvesse quase cem mil trabalhadores da grande construção civil parados, entre Suape (PE), Porto de Pecém (CE) e nas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio.
Em todos os casos, reivindicações básicas: respeito aos direitos mínimos como aumento do adicional das horas extras, melhor atendimento de saúde, melhora da alimentação e do valor do vale refeição. A revolta dos trabalhadores ao total desrespeito pelas empresas às suas reivindicações explodiu, sobretudo, na usina de Jirau. Mais de 45 ônibus e várias instalações da usina foram incendiados. Logo, a lorota da mídia, das empreiteiras e dos seus lambe-botas foi que tudo começou por causa de uma briga pessoal entre peões.
A realidade é bem outra. A classe operária ainda existe. Ainda se revolta. Ainda sabe incendiar ônibus, enquanto as empresas se protegem com a Guarda Nacional e recebem gordos financiamentos públicos. Mas a mídia empresarial e ex-militantes de esquerda e intelectuais arrependidos repetem que a classe operária acabou e que a luta de classes é coisa do passado.
No fim de março, as notícias das revoltas dos peões de obra de grandes construtoras, no norte e nordeste do país, repercutiram até na mídia empresarial. Dia 23 de março, lemos em vários jornais notícias da greve de mais de 25 mil trabalhadores, na construtora da refinaria Abreu e Lima, em Suape (PE).
A reivindicação chocou por sua crueza: pagamento de 100% das horas extras, aos sábados, aumento do vale- alimentação de R$ 80 mensais para a soma astronômica de R$ 160,00! Imaginem só. E o consórcio formado pela Camargo Correa e pela OAS, aceitando só R$ 130,00. Enquanto isso, a refinaria Abreu e Lima recebeu R$ 13, 3 bilhões de investimentos da Petrobras.
No dia 24, os jornais noticiaram que havia uma greve nas usinas de Jirau e Santo Antônio (RO), obras das grandes empresas como a Camargo Correa e Odebrecht, que trabalham com recursos do PAC. Neste dia, calculava-se que houvesse quase cem mil trabalhadores da grande construção civil parados, entre Suape (PE), Porto de Pecém (CE) e nas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio.
Em todos os casos, reivindicações básicas: respeito aos direitos mínimos como aumento do adicional das horas extras, melhor atendimento de saúde, melhora da alimentação e do valor do vale refeição. A revolta dos trabalhadores ao total desrespeito pelas empresas às suas reivindicações explodiu, sobretudo, na usina de Jirau. Mais de 45 ônibus e várias instalações da usina foram incendiados. Logo, a lorota da mídia, das empreiteiras e dos seus lambe-botas foi que tudo começou por causa de uma briga pessoal entre peões.
A realidade é bem outra. A classe operária ainda existe. Ainda se revolta. Ainda sabe incendiar ônibus, enquanto as empresas se protegem com a Guarda Nacional e recebem gordos financiamentos públicos. Mas a mídia empresarial e ex-militantes de esquerda e intelectuais arrependidos repetem que a classe operária acabou e que a luta de classes é coisa do passado.
"A esperança vai vencer o medo" no Peru?
Reproduzo artigo Jacqueline Fowks, publicado no sítio Opera Mundi:
Imediatamente após uma pesquisa mostrar que o candidato da coalizão de esquerda Ganha Peru liderava as intenções de voto para as eleições peruanas, a Bolsa de Valores de Lima caiu mais de 5%. O temor expressado pelo mercado com a dianteira de Ollanta Humala Tasso, 48 anos, é semelhante ao verificado em eleições em outros países latino-americanos, como a do ex-presidente Lula.
E as incertezas da elite econômica no Peru com Humala não são a únicas semelhanças com a eleição brasileira em 2002: com um discurso mais leve e endereçado aos mais pobres, Humala parece ter eliminado a imagem de radical e conquistado um eleitorado fiel. O candidato inclusive divulgou o documento “Compromisso com o Povo Peruano”, nos moldes da “Carta ao Povo Brasileiro” de Lula. Nele, falou o que os investidores queriam ouvir.
Humala prometeu mudanças sem afetar a estabilidade econômica e política, propondo um “pacto político” entre todas as forças do país para “consolidar o crescimento e distribuir a riqueza no país”. De fato, não nega o crescimento registrado no Peru nos últimos anos – só em janeiro a economia cresceu 10,2% –, mas critica a concentração de renda. Humala garante ainda que “as decisões do Banco Central serão independentes e que não defenderá a volta de reeleições consecutivas”.
A posição é oposta à apresentada em 2006, quando perdeu no segundo turno para o atual presidente, Alan García. Naquela ocasião, o esquerdista propunha a estatização da economia e a revisão de acordos econômicos já assinados. O neoliberal García ganhou com 52,6% dos votos – Humala teve 47,375%.
A mudança também aconteceu no visual: Humala já não veste vermelho e sim, branco, ou trajes formais, a exemplo dos ex-presidentes García e Toledo. Tampouco atacou verbalmente nenhum dos candidatos, apesar de o slogan “a esperança vai vencer o medo” ser exaustivamente repetido em seus comícios.
Frente à tentativa da imprensa e dos concorrentes de atrelá-lo ao presidente venezuelano, Hugo Chávez, negou qualquer ligação com o líder da Venezuela, de passado militar como Humala. Em 2006, Chávez o apoiou explicitamente, inclusive liderando comícios em praça pública.
"Votarei em Humala não por ser militante, mas pelas reação contrária de certos setores, como o de comunicação, à sua candidatura. Em 2006, votei nele pelo mesmo motivo. Além disso, é o único que irá investigar o governo García, o que seria uma importante mensagem contra a corrupção e a cultura da impunidade. Porém, não entendo quando diz que não está com Chávez ", disse ao Opera Mundi o eleitor Luis Ancajima , 41 anos, estudante de Filosofia.
O eleitorado de Humala se concentra entre as camadas mais humildes da sociedade peruana, conforme mostra uma pesquisa do instituto Ipsos Apoyo. Trinta e um porcento da classe E, a mais pobre, vota no candidato, assim como 33% da classe D. Somente 6% da classe A escolherá Humala no próximo domingo.
Obstáculos para Humala
De acordo com a socióloga peruana Paula Muñoz, da Universidade de Austin, em 2006 Humala teve apoio “nas províncias [estados] abandonadas pelo modelo econômico”, e também onde “as políticas neoliberais tiveram benefícios”. No entanto, como verificado nas eleições daquele ano, a forte campanha dos meios de comunicação foi um dos motivos para a derrota para García. Nessa eleição, Humala espera amortecer a forte rejeição des setores como esse.
O candidato do Ganha Peru ainda tem três temas controversos em sua trajetória como militar. Uma denúncia por violação dos direitos humanos durante o combate ao Sendero Luminoso em 1992; a convocação de uma rebelião militar – ao lado do irmão, Antauro – no quartel de Locumba em 2000 no dia em que Vladimiro Montesinos, ex-assessor Fujimori fugiu do Peru e o levante popular convocado por Antauro na virada do ano de 2005, que resultou na morte de seis pessoas, sendo duas delas policiais. Durante esse motim, Humala atuava na Coreia do Sul, após ocupar posto similar na França, durante o governo Toledo.
Giovanna Peñaflor, diretora do instituto de pesquisas Imasen e analista política, insiste que o fato de ser militar reflete de forma positiva e negativa sobre Humala, porque o eleitor pode o enxergar como “uma pessoa que conhece o país, além de transmitir força e caráter”, mas também pode significar “autoritarismo.”
“Nesse momento, o lado positivo se destaca. Ele é o único candidato que aparece em público com a esposa e os filhos, sendo que um deles é recém-nascido. Sua imagem foi suavizada aos olhos dos eleitores”, explicou a analista política ao Opera Mundi. Além disso, o perfil político teve papel na aceitação de Humala. “Antes ele representava a esquerda radical, agora é uma esquerda moderada”, concluiu Giovanna.
O sociólogo peruano Julio Cotler concorda com a diretora do Imasen. “Ele se deu conta que com extremismo, não vai ganhar. O Peru não passa por um momento de grande dificuldade, que poderia beneficiar um extremista. Humala também entendeu que não bastava mudar a imagem, mas todas as propostas.”
Para o politólogo peruano Alberto Vergara, em entrevista a uma emissora local, “Humala conseguiu se afastar da imagem de militar e jogou com a carta da moderação, ao se aproximar de setores como a Igreja. Desmitificar o autoritário militar lhe rendeu resultados”.
De acordo com todas as pesquisas de intenção de voto, Humala deve passar para o segundo turno em primeiro lugar, um feito inimaginável no começo da campanha. Neste domingo (03/04), três institutos consolidaram a tendência de crescimento e liderança. O Ipsos Apoyo o coloca com 27,2%, seguido por Keiko Fujimori (20,5%), Toledo (18,5%), Pedro Pablo Kuczynski (18,1%) e Luis Castañeda Lossio (12,8%), ex-prefeito de Lima.
Resta saber quem será seu adversário em 5 de junho.
Imediatamente após uma pesquisa mostrar que o candidato da coalizão de esquerda Ganha Peru liderava as intenções de voto para as eleições peruanas, a Bolsa de Valores de Lima caiu mais de 5%. O temor expressado pelo mercado com a dianteira de Ollanta Humala Tasso, 48 anos, é semelhante ao verificado em eleições em outros países latino-americanos, como a do ex-presidente Lula.
E as incertezas da elite econômica no Peru com Humala não são a únicas semelhanças com a eleição brasileira em 2002: com um discurso mais leve e endereçado aos mais pobres, Humala parece ter eliminado a imagem de radical e conquistado um eleitorado fiel. O candidato inclusive divulgou o documento “Compromisso com o Povo Peruano”, nos moldes da “Carta ao Povo Brasileiro” de Lula. Nele, falou o que os investidores queriam ouvir.
Humala prometeu mudanças sem afetar a estabilidade econômica e política, propondo um “pacto político” entre todas as forças do país para “consolidar o crescimento e distribuir a riqueza no país”. De fato, não nega o crescimento registrado no Peru nos últimos anos – só em janeiro a economia cresceu 10,2% –, mas critica a concentração de renda. Humala garante ainda que “as decisões do Banco Central serão independentes e que não defenderá a volta de reeleições consecutivas”.
A posição é oposta à apresentada em 2006, quando perdeu no segundo turno para o atual presidente, Alan García. Naquela ocasião, o esquerdista propunha a estatização da economia e a revisão de acordos econômicos já assinados. O neoliberal García ganhou com 52,6% dos votos – Humala teve 47,375%.
A mudança também aconteceu no visual: Humala já não veste vermelho e sim, branco, ou trajes formais, a exemplo dos ex-presidentes García e Toledo. Tampouco atacou verbalmente nenhum dos candidatos, apesar de o slogan “a esperança vai vencer o medo” ser exaustivamente repetido em seus comícios.
Frente à tentativa da imprensa e dos concorrentes de atrelá-lo ao presidente venezuelano, Hugo Chávez, negou qualquer ligação com o líder da Venezuela, de passado militar como Humala. Em 2006, Chávez o apoiou explicitamente, inclusive liderando comícios em praça pública.
"Votarei em Humala não por ser militante, mas pelas reação contrária de certos setores, como o de comunicação, à sua candidatura. Em 2006, votei nele pelo mesmo motivo. Além disso, é o único que irá investigar o governo García, o que seria uma importante mensagem contra a corrupção e a cultura da impunidade. Porém, não entendo quando diz que não está com Chávez ", disse ao Opera Mundi o eleitor Luis Ancajima , 41 anos, estudante de Filosofia.
O eleitorado de Humala se concentra entre as camadas mais humildes da sociedade peruana, conforme mostra uma pesquisa do instituto Ipsos Apoyo. Trinta e um porcento da classe E, a mais pobre, vota no candidato, assim como 33% da classe D. Somente 6% da classe A escolherá Humala no próximo domingo.
Obstáculos para Humala
De acordo com a socióloga peruana Paula Muñoz, da Universidade de Austin, em 2006 Humala teve apoio “nas províncias [estados] abandonadas pelo modelo econômico”, e também onde “as políticas neoliberais tiveram benefícios”. No entanto, como verificado nas eleições daquele ano, a forte campanha dos meios de comunicação foi um dos motivos para a derrota para García. Nessa eleição, Humala espera amortecer a forte rejeição des setores como esse.
O candidato do Ganha Peru ainda tem três temas controversos em sua trajetória como militar. Uma denúncia por violação dos direitos humanos durante o combate ao Sendero Luminoso em 1992; a convocação de uma rebelião militar – ao lado do irmão, Antauro – no quartel de Locumba em 2000 no dia em que Vladimiro Montesinos, ex-assessor Fujimori fugiu do Peru e o levante popular convocado por Antauro na virada do ano de 2005, que resultou na morte de seis pessoas, sendo duas delas policiais. Durante esse motim, Humala atuava na Coreia do Sul, após ocupar posto similar na França, durante o governo Toledo.
Giovanna Peñaflor, diretora do instituto de pesquisas Imasen e analista política, insiste que o fato de ser militar reflete de forma positiva e negativa sobre Humala, porque o eleitor pode o enxergar como “uma pessoa que conhece o país, além de transmitir força e caráter”, mas também pode significar “autoritarismo.”
“Nesse momento, o lado positivo se destaca. Ele é o único candidato que aparece em público com a esposa e os filhos, sendo que um deles é recém-nascido. Sua imagem foi suavizada aos olhos dos eleitores”, explicou a analista política ao Opera Mundi. Além disso, o perfil político teve papel na aceitação de Humala. “Antes ele representava a esquerda radical, agora é uma esquerda moderada”, concluiu Giovanna.
O sociólogo peruano Julio Cotler concorda com a diretora do Imasen. “Ele se deu conta que com extremismo, não vai ganhar. O Peru não passa por um momento de grande dificuldade, que poderia beneficiar um extremista. Humala também entendeu que não bastava mudar a imagem, mas todas as propostas.”
Para o politólogo peruano Alberto Vergara, em entrevista a uma emissora local, “Humala conseguiu se afastar da imagem de militar e jogou com a carta da moderação, ao se aproximar de setores como a Igreja. Desmitificar o autoritário militar lhe rendeu resultados”.
De acordo com todas as pesquisas de intenção de voto, Humala deve passar para o segundo turno em primeiro lugar, um feito inimaginável no começo da campanha. Neste domingo (03/04), três institutos consolidaram a tendência de crescimento e liderança. O Ipsos Apoyo o coloca com 27,2%, seguido por Keiko Fujimori (20,5%), Toledo (18,5%), Pedro Pablo Kuczynski (18,1%) e Luis Castañeda Lossio (12,8%), ex-prefeito de Lima.
Resta saber quem será seu adversário em 5 de junho.
sexta-feira, 8 de abril de 2011
Atos pró e contra Bolsonaro. Provocação!
Por Altamiro Borges
Neste sábado, 9, duas manifestações ocorrem na Avenida Paulista, uma das principais artérias da capital. Às 11 horas, seguidores do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) se concentram no Masp. Pouco antes, às 10 horas, movimentos sociais contrários ao racismo e à homofobia do parlamentar se reúnem no prédio da Gazeta. Entre os dois atos, apenas três quadras.
O risco de provocações e violência é grande. Os que convocam o ato de apoio a Bolsonaro são assumidamente neonazistas. Em entrevista ao repórter Fabio Pagotto, da Agência Bom Dia, Márcio Galante, que se assume como "radical de direita" e "fã do deputado", afirma que o ato deverá reunir "organizações militares extra-quartel, separatistas, católicos radicais e grupos de extrema direita, como o Ultra Defesa".
Neste sábado, 9, duas manifestações ocorrem na Avenida Paulista, uma das principais artérias da capital. Às 11 horas, seguidores do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) se concentram no Masp. Pouco antes, às 10 horas, movimentos sociais contrários ao racismo e à homofobia do parlamentar se reúnem no prédio da Gazeta. Entre os dois atos, apenas três quadras.
O risco de provocações e violência é grande. Os que convocam o ato de apoio a Bolsonaro são assumidamente neonazistas. Em entrevista ao repórter Fabio Pagotto, da Agência Bom Dia, Márcio Galante, que se assume como "radical de direita" e "fã do deputado", afirma que o ato deverá reunir "organizações militares extra-quartel, separatistas, católicos radicais e grupos de extrema direita, como o Ultra Defesa".
Ana de Hollanda e o Creative Commons
Reproduzo artigo de Rodrigo Savazoni, publicado no sítio da Revista Fórum:
O sociólogo inglês John B. Thompson, autor de "A mídia e a modernidade", define a “visibilidade” como um aspecto político fundamental dos nossos tempos. Não mais vivemos em uma era de exclusivas interações face a face. Portanto, é por meio da mídia, e suas mediações, que acessamos e tomamos conhecimento das informações de interesse público (ele vai além ao defender inclusive que é por meio dos veículos de comunicação que intervimos socialmente).
A era da visibilidade política é também a era dos escândalos, que são fabricados de várias formas. A principal delas é faltar com a verdade e ser pego em flagrante. Recupero a obra de Thompson porque creio que essa sua tese sobre a visibilidade nos serve centralmente para explicar o que vem ocorrendo com a ministra da Cultura Ana de Hollanda.
A sua primeira grande ação como ministra – antes mesmo de nomear sua equipe – foi remover da página do Ministério da Cultura o selo Creative Commons que disciplinava o acesso aos conteúdos públicos distribuídos por meio da plataforma. O tema segue rendendo acalorados debates, como demonstrou a sabatina a que foi submetida no Senado esta semana.
Reformulado em 2007, sob liderança de José Murilo Jr., que segue no Ministério como gerente de Cultura Digital da Secretaria de Políticas Culturais, o site ministerial tornou-se mundialmente conhecido devido a sua originalidade e atualidade. Desenvolvido pioneiramente utilizando o software de gestão de conteúdos Wordpress, o site procurava iniciar o Estado na era das conversas horizontais e livres da internet, o que só seria possível se, além dos códigos de programação, os conteúdos também fossem livres. Isso, no entanto, não era problema, porque já há alguns anos o Ministério adotara uma licença de compartilhamento Creative Commons.
A gestão Gil-Juca optou por essa licença específica por ser uma iniciativa eficiente, de caráter internacional e também devido à facilidade jurídica de sua utilização.
A ministra Ana de Hollanda voltou a questionar essa adoção dizendo que para isso os gestores teriam de realizar uma licitação (uma concorrência pública). Trata-se de alegação estapafúrdia e falsa. Isso porque uma licença Creative Commons nada mais é do que um documento, baseado na lei brasileira de direitos autorais, que permite ao produtor de informações estabelecer um claro pacto com o usuário. Isso porque a lei brasileira dá essa prerrogativa ao autor (só faltava não dar, não é?), mas não diz como. Portanto, o que o Creative Commons faz é “regular”, “detalhar”, os termos da cessão voluntária de direitos. Apenas isso.
Por que haveria, então, de haver licitação para algo que é de uso público e gratuito?
Confrontada com o fato de que o Palácio do Planalto utiliza a licença CC em seu blog, Ana de Hollanda saiu pela tangente por meio de uma distinção entre sites e blogs.
A questão é que, do ponto de vista técnico, por utilizar como gerenciador de conteúdo o Wordpress (aliás a mesma ferramenta do Blog do Planalto), o site do Ministério da Cultura também é um blog. Essa distinção não é, por princípio, razoável, mas a faço apenas para demonstrar que os argumentos da Ministra não param de pé. Ainda que fosse por isso, ela está errada.
Ana de Hollanda também mistura alhos com bugalhos porque Creative Commons é, não só a licença, mas também o nome da entidade que administra esse projeto sem fins lucrativos. Essa administração é fundamental porque as licenças seguem em evolução, melhorando para dar conta das velozes transformações pelas quais passa a nossa sociedade.
Outro argumento por Ana de Hollanda utilizado nos lembra que existem outras licenças. É fato. Quais, ministra? Faça uma lista de alternativas e publique no site do Ministério. Na realidade, são poucas as alternativas consistentes e, acima de tudo, nenhuma que seja reflexo da inteligência coletiva da era das redes como é o Creative Commons (a não ser a GPL, utilizada em geral para softwares, que serviu justamente de base para o CC).
Aliás, uma razão sólida para justificar a utilização do CC é sua capacidade adaptativa e evolutiva constante. Como existem muitas pessoas trabalhando, conjunta e voluntariamente, em mais de 70 países, essas licenças estão sempre “up to date”. Muda a dinâmica social, evolui a licença. Na velocidade da rede. Como se trata de questão transnacional (na rede os conteúdos não reconhecem fronteiras), a marca CC, antes de uma propaganda, é um ícone facilmente identificável, facilitando assim a apropriação do que é justamente produzido para ser partilhado.
Ao fim e ao cabo, o que ficou evidente é que Ana de Hollanda tenta trazer para o campo técnico – que desconhece – uma decisão política. Seus compromissos prévios com setores que viam na adoção do Creative Commons pelo Ministério da Cultura uma “propaganda” contra os autores orientou sua decisão. Ninguém que lida com essa questão dentro do Ministério foi ouvido nos primeiros dias de janeiro antes de a ministra anunciar seu veredicto. Quando ordenou a retirada da licença, nem sequer se deu o trabalho de construir uma justificativa. Questionada por jornais e revistas, enviou três linhas em que dizia ser uma decisão de foro exclusivo do Ministério e de sua gestora. Após a reação das redes, democrática e incisiva, foi obrigada construir um argumento, que não cola, porque é falso.
Na era da visibilidade política, em que uma sabatina com senadores é assistida ao vivo pela internet por todos aqueles que se interessam pela vida pública, é preciso saber que as informações serão confrontadas, que a esfera pública delas irá se apropriar para fazer o bom debate – como explica Thompson. A escolha do Ministério da Cultura de Ana de Hollanda não foi técnica. Se fosse, jamais teriam removido a licença. Foi política. E isso, justamente pela sua falta de capacidade de construir uma versão convincente para sua decisão, ficou explícito esta semana.
O sociólogo inglês John B. Thompson, autor de "A mídia e a modernidade", define a “visibilidade” como um aspecto político fundamental dos nossos tempos. Não mais vivemos em uma era de exclusivas interações face a face. Portanto, é por meio da mídia, e suas mediações, que acessamos e tomamos conhecimento das informações de interesse público (ele vai além ao defender inclusive que é por meio dos veículos de comunicação que intervimos socialmente).
A era da visibilidade política é também a era dos escândalos, que são fabricados de várias formas. A principal delas é faltar com a verdade e ser pego em flagrante. Recupero a obra de Thompson porque creio que essa sua tese sobre a visibilidade nos serve centralmente para explicar o que vem ocorrendo com a ministra da Cultura Ana de Hollanda.
A sua primeira grande ação como ministra – antes mesmo de nomear sua equipe – foi remover da página do Ministério da Cultura o selo Creative Commons que disciplinava o acesso aos conteúdos públicos distribuídos por meio da plataforma. O tema segue rendendo acalorados debates, como demonstrou a sabatina a que foi submetida no Senado esta semana.
Reformulado em 2007, sob liderança de José Murilo Jr., que segue no Ministério como gerente de Cultura Digital da Secretaria de Políticas Culturais, o site ministerial tornou-se mundialmente conhecido devido a sua originalidade e atualidade. Desenvolvido pioneiramente utilizando o software de gestão de conteúdos Wordpress, o site procurava iniciar o Estado na era das conversas horizontais e livres da internet, o que só seria possível se, além dos códigos de programação, os conteúdos também fossem livres. Isso, no entanto, não era problema, porque já há alguns anos o Ministério adotara uma licença de compartilhamento Creative Commons.
A gestão Gil-Juca optou por essa licença específica por ser uma iniciativa eficiente, de caráter internacional e também devido à facilidade jurídica de sua utilização.
A ministra Ana de Hollanda voltou a questionar essa adoção dizendo que para isso os gestores teriam de realizar uma licitação (uma concorrência pública). Trata-se de alegação estapafúrdia e falsa. Isso porque uma licença Creative Commons nada mais é do que um documento, baseado na lei brasileira de direitos autorais, que permite ao produtor de informações estabelecer um claro pacto com o usuário. Isso porque a lei brasileira dá essa prerrogativa ao autor (só faltava não dar, não é?), mas não diz como. Portanto, o que o Creative Commons faz é “regular”, “detalhar”, os termos da cessão voluntária de direitos. Apenas isso.
Por que haveria, então, de haver licitação para algo que é de uso público e gratuito?
Confrontada com o fato de que o Palácio do Planalto utiliza a licença CC em seu blog, Ana de Hollanda saiu pela tangente por meio de uma distinção entre sites e blogs.
A questão é que, do ponto de vista técnico, por utilizar como gerenciador de conteúdo o Wordpress (aliás a mesma ferramenta do Blog do Planalto), o site do Ministério da Cultura também é um blog. Essa distinção não é, por princípio, razoável, mas a faço apenas para demonstrar que os argumentos da Ministra não param de pé. Ainda que fosse por isso, ela está errada.
Ana de Hollanda também mistura alhos com bugalhos porque Creative Commons é, não só a licença, mas também o nome da entidade que administra esse projeto sem fins lucrativos. Essa administração é fundamental porque as licenças seguem em evolução, melhorando para dar conta das velozes transformações pelas quais passa a nossa sociedade.
Outro argumento por Ana de Hollanda utilizado nos lembra que existem outras licenças. É fato. Quais, ministra? Faça uma lista de alternativas e publique no site do Ministério. Na realidade, são poucas as alternativas consistentes e, acima de tudo, nenhuma que seja reflexo da inteligência coletiva da era das redes como é o Creative Commons (a não ser a GPL, utilizada em geral para softwares, que serviu justamente de base para o CC).
Aliás, uma razão sólida para justificar a utilização do CC é sua capacidade adaptativa e evolutiva constante. Como existem muitas pessoas trabalhando, conjunta e voluntariamente, em mais de 70 países, essas licenças estão sempre “up to date”. Muda a dinâmica social, evolui a licença. Na velocidade da rede. Como se trata de questão transnacional (na rede os conteúdos não reconhecem fronteiras), a marca CC, antes de uma propaganda, é um ícone facilmente identificável, facilitando assim a apropriação do que é justamente produzido para ser partilhado.
Ao fim e ao cabo, o que ficou evidente é que Ana de Hollanda tenta trazer para o campo técnico – que desconhece – uma decisão política. Seus compromissos prévios com setores que viam na adoção do Creative Commons pelo Ministério da Cultura uma “propaganda” contra os autores orientou sua decisão. Ninguém que lida com essa questão dentro do Ministério foi ouvido nos primeiros dias de janeiro antes de a ministra anunciar seu veredicto. Quando ordenou a retirada da licença, nem sequer se deu o trabalho de construir uma justificativa. Questionada por jornais e revistas, enviou três linhas em que dizia ser uma decisão de foro exclusivo do Ministério e de sua gestora. Após a reação das redes, democrática e incisiva, foi obrigada construir um argumento, que não cola, porque é falso.
Na era da visibilidade política, em que uma sabatina com senadores é assistida ao vivo pela internet por todos aqueles que se interessam pela vida pública, é preciso saber que as informações serão confrontadas, que a esfera pública delas irá se apropriar para fazer o bom debate – como explica Thompson. A escolha do Ministério da Cultura de Ana de Hollanda não foi técnica. Se fosse, jamais teriam removido a licença. Foi política. E isso, justamente pela sua falta de capacidade de construir uma versão convincente para sua decisão, ficou explícito esta semana.
Aleluia e o preconceito contra Lula
Reproduzo artigo de Mauro Santayana, intitulado "De olhos opacos no turbilhão do mundo", publicado em seu blog:
O engenheiro baiano José Carlos Aleluia enviou carta ao Reitor da Universidade de Coimbra, protestando contra a concessão do título de Doutor Honoris-Causa ao operário Luis Inácio da Silva, que, com o apelido afetivo de Lula, presidiu ao Brasil durante oito anos. Sem mandato, Aleluia mantém contatos com seus eleitores, mediante um site na Internet.
Ele foi um oposicionista inquieto, ocupando, sempre que podia, a tribuna, no ataque ao governo passado, dentro da linha sem rumo e sem prumo do DEM. Aleluia considera uma ofensa às instituições acadêmicas o título concedido a Lula, e faz referência elogiosa à mesma homenagem prestada ao professor Miguel Reale. Esqueceu-se, é certo, de outros brasileiros honrados pela vetusta universidade, como Tancredo Neves. Não é preciso conhecer a teoria de Freud para compreender a escolha da memória de Aleluia.
O título universitário é, hoje, licença profissional corporativa. O senhor Aleluia está diplomado para exercer o ofício de engenheiro. A Universidade o preparou para entender das ciências físicas, e é provável que ele seja profissional competente, tanto é assim que ministra aulas. O título universitário certifica que o graduado estudou tal ou qual matéria, mas não faz dele um sábio. O conhecimento adquirido na universidade é importante, mas não é tudo.
Volto a citar, porque a idéia deve ser repetida, os versos de um escritor mais identificado com a direita do que com a esquerda, T.S. Elliot, nos quais ele mostra a diferença entre ser informado, conhecer e saber: Where is the wisdom we have lost in knowledge? Where is the knowledge we have lost in information?
O título de Doutor Honoris-Causa, sabe bem disso o engenheiro Aleluia, não é licença profissional, mas o reconhecimento de um saber, construído ao longo do tempo, tenha o agraciado ou não freqüentado a universidade. O papel da Universidade não deveria ser o que vem desempenhando – o de conferir certificados de preparação técnica -, mas o de abrir caminho à busca do saber. O Senador Christovam Buarque, com a autoridade de quem foi reitor da UNB, disse certa vez que a Universidade ideal será aquela que não expeça diplomas.
Lula, com os seus defeitos, e não são poucos, é um doutor em política. Um chefe de Estado não administra cifras, não faz cálculos estruturais, não prolata sentenças, nem deve escrever seus próprios discursos. Cabe-lhe liderar os povos e conduzir os estados, e isso dele exige muito mais do que qualquer formação escolar: exige a sabedoria que desconfia do conhecimento, e o conhecimento que se esquiva das informações não confiáveis.
A universidade é uma instituição relativamente nova na História. Ela não foi necessária para que os homens, com Demócrito, intuíssem a física atômica; com Pitágoras e Euclides, riscassem no solo figuras geométricas e delas abstraíssem os teoremas matemáticos; e muito menos para que Fídias fosse o genial arquiteto e engenheiro das obras da Acrópole e o escultor que foi. Mais ainda: as maiores revoluções intelectuais e sociais do mundo não dependeram das universidades, embora nelas se tenham formado grandes pensadores – e sua importância, como centro de reflexões e pesquisas, seja insubstituível. O preconceito de classe contra Lula sela os olhos de Aleluia e os torna opacos.
Solidário o meu autodidatismo com o de Lula, quero lembrar o grande escritor norte-americano Ralph Waldo Emerson: um talento pode formar-se na obscuridade, mas um caráter só se forma no turbilhão do mundo.
É no turbilhão do mundo que se forma o caráter dos grandes homens.
O engenheiro baiano José Carlos Aleluia enviou carta ao Reitor da Universidade de Coimbra, protestando contra a concessão do título de Doutor Honoris-Causa ao operário Luis Inácio da Silva, que, com o apelido afetivo de Lula, presidiu ao Brasil durante oito anos. Sem mandato, Aleluia mantém contatos com seus eleitores, mediante um site na Internet.
Ele foi um oposicionista inquieto, ocupando, sempre que podia, a tribuna, no ataque ao governo passado, dentro da linha sem rumo e sem prumo do DEM. Aleluia considera uma ofensa às instituições acadêmicas o título concedido a Lula, e faz referência elogiosa à mesma homenagem prestada ao professor Miguel Reale. Esqueceu-se, é certo, de outros brasileiros honrados pela vetusta universidade, como Tancredo Neves. Não é preciso conhecer a teoria de Freud para compreender a escolha da memória de Aleluia.
O título universitário é, hoje, licença profissional corporativa. O senhor Aleluia está diplomado para exercer o ofício de engenheiro. A Universidade o preparou para entender das ciências físicas, e é provável que ele seja profissional competente, tanto é assim que ministra aulas. O título universitário certifica que o graduado estudou tal ou qual matéria, mas não faz dele um sábio. O conhecimento adquirido na universidade é importante, mas não é tudo.
Volto a citar, porque a idéia deve ser repetida, os versos de um escritor mais identificado com a direita do que com a esquerda, T.S. Elliot, nos quais ele mostra a diferença entre ser informado, conhecer e saber: Where is the wisdom we have lost in knowledge? Where is the knowledge we have lost in information?
O título de Doutor Honoris-Causa, sabe bem disso o engenheiro Aleluia, não é licença profissional, mas o reconhecimento de um saber, construído ao longo do tempo, tenha o agraciado ou não freqüentado a universidade. O papel da Universidade não deveria ser o que vem desempenhando – o de conferir certificados de preparação técnica -, mas o de abrir caminho à busca do saber. O Senador Christovam Buarque, com a autoridade de quem foi reitor da UNB, disse certa vez que a Universidade ideal será aquela que não expeça diplomas.
Lula, com os seus defeitos, e não são poucos, é um doutor em política. Um chefe de Estado não administra cifras, não faz cálculos estruturais, não prolata sentenças, nem deve escrever seus próprios discursos. Cabe-lhe liderar os povos e conduzir os estados, e isso dele exige muito mais do que qualquer formação escolar: exige a sabedoria que desconfia do conhecimento, e o conhecimento que se esquiva das informações não confiáveis.
A universidade é uma instituição relativamente nova na História. Ela não foi necessária para que os homens, com Demócrito, intuíssem a física atômica; com Pitágoras e Euclides, riscassem no solo figuras geométricas e delas abstraíssem os teoremas matemáticos; e muito menos para que Fídias fosse o genial arquiteto e engenheiro das obras da Acrópole e o escultor que foi. Mais ainda: as maiores revoluções intelectuais e sociais do mundo não dependeram das universidades, embora nelas se tenham formado grandes pensadores – e sua importância, como centro de reflexões e pesquisas, seja insubstituível. O preconceito de classe contra Lula sela os olhos de Aleluia e os torna opacos.
Solidário o meu autodidatismo com o de Lula, quero lembrar o grande escritor norte-americano Ralph Waldo Emerson: um talento pode formar-se na obscuridade, mas um caráter só se forma no turbilhão do mundo.
É no turbilhão do mundo que se forma o caráter dos grandes homens.
Catilinária da mídia na reunião da SIP
Reproduzo dois artigos de José Dirceu, publicados em seu blog:
Em San Diego, na Califórnia, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) reuniu os principais representantes da mídia latinoamericana para avaliar a quantas anda a liberdade de imprensa no continente. O evento conta, também, com a presença da American Society of News Editors (Asne), que associa a mídia impressa e publicações na net nos EUA.
Circo armado, eis as surpresas. Quem abriu o encontro foi o ex-presidente do México, Vicente Fox. Ele começou o discurso observando que as democracias "estão em crescimento" no continente e citou o Brasil como um exemplo disso. Assinalou o fato de que nossa economia, antes 25% menor do que a mexicana, hoje a supera em exatos 25%. Além disso, Fox citou a nossa Petrobras que superou a estatal petrolífera deles, a PEMEX.
Imagino o orgulho que os representantes da mídia brasileira sentiram ao ouvir o nome da Petrobras - estatal que eles tanto defendem... - ser louvada pelo ex-presidente mexicano! Ironias à parte, vamos ao que interessa: aos relatórios apresentados na Comissão de Liberdade de Imprensa da SIP pelos representantes de cada país.
A questão da regulação
O representante do Brasil na reunião, Paulo de Tarso Nogueira, de O Estado de São Paulo, falou sobre a "censura judicial" ao jornal e também citou casos de violência contra jornalistas no país. O documento brasileiro apontou uma mudança no governo Dilma Rousseff que, para o jornalão da família Mesquita, "atenuou alguns focos de tensão".
O texto, segundo o Estadão, ressalta também que a presidenta "desde seu primeiro discurso fez questão de afirmar seu compromisso com respeito à liberdade de imprensa". E disse, ainda, que com a saída do ex-ministro das Comunicações, Franklin Martins, "perderam força, embora sem desaparecer por completo, as propostas de regulamentação da mídia".
Parece piada, não fosse trágico! A discussão pode até ter arrefecido, mas a necessidade de regulamentação da mídia, da instituição de algum tipo de lei no setor, hoje, completamente sem regras, continua na ordem do dia, mais necessária do que nunca.
*****
A insistência na velha tecla da censura
O mais interessante do material publicado pelo Estadão sobre a reunião anual da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) em San Diego (Califórnia) é que na análise dos 26 relatórios dos demais países, o jornal conclui que "a vida da imprensa no Brasil está longe de ser um paraíso, mas a dos vizinhos, pelo continente afora, atravessa um momento ainda mais difícil".
O jornal enfatiza que o fato de "o novo governo do Brasil ter demonstrado respeito à liberdade de imprensa e a Colômbia não ter reportado assassinatos de jornalistas" são as únicas boas notícias contidas no informe da SIP divulgado em San Diego.
Vejam, subrepticiamente com isto, e mais com as críticas ao ex-ministro da Comunicação Franklin Martins, eles insistem na teoria de que o governo Lula ameaçava a liberdade de imprensa. Nunca ameaçou. Na verdade, o ex-ministro abriu a discussão da comunicação no país e chamou para a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (CONFECOM) todos os atores envolvidos no debate.
Uma bela discussão
Então, debater e abrir para outros atores, além daqueles que detém o poder econômico e o monopólio da mídia, a discussão sobre a comunicação no país significa "censura"? Este discurso é de um cinismo sem tamanho.
Regulamentação da mídia jamais é sinônimo de restrição à liberdade. Pelo contrário, é um instrumento para que a censura do poder econômico e político não cerceie a pluralidade de vozes e a produção da informação no país.
Aliás, aproveito nesta nota para recomendar a todos que leiam o novo livro do professor Venício A. de Lima "Regulação das comunicações - História, poder e direitos" . Nesta obra, ele questiona "como regular o mercado da comunicação de massa numa sociedade em que a informação é uma mercadoria apropriada por empresas privadas portadoras de interesses políticos". Esta é ou não uma bela discussão a ser deflagrada?
Em San Diego, na Califórnia, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) reuniu os principais representantes da mídia latinoamericana para avaliar a quantas anda a liberdade de imprensa no continente. O evento conta, também, com a presença da American Society of News Editors (Asne), que associa a mídia impressa e publicações na net nos EUA.
Circo armado, eis as surpresas. Quem abriu o encontro foi o ex-presidente do México, Vicente Fox. Ele começou o discurso observando que as democracias "estão em crescimento" no continente e citou o Brasil como um exemplo disso. Assinalou o fato de que nossa economia, antes 25% menor do que a mexicana, hoje a supera em exatos 25%. Além disso, Fox citou a nossa Petrobras que superou a estatal petrolífera deles, a PEMEX.
Imagino o orgulho que os representantes da mídia brasileira sentiram ao ouvir o nome da Petrobras - estatal que eles tanto defendem... - ser louvada pelo ex-presidente mexicano! Ironias à parte, vamos ao que interessa: aos relatórios apresentados na Comissão de Liberdade de Imprensa da SIP pelos representantes de cada país.
A questão da regulação
O representante do Brasil na reunião, Paulo de Tarso Nogueira, de O Estado de São Paulo, falou sobre a "censura judicial" ao jornal e também citou casos de violência contra jornalistas no país. O documento brasileiro apontou uma mudança no governo Dilma Rousseff que, para o jornalão da família Mesquita, "atenuou alguns focos de tensão".
O texto, segundo o Estadão, ressalta também que a presidenta "desde seu primeiro discurso fez questão de afirmar seu compromisso com respeito à liberdade de imprensa". E disse, ainda, que com a saída do ex-ministro das Comunicações, Franklin Martins, "perderam força, embora sem desaparecer por completo, as propostas de regulamentação da mídia".
Parece piada, não fosse trágico! A discussão pode até ter arrefecido, mas a necessidade de regulamentação da mídia, da instituição de algum tipo de lei no setor, hoje, completamente sem regras, continua na ordem do dia, mais necessária do que nunca.
*****
A insistência na velha tecla da censura
O mais interessante do material publicado pelo Estadão sobre a reunião anual da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) em San Diego (Califórnia) é que na análise dos 26 relatórios dos demais países, o jornal conclui que "a vida da imprensa no Brasil está longe de ser um paraíso, mas a dos vizinhos, pelo continente afora, atravessa um momento ainda mais difícil".
O jornal enfatiza que o fato de "o novo governo do Brasil ter demonstrado respeito à liberdade de imprensa e a Colômbia não ter reportado assassinatos de jornalistas" são as únicas boas notícias contidas no informe da SIP divulgado em San Diego.
Vejam, subrepticiamente com isto, e mais com as críticas ao ex-ministro da Comunicação Franklin Martins, eles insistem na teoria de que o governo Lula ameaçava a liberdade de imprensa. Nunca ameaçou. Na verdade, o ex-ministro abriu a discussão da comunicação no país e chamou para a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (CONFECOM) todos os atores envolvidos no debate.
Uma bela discussão
Então, debater e abrir para outros atores, além daqueles que detém o poder econômico e o monopólio da mídia, a discussão sobre a comunicação no país significa "censura"? Este discurso é de um cinismo sem tamanho.
Regulamentação da mídia jamais é sinônimo de restrição à liberdade. Pelo contrário, é um instrumento para que a censura do poder econômico e político não cerceie a pluralidade de vozes e a produção da informação no país.
Aliás, aproveito nesta nota para recomendar a todos que leiam o novo livro do professor Venício A. de Lima "Regulação das comunicações - História, poder e direitos" . Nesta obra, ele questiona "como regular o mercado da comunicação de massa numa sociedade em que a informação é uma mercadoria apropriada por empresas privadas portadoras de interesses políticos". Esta é ou não uma bela discussão a ser deflagrada?
Beto Richa volta a censurar blog do PR
Reproduzo mensagem postada no blog de Esmael Morais:
Prezado leitor:
Em respeito à decisão do MM. Juiz de Direito, Austregésilo Trevisan, exarada nos autos nº 049.205/2010, da 17ª Vara Civel de Curitiba, a pedido do senhor Carlos Alberto Richa e familiares, este blog encontra-se fora do ar, e assim permanecerá até ulterior decisão em sentido contrário.
Peço desculpa ao leitor pelo transtorno, ao mesmo tempo em que informo que providências estão sendo tomadas para a normalização do blog.
Atenciosamente,
Esmael Alves de Morais
Editor.
Prezado leitor:
Em respeito à decisão do MM. Juiz de Direito, Austregésilo Trevisan, exarada nos autos nº 049.205/2010, da 17ª Vara Civel de Curitiba, a pedido do senhor Carlos Alberto Richa e familiares, este blog encontra-se fora do ar, e assim permanecerá até ulterior decisão em sentido contrário.
Peço desculpa ao leitor pelo transtorno, ao mesmo tempo em que informo que providências estão sendo tomadas para a normalização do blog.
Atenciosamente,
Esmael Alves de Morais
Editor.
A hora é agora. Até o FMI está a favor
Reproduzo artigo de Paulo Kliass, publicado no sítio Carta Maior:
A queda de braço continua! A briga pesada nos bastidores e na frente do palco parece não ter fim. É a antiga disputa por espaço político no interior do governo e também pela hegemonia de idéias e propostas divulgadas pelos meios de comunicação. A cada decisão da Presidenta Dilma ou de sua equipe que venha a ser anunciada ou apenas cogitada, os órfãos do neoliberalismo se agitam nas cadeiras e partem para o ataque.
Suas propostas foram derrotadas no plano da política, depois de todas as novidades ocorridas pelo mundo afora a partir da crise econômica iniciada em 2008. A realidade se encarregou de demonstrar seu equívoco. No entanto, a maior parte dos cargos do sistema financeiro internacional ainda não foi alterada – seus ocupantes são os mesmos. A estrutura operacional do complexo das finanças internacionais ainda está dominada pela visão distorcida do viés “financeirista” e da crença na fé cega do mercado como o elemento mágico que forneceria o equilíbrio eficiente e adequado a cada momento na economia e na sociedade. Ao longo dos últimos três anos a crise pode ter contribuído para colocar em xeque tais posições e soluções. Mas o tempo histórico de solidificação das mudanças das idéias é muito mais lento do que o da política ou mesmo da diplomacia. Esse amadurecimento ideológico é coisa prá quase uma geração.
A boa novidade é que muitas das posições do alto escalão dos organismos internacionais sofreram mudanças, dando espaços até então considerados inimagináveis a importantes economistas chamados genericamente de “heterodoxos”. É o caso do atual Diretor Geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), o francês e socialista Dominique Strauss Khan, bem como do economista chefe da instituição, Olivier Blanchard, francês e economista ligado ao meio universitário dos Estados Unidos. E também do professor e economista Paulo Nogueira Batista Jr., indicado pelo Presidente Lula em 2007 para diretor do FMI, representando o Brasil e mais oito países da América Latina e Caribe (1).
Porém, parcela considerável das escolas e das faculdades ainda estão dominadas por uma visão de mundo ultrapassada e conservadora, em especial no que se refere ao fenômeno econômico. Os meios de comunicação também contribuem para criar essa falsa idéia quanto à existência de um consenso entre os especialistas e analistas a respeito das alternativas de política econômica. Os servidores públicos e a tecnocracia estatal, em grande parte, também foram formados segundo essas mesmas visões e encontram grande dificuldade em operar uma transição nessa era pós-falência do credo, espalhado aos quatro cantos, do extinto Consenso de Washington. Ao contrário da conjuntura dos anos 60, onde figuras como Raúl Prebisch e Celso Furtado tinham reconhecimento e espaço para implementar suas idéias desenvolvimentistas no interior dos governos dos países e órgãos como a CEPAL, os tempos atuais são mais difíceis.
Dentre os inúmeros itens da pauta de governo, a ser desconstruída pelos mercadistas de plantão, constam dois pontos que merecem nossa atenção. O primeiro está associado à questão cambial e à forma pela qual o governo deveria sair da armadilha que lhe foi preparada. O segundo relaciona-se à política de controle de capitais estrangeiros, prática sempre acusada de ser estatista e intervencionista pelos liberais de conveniência.
Todos assistimos ao verdadeiro desencontro de informações em torno das medidas que o governo já decretou, e outras que estaria ainda por divulgar, para lidar com a enxurrada de divisas estrangeiras que não param de penetrar em nosso circuito econômico. Um verdadeiro tsunami financeiro, com todas as conseqüências negativas que um evento dessa natureza pode aportar. Também, não é para menos! Há mais de uma década que o Brasil vem oferecendo ao resto do mundo a maior taxa de juros real, estimulado pelo patamar mínimo, definido pelo governo, ao estabelecer a taxa SELIC. O fenômeno foi ainda reforçado ao longo dos últimos três anos, quando a maior parte das autoridades monetárias do mundo desenvolvido reduziu para praticamente zero as suas taxas de juros oficiais. Era a recomendação consensual para sair da crise e estimular a retomada do crescimento naquelas terras. Porém, para a turminha das finanças na esfera internacional, abria-se ainda mais a possibilidade de ganhar dinheiro fácil, às custas do Tesouro Nacional, com sede aqui em Brasília.
E a coisa foi tomando uma dimensão cada vez mais perigosa. O maior parte desse volume ainda estava associado aos recursos dos grandes fundos financeiros internacionais, especulativos por sua própria natureza, em busca da rentabilidade fácil e sem riscos. Mas as grandes empresas operando aqui dentro do Brasil também enxergaram a tal da “janela de oportunidade” e passaram a tomar cada vez mais seus empréstimos junto aos bancos lá fora. Afinal, o procedimento parece bem simples e lógico. Tudo começa com a análise do chamado diferencial das taxas de juros. As do FED, o Banco Central dos EUA, estão entre 0% e 0,25% ao ano. O Banco Central Europeu acabou de elevar a sua para 1,25% ao ano. Erro de digitação? Não, não! Os valores são esses mesmo!
E aí a coisa começa, em um procedimento que qualquer operador do mercado financeiro domina sem menor dificuldade. Tomo empréstimo em dólar ou euro a essa taxa de juros reduzidíssima. Internalizo esse recurso no Brasil e transformo em real. Aplico no mercado financeiro com remuneração seguramente superior aos 11,75% anuais da SELIC e ainda conto com a garantia de que a política cambial do governo é “imexível”. Quando for pagar esse compromisso lá fora, talvez a taxa de câmbio esteja até mais favorável para mim. Pronto: está feita a mágica da geração espontânea... de moeda. Ganho nas duas pontas. E não parece muito difícil imaginar quem perde, quem paga essa conta no final do banquete.
Vamos a um simples exemplo numérico? Imaginemos um fundo estrangeiro que tivesse aplicado US$ 1 milhão há um ano atrás aqui no Brasil. Ao internalizar o recurso, com a taxa de câmbio à época a 1,77, a quantia transformou-se em R$ 1,77 milhão. Com uma aplicação financeira bem tímida (por exemplo, compra de títulos da dívida pública federal), recebeu algo como 12% no ano. Estávamos com R$ 2,12 milhões ontem. E ao sair hoje, com a taxa de câmbio de 1,61, o gestor do fundo recebe lá fora o equivalente a US$ 1,32 milhão. Uma rentabilidade extraordinária de 32% em moeda norte-americana! O cara vai receber um baita bônus e ainda será promovido na empresa, é claro! Uma loucura!
Ainda na linha do “nunca-antes-na-história-deste-país”, foram divulgadas nos últimos dias as informações a respeito da entrada e saída de recursos externos no Brasil ao longo do primeiro trimestre do presente ano. O saldo líquido (entradas menos saídas) atingiu a impressionante marca positiva de US$ 36 bilhões entre primeiro de janeiro e 31 de março. Ou seja, um recorde histórico para esse fluxo financeiro, desde que o BC passou a divulgar essa estatística, há 30 anos atrás. Esse montante significa o dobro do recorde anterior, quando, no primeiro trimestre de 2007, o fluxo foi de US$ 18 bilhões. Ou ainda, para efeito de comparação, um valor quase 50% mais alto do que aquele verificado ao longo de todo o exercício de 2010. Ou seja, o Brasil ainda continua sendo um paraíso de ganho financeiro.
O estranho é que governo tenha aguardado a divulgação do resultado acumulado dos três meses, quando já sabia antes dessa tendência, por meio do acompanhamento cotidiano das operações pelo Banco Central, autoridade de supervisão e de fiscalização do mercado financeiro. E apenas anunciou, timidamente, a extensão da cobrança de 6% de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre os empréstimos em moeda em estrangeira do prazo de um ano para dois anos. Muito pouco.
Mas e o que a equipe econômica fez com o grande volume de recursos especulativos que ingressa para aplicar em nosso mercado financeiro e pode pular fora no momento que quiser? Nada! As propostas existem e circulam há muito tempo por aí. Ampliar a cobrança desse IOF para todas as operações financeiras que vierem de fora. Estabelecer uma quarentena para o recurso que vier para o mercado financeiro, de forma que o operador se comprometa com um período mínimo (dois anos, por exemplo) para depois voltar à sua praça de origem. E também a cobrança de Imposto de Renda para esse tipo de aplicação, como se faz para as aplicações dos residentes aqui.
Além do prejuízo que tal postura de passividade provoca em termos de alocação de recursos orçamentários para pagamento de juros da dívida pública, o ingresso de recursos externos também prejudica nossa economia por meio da tendência à valorização da taxa de câmbio, do real frente ao dólar norte-americano e demais moedas do mundo. Enquanto escrevo essas linhas, o mercado financeiro registra mais um dia de aposta contra as posições do governo. E este último se vê obrigado a “enxugar gelo”, como se diz no jargão do mercado financeiro. O Tesouro e o BACEN torram um montão de dinheiro para comprar divisas e, assim, tentar segurar a cotação do real. Mas acabam perdendo a batalha nos dias e nas semanas seguintes, pois o fluxo de entrada não diminui. Este tem sido o enredo recorrente desde a instalação do Plano Real.
O interessante, no entanto, é que apesar da má vontade dos nossos saudosistas das propostas da ortodoxia monetária, o mundo está mudando. Até o próprio FMI aparenta mudanças em suas posições oficiais no que se refere às propostas de política monetária e de estabilização econômica (1). É verdade que ainda está longe das posições que seriam as mais corretas, do ponto de vista dos países em desenvolvimento. Mas já fala em aceitar, em alguns casos, o próprio mecanismo de controle de capitais externos – o que era uma peça intocável do arranjo de “liberdade de mercado” tão apregoado pelos defensores do lucro fácil às custas do esforço do povo trabalhador.
Estão mais do que demonstrados os efeitos perversos que a manutenção da política de valorização cambial e a ausência de controle de capitais especulativos têm provocado ao nosso País. Economistas, pesquisadores e analistas de variados matizes confluem para tal necessidade. A resistência é localizada no coração do sistema financeiro. É passada a hora de tomar medidas para corrigir esse desvio. Afinal, agora - ironia da História - até mesmo o FMI é favorável a tais mudanças!
Nota:
(1) Ver: http://www.imf.org/external/np/sec/memdir/officers.htm
(2) Ver: http://www.imf.org/external/pubs/ft/survey/so/2011/NEW040511B.htm.
A queda de braço continua! A briga pesada nos bastidores e na frente do palco parece não ter fim. É a antiga disputa por espaço político no interior do governo e também pela hegemonia de idéias e propostas divulgadas pelos meios de comunicação. A cada decisão da Presidenta Dilma ou de sua equipe que venha a ser anunciada ou apenas cogitada, os órfãos do neoliberalismo se agitam nas cadeiras e partem para o ataque.
Suas propostas foram derrotadas no plano da política, depois de todas as novidades ocorridas pelo mundo afora a partir da crise econômica iniciada em 2008. A realidade se encarregou de demonstrar seu equívoco. No entanto, a maior parte dos cargos do sistema financeiro internacional ainda não foi alterada – seus ocupantes são os mesmos. A estrutura operacional do complexo das finanças internacionais ainda está dominada pela visão distorcida do viés “financeirista” e da crença na fé cega do mercado como o elemento mágico que forneceria o equilíbrio eficiente e adequado a cada momento na economia e na sociedade. Ao longo dos últimos três anos a crise pode ter contribuído para colocar em xeque tais posições e soluções. Mas o tempo histórico de solidificação das mudanças das idéias é muito mais lento do que o da política ou mesmo da diplomacia. Esse amadurecimento ideológico é coisa prá quase uma geração.
A boa novidade é que muitas das posições do alto escalão dos organismos internacionais sofreram mudanças, dando espaços até então considerados inimagináveis a importantes economistas chamados genericamente de “heterodoxos”. É o caso do atual Diretor Geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), o francês e socialista Dominique Strauss Khan, bem como do economista chefe da instituição, Olivier Blanchard, francês e economista ligado ao meio universitário dos Estados Unidos. E também do professor e economista Paulo Nogueira Batista Jr., indicado pelo Presidente Lula em 2007 para diretor do FMI, representando o Brasil e mais oito países da América Latina e Caribe (1).
Porém, parcela considerável das escolas e das faculdades ainda estão dominadas por uma visão de mundo ultrapassada e conservadora, em especial no que se refere ao fenômeno econômico. Os meios de comunicação também contribuem para criar essa falsa idéia quanto à existência de um consenso entre os especialistas e analistas a respeito das alternativas de política econômica. Os servidores públicos e a tecnocracia estatal, em grande parte, também foram formados segundo essas mesmas visões e encontram grande dificuldade em operar uma transição nessa era pós-falência do credo, espalhado aos quatro cantos, do extinto Consenso de Washington. Ao contrário da conjuntura dos anos 60, onde figuras como Raúl Prebisch e Celso Furtado tinham reconhecimento e espaço para implementar suas idéias desenvolvimentistas no interior dos governos dos países e órgãos como a CEPAL, os tempos atuais são mais difíceis.
Dentre os inúmeros itens da pauta de governo, a ser desconstruída pelos mercadistas de plantão, constam dois pontos que merecem nossa atenção. O primeiro está associado à questão cambial e à forma pela qual o governo deveria sair da armadilha que lhe foi preparada. O segundo relaciona-se à política de controle de capitais estrangeiros, prática sempre acusada de ser estatista e intervencionista pelos liberais de conveniência.
Todos assistimos ao verdadeiro desencontro de informações em torno das medidas que o governo já decretou, e outras que estaria ainda por divulgar, para lidar com a enxurrada de divisas estrangeiras que não param de penetrar em nosso circuito econômico. Um verdadeiro tsunami financeiro, com todas as conseqüências negativas que um evento dessa natureza pode aportar. Também, não é para menos! Há mais de uma década que o Brasil vem oferecendo ao resto do mundo a maior taxa de juros real, estimulado pelo patamar mínimo, definido pelo governo, ao estabelecer a taxa SELIC. O fenômeno foi ainda reforçado ao longo dos últimos três anos, quando a maior parte das autoridades monetárias do mundo desenvolvido reduziu para praticamente zero as suas taxas de juros oficiais. Era a recomendação consensual para sair da crise e estimular a retomada do crescimento naquelas terras. Porém, para a turminha das finanças na esfera internacional, abria-se ainda mais a possibilidade de ganhar dinheiro fácil, às custas do Tesouro Nacional, com sede aqui em Brasília.
E a coisa foi tomando uma dimensão cada vez mais perigosa. O maior parte desse volume ainda estava associado aos recursos dos grandes fundos financeiros internacionais, especulativos por sua própria natureza, em busca da rentabilidade fácil e sem riscos. Mas as grandes empresas operando aqui dentro do Brasil também enxergaram a tal da “janela de oportunidade” e passaram a tomar cada vez mais seus empréstimos junto aos bancos lá fora. Afinal, o procedimento parece bem simples e lógico. Tudo começa com a análise do chamado diferencial das taxas de juros. As do FED, o Banco Central dos EUA, estão entre 0% e 0,25% ao ano. O Banco Central Europeu acabou de elevar a sua para 1,25% ao ano. Erro de digitação? Não, não! Os valores são esses mesmo!
E aí a coisa começa, em um procedimento que qualquer operador do mercado financeiro domina sem menor dificuldade. Tomo empréstimo em dólar ou euro a essa taxa de juros reduzidíssima. Internalizo esse recurso no Brasil e transformo em real. Aplico no mercado financeiro com remuneração seguramente superior aos 11,75% anuais da SELIC e ainda conto com a garantia de que a política cambial do governo é “imexível”. Quando for pagar esse compromisso lá fora, talvez a taxa de câmbio esteja até mais favorável para mim. Pronto: está feita a mágica da geração espontânea... de moeda. Ganho nas duas pontas. E não parece muito difícil imaginar quem perde, quem paga essa conta no final do banquete.
Vamos a um simples exemplo numérico? Imaginemos um fundo estrangeiro que tivesse aplicado US$ 1 milhão há um ano atrás aqui no Brasil. Ao internalizar o recurso, com a taxa de câmbio à época a 1,77, a quantia transformou-se em R$ 1,77 milhão. Com uma aplicação financeira bem tímida (por exemplo, compra de títulos da dívida pública federal), recebeu algo como 12% no ano. Estávamos com R$ 2,12 milhões ontem. E ao sair hoje, com a taxa de câmbio de 1,61, o gestor do fundo recebe lá fora o equivalente a US$ 1,32 milhão. Uma rentabilidade extraordinária de 32% em moeda norte-americana! O cara vai receber um baita bônus e ainda será promovido na empresa, é claro! Uma loucura!
Ainda na linha do “nunca-antes-na-história-deste-país”, foram divulgadas nos últimos dias as informações a respeito da entrada e saída de recursos externos no Brasil ao longo do primeiro trimestre do presente ano. O saldo líquido (entradas menos saídas) atingiu a impressionante marca positiva de US$ 36 bilhões entre primeiro de janeiro e 31 de março. Ou seja, um recorde histórico para esse fluxo financeiro, desde que o BC passou a divulgar essa estatística, há 30 anos atrás. Esse montante significa o dobro do recorde anterior, quando, no primeiro trimestre de 2007, o fluxo foi de US$ 18 bilhões. Ou ainda, para efeito de comparação, um valor quase 50% mais alto do que aquele verificado ao longo de todo o exercício de 2010. Ou seja, o Brasil ainda continua sendo um paraíso de ganho financeiro.
O estranho é que governo tenha aguardado a divulgação do resultado acumulado dos três meses, quando já sabia antes dessa tendência, por meio do acompanhamento cotidiano das operações pelo Banco Central, autoridade de supervisão e de fiscalização do mercado financeiro. E apenas anunciou, timidamente, a extensão da cobrança de 6% de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre os empréstimos em moeda em estrangeira do prazo de um ano para dois anos. Muito pouco.
Mas e o que a equipe econômica fez com o grande volume de recursos especulativos que ingressa para aplicar em nosso mercado financeiro e pode pular fora no momento que quiser? Nada! As propostas existem e circulam há muito tempo por aí. Ampliar a cobrança desse IOF para todas as operações financeiras que vierem de fora. Estabelecer uma quarentena para o recurso que vier para o mercado financeiro, de forma que o operador se comprometa com um período mínimo (dois anos, por exemplo) para depois voltar à sua praça de origem. E também a cobrança de Imposto de Renda para esse tipo de aplicação, como se faz para as aplicações dos residentes aqui.
Além do prejuízo que tal postura de passividade provoca em termos de alocação de recursos orçamentários para pagamento de juros da dívida pública, o ingresso de recursos externos também prejudica nossa economia por meio da tendência à valorização da taxa de câmbio, do real frente ao dólar norte-americano e demais moedas do mundo. Enquanto escrevo essas linhas, o mercado financeiro registra mais um dia de aposta contra as posições do governo. E este último se vê obrigado a “enxugar gelo”, como se diz no jargão do mercado financeiro. O Tesouro e o BACEN torram um montão de dinheiro para comprar divisas e, assim, tentar segurar a cotação do real. Mas acabam perdendo a batalha nos dias e nas semanas seguintes, pois o fluxo de entrada não diminui. Este tem sido o enredo recorrente desde a instalação do Plano Real.
O interessante, no entanto, é que apesar da má vontade dos nossos saudosistas das propostas da ortodoxia monetária, o mundo está mudando. Até o próprio FMI aparenta mudanças em suas posições oficiais no que se refere às propostas de política monetária e de estabilização econômica (1). É verdade que ainda está longe das posições que seriam as mais corretas, do ponto de vista dos países em desenvolvimento. Mas já fala em aceitar, em alguns casos, o próprio mecanismo de controle de capitais externos – o que era uma peça intocável do arranjo de “liberdade de mercado” tão apregoado pelos defensores do lucro fácil às custas do esforço do povo trabalhador.
Estão mais do que demonstrados os efeitos perversos que a manutenção da política de valorização cambial e a ausência de controle de capitais especulativos têm provocado ao nosso País. Economistas, pesquisadores e analistas de variados matizes confluem para tal necessidade. A resistência é localizada no coração do sistema financeiro. É passada a hora de tomar medidas para corrigir esse desvio. Afinal, agora - ironia da História - até mesmo o FMI é favorável a tais mudanças!
Nota:
(1) Ver: http://www.imf.org/external/np/sec/memdir/officers.htm
(2) Ver: http://www.imf.org/external/pubs/ft/survey/so/2011/NEW040511B.htm.
Realengo e a guerra pela audiência
Reproduzo artigo de Helena Sthephanowitz, publicado na Rede Brasil Atual:
A tragédia de Realengo é algo tão insano que exige reflexão sobre a cobertura na forma de espetáculo que vemos na TV, nos portais da imprensa corporativa.
A alma do negócio, no jornalismo televisivo, é falar e exibir. O silêncio, a reflexão, a sobriedade, derruba a audiência, quando no calor dos acontecimentos o telespectador, de boa-fé, busca respostas e explicações lógicas para algo tão insensato.
Mas qual o papel da mídia? Que mensagem deve passar, senão a verdade factual e os valores que interessam à própria sociedade para que isso não se repita?
É claro que a informação factual é necessária. O que aconteceu, quando, onde, por que, e até informar como ajudar e como não atrapalhar os serviços de socorro. Só que isso, objetivamente, só rende poucos minutos de notícia no dia. Então enchem a programação com especulações de "especialistas" e biografia do psicótico, transformando-o numa celebridade.
Mas cabe fazer do psicótico (que também foi vítima da própria loucura), uma celebridade? Quando se sabe que o "prêmio" buscado por outros psicóticos é o exibicionismo da pior maneira, cometendo atos bárbaros e impactantes como este?
Cabe a "corrida do ouro" de levar ao ar toda e qualquer informação inócua garimpada sobre a biografia do psicótico, sem pensar que insanos como este, são motivados, muitas vezes, também para aparecer nos holofotes da mídia?
Cabe ficar o dia inteiro reunindo "especialistas" para especular num caso destes, em intermináveis testes de hipóteses inócuos, apenas para o telespectador não mudar de canal?
Cabe especular com sensacionalismo sobre fundamentalismo religioso, demonizando religiões? Não seria mais ético e útil para a sociedade explicar que não existe religião nenhuma no mundo que pregue, nem justifique um ato destes?
Não seria melhor levar ao ar reflexões sobre o culto do individualismo neoliberal em detrimento de organizações sociais coletivas, onde uns cuidariam dos outros, evitando que os demônios internos de cada um se aflorassem, na solidão e isolamento?
O individualismo está tão encrustado na cabeça dos colunistas, que imediatamente pensam em mirabolantes detectores de metais na portaria das escolas, como se um louco obsessivo não fosse capaz de pular o muro dos fundos, ou simplesmente esperar do lado de fora para atirar na hora da saída.
Além disso, escola não é banco. Escola tem que ensinar matemática, português, mas tem também que ser ambiente propício a formar cidadãos éticos com o próximo, solidários, respeitosos com os mais fracos e com as minorias, conscientes de seus direitos e deveres, conscientes de que devem andar desarmados, independente de detectores de metais. Conscientes de que devem resolver conflitos com diálogo, com civilidade, e não pela violência.
O pior é que os colunistas que cultuam o individualismo e reclamam por caríssimos sistemas de segurança com detectores de metais e seguranças armados, são os mesmos que pregam cortes de impostos onde não se pode cortar, como o crime que cometeram contra a saúde pública ao fazerem campanha contra a CPMF.
Em vez de gastar dinheiro com cada vez mais equipamentos de segurança e armas, melhor gastar na formação cidadã: investir no professor, no aluno e na família do aluno (sobretudo na mãe).
Não cabe censura à imprensa, mas cabe repúdio aos péssimos valores que a imprensa passa, na corrida pela audiência e pelo lobby das elites arcaicas que são os barões da mídia. Nas concessões públicas de rádio e TV, a sociedade tem o direito de conceder para uso ético, para a construção da sociedade que queremos, e não para a mera corrida comercial pela audiência a qualquer preço, inclusive incentivando indiretamente futuras tragédias como essas, quando mostradas como se fosse um reality show.
A tragédia de Realengo é algo tão insano que exige reflexão sobre a cobertura na forma de espetáculo que vemos na TV, nos portais da imprensa corporativa.
A alma do negócio, no jornalismo televisivo, é falar e exibir. O silêncio, a reflexão, a sobriedade, derruba a audiência, quando no calor dos acontecimentos o telespectador, de boa-fé, busca respostas e explicações lógicas para algo tão insensato.
Mas qual o papel da mídia? Que mensagem deve passar, senão a verdade factual e os valores que interessam à própria sociedade para que isso não se repita?
É claro que a informação factual é necessária. O que aconteceu, quando, onde, por que, e até informar como ajudar e como não atrapalhar os serviços de socorro. Só que isso, objetivamente, só rende poucos minutos de notícia no dia. Então enchem a programação com especulações de "especialistas" e biografia do psicótico, transformando-o numa celebridade.
Mas cabe fazer do psicótico (que também foi vítima da própria loucura), uma celebridade? Quando se sabe que o "prêmio" buscado por outros psicóticos é o exibicionismo da pior maneira, cometendo atos bárbaros e impactantes como este?
Cabe a "corrida do ouro" de levar ao ar toda e qualquer informação inócua garimpada sobre a biografia do psicótico, sem pensar que insanos como este, são motivados, muitas vezes, também para aparecer nos holofotes da mídia?
Cabe ficar o dia inteiro reunindo "especialistas" para especular num caso destes, em intermináveis testes de hipóteses inócuos, apenas para o telespectador não mudar de canal?
Cabe especular com sensacionalismo sobre fundamentalismo religioso, demonizando religiões? Não seria mais ético e útil para a sociedade explicar que não existe religião nenhuma no mundo que pregue, nem justifique um ato destes?
Não seria melhor levar ao ar reflexões sobre o culto do individualismo neoliberal em detrimento de organizações sociais coletivas, onde uns cuidariam dos outros, evitando que os demônios internos de cada um se aflorassem, na solidão e isolamento?
O individualismo está tão encrustado na cabeça dos colunistas, que imediatamente pensam em mirabolantes detectores de metais na portaria das escolas, como se um louco obsessivo não fosse capaz de pular o muro dos fundos, ou simplesmente esperar do lado de fora para atirar na hora da saída.
Além disso, escola não é banco. Escola tem que ensinar matemática, português, mas tem também que ser ambiente propício a formar cidadãos éticos com o próximo, solidários, respeitosos com os mais fracos e com as minorias, conscientes de seus direitos e deveres, conscientes de que devem andar desarmados, independente de detectores de metais. Conscientes de que devem resolver conflitos com diálogo, com civilidade, e não pela violência.
O pior é que os colunistas que cultuam o individualismo e reclamam por caríssimos sistemas de segurança com detectores de metais e seguranças armados, são os mesmos que pregam cortes de impostos onde não se pode cortar, como o crime que cometeram contra a saúde pública ao fazerem campanha contra a CPMF.
Em vez de gastar dinheiro com cada vez mais equipamentos de segurança e armas, melhor gastar na formação cidadã: investir no professor, no aluno e na família do aluno (sobretudo na mãe).
Não cabe censura à imprensa, mas cabe repúdio aos péssimos valores que a imprensa passa, na corrida pela audiência e pelo lobby das elites arcaicas que são os barões da mídia. Nas concessões públicas de rádio e TV, a sociedade tem o direito de conceder para uso ético, para a construção da sociedade que queremos, e não para a mera corrida comercial pela audiência a qualquer preço, inclusive incentivando indiretamente futuras tragédias como essas, quando mostradas como se fosse um reality show.
Realengo e as análises precipitadas
Reproduzo entrevista concedida à jornalista Heloisa Villela, de Washington, publicada no blog Viomundo:
Os Estados Unidos têm uma longa lista de massacres e incidentes com armas de fogo em escolas. Columbine, no Colorado, ou a Politécnica, da Virgínia, são alguns dos exemplos mais conhecidos e dramáticos com grande número de mortos. A necessidade de evitar que novas mortes aconteçam no lugar que as crianças têm que frequentar todos os dias, e onde devem estar seguras, provocou uma parceria entre o Serviço Secreto e a Secretaria de Educação. Um estudo aprofundado e feito longe do calor do momento.
William Modzeleski, Sub-Secretário de Educação para a Segurança das Escolas, participou do grupo que elaborou o estudo entitulado “Implicações para a prevenção de ataques em escolas dos Estados Unidos”. Ele é taxativo: não existe um perfil padrão dos atiradores e diz que é fundamental ouvir os jovens e crianças. Ele também afirmou que as primeiras avaliações e os relatos da imprensa, no momento da tragédia, sempre contém muitos erros.
O estudo, do qual ele é coautor, se concentrou em incidentes registrados em escolas do Jardim da Infância, de Ensino Fundamental e Ensino Médio. Entrevistei William Modzeleski no dia em que aconteceu o massacre na escola de Realengo, no Rio. Um pequeno trecho da entrevista foi ao ar no Jornal da Record, no mesmo dia. Aqui, a entrevista completa para o Viomundo:
Quando e por que foi feito esse estudo?
O estudo foi feito depois de 1999, depois do que aconteceu em Columbine, no Colorado, como um desdobramento. O Serviço Secreto tinha terminado um estudo sobre tentativas de assassinato das pessoas que eles tem que proteger – o Presidente e o Vice-Presidente. Então, o diretor do Serviço Secreto procurou o Secretário de Educação na época, Richar Riley, e disse que podia nos emprestar o pessoal dele para nos ajudar a fazer um estudo sobre as pessoas que estavam indo às escolas matar crianças.
Naquele momento, em 99, tínhamos passado por vários incidentes. Columbine não foi o primeiro nem o último. O Departamento de Educação aprovou a idéia. Então, analisamos 37 casos, 41 indivíduos que entraram em escolas entre 1974 e 1999 e fizeram o que chamamos de ataques que tinham as escolas como alvo. São incidentes em que o indivíduo seleciona a escola alvo. De antemão, quer fazer algo, entrar na escola, atirar ou detonar bombas. Não olhamos apenas os arquivos dos casos mas também entrevistamos 10 das pessoas que participaram desses ataques.E o que aconteceu no seu país, agora, é comum aqui: a pessoa que ataca acaba cometendo suicídio logo depois ou durante o incidente.
Quais foram as conclusões do estudo?
Uma das nossas conclusões foi que esses ataques não são impulsivos. Não acontecem num momento de explosão. Começam com um pensamento, depois o atirador desenvolve um plano, o meio de levar ele a cabo: comprar uma arma, ou o que quer que seja que precise. Em geral, existe um prazo de planejamento que pode ser de algumas semanas, alguns meses e, como no caso de Columbine, pode levar mais de um ano. O que nós percebemos é que existe um período de tempo em que podemos interferir e agir.
E o que mais?
A segunda descoberta foi que, em sua maioria, os agressores não eram pessoas isoladas que ninguém conhecia. Eram pessoas conhecidas na comunidade, que os professores sabiam que tinham problemas e que ninguém fez nada. E mais: quase todos contaram a outras pessoas o que íam fazer. Não guardaram segredo. Quase todos os agressores estavam na faixa dos 13 aos 19 anos. E a maioria dos adolescentes têm dificuldade de manter segredo. Eles falam com outras pessoas. Também descobrimos que, mesmo depois de contarem a outras pessoas que íam atirar e matar na escola, essas pessoas não contaram para mais ninguém e simplesmente não acreditaram.
O que existe de comum entre esses jovens?
Vimos que quase todos passaram por algum evento traumático. E não se pode pensar nisso com a cabeça de um adulto e sim com a mentalidade de um jovem porque o que afeta os adolescentes é muito diferente. Alguns perderam a namorada, outros não conseguiram vaga na universidade, tiveram notas baixas. ¾ das crianças atravessaram situações constantes de agressão na escola. Como vítimas e/ou como agressoras. É mais um sinal que deve ser observado.
Agora, o que nós descobrimos e surpreende muita gente é que não existe perfil padrão do jovem que faz isso. Muita gente gostaria que disséssemos: “esses assassinos são todos homens, tem uma determinada idade, se parecem com este ou aquele perfil, se vestem assim ou assado”. Mas descobrimos que são todos diferentes. Alguns tem boas notas outros não. Alguns tem problemas de comportamento na escola e outros não.
E são todos homens?
Até o momento em que terminamos o estudo, sim. Mas depois que concluímos, houve um caso de uma mulher, na Pensilvânia, e descobrimos, depois, casos envolvendo alunas do sexo feminino que tentaram matar colegas, na escola, em 1970, na Califórnia. Então, não existe perfil. É mais um problema de comportamento do que de aparência e características. Como agem, o que falam, o que fazem? Muitas dessas crianças fizeram ameaças, falaram em atirar, desenharam cenas, tiveram atitudes violentas. Deram vários sinais e nós ignoramos.
Sexo, raça, religião, doenças mentais, nada disso é luz vermelha que dever ser observada? O rapaz da Virgínia Tech, dizem que tinham problemas mentais, por exemplo.
É bem mais complexo… Quando falamos de doenças mentais, por exemplo, é preciso ter outros fatores associados a elas. Doença mental é um termo muito genério e existem vários tipos de necessidades na área de saúde mental. Milhões de pessoas têm necessidades na área de saúde mental nesse país. Não é nisso que devemos prestar atenção e sim nos comportamentos relacionados com atitudes violentas: a pessoa tem armas? Tem problemas com álcool e drogas? Têm feito ameaças? E vimos que os atiradores apresentam esses comportamento tenham necessidades na área de saúde mental ou não.
O senhor disse que existe, normalmente, uma janela, um espaço de tempo em que é possível fazer algo. O que pode ser feito para evitar problemas como esse?
O primeiro passo é identificar as pessoas que têm esses problemas de comportamento e entender o que são e trabalhar dentro da comunidade para oferecer os serviços necessários. Acompanhar o indivíduo. Acima de tudo, descobrimos que muitas dessas crianças não têm um adulto na vida delas. Alguém com quem possam conversar sobre os problemas que estão enfrentando. Parte do que estamos dizendo no estudo não é apenas identificar as crianças que apresentam esses comportamentos mas também perguntar: existe um adulto ao qual possamos associar essa criança? Pode ser um irmão mais velho… Alguém em quem possam confiar. Isso faz muita diferença.
Além de encontrar um interlocutor adulto para que essas crianças sejam ouvidas, dificultar o acesso a armas não seria importante também?
No nosso estudo, a maioria das pessoas que matou nas escolas, usou armas comuns, vendidas em muitos lugares do país. Muitas dessas armas foram obtidas ilegalmente. Foram roubadas de casa, ou da casa do vizinho. Então, é importante descobrir como evitar que as armas caiam nas mãos dos que, legalmente, não deveriam ter armas.
E como fazer para facilitar o contato desses jovens com adultos que os ouçam?
Os primeiros adultos na vida das crianças são os pais. É preciso ver se eles estão presentes e se se comunicam. Como acontece em muitos outros países, aqui também, em muitas famílias não existe uma mãe ou um pai que se comunique com os filhos. E quando isso acontece, temos que criar oportunidades. Grupos e organizações civis que estão disponíveis. Se não houver pai ou mãe, é preciso que haja um adulto responsável.
Pode ser um professor?
Claro! Em muitos casos, é o professor que faz um trabalho maravilhoso de conversar com as crianças e ir muito além das necessidades acadêmicas, tratando também dos problemas emocionais.
Os Estados Unidos lideram neste tipo de problema, mas já aconteceram casos na Alemanha, na Finlândia, na Nova Zelândia…
Deixe-me corrigir uma impressão equivocada de que nossas escolas são lugares perigosos e que esses incidentes acontecem com frequência… Não é o caso. Apenas 1% dos homicídos de crianças na faixa de 5 a 18 anos acontece nas escolas. Então, as escolas são seguras. Mas podem se tornar ainda mais seguras? Podem. E estamos trabalhando muito para que todas as escolas do país sejam seguras porque entendemos que as crianças não podem aprender e os professores não podem ensinar se estiverem em um ambiente no qual sempre sentem medo. E podemos tornar as escolas mais seguras transformando a cultura dentro delas para que as crianças não agridam umas às outras, para que não haja o chamado bullying. Garantindo que toda criança tenha um adulto ao qual possa recorrer em caso de necessidade. Fazendo com que as crianças entendam que uma arma não é o meio para resolver problemas.
Então, não é instalando detectores de metais…
Os detectores tem seu lugar em algumas escolas. Não devem ser a única medida porque as crianças não podem conversar com detectores de metais. Mas depende muito das condições e dos problemas que a escola enfrenta. Se é uma escola que nunca teve problema com armas, por que ter um detector de metais? Mas se você fez um levantamento e viu que muitos alunos têm problemas com drogas, você precisa de um programa de drogas. Muitos adolescentes tem problemas sociais, tem problemas com namorados… É o fator humano!
E por que esses atiradores fazem a escola de alvo?
De acordo com as entrevistas que fizemos, é porque foi na escola que sofreram algo. Onde se sentiram provocados, agredidos, onde estão as pessoas que, na cabeça deles, os estavam perseguidos. É uma escolha lógica.
Que medidas estão sendo tomadas para tornar as escolas americanas mais seguras?
Antes de mais nada, reconhecer e entender qual é o problema. Há 20 anos achávamos que as escolas precisavam de programas e começamos a fazer vários. Prevenção de violência, de drogas. Mas não tínhamos uma compreensão do problema. Agora, estamos empurrando as escolas para que tenham um entendimento melhor dos problemas. Que façam pesquisas, falem com as crianças e levantem informações porque enquanto não fazem isso, não podem desenvolver programas.
Uma coisa que encorajamos muito é para que re-examinem suas políticas para ver se são muito punitivas. Você expulsa a criança por qualquer motivo ou oferece alternativas? Pedimos a todas as escolas do país que desenvolvam parcerias com a comunidade. Com os serviços de saúde mental, com a polícia local. Se o principal problema da escola é bullying, é preciso mudar a cultura da escola.
No caso do Brasil, considerando que cada país é um país e cada cultura é uma cultura, o que o senhor diria às autoridades brasileiras, que tipo de alerta ofereceria?
Não sei muito sobre o caso do Brasil. É difícil falar. Mas acho que devem fazer o mesmo que fizemos aqui: primeiro, tentar entender o que está acontecendo. Depois vai poder desenhar algum programa. Mas acho que não é por causa de um incidente que você vai traçar política. Pode ser apenas uma aberração. Antes de pensar em criar qualquer política, é preciso entender melhor o que aconteceu.
Nota: Nos casos analisados pelo estudo, 76% dos atiradores eram brancos, 12% Afro-Americanos, 5% hispânicos, 2% Native-Alaskans, 2% Native-Americans e 2% Asiáticos.
Os Estados Unidos têm uma longa lista de massacres e incidentes com armas de fogo em escolas. Columbine, no Colorado, ou a Politécnica, da Virgínia, são alguns dos exemplos mais conhecidos e dramáticos com grande número de mortos. A necessidade de evitar que novas mortes aconteçam no lugar que as crianças têm que frequentar todos os dias, e onde devem estar seguras, provocou uma parceria entre o Serviço Secreto e a Secretaria de Educação. Um estudo aprofundado e feito longe do calor do momento.
William Modzeleski, Sub-Secretário de Educação para a Segurança das Escolas, participou do grupo que elaborou o estudo entitulado “Implicações para a prevenção de ataques em escolas dos Estados Unidos”. Ele é taxativo: não existe um perfil padrão dos atiradores e diz que é fundamental ouvir os jovens e crianças. Ele também afirmou que as primeiras avaliações e os relatos da imprensa, no momento da tragédia, sempre contém muitos erros.
O estudo, do qual ele é coautor, se concentrou em incidentes registrados em escolas do Jardim da Infância, de Ensino Fundamental e Ensino Médio. Entrevistei William Modzeleski no dia em que aconteceu o massacre na escola de Realengo, no Rio. Um pequeno trecho da entrevista foi ao ar no Jornal da Record, no mesmo dia. Aqui, a entrevista completa para o Viomundo:
Quando e por que foi feito esse estudo?
O estudo foi feito depois de 1999, depois do que aconteceu em Columbine, no Colorado, como um desdobramento. O Serviço Secreto tinha terminado um estudo sobre tentativas de assassinato das pessoas que eles tem que proteger – o Presidente e o Vice-Presidente. Então, o diretor do Serviço Secreto procurou o Secretário de Educação na época, Richar Riley, e disse que podia nos emprestar o pessoal dele para nos ajudar a fazer um estudo sobre as pessoas que estavam indo às escolas matar crianças.
Naquele momento, em 99, tínhamos passado por vários incidentes. Columbine não foi o primeiro nem o último. O Departamento de Educação aprovou a idéia. Então, analisamos 37 casos, 41 indivíduos que entraram em escolas entre 1974 e 1999 e fizeram o que chamamos de ataques que tinham as escolas como alvo. São incidentes em que o indivíduo seleciona a escola alvo. De antemão, quer fazer algo, entrar na escola, atirar ou detonar bombas. Não olhamos apenas os arquivos dos casos mas também entrevistamos 10 das pessoas que participaram desses ataques.E o que aconteceu no seu país, agora, é comum aqui: a pessoa que ataca acaba cometendo suicídio logo depois ou durante o incidente.
Quais foram as conclusões do estudo?
Uma das nossas conclusões foi que esses ataques não são impulsivos. Não acontecem num momento de explosão. Começam com um pensamento, depois o atirador desenvolve um plano, o meio de levar ele a cabo: comprar uma arma, ou o que quer que seja que precise. Em geral, existe um prazo de planejamento que pode ser de algumas semanas, alguns meses e, como no caso de Columbine, pode levar mais de um ano. O que nós percebemos é que existe um período de tempo em que podemos interferir e agir.
E o que mais?
A segunda descoberta foi que, em sua maioria, os agressores não eram pessoas isoladas que ninguém conhecia. Eram pessoas conhecidas na comunidade, que os professores sabiam que tinham problemas e que ninguém fez nada. E mais: quase todos contaram a outras pessoas o que íam fazer. Não guardaram segredo. Quase todos os agressores estavam na faixa dos 13 aos 19 anos. E a maioria dos adolescentes têm dificuldade de manter segredo. Eles falam com outras pessoas. Também descobrimos que, mesmo depois de contarem a outras pessoas que íam atirar e matar na escola, essas pessoas não contaram para mais ninguém e simplesmente não acreditaram.
O que existe de comum entre esses jovens?
Vimos que quase todos passaram por algum evento traumático. E não se pode pensar nisso com a cabeça de um adulto e sim com a mentalidade de um jovem porque o que afeta os adolescentes é muito diferente. Alguns perderam a namorada, outros não conseguiram vaga na universidade, tiveram notas baixas. ¾ das crianças atravessaram situações constantes de agressão na escola. Como vítimas e/ou como agressoras. É mais um sinal que deve ser observado.
Agora, o que nós descobrimos e surpreende muita gente é que não existe perfil padrão do jovem que faz isso. Muita gente gostaria que disséssemos: “esses assassinos são todos homens, tem uma determinada idade, se parecem com este ou aquele perfil, se vestem assim ou assado”. Mas descobrimos que são todos diferentes. Alguns tem boas notas outros não. Alguns tem problemas de comportamento na escola e outros não.
E são todos homens?
Até o momento em que terminamos o estudo, sim. Mas depois que concluímos, houve um caso de uma mulher, na Pensilvânia, e descobrimos, depois, casos envolvendo alunas do sexo feminino que tentaram matar colegas, na escola, em 1970, na Califórnia. Então, não existe perfil. É mais um problema de comportamento do que de aparência e características. Como agem, o que falam, o que fazem? Muitas dessas crianças fizeram ameaças, falaram em atirar, desenharam cenas, tiveram atitudes violentas. Deram vários sinais e nós ignoramos.
Sexo, raça, religião, doenças mentais, nada disso é luz vermelha que dever ser observada? O rapaz da Virgínia Tech, dizem que tinham problemas mentais, por exemplo.
É bem mais complexo… Quando falamos de doenças mentais, por exemplo, é preciso ter outros fatores associados a elas. Doença mental é um termo muito genério e existem vários tipos de necessidades na área de saúde mental. Milhões de pessoas têm necessidades na área de saúde mental nesse país. Não é nisso que devemos prestar atenção e sim nos comportamentos relacionados com atitudes violentas: a pessoa tem armas? Tem problemas com álcool e drogas? Têm feito ameaças? E vimos que os atiradores apresentam esses comportamento tenham necessidades na área de saúde mental ou não.
O senhor disse que existe, normalmente, uma janela, um espaço de tempo em que é possível fazer algo. O que pode ser feito para evitar problemas como esse?
O primeiro passo é identificar as pessoas que têm esses problemas de comportamento e entender o que são e trabalhar dentro da comunidade para oferecer os serviços necessários. Acompanhar o indivíduo. Acima de tudo, descobrimos que muitas dessas crianças não têm um adulto na vida delas. Alguém com quem possam conversar sobre os problemas que estão enfrentando. Parte do que estamos dizendo no estudo não é apenas identificar as crianças que apresentam esses comportamentos mas também perguntar: existe um adulto ao qual possamos associar essa criança? Pode ser um irmão mais velho… Alguém em quem possam confiar. Isso faz muita diferença.
Além de encontrar um interlocutor adulto para que essas crianças sejam ouvidas, dificultar o acesso a armas não seria importante também?
No nosso estudo, a maioria das pessoas que matou nas escolas, usou armas comuns, vendidas em muitos lugares do país. Muitas dessas armas foram obtidas ilegalmente. Foram roubadas de casa, ou da casa do vizinho. Então, é importante descobrir como evitar que as armas caiam nas mãos dos que, legalmente, não deveriam ter armas.
E como fazer para facilitar o contato desses jovens com adultos que os ouçam?
Os primeiros adultos na vida das crianças são os pais. É preciso ver se eles estão presentes e se se comunicam. Como acontece em muitos outros países, aqui também, em muitas famílias não existe uma mãe ou um pai que se comunique com os filhos. E quando isso acontece, temos que criar oportunidades. Grupos e organizações civis que estão disponíveis. Se não houver pai ou mãe, é preciso que haja um adulto responsável.
Pode ser um professor?
Claro! Em muitos casos, é o professor que faz um trabalho maravilhoso de conversar com as crianças e ir muito além das necessidades acadêmicas, tratando também dos problemas emocionais.
Os Estados Unidos lideram neste tipo de problema, mas já aconteceram casos na Alemanha, na Finlândia, na Nova Zelândia…
Deixe-me corrigir uma impressão equivocada de que nossas escolas são lugares perigosos e que esses incidentes acontecem com frequência… Não é o caso. Apenas 1% dos homicídos de crianças na faixa de 5 a 18 anos acontece nas escolas. Então, as escolas são seguras. Mas podem se tornar ainda mais seguras? Podem. E estamos trabalhando muito para que todas as escolas do país sejam seguras porque entendemos que as crianças não podem aprender e os professores não podem ensinar se estiverem em um ambiente no qual sempre sentem medo. E podemos tornar as escolas mais seguras transformando a cultura dentro delas para que as crianças não agridam umas às outras, para que não haja o chamado bullying. Garantindo que toda criança tenha um adulto ao qual possa recorrer em caso de necessidade. Fazendo com que as crianças entendam que uma arma não é o meio para resolver problemas.
Então, não é instalando detectores de metais…
Os detectores tem seu lugar em algumas escolas. Não devem ser a única medida porque as crianças não podem conversar com detectores de metais. Mas depende muito das condições e dos problemas que a escola enfrenta. Se é uma escola que nunca teve problema com armas, por que ter um detector de metais? Mas se você fez um levantamento e viu que muitos alunos têm problemas com drogas, você precisa de um programa de drogas. Muitos adolescentes tem problemas sociais, tem problemas com namorados… É o fator humano!
E por que esses atiradores fazem a escola de alvo?
De acordo com as entrevistas que fizemos, é porque foi na escola que sofreram algo. Onde se sentiram provocados, agredidos, onde estão as pessoas que, na cabeça deles, os estavam perseguidos. É uma escolha lógica.
Que medidas estão sendo tomadas para tornar as escolas americanas mais seguras?
Antes de mais nada, reconhecer e entender qual é o problema. Há 20 anos achávamos que as escolas precisavam de programas e começamos a fazer vários. Prevenção de violência, de drogas. Mas não tínhamos uma compreensão do problema. Agora, estamos empurrando as escolas para que tenham um entendimento melhor dos problemas. Que façam pesquisas, falem com as crianças e levantem informações porque enquanto não fazem isso, não podem desenvolver programas.
Uma coisa que encorajamos muito é para que re-examinem suas políticas para ver se são muito punitivas. Você expulsa a criança por qualquer motivo ou oferece alternativas? Pedimos a todas as escolas do país que desenvolvam parcerias com a comunidade. Com os serviços de saúde mental, com a polícia local. Se o principal problema da escola é bullying, é preciso mudar a cultura da escola.
No caso do Brasil, considerando que cada país é um país e cada cultura é uma cultura, o que o senhor diria às autoridades brasileiras, que tipo de alerta ofereceria?
Não sei muito sobre o caso do Brasil. É difícil falar. Mas acho que devem fazer o mesmo que fizemos aqui: primeiro, tentar entender o que está acontecendo. Depois vai poder desenhar algum programa. Mas acho que não é por causa de um incidente que você vai traçar política. Pode ser apenas uma aberração. Antes de pensar em criar qualquer política, é preciso entender melhor o que aconteceu.
Nota: Nos casos analisados pelo estudo, 76% dos atiradores eram brancos, 12% Afro-Americanos, 5% hispânicos, 2% Native-Alaskans, 2% Native-Americans e 2% Asiáticos.
A motivação do atirador de Realengo
Reproduzo artigo de Eduardo Guimarães, publicado no Blog da Cidadania:
O Brasil ainda tenta entender o que levou o soturno e jovem Wellington a praticar aquela insanidade. Reflexão mais fria sobre o caso, porém, permite identificar um ponto em comum entre casos como o de Realengo e os que acabaram se tornando “comuns” nos Estados Unidos. Os autores dos massacres aparecem sempre como jovens retraídos e, no mínimo, evitados pelos colegas. E esse é o elo, o convívio social turbulento entre adolescentes.
No caso do atirador brasileiro, circulou pela internet informação de que teria escolhido preferencialmente as meninas bonitas. Seu ataque visou, objetivamente, o gênero dos alvos, pois quase todas as vítimas são do sexo feminino.
Esses fatos, associados a informações de que Wellington fora alvo de zombarias, tendo sido alcunhado como “Al Qaeda” por se mostrar interessado e se parecer, nos hábitos, com extremistas muçulmanos, além do histórico de que meninas lideravam as zombarias, induzem a crença de que o bullying pode ter gerado mais essa tragédia.
Não são poucos os casos de jovens que relatam que chegaram a pensar em suicídio diante do assédio de colegas de escola quando “elegem” uma vítima para verdadeiras sessões de tortura psicológica – e até física – de crueldade e insensibilidade espantosas. Quando dizem que crianças e adolescentes são cruéis, pois, não estão brincando.
Recentemente, um rapaz australiano obeso, farto de ser vítima de bullying na escola, resolveu reagir e agredir com violência quem o insultava. O caso se tornou verdadeiro hit sobretudo na internet após um vídeo da reação do alvo da chacota dos colegas ter sido postado no You Tube. Uma reação, percebem? Para esses jovens, é tudo uma reação…
Os ataques desses jovens assassinos a colegas ou ex-colegas de escolas em que estudavam ou nas quais haviam estudado – no caso de Wellington, muito mais velho do que as vítimas, percebe-se intenção de acertar contas com o passado – deixam poucas dúvidas de que a sociedade tem que se concentrar em impedir que jovens retraídos sejam torturados pelos colegas com “brincadeiras” cruéis.
Ano passado, relatei, neste blog, um caso impressionante de “bullying eleitoral” ocorrido com filha pequena de um amigo. Crianças na faixa dos dez anos de idade de escola de São Paulo que, em grande maioria, eram filhas de pais contrários à eleição de Dilma Rousseff perseguiram a filha de meu amigo, simpatizante do PT, e agrediram a menina com socos e pontapés enquanto gritavam slogans políticos. Crianças de DEZ anos.
O bullying vai se mostrando um fenômeno cada vez mais intenso, imprevisível e de conseqüências devastadoras para os alvos da prática. Quem tem a menor noção do nível de sofrimento que experimentam as vítimas – aliás, uma preocupação que, nos Estados Unidos, tem mobilizado a sociedade – certamente já percebeu que, apesar de ser positivo que se combata a venda de armas, não será assim que se evitará casos como o de Realengo.
No caso específico desses atos de insanidade como o do jovem Wellington, armas podem ser conseguidas em qualquer parte. Os telejornais relataram que as usadas por ele na chacina eram de origem ilegal, não tendo sido compradas em loja. Mesmo que não houvesse armas sendo vendidas no Brasil, armas são contrabandeadas para dentro do país.
Além do que, para quem quer matar, se não entrar em uma escola com um revolver ou em um cinema com uma submetralhadora, pode entrar com uma espada, um facão, qualquer arma branca e fazer estragos talvez até maiores – algumas armas brancas têm um poder de ferir extremamente alto, como espadas samurais, afiadíssimas e que podem ser levadas em vários tipos de invólucros.
O que é preciso combater, portanto, é a motivação desses jovens. Mesmo sendo psicopatas, sem o estopim do bullying podem se limitar a ser retraídos, antissociais. E, aliada ao combate à zombaria organizada de grupos contra uma vítima, outra providência indispensável é a avaliação de professores sobre jovens com esse perfil, de forma a lhes ser oferecido – ou até imposto – tratamento psicológico.
Mas, acima de tudo, cabe aos pais, às famílias, repensarem a educação que estamos dando aos nossos filhos. Quantos exemplos de intolerância milhões de pais e mães dão aos filhos estigmatizando pessoas por ideologia, etnia, religião, convicção política, classe social etc., tornando-as alvos potenciais dos filhos se surgirem-lhes no ambiente escolar?
Em um momento em que um deputado federal vai a uma televisão de alcance nacional e diz frases estúpidas sobre pais agredirem filhos “gayzinhos” para “curá-los”, quantos comportamentos parecidos não estarão sendo inspirados em jovens que julguem que algum colega se enquadra nesse estereótipo criminoso?
Toda esta reflexão nos leva de volta ao assunto que este país tanto tem discutido desde que aquele inominável parlamentar disse as atrocidades que todos conhecem. Os jovens nascem insensatos. Cabe aos adultos lhes ensinar tolerância com a diferença, generosidade, respeito ao próximo, valores humanistas, em vez de comportamentos diametralmente contrários a estes.
Sem profunda reflexão da sociedade sobre o que discursos intolerantes de adultos diante de jovens podem causar, continuaremos criando monstros que acabarão atacando a todos, cedo ou tarde. Até a você que se delicia com uma aberração como o deputado racista e homofóbico ou que apenas defende a continuidade de seu discurso odioso em nome de uma “liberdade de expressão” que, como se vê, termina de enlouquecer mentes como a de Wellington.
O Brasil ainda tenta entender o que levou o soturno e jovem Wellington a praticar aquela insanidade. Reflexão mais fria sobre o caso, porém, permite identificar um ponto em comum entre casos como o de Realengo e os que acabaram se tornando “comuns” nos Estados Unidos. Os autores dos massacres aparecem sempre como jovens retraídos e, no mínimo, evitados pelos colegas. E esse é o elo, o convívio social turbulento entre adolescentes.
No caso do atirador brasileiro, circulou pela internet informação de que teria escolhido preferencialmente as meninas bonitas. Seu ataque visou, objetivamente, o gênero dos alvos, pois quase todas as vítimas são do sexo feminino.
Esses fatos, associados a informações de que Wellington fora alvo de zombarias, tendo sido alcunhado como “Al Qaeda” por se mostrar interessado e se parecer, nos hábitos, com extremistas muçulmanos, além do histórico de que meninas lideravam as zombarias, induzem a crença de que o bullying pode ter gerado mais essa tragédia.
Não são poucos os casos de jovens que relatam que chegaram a pensar em suicídio diante do assédio de colegas de escola quando “elegem” uma vítima para verdadeiras sessões de tortura psicológica – e até física – de crueldade e insensibilidade espantosas. Quando dizem que crianças e adolescentes são cruéis, pois, não estão brincando.
Recentemente, um rapaz australiano obeso, farto de ser vítima de bullying na escola, resolveu reagir e agredir com violência quem o insultava. O caso se tornou verdadeiro hit sobretudo na internet após um vídeo da reação do alvo da chacota dos colegas ter sido postado no You Tube. Uma reação, percebem? Para esses jovens, é tudo uma reação…
Os ataques desses jovens assassinos a colegas ou ex-colegas de escolas em que estudavam ou nas quais haviam estudado – no caso de Wellington, muito mais velho do que as vítimas, percebe-se intenção de acertar contas com o passado – deixam poucas dúvidas de que a sociedade tem que se concentrar em impedir que jovens retraídos sejam torturados pelos colegas com “brincadeiras” cruéis.
Ano passado, relatei, neste blog, um caso impressionante de “bullying eleitoral” ocorrido com filha pequena de um amigo. Crianças na faixa dos dez anos de idade de escola de São Paulo que, em grande maioria, eram filhas de pais contrários à eleição de Dilma Rousseff perseguiram a filha de meu amigo, simpatizante do PT, e agrediram a menina com socos e pontapés enquanto gritavam slogans políticos. Crianças de DEZ anos.
O bullying vai se mostrando um fenômeno cada vez mais intenso, imprevisível e de conseqüências devastadoras para os alvos da prática. Quem tem a menor noção do nível de sofrimento que experimentam as vítimas – aliás, uma preocupação que, nos Estados Unidos, tem mobilizado a sociedade – certamente já percebeu que, apesar de ser positivo que se combata a venda de armas, não será assim que se evitará casos como o de Realengo.
No caso específico desses atos de insanidade como o do jovem Wellington, armas podem ser conseguidas em qualquer parte. Os telejornais relataram que as usadas por ele na chacina eram de origem ilegal, não tendo sido compradas em loja. Mesmo que não houvesse armas sendo vendidas no Brasil, armas são contrabandeadas para dentro do país.
Além do que, para quem quer matar, se não entrar em uma escola com um revolver ou em um cinema com uma submetralhadora, pode entrar com uma espada, um facão, qualquer arma branca e fazer estragos talvez até maiores – algumas armas brancas têm um poder de ferir extremamente alto, como espadas samurais, afiadíssimas e que podem ser levadas em vários tipos de invólucros.
O que é preciso combater, portanto, é a motivação desses jovens. Mesmo sendo psicopatas, sem o estopim do bullying podem se limitar a ser retraídos, antissociais. E, aliada ao combate à zombaria organizada de grupos contra uma vítima, outra providência indispensável é a avaliação de professores sobre jovens com esse perfil, de forma a lhes ser oferecido – ou até imposto – tratamento psicológico.
Mas, acima de tudo, cabe aos pais, às famílias, repensarem a educação que estamos dando aos nossos filhos. Quantos exemplos de intolerância milhões de pais e mães dão aos filhos estigmatizando pessoas por ideologia, etnia, religião, convicção política, classe social etc., tornando-as alvos potenciais dos filhos se surgirem-lhes no ambiente escolar?
Em um momento em que um deputado federal vai a uma televisão de alcance nacional e diz frases estúpidas sobre pais agredirem filhos “gayzinhos” para “curá-los”, quantos comportamentos parecidos não estarão sendo inspirados em jovens que julguem que algum colega se enquadra nesse estereótipo criminoso?
Toda esta reflexão nos leva de volta ao assunto que este país tanto tem discutido desde que aquele inominável parlamentar disse as atrocidades que todos conhecem. Os jovens nascem insensatos. Cabe aos adultos lhes ensinar tolerância com a diferença, generosidade, respeito ao próximo, valores humanistas, em vez de comportamentos diametralmente contrários a estes.
Sem profunda reflexão da sociedade sobre o que discursos intolerantes de adultos diante de jovens podem causar, continuaremos criando monstros que acabarão atacando a todos, cedo ou tarde. Até a você que se delicia com uma aberração como o deputado racista e homofóbico ou que apenas defende a continuidade de seu discurso odioso em nome de uma “liberdade de expressão” que, como se vê, termina de enlouquecer mentes como a de Wellington.
Crimes econômicos contra a humanidade
Reproduzo artigo de Lourdes Beneria e Carmen Sarasua, publicado no sítio Resistir:
De acordo com o Tribunal Penal Internacional, crime contra a humanidade é "qualquer ato que cause grave sofrimento ou atente contra a saúde mental ou física de quem o sofre, cometido como parte de um ataque generalizado ou sistemático contra uma população civil". Desde a Segunda Guerra Mundial que nos familiarizamos com este conceito e com a ideia de que, não importa qual foi a sua dimensão, é possível e obrigatório investigar esses crimes e fazer pagar os culpados.
Situações como as que geraram a crise econômica levaram a que se comece a falar de crimes econômicos contra a humanidade. O conceito não é novo. Já em 1950 o economista neoclássico e prémio Nobel Gary Becker apresentou a "teoria do crime" ao nível microeconômico. A probabilidade de que um indivíduo cometa um crime depende, para Becker, do risco assumido, do espólio potencial e da possível punição.
A nível macroeconômico, o conceito foi usado em discussões sobre as políticas de ajuste estrutural promovidas pelo Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, durante os anos oitenta e noventa, que tiveram gravíssimos custos sociais para as populações na África, América Latina, Ásia (durante a crise asiática de 1997-98) e Europa de Leste. Muitos analistas apontaram estes organismos, as políticas que patrocinaram e os economistas que as conceberam como responsáveis, especialmente o FMI, que foi muito criticado após a crise asiática.
Hoje são os países ocidentais, os que sofrem os custos sociais da crise financeira e de emprego, e dos planos de austeridade que supostamente estão contra ela. A perda dos direitos fundamentais, tais como habitação, emprego e o sofrimento de milhões de famílias que vêem em perigo a sua sobrevivência, são exemplos dos custos assustadores desta crise. Famílias que vivem na pobreza estão crescendo sem parar. Mas quem são os responsáveis? Os mercados, lemos e ouvimos todos os dias.
Num artigo publicado na Business Week em 20 de Março de 2009 sob o título "Crimes econômicos da Wall Street contra a humanidade ", Shoshana Zuboff, ex-professor da Harvard Business School, argumenta que o fato de os responsáveis pela crise negarem as consequências das suas acções demonstra "a banalidade do mal" e o "narcisismo institucionalizado" nas nossas sociedades. É uma demonstração da falta de responsabilidade e de "distanciamento emocional" dos que acumularam somas milionárias e agora negam qualquer ligação com o dano provocado. Culpar apenas o sistema não é aceitável, argumentava Zuboff, tal como não teria sido acusar dos crimes nazis apenas as ideias, e não quem os cometeu.
Quem são os "mercados"?
Culpar o mercado é realmente permanecer na superfície do problema. Há responsáveis e são pessoas e instituições concretas: são aqueles que defenderam a liberalização selvagem dos mercados financeiros; são os executivos e empresas que beneficiaram com os excessos do mercado durante o "boom" financeiro; os que permitiram as suas práticas e os que lhes permitem agora poderem ficar livres e fortalecidos, com mais dinheiro público, a troco de nada.
Empresas como a Lehman Brothers e Goldman Sachs, que permitiram a proliferação de créditos lixo, auditoras que supostamente garantiam as contas das empresas, e gente como Alan Greenspan, presidente da Reserva Federal norte-americana durante os governos Clinton e Bush, opositor radical da regulação dos mercados financeiros.
A Comissão do Congresso dos EUA sobre as origens da crise tem sido esclarecedora a tal respeito. Criada pelo presidente Obama em 2009 para investigar as acções ilegais ou criminosas da indústria financeira, entrevistou mais de 700 especialistas. O seu relatório, divulgado em janeiro passado, concluiu que a crise poderia ter sido evitada. Assinala falhas no sistema de regulação e supervisão financeira do governo e das empresas, nas práticas contabilísticas e de auditoria e na transparência nos negócios.
A Comissão investigou o papel direto de alguns gigantes da Wall Street no desastre financeiro, por exemplo, no mercado de subprimes, e o das agências responsáveis pela classificação de títulos. É importante compreender os diferentes graus de responsabilidade de cada actor deste drama, mas não é admissível o sentimento de impunidade sem "responsáveis".
Quanto às vítimas de crimes econômicos, em Espanha 20% do desemprego desde há mais de dois anos significa um enorme custo humano e económico. Milhares de famílias sofrem as consequências de terem acreditado que os salários pagariam hipotecas milionárias: 90 mil execuções hipotecárias em 2009 e 180 mil em 2010. Nos EUA, a taxa de desemprego é metade da espanhola, mas corresponde a cerca de 26 milhões de desempregados, o que significa um tremendo aumento da pobreza num dos países mais ricos do mundo.
De acordo com a Comissão sobre Crise Financeira, mais de quatro milhões de famílias perderam as suas casas, e 4,5 milhões estão em processo de despejo. Onze mil milhões de dólares de "riqueza familiar" "desapareceram" quando os seus bens, como casas, pensões e poupanças perderam valor. Outra consequência da crise é o seu efeito sobre os preços de alimentos e outros produtos básicos, sectores para onde os especuladores estão desviando o seu capital. O resultado é a inflação dos seus preços e a pobreza a aumentar ainda mais.
Em alguns casos notórios de fraude, como a de Madoff, o autor está preso e a acusação contra ele mantém-se porque as suas vítimas têm poder económico. Mas, em geral, os que provocaram a crise não só tiveram um lucro fabuloso, como não temem a punição. Ninguém investiga as suas responsabilidades nem as suas decisões. Os governos protegem-nos e o aparelho judiciário não os persegue.
O exemplo da Islândia
Se tivessemos noções claras do que é um crime econômico e se houvesse mecanismos para os investigar e processar poderiam ter sido evitados muitos dos problemas actuais. Não é utopia. A Islândia oferece um exemplo interessante. Em vez de socorrer os banqueiros que arruinaram o país em 2008, os promotores abriram um inquérito criminal contra os responsáveis. Em 2009, todo o governo teve que se demitir e o pagamento da dívida da banca foi bloqueado. A Islândia não socializou os prejuízos como estão fazendo muitos países, incluindo Espanha, mas aceitou que os responsáveis fossem punidos e os seus bancos falissem.
Da mesma forma como foram criadas instituições e procedimentos para julgar os crimes políticos contra a humanidade, é hora de fazer o mesmo com os econômicos. Este é um bom momento, dada a sua existência difícil de refutar. É urgente que a noção de "crime econômico" seja incorporada ao discurso da cidadania e se compreenda a sua importância para a construção da democracia política e económica. Pelo menos vamos ver a necessidade de regular os mercados, para que, como diz Polanyi, estejam ao serviço da sociedade, e não vice-versa.
* Lourdes Beneria é professora de economia na Universidade Cornell e Carmen Sarasua é professora de História Econômica na Universidade Autonoma de Barcelona.
De acordo com o Tribunal Penal Internacional, crime contra a humanidade é "qualquer ato que cause grave sofrimento ou atente contra a saúde mental ou física de quem o sofre, cometido como parte de um ataque generalizado ou sistemático contra uma população civil". Desde a Segunda Guerra Mundial que nos familiarizamos com este conceito e com a ideia de que, não importa qual foi a sua dimensão, é possível e obrigatório investigar esses crimes e fazer pagar os culpados.
Situações como as que geraram a crise econômica levaram a que se comece a falar de crimes econômicos contra a humanidade. O conceito não é novo. Já em 1950 o economista neoclássico e prémio Nobel Gary Becker apresentou a "teoria do crime" ao nível microeconômico. A probabilidade de que um indivíduo cometa um crime depende, para Becker, do risco assumido, do espólio potencial e da possível punição.
A nível macroeconômico, o conceito foi usado em discussões sobre as políticas de ajuste estrutural promovidas pelo Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, durante os anos oitenta e noventa, que tiveram gravíssimos custos sociais para as populações na África, América Latina, Ásia (durante a crise asiática de 1997-98) e Europa de Leste. Muitos analistas apontaram estes organismos, as políticas que patrocinaram e os economistas que as conceberam como responsáveis, especialmente o FMI, que foi muito criticado após a crise asiática.
Hoje são os países ocidentais, os que sofrem os custos sociais da crise financeira e de emprego, e dos planos de austeridade que supostamente estão contra ela. A perda dos direitos fundamentais, tais como habitação, emprego e o sofrimento de milhões de famílias que vêem em perigo a sua sobrevivência, são exemplos dos custos assustadores desta crise. Famílias que vivem na pobreza estão crescendo sem parar. Mas quem são os responsáveis? Os mercados, lemos e ouvimos todos os dias.
Num artigo publicado na Business Week em 20 de Março de 2009 sob o título "Crimes econômicos da Wall Street contra a humanidade ", Shoshana Zuboff, ex-professor da Harvard Business School, argumenta que o fato de os responsáveis pela crise negarem as consequências das suas acções demonstra "a banalidade do mal" e o "narcisismo institucionalizado" nas nossas sociedades. É uma demonstração da falta de responsabilidade e de "distanciamento emocional" dos que acumularam somas milionárias e agora negam qualquer ligação com o dano provocado. Culpar apenas o sistema não é aceitável, argumentava Zuboff, tal como não teria sido acusar dos crimes nazis apenas as ideias, e não quem os cometeu.
Quem são os "mercados"?
Culpar o mercado é realmente permanecer na superfície do problema. Há responsáveis e são pessoas e instituições concretas: são aqueles que defenderam a liberalização selvagem dos mercados financeiros; são os executivos e empresas que beneficiaram com os excessos do mercado durante o "boom" financeiro; os que permitiram as suas práticas e os que lhes permitem agora poderem ficar livres e fortalecidos, com mais dinheiro público, a troco de nada.
Empresas como a Lehman Brothers e Goldman Sachs, que permitiram a proliferação de créditos lixo, auditoras que supostamente garantiam as contas das empresas, e gente como Alan Greenspan, presidente da Reserva Federal norte-americana durante os governos Clinton e Bush, opositor radical da regulação dos mercados financeiros.
A Comissão do Congresso dos EUA sobre as origens da crise tem sido esclarecedora a tal respeito. Criada pelo presidente Obama em 2009 para investigar as acções ilegais ou criminosas da indústria financeira, entrevistou mais de 700 especialistas. O seu relatório, divulgado em janeiro passado, concluiu que a crise poderia ter sido evitada. Assinala falhas no sistema de regulação e supervisão financeira do governo e das empresas, nas práticas contabilísticas e de auditoria e na transparência nos negócios.
A Comissão investigou o papel direto de alguns gigantes da Wall Street no desastre financeiro, por exemplo, no mercado de subprimes, e o das agências responsáveis pela classificação de títulos. É importante compreender os diferentes graus de responsabilidade de cada actor deste drama, mas não é admissível o sentimento de impunidade sem "responsáveis".
Quanto às vítimas de crimes econômicos, em Espanha 20% do desemprego desde há mais de dois anos significa um enorme custo humano e económico. Milhares de famílias sofrem as consequências de terem acreditado que os salários pagariam hipotecas milionárias: 90 mil execuções hipotecárias em 2009 e 180 mil em 2010. Nos EUA, a taxa de desemprego é metade da espanhola, mas corresponde a cerca de 26 milhões de desempregados, o que significa um tremendo aumento da pobreza num dos países mais ricos do mundo.
De acordo com a Comissão sobre Crise Financeira, mais de quatro milhões de famílias perderam as suas casas, e 4,5 milhões estão em processo de despejo. Onze mil milhões de dólares de "riqueza familiar" "desapareceram" quando os seus bens, como casas, pensões e poupanças perderam valor. Outra consequência da crise é o seu efeito sobre os preços de alimentos e outros produtos básicos, sectores para onde os especuladores estão desviando o seu capital. O resultado é a inflação dos seus preços e a pobreza a aumentar ainda mais.
Em alguns casos notórios de fraude, como a de Madoff, o autor está preso e a acusação contra ele mantém-se porque as suas vítimas têm poder económico. Mas, em geral, os que provocaram a crise não só tiveram um lucro fabuloso, como não temem a punição. Ninguém investiga as suas responsabilidades nem as suas decisões. Os governos protegem-nos e o aparelho judiciário não os persegue.
O exemplo da Islândia
Se tivessemos noções claras do que é um crime econômico e se houvesse mecanismos para os investigar e processar poderiam ter sido evitados muitos dos problemas actuais. Não é utopia. A Islândia oferece um exemplo interessante. Em vez de socorrer os banqueiros que arruinaram o país em 2008, os promotores abriram um inquérito criminal contra os responsáveis. Em 2009, todo o governo teve que se demitir e o pagamento da dívida da banca foi bloqueado. A Islândia não socializou os prejuízos como estão fazendo muitos países, incluindo Espanha, mas aceitou que os responsáveis fossem punidos e os seus bancos falissem.
Da mesma forma como foram criadas instituições e procedimentos para julgar os crimes políticos contra a humanidade, é hora de fazer o mesmo com os econômicos. Este é um bom momento, dada a sua existência difícil de refutar. É urgente que a noção de "crime econômico" seja incorporada ao discurso da cidadania e se compreenda a sua importância para a construção da democracia política e económica. Pelo menos vamos ver a necessidade de regular os mercados, para que, como diz Polanyi, estejam ao serviço da sociedade, e não vice-versa.
* Lourdes Beneria é professora de economia na Universidade Cornell e Carmen Sarasua é professora de História Econômica na Universidade Autonoma de Barcelona.
A verdade sobre o relatório da PF
Reproduzo reportagem de Leandro Fortes, publicada no sítio da revista CartaCapital:
O escândalo do mensalão voltou à cena. Em páginas recheadas de gráficos, infográficos, tabelas e quadros de todos os tipos e tamanhos, a revista Época anunciou, na edição que chegou às bancas no sábado 2, ter encontrado a pedra fundamental da mais grave crise política do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entre 2005 e 2006. Com base em um relatório sigiloso da Polícia Federal, encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, a semanal da Editora Globo concluiu sem mais delongas: a PF havia provado a existência do mensalão e o uso de dinheiro público no esquema administrado pelo publicitário Marcos Valério de Souza. Outro aspecto da reportagem chamada atenção: o esforço comovente em esconder o papel do banqueiro Daniel Dantas no financiamento do valerioduto. Alguns trechos pareciam escritos para beatificar o dono do Opportunity, apresentado como um empresário achacado pela sanha petista por dinheiro.
As provas do descalabro estariam nas 332 páginas do inquérito 2.474, tocado pelo delegado Luiz Flávio Zampronha, da Divisão de Combate a Crimes Financeiros da PF e encaminhado ao ministro Joaquim Barbosa, relator no STF do processo do “mensalão”. Inspirados no relato de Época, editorialistas, colunistas e demais istas não tiveram dúvidas: o mensalão estava provado. Estranhamente, a mesma turma praticamente silenciou a respeito dos trechos que tratavam de Dantas.
Infelizmente, os leitores de Época não foram informados corretamente a respeito do conteúdo do relatório escrito, com bastante rigor e minúcias, pelo delegado Zampronha. Em certa medida, sobretudo na informação básica mais propalada, a de que o “mensalão” havia sido confirmado, esses mesmos leitores foram enganados. Não há uma única linha no texto que confirme a existência do tal esquema de pagamentos mensais a parlamentares da base governista em troca de apoio a projetos do governo no Congresso Nacional.
Ao contrário. Em mais de uma passagem, o policial faz questão de frisar que o inquérito, longe de ser o “relatório final do mensalão”, é uma investigação suplementar do chamado “valerioduto”, solicitada pela Procuradoria Geral da República, para dar suporte à denúncia inicial, esta sim baseada na tese dos pagamentos mensais. Trata, portanto, da complexa rede de arrecadação, distribuição e lavagem de dinheiro sujo montada por Marcos Valério. Zampronha teve, inclusive, o trabalho de relatar como esse esquema a envolver financiamento ilegal de campanha e lobbies privados começou em 1999, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, e terminou em 2005, na administração Lula, após ser denunciado pelo deputado Roberto Jefferson, do PTB. Ao longo do texto, fica clara a percepção do delegado de que nunca houve “mensalão” (o pagamento mensal a parlamentares), mas uma estratégia mafiosa de formação de caixa 2 e que avançaria sobre o dinheiro público de forma voraz caso não tivesse sido interrompida pela eclosão do escândalo.
Na quarta-feira 6, CartaCapital teve acesso ao relatório. Para não tornar seus leitores escravos da interpretação exclusiva da reportagem que se segue, decidiu publicar na internet (www.cartacapital.com.br) a íntegra do documento. Assim, os interessados poderão tirar suas próprias conclusões. Poderão verificar, por exemplo, que o delegado ateve-se a identificar as fontes de financiamento do valerioduto. E mais: notar que Dantas é o principal alvo do inquérito.
Ao contrário do que deu a entender a revista Época, não se trata do “relatório final” sobre o mensalão. Muito menos foi encomendado pelo ministro Barbosa para esclarecer “o maior escândalo de corrupção da República”, como adjetiva a semanal. Logo na abertura do relatório, Zampronha faz questão de explicar – e o fará em diversos trechos: a investigação serviu para consolidar as informações relativas às operações financeiras e de empréstimos fajutos do “núcleo Marcos Valério”. Em seguida, trata, em 36 páginas (mais de 10% de todo o texto), das relações de Marcos Valério com Dantas e com os petistas. À página 222, anota, por exemplo: “Pelos elementos de prova reunidos no presente inquérito, contata-se que Marcos Valério atuava como interlocutor do Grupo Opportunity junto a representantes do Partido dos Trabalhadores, sendo possível concluir que os contratos (de publicidade) realmente foram firmados a título de remuneração pela intermediação de interesse junto a instâncias governamentais”.
O foco sobre Dantas não fez parte de uma estratégia pessoal do delegado. No fim do ano passado, a Procuradoria Geral da República determinou à PF a realização de diligências focadas no relacionamento do valerioduto com as empresas Brasil Telecom, Telemig Celular e Amazônia Celular. As três operadoras de telefonia, controladas à época pelo Opportunity, mantinham vultosos contratos com as agências DNA e SMP&B de Marcos Valério. Zampronha solicitou todos os documentos referentes a esses pagamentos, tais como contratos, recibos, notas fiscais e comprovantes de serviços prestados. A conclusão foi de que a dupla Dantas-Valério foi incapaz de comprovar os serviços contratados.
As análises financeiras dos laudos periciais encomendados ao Instituto Nacional de Criminalística da PF revelaram que, entre 1999 e 2002, no segundo governo FHC, apenas a Telemig Celular e a Amazônia Celular pagaram às empresas de Marcos Valério, via 1.169 depósitos em dinheiro, um total de 77,3 milhões de reais. Entre 2003 e 2005, no governo Lula, esses créditos, consumados por 585 depósitos das empresas de Dantas, chegaram a 87,4 milhões de reais. Ou seja, entre 1999 e 2005, o banqueiro irrigou o esquema de corrupção montado por Marcos Valério com nada menos que 164 milhões de reais. O cálculo pode estar muito abaixo do que realmente pode ter sido transferido, pois se baseia no que os federais conseguiram rastrear.
Segundo o relatório, existem triangulações financeiras típicas de pagamento de propina e lavagem de dinheiro. Em uma delas, realizada em 30 de julho de 2004, a Telemig Celular pagou 870 mil reais à SMP&B, depósito que se somou a outro, de 2,5 milhões de reais, feito pela Brasil Telecom. O total de 3,4 milhões de reais serviu de suporte para transferências feitas em favor da empresa Athenas Trading, no valor de 1,9 milhão de reais, e para a By Brasil Trading, de 976,8 mil reais, ambas utilizadas pelo esquema de Marcos Valério para mandar dinheiro ao exterior por meio de operações de câmbio irregulares, de modo a inviabilizar a identificação dos verdadeiros beneficiários dos recursos. Em consequência, Zampronha repassou ao Ministério Público Federal a função de investigar se houve efetiva prestação de serviços por parte das agências de Marcos Valério às empresas controladas pelo Opportunity.
A principal pista da participação de Dantas na irrigação do valerioduto surgiu, porém, a partir de uma auditoria interna da Brasil Telecom, realizada em 2006. Ali demonstrou-se que, às vésperas da instalação da CPMI dos Correios, em 2005, na esteira do escândalo do “mensalão” e no momento em que a permanência do Opportunity no comando da telefônica estava sob ameaça, a DNA e a SMP&B celebraram com a BrT contratos de 50 milhões de reais. Dessa forma, as duas empresas de Marcos Valério puderam, sozinhas, abocanhar 40% da verba publicitária da Brasil Telecom. Isso sem que a área de marketing da operadora tivesse sido consultada.
Ao delegado, Dantas afirmou que, a partir de 2000, ainda no governo FHC, passou a “sofrer pressões” da italiana Telecom Italia, sócia da BrT. Em 2003, já no governo Lula, o banqueiro afirma ter sido procurado pelo então ministro-chefe da Casa Civil, o ex-deputado José Dirceu, com quem teria se reunido em Brasília.
Na conversa com Dirceu, afirma Dantas, o ministro teria se mostrado interessado em resolver os problemas societários da BrT e encerrar o litígio do Opportunity com os fundos de pensão de empresas estatais. O Palácio do Planalto teria escalado o então presidente do Banco do Brasil, Cassio Casseb, para cuidar do assunto. Casseb viria a ser um dos alvos da arapongagem da Kroll a pedido do Opportunity. O caso, que envolveu a espionagem de integrantes do governo FHC e da administração Lula, baseou a Operação Chacal da PF em 2004.
Dantas afirmou ter se recusado a “negociar” com o PT. Após a recusam acrescenta, as pressões aumentaram e ele teria começado a ser perseguido pelo governo. Mas o banqueiro não foi capaz de provar nenhuma das acusações, embora seja claro que petistas se aproveitaram da guerra comercial na telefonia para extrair dinheiro do orelhudo. Só não sabiam com quem se metiam. Ou sabiam?
O fundador do Opportunity também repetiu a versão de que um de seus sócios, Carlos Rodemburg, havia sido procurado pelo então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, acompanhado de Marcos Valério, para ser informado de um déficit de 50 milhões de reais nas contas do partido. Teria sido uma forma velada de pedido de propina, segundo Dantas, nunca consolidado. O próprio banqueiro, contudo, admitiu que Delúbio não insinuou dar nada em troca da eventual contribuição solicitada. Negou, também, que tenha mantido qualquer relação pessoal ou comercial com Marcos Valério, o que, à luz das provas recolhidas por Zampronha, soam como deboche. “O depoimento de Daniel Dantas está repleto de respostas evasivas e esquecimentos de datas e detalhes dos fatos”, informou no despacho ao ministro Barbosa.
Chamou a atenção do delegado o fato de os contratos da BrT com as agências de Marcos Valério terem somado os exatos 50 milhões de reais que teriam sido citados por Delúbio no encontro com Rodemburg. Para Zampronha, a soma dos contratos, assim como outras diligências realizadas pelo novo inquérito, “indicam claramente” que, por algum motivo, o Grupo Opportunity decidiu efetuar os repasses supostamente solicitados por Delúbio, com a intermediação das agências de Marcos Valério, como forma de dissimular os pagamentos.
Os contratos da DNA e da SMP&B com a Brasil Telecom, segundo Zampronha, obedecem a uma sofisticada técnica de lavagem de dinheiro, usada em todo o esquema de Marcos Valério, conhecida como commingling (mescla, em inglês). Consiste em misturar operações ilícitas com atividades comerciais legais, de modo a permitir que outras empresas privadas possam se valer dos mesmos mecanismos de simulação e superfaturamento de contratos de publicidade para encobrir dinheiro sujo. No caso da BrT, cada um dos contratos, no valor de 25 milhões de reais, exigia contratação de terceiros para serem executados. Além disso, havia a previsão de pagamento fixo de 187,5 mil reais mensais às duas agências do Valerioduto, referente à prestação de serviços de “mídia e produção”.
Surpreendentemente, e contra todas as evidências, Dantas disse nunca ter participado da administração da BrT. Por essa razão, não teria condições de prestar qualquer informação sobre os contratos firmados pela então presidente da empresa, Carla Cicco, indicada por ele, com as agências de Marcos Valério. De volta a Itália desde 2005, Carla Cicco informou à PF não ter tido qualquer participação ou influência na contratação das agências, apesar de admitir ter assinado os contratos. Disse ter se encontrado com Marcos Valério uma única vez, numa reunião de trabalho com representantes da DNA.
O protagonismo de Dantas no valerioduto e o desmembramento da rede de negócios montada por Marcos Valério, desde 1999, nos governos do PSDB e do PT são elementos que, no relatório da PF, desmontam, por si só, a tese do pagamento de propinas mensais a parlamentares. Ou seja, a tese do “mensalão”, na qual se baseou a denúncia da PGR encaminhada ao Supremo, não encontra respaldo na investigação de Zampronha, a ponto de sequer ser considerada como ponto de análise.
O foco do delegado é outro crime, gravíssimo e comum ao sistema político brasileiro, de financiamento partidário baseado em arrecadação ilícita, montagem de caixa 2 e, passadas as eleições, divisão ilegal de restos de campanha a aliados e correligionários. Por essa razão, ele encomendou os novos laudos detalhados ao INC.
Uma das primeiras conclusões dos laudos de exame contábil foi que Marcos Valério usava a DNA Propaganda para desviar recursos do Fundo de Incentivo Visanet, empresa com participação acionária do Banco do Brasil, e distribui-los aos participantes do esquema do PT e de partidos aliados. O fundo foi criado em 2001 com o objetivo de financiar ações de marketing para incentivar o uso de cartões da bandeira Visa. O Visanet foi, inicialmente, constituído com recursos da Companhia Brasileira de Meios e Pagamentos (CBMP), nome oficial da empresa privada Visanet, e distribuído em cotas proporcionais de um total de 492 milhões de reais a 26 acionistas. Além do BB participam o Bradesco, Itaú, HSBC, Santander, Rural, e até mesmo o Panamericano, vendido recentemente por Silvio Santos ao banqueiro André Esteves. “Para operar tais desvios, Marcos Valério aproveita-se da confusão existente entre a verba oriunda do Fundo de Incentivo Visanet e aquela relacionada ao orçamento de publicidade próprio do Banco do Brasil”, anotou o policial.
O BB repassava mais de 30% do volume distribuído pelo fundo, cerca de 147,6 milhões de reais, valor correspondente à participação da instituição no capital da Visanet. Desse total, apenas a DNA Propaganda recebeu 60,5% do dinheiro, cerca de 90 milhões de reais, entre 2001 e 2005, divididos por dois anos no governo FHC, e por dois anos e meio, no governo Lula. Daí a constatação de que, de fato, por meio da Visanet, o valerioduto foi irrigado com dinheiro público. O que nunca se falou, contudo, é que essa sangria não se deu somente durante o governo petista, embora tenha sido nele o período de maior fartura da atividade criminosa. Quando eram os tucanos a coordenar o fundo, Marcos Valério meteu a mão em ao menos 17,2 milhões de reais.
De acordo com o relatório da PF, Marcos Valério tinha consciência de que agências de publicidade e propaganda representavam um mecanismo eficaz para desviar dinheiro público, por conta do caráter subjetivo dos serviços demandados. Mas havia um detalhe mais importante, como percebeu Zampronha. Com as agências, Valério passou a lidar com a compra de espaços publicitários em diversos veículos de comunicação. “Esta relação econômica estreitava o vínculo do empresário com tais veículos e poderia facilitar o direcionamento de coberturas jornalísticas”.
As Organizações Globo, proprietária da revista Época, sonegou a seus leitores, por exemplo, ter sido a maior beneficiária de uma das principais empresas do valerioduto. À página 68 do relatório, e em outras tantas, a TV Globo é citada explicitamente. Escreve o delegado: “A nota emitida pela empresa de comunicação destaca-se por sua natureza fiscal de adiantamento, “publicidade futura”, isto é, a nota por si só não traz qualquer prestação de serviço, como também não há elementos que vincule os valores adiantados ao fundo de incentivo Visanet”. Zampronha se referia a contratos firmados em 2003 no valor de 720 mil reais e 2,88 milhões de reais. Entre 2004 e 2005, a TV Globo receberia outros pagamentos da DNA, no valor total de 1,2 milhão de reais, lançados na planilha de controle do Fundo Visanet.
Mesmo tratado com simpatia na reportagem da Época, o Opportunity não perdoou. No item 17 de uma longa nota oficial em resposta, o banco atira: “Na Telemig, segundo informações prestadas à CPI do Mensalão, a maioria dos recursos eram repassados às Organizações Globo. Por isso, a apuração desses fatos fica fácil de ser feita pela Época.”
Segundo Zampronha, o objetivo do valerioduto era criar empresas de fachada para auxiliar na movimentação de dinheiro sujo e manter os interessados longe dos órgãos oficiais de fiscalização e controle. O leque de agremiações políticas para as quais Marcos Valério “prestava serviços” era tão grande que não restou dúvida ao delegado: “Estamos diante de um profissional sem qualquer viés partidário”. Isso não minimiza o fato de o PT, além de qualquer outra legenda, ter se lambuzado no esquema. Não fosse a denúncia de Jefferson, o valerioduto teria se inscrutado de forma absoluta no Estado brasileiro e se transformado em uma torneira permanemente aberta por onde jorraria dinheiro público para os cofres petistas.
CartaCapital não espera, como de costume, que esta reportagem tenha repercussões na mídia nativa. À exceção da desbotada tese do mensalão, que serve à disputa político-partidária na qual os meios de comunicação atuam como protagonistas, não há nenhum interesse em elucidar os fatos. O que, se assim for, provará que a sociedade afluente navega tranquilamente sobre o velho mar de lama.
O escândalo do mensalão voltou à cena. Em páginas recheadas de gráficos, infográficos, tabelas e quadros de todos os tipos e tamanhos, a revista Época anunciou, na edição que chegou às bancas no sábado 2, ter encontrado a pedra fundamental da mais grave crise política do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, entre 2005 e 2006. Com base em um relatório sigiloso da Polícia Federal, encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, a semanal da Editora Globo concluiu sem mais delongas: a PF havia provado a existência do mensalão e o uso de dinheiro público no esquema administrado pelo publicitário Marcos Valério de Souza. Outro aspecto da reportagem chamada atenção: o esforço comovente em esconder o papel do banqueiro Daniel Dantas no financiamento do valerioduto. Alguns trechos pareciam escritos para beatificar o dono do Opportunity, apresentado como um empresário achacado pela sanha petista por dinheiro.
As provas do descalabro estariam nas 332 páginas do inquérito 2.474, tocado pelo delegado Luiz Flávio Zampronha, da Divisão de Combate a Crimes Financeiros da PF e encaminhado ao ministro Joaquim Barbosa, relator no STF do processo do “mensalão”. Inspirados no relato de Época, editorialistas, colunistas e demais istas não tiveram dúvidas: o mensalão estava provado. Estranhamente, a mesma turma praticamente silenciou a respeito dos trechos que tratavam de Dantas.
Infelizmente, os leitores de Época não foram informados corretamente a respeito do conteúdo do relatório escrito, com bastante rigor e minúcias, pelo delegado Zampronha. Em certa medida, sobretudo na informação básica mais propalada, a de que o “mensalão” havia sido confirmado, esses mesmos leitores foram enganados. Não há uma única linha no texto que confirme a existência do tal esquema de pagamentos mensais a parlamentares da base governista em troca de apoio a projetos do governo no Congresso Nacional.
Ao contrário. Em mais de uma passagem, o policial faz questão de frisar que o inquérito, longe de ser o “relatório final do mensalão”, é uma investigação suplementar do chamado “valerioduto”, solicitada pela Procuradoria Geral da República, para dar suporte à denúncia inicial, esta sim baseada na tese dos pagamentos mensais. Trata, portanto, da complexa rede de arrecadação, distribuição e lavagem de dinheiro sujo montada por Marcos Valério. Zampronha teve, inclusive, o trabalho de relatar como esse esquema a envolver financiamento ilegal de campanha e lobbies privados começou em 1999, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, e terminou em 2005, na administração Lula, após ser denunciado pelo deputado Roberto Jefferson, do PTB. Ao longo do texto, fica clara a percepção do delegado de que nunca houve “mensalão” (o pagamento mensal a parlamentares), mas uma estratégia mafiosa de formação de caixa 2 e que avançaria sobre o dinheiro público de forma voraz caso não tivesse sido interrompida pela eclosão do escândalo.
Na quarta-feira 6, CartaCapital teve acesso ao relatório. Para não tornar seus leitores escravos da interpretação exclusiva da reportagem que se segue, decidiu publicar na internet (www.cartacapital.com.br) a íntegra do documento. Assim, os interessados poderão tirar suas próprias conclusões. Poderão verificar, por exemplo, que o delegado ateve-se a identificar as fontes de financiamento do valerioduto. E mais: notar que Dantas é o principal alvo do inquérito.
Ao contrário do que deu a entender a revista Época, não se trata do “relatório final” sobre o mensalão. Muito menos foi encomendado pelo ministro Barbosa para esclarecer “o maior escândalo de corrupção da República”, como adjetiva a semanal. Logo na abertura do relatório, Zampronha faz questão de explicar – e o fará em diversos trechos: a investigação serviu para consolidar as informações relativas às operações financeiras e de empréstimos fajutos do “núcleo Marcos Valério”. Em seguida, trata, em 36 páginas (mais de 10% de todo o texto), das relações de Marcos Valério com Dantas e com os petistas. À página 222, anota, por exemplo: “Pelos elementos de prova reunidos no presente inquérito, contata-se que Marcos Valério atuava como interlocutor do Grupo Opportunity junto a representantes do Partido dos Trabalhadores, sendo possível concluir que os contratos (de publicidade) realmente foram firmados a título de remuneração pela intermediação de interesse junto a instâncias governamentais”.
O foco sobre Dantas não fez parte de uma estratégia pessoal do delegado. No fim do ano passado, a Procuradoria Geral da República determinou à PF a realização de diligências focadas no relacionamento do valerioduto com as empresas Brasil Telecom, Telemig Celular e Amazônia Celular. As três operadoras de telefonia, controladas à época pelo Opportunity, mantinham vultosos contratos com as agências DNA e SMP&B de Marcos Valério. Zampronha solicitou todos os documentos referentes a esses pagamentos, tais como contratos, recibos, notas fiscais e comprovantes de serviços prestados. A conclusão foi de que a dupla Dantas-Valério foi incapaz de comprovar os serviços contratados.
As análises financeiras dos laudos periciais encomendados ao Instituto Nacional de Criminalística da PF revelaram que, entre 1999 e 2002, no segundo governo FHC, apenas a Telemig Celular e a Amazônia Celular pagaram às empresas de Marcos Valério, via 1.169 depósitos em dinheiro, um total de 77,3 milhões de reais. Entre 2003 e 2005, no governo Lula, esses créditos, consumados por 585 depósitos das empresas de Dantas, chegaram a 87,4 milhões de reais. Ou seja, entre 1999 e 2005, o banqueiro irrigou o esquema de corrupção montado por Marcos Valério com nada menos que 164 milhões de reais. O cálculo pode estar muito abaixo do que realmente pode ter sido transferido, pois se baseia no que os federais conseguiram rastrear.
Segundo o relatório, existem triangulações financeiras típicas de pagamento de propina e lavagem de dinheiro. Em uma delas, realizada em 30 de julho de 2004, a Telemig Celular pagou 870 mil reais à SMP&B, depósito que se somou a outro, de 2,5 milhões de reais, feito pela Brasil Telecom. O total de 3,4 milhões de reais serviu de suporte para transferências feitas em favor da empresa Athenas Trading, no valor de 1,9 milhão de reais, e para a By Brasil Trading, de 976,8 mil reais, ambas utilizadas pelo esquema de Marcos Valério para mandar dinheiro ao exterior por meio de operações de câmbio irregulares, de modo a inviabilizar a identificação dos verdadeiros beneficiários dos recursos. Em consequência, Zampronha repassou ao Ministério Público Federal a função de investigar se houve efetiva prestação de serviços por parte das agências de Marcos Valério às empresas controladas pelo Opportunity.
A principal pista da participação de Dantas na irrigação do valerioduto surgiu, porém, a partir de uma auditoria interna da Brasil Telecom, realizada em 2006. Ali demonstrou-se que, às vésperas da instalação da CPMI dos Correios, em 2005, na esteira do escândalo do “mensalão” e no momento em que a permanência do Opportunity no comando da telefônica estava sob ameaça, a DNA e a SMP&B celebraram com a BrT contratos de 50 milhões de reais. Dessa forma, as duas empresas de Marcos Valério puderam, sozinhas, abocanhar 40% da verba publicitária da Brasil Telecom. Isso sem que a área de marketing da operadora tivesse sido consultada.
Ao delegado, Dantas afirmou que, a partir de 2000, ainda no governo FHC, passou a “sofrer pressões” da italiana Telecom Italia, sócia da BrT. Em 2003, já no governo Lula, o banqueiro afirma ter sido procurado pelo então ministro-chefe da Casa Civil, o ex-deputado José Dirceu, com quem teria se reunido em Brasília.
Na conversa com Dirceu, afirma Dantas, o ministro teria se mostrado interessado em resolver os problemas societários da BrT e encerrar o litígio do Opportunity com os fundos de pensão de empresas estatais. O Palácio do Planalto teria escalado o então presidente do Banco do Brasil, Cassio Casseb, para cuidar do assunto. Casseb viria a ser um dos alvos da arapongagem da Kroll a pedido do Opportunity. O caso, que envolveu a espionagem de integrantes do governo FHC e da administração Lula, baseou a Operação Chacal da PF em 2004.
Dantas afirmou ter se recusado a “negociar” com o PT. Após a recusam acrescenta, as pressões aumentaram e ele teria começado a ser perseguido pelo governo. Mas o banqueiro não foi capaz de provar nenhuma das acusações, embora seja claro que petistas se aproveitaram da guerra comercial na telefonia para extrair dinheiro do orelhudo. Só não sabiam com quem se metiam. Ou sabiam?
O fundador do Opportunity também repetiu a versão de que um de seus sócios, Carlos Rodemburg, havia sido procurado pelo então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, acompanhado de Marcos Valério, para ser informado de um déficit de 50 milhões de reais nas contas do partido. Teria sido uma forma velada de pedido de propina, segundo Dantas, nunca consolidado. O próprio banqueiro, contudo, admitiu que Delúbio não insinuou dar nada em troca da eventual contribuição solicitada. Negou, também, que tenha mantido qualquer relação pessoal ou comercial com Marcos Valério, o que, à luz das provas recolhidas por Zampronha, soam como deboche. “O depoimento de Daniel Dantas está repleto de respostas evasivas e esquecimentos de datas e detalhes dos fatos”, informou no despacho ao ministro Barbosa.
Chamou a atenção do delegado o fato de os contratos da BrT com as agências de Marcos Valério terem somado os exatos 50 milhões de reais que teriam sido citados por Delúbio no encontro com Rodemburg. Para Zampronha, a soma dos contratos, assim como outras diligências realizadas pelo novo inquérito, “indicam claramente” que, por algum motivo, o Grupo Opportunity decidiu efetuar os repasses supostamente solicitados por Delúbio, com a intermediação das agências de Marcos Valério, como forma de dissimular os pagamentos.
Os contratos da DNA e da SMP&B com a Brasil Telecom, segundo Zampronha, obedecem a uma sofisticada técnica de lavagem de dinheiro, usada em todo o esquema de Marcos Valério, conhecida como commingling (mescla, em inglês). Consiste em misturar operações ilícitas com atividades comerciais legais, de modo a permitir que outras empresas privadas possam se valer dos mesmos mecanismos de simulação e superfaturamento de contratos de publicidade para encobrir dinheiro sujo. No caso da BrT, cada um dos contratos, no valor de 25 milhões de reais, exigia contratação de terceiros para serem executados. Além disso, havia a previsão de pagamento fixo de 187,5 mil reais mensais às duas agências do Valerioduto, referente à prestação de serviços de “mídia e produção”.
Surpreendentemente, e contra todas as evidências, Dantas disse nunca ter participado da administração da BrT. Por essa razão, não teria condições de prestar qualquer informação sobre os contratos firmados pela então presidente da empresa, Carla Cicco, indicada por ele, com as agências de Marcos Valério. De volta a Itália desde 2005, Carla Cicco informou à PF não ter tido qualquer participação ou influência na contratação das agências, apesar de admitir ter assinado os contratos. Disse ter se encontrado com Marcos Valério uma única vez, numa reunião de trabalho com representantes da DNA.
O protagonismo de Dantas no valerioduto e o desmembramento da rede de negócios montada por Marcos Valério, desde 1999, nos governos do PSDB e do PT são elementos que, no relatório da PF, desmontam, por si só, a tese do pagamento de propinas mensais a parlamentares. Ou seja, a tese do “mensalão”, na qual se baseou a denúncia da PGR encaminhada ao Supremo, não encontra respaldo na investigação de Zampronha, a ponto de sequer ser considerada como ponto de análise.
O foco do delegado é outro crime, gravíssimo e comum ao sistema político brasileiro, de financiamento partidário baseado em arrecadação ilícita, montagem de caixa 2 e, passadas as eleições, divisão ilegal de restos de campanha a aliados e correligionários. Por essa razão, ele encomendou os novos laudos detalhados ao INC.
Uma das primeiras conclusões dos laudos de exame contábil foi que Marcos Valério usava a DNA Propaganda para desviar recursos do Fundo de Incentivo Visanet, empresa com participação acionária do Banco do Brasil, e distribui-los aos participantes do esquema do PT e de partidos aliados. O fundo foi criado em 2001 com o objetivo de financiar ações de marketing para incentivar o uso de cartões da bandeira Visa. O Visanet foi, inicialmente, constituído com recursos da Companhia Brasileira de Meios e Pagamentos (CBMP), nome oficial da empresa privada Visanet, e distribuído em cotas proporcionais de um total de 492 milhões de reais a 26 acionistas. Além do BB participam o Bradesco, Itaú, HSBC, Santander, Rural, e até mesmo o Panamericano, vendido recentemente por Silvio Santos ao banqueiro André Esteves. “Para operar tais desvios, Marcos Valério aproveita-se da confusão existente entre a verba oriunda do Fundo de Incentivo Visanet e aquela relacionada ao orçamento de publicidade próprio do Banco do Brasil”, anotou o policial.
O BB repassava mais de 30% do volume distribuído pelo fundo, cerca de 147,6 milhões de reais, valor correspondente à participação da instituição no capital da Visanet. Desse total, apenas a DNA Propaganda recebeu 60,5% do dinheiro, cerca de 90 milhões de reais, entre 2001 e 2005, divididos por dois anos no governo FHC, e por dois anos e meio, no governo Lula. Daí a constatação de que, de fato, por meio da Visanet, o valerioduto foi irrigado com dinheiro público. O que nunca se falou, contudo, é que essa sangria não se deu somente durante o governo petista, embora tenha sido nele o período de maior fartura da atividade criminosa. Quando eram os tucanos a coordenar o fundo, Marcos Valério meteu a mão em ao menos 17,2 milhões de reais.
De acordo com o relatório da PF, Marcos Valério tinha consciência de que agências de publicidade e propaganda representavam um mecanismo eficaz para desviar dinheiro público, por conta do caráter subjetivo dos serviços demandados. Mas havia um detalhe mais importante, como percebeu Zampronha. Com as agências, Valério passou a lidar com a compra de espaços publicitários em diversos veículos de comunicação. “Esta relação econômica estreitava o vínculo do empresário com tais veículos e poderia facilitar o direcionamento de coberturas jornalísticas”.
As Organizações Globo, proprietária da revista Época, sonegou a seus leitores, por exemplo, ter sido a maior beneficiária de uma das principais empresas do valerioduto. À página 68 do relatório, e em outras tantas, a TV Globo é citada explicitamente. Escreve o delegado: “A nota emitida pela empresa de comunicação destaca-se por sua natureza fiscal de adiantamento, “publicidade futura”, isto é, a nota por si só não traz qualquer prestação de serviço, como também não há elementos que vincule os valores adiantados ao fundo de incentivo Visanet”. Zampronha se referia a contratos firmados em 2003 no valor de 720 mil reais e 2,88 milhões de reais. Entre 2004 e 2005, a TV Globo receberia outros pagamentos da DNA, no valor total de 1,2 milhão de reais, lançados na planilha de controle do Fundo Visanet.
Mesmo tratado com simpatia na reportagem da Época, o Opportunity não perdoou. No item 17 de uma longa nota oficial em resposta, o banco atira: “Na Telemig, segundo informações prestadas à CPI do Mensalão, a maioria dos recursos eram repassados às Organizações Globo. Por isso, a apuração desses fatos fica fácil de ser feita pela Época.”
Segundo Zampronha, o objetivo do valerioduto era criar empresas de fachada para auxiliar na movimentação de dinheiro sujo e manter os interessados longe dos órgãos oficiais de fiscalização e controle. O leque de agremiações políticas para as quais Marcos Valério “prestava serviços” era tão grande que não restou dúvida ao delegado: “Estamos diante de um profissional sem qualquer viés partidário”. Isso não minimiza o fato de o PT, além de qualquer outra legenda, ter se lambuzado no esquema. Não fosse a denúncia de Jefferson, o valerioduto teria se inscrutado de forma absoluta no Estado brasileiro e se transformado em uma torneira permanemente aberta por onde jorraria dinheiro público para os cofres petistas.
CartaCapital não espera, como de costume, que esta reportagem tenha repercussões na mídia nativa. À exceção da desbotada tese do mensalão, que serve à disputa político-partidária na qual os meios de comunicação atuam como protagonistas, não há nenhum interesse em elucidar os fatos. O que, se assim for, provará que a sociedade afluente navega tranquilamente sobre o velho mar de lama.
Realengo e os rubros reflexos do massacre
Reproduzo artigo de Maurício Caleiro, publicado no blog Cinema & Outras Artes:
Os massacres envolvendo franco-atiradores e dezenas de alvos inocentes, geralmente em escolas ou universidades, foram por muito tempo considerado um fenômeno tipicamente norte-americano. Com efeito, até a década de 90 os EUA concentravam quase 90% de ataques do tipo.
As explicações, portanto, orbitavam em torno das idiossincrasias do american way of life, com sua concentração fatídica de culto às armas e à livre-circulação destas, individualismo e consumismo exacerbados, e belicismo como manutenção de um orgulho e poderio nacionais que há tempos encontra-se em decadência.
Por isso mesmo, alguns setores - da esquerda notadamente -, reagiam de forma contraditória: ainda que não deixassem de achar estarrecedor e deplorável a morte de inocentes por tais eventos promovida, nutriam uma indisfarçável satisfação por estes se consubstanciarem como evidência de que algo ia muito mal no seio do Império opressor.
Porém, por motivos que os bem-pensantes ainda não foram capazes de explicar, de uns 15 anos para cá casos semelhantes passaram a se repetir no Japão, na Rússia, na França, na Alemanha. Hoje foi a vez do Brasil, mais exatamente de Realengo, carioquíssimo subúrbio que antes remetia a domingos de calor e músicas de Jorge Benjor - e bairro ao qual Gilberto Gil mandou aquele abraço antes de partir, à força, para o exílio londrino, e, 1968.
Mas os abraços de hoje em Realengo em muito diferem do nobre gesto de superação do exilado, a se despedir em alto astral do país do qual fora apartado: são abraços partidos, de mães que não mais terão seus filhos nos braços; abraços confortadores, desolados, de consolo; abraços que, além de um gesto de afeto irradiam uma mesma pergunta: por quê?
À medida em que a tragédia ia vindo a público, a mídia brasileira – TVs à frente – começava a dar um show de incompetência, manipulação, desrespeito, achismo e despreparo que acabou por fornecer, no Dia do Jornalista, um triste retrato dessa categoria profissional. Num misto de incompetência e má-fé, até o islamismo foi invocado como a razão do massacre, enquanto a emoção dos entrevistados e do espectador era explorada com inédita sem-cerimônia.
Algumas horas antes de saber do massacre eu conversava com uma aluna, prestes a se formar, da qual sou orientador. Com olhos muito vivos, que transmitem uma intensa vida interior, ela pesquisa há tempos sobre um novo modelo de jornalismo, cívico, comunitário, solidário. Por mais que travemos, nessas sessões, uma delicada batalha entre as exigências realistas da academia e seu entusiasmo genuíno, este, nela, acaba sempre por me encantar.
A lembrança dela e de sua pureza de intenções, contrapostas às imagens do massacre e à vergonhosa cobertura midiática, acabou por formar, em mim, uma lúgubre epifania, de uma sociedade onde crianças são mortas sem mais nem porquê, jovens idealistas saem das faculdades para serem moldados em meros instrumentos do comércio jornalístico, e a por si nobre missão de informar a sociedade se transforma numa busca sem barreiras por Ibope, em que a ética e as boas atenções afundam no sangue e na exploração sadomasoquista da dor alheia.
Os massacres envolvendo franco-atiradores e dezenas de alvos inocentes, geralmente em escolas ou universidades, foram por muito tempo considerado um fenômeno tipicamente norte-americano. Com efeito, até a década de 90 os EUA concentravam quase 90% de ataques do tipo.
As explicações, portanto, orbitavam em torno das idiossincrasias do american way of life, com sua concentração fatídica de culto às armas e à livre-circulação destas, individualismo e consumismo exacerbados, e belicismo como manutenção de um orgulho e poderio nacionais que há tempos encontra-se em decadência.
Por isso mesmo, alguns setores - da esquerda notadamente -, reagiam de forma contraditória: ainda que não deixassem de achar estarrecedor e deplorável a morte de inocentes por tais eventos promovida, nutriam uma indisfarçável satisfação por estes se consubstanciarem como evidência de que algo ia muito mal no seio do Império opressor.
Porém, por motivos que os bem-pensantes ainda não foram capazes de explicar, de uns 15 anos para cá casos semelhantes passaram a se repetir no Japão, na Rússia, na França, na Alemanha. Hoje foi a vez do Brasil, mais exatamente de Realengo, carioquíssimo subúrbio que antes remetia a domingos de calor e músicas de Jorge Benjor - e bairro ao qual Gilberto Gil mandou aquele abraço antes de partir, à força, para o exílio londrino, e, 1968.
Mas os abraços de hoje em Realengo em muito diferem do nobre gesto de superação do exilado, a se despedir em alto astral do país do qual fora apartado: são abraços partidos, de mães que não mais terão seus filhos nos braços; abraços confortadores, desolados, de consolo; abraços que, além de um gesto de afeto irradiam uma mesma pergunta: por quê?
À medida em que a tragédia ia vindo a público, a mídia brasileira – TVs à frente – começava a dar um show de incompetência, manipulação, desrespeito, achismo e despreparo que acabou por fornecer, no Dia do Jornalista, um triste retrato dessa categoria profissional. Num misto de incompetência e má-fé, até o islamismo foi invocado como a razão do massacre, enquanto a emoção dos entrevistados e do espectador era explorada com inédita sem-cerimônia.
Algumas horas antes de saber do massacre eu conversava com uma aluna, prestes a se formar, da qual sou orientador. Com olhos muito vivos, que transmitem uma intensa vida interior, ela pesquisa há tempos sobre um novo modelo de jornalismo, cívico, comunitário, solidário. Por mais que travemos, nessas sessões, uma delicada batalha entre as exigências realistas da academia e seu entusiasmo genuíno, este, nela, acaba sempre por me encantar.
A lembrança dela e de sua pureza de intenções, contrapostas às imagens do massacre e à vergonhosa cobertura midiática, acabou por formar, em mim, uma lúgubre epifania, de uma sociedade onde crianças são mortas sem mais nem porquê, jovens idealistas saem das faculdades para serem moldados em meros instrumentos do comércio jornalístico, e a por si nobre missão de informar a sociedade se transforma numa busca sem barreiras por Ibope, em que a ética e as boas atenções afundam no sangue e na exploração sadomasoquista da dor alheia.
A mídia e a mercantilização do medo
Reproduzo artigo de Izaías Almada, publicado no Blog da Boitempo:
Desde os primórdios da humanidade, daquilo que nos é dado a conhecer, pelo menos, o sentimento do medo é inerente a ação e ao comportamento humano. O confronto com a natureza, a proteção mística contra o desconhecido, a luta pela sobrevivência, o inevitável desejo de posse, a tentativa de suplantar a dor física e o sofrimento, para ficarmos com alguns exemplos, são atitudes que caracterizam o relacionamento entre o homem e a sensação de medo.
Muito já terão os pensadores e cientistas sociais discorrido sobre o tema, em particular historiadores, sociólogos e psicólogos. O atual estágio de desenvolvimento humano, contudo, que para o bem e para o mal se confunde com o atual estágio do capitalismo, agregou a essa relação um componente perverso: transformou o medo numa mercadoria.
Que o digam a indústria farmacêutica, a indústria armamentista, os bancos e o capital financeiro especulativo, as grandes seguradoras, os grandes conglomerados midiáticos ao redor do mundo.
Apoiado numa monumental e cínica campanha de marketing, a mercantilização do medo está presente nas páginas dos jornais diários, dos grandes telejornais, nas histórias em quadrinhos, nos filmes de catástrofe e terror, nas novelas de televisão, nos programas de rádio, quando uma sucessão de tragédias, sejam elas individuais ou coletivas, ganharam e ganham destaque em nível nacional ou internacional.
A história da guerra no Iraque é paradigmática. A invasão desse país pelos EUA, sob premissas falsas de procurar armas de destruição em massa, e o criminoso silêncio do mundo, terceirizou o uso de força, com a contratação de tropas e serviços mercenários. Milhões e milhões de dólares foram gastos com roupas, alimentos, remédios, combustível, armas e munições, colocando nos dois pratos da balança os polpudos cheques públicos nas mãos da empresa privada de um lado e o medo, simplesmente o medo, de outro. Os genocidas do governo Bush, entre eles o vice presidente Dick Cheney e a empresa Halliburton sabem exatamente o que significa essa mercantilização do medo.
O medo ao terrorismo, o medo aos muçulmanos selvagens, o medo aos inimigos internos, o medo a culturas diferentes e à diversidade. O medo, enfim, a tudo que não seja branco e de olhos azuis. E que não fale o inglês do Texas ou da Câmara dos Lordes. Ou ainda, de forma mais prosaica, o medo ao desemprego, o medo ao assalto, o medo à infidelidade, o medo ao bullying, o medo à periferia, o medo aos juros bancários, o medo às enchentes, o medo aos terremotos, o medo, o medo, o medo…
Quanto vale o nosso medo do dia a dia nas bolsas de Nova York, Xangai ou mesmo na Bovespa?
Desde os primórdios da humanidade, daquilo que nos é dado a conhecer, pelo menos, o sentimento do medo é inerente a ação e ao comportamento humano. O confronto com a natureza, a proteção mística contra o desconhecido, a luta pela sobrevivência, o inevitável desejo de posse, a tentativa de suplantar a dor física e o sofrimento, para ficarmos com alguns exemplos, são atitudes que caracterizam o relacionamento entre o homem e a sensação de medo.
Muito já terão os pensadores e cientistas sociais discorrido sobre o tema, em particular historiadores, sociólogos e psicólogos. O atual estágio de desenvolvimento humano, contudo, que para o bem e para o mal se confunde com o atual estágio do capitalismo, agregou a essa relação um componente perverso: transformou o medo numa mercadoria.
Que o digam a indústria farmacêutica, a indústria armamentista, os bancos e o capital financeiro especulativo, as grandes seguradoras, os grandes conglomerados midiáticos ao redor do mundo.
Apoiado numa monumental e cínica campanha de marketing, a mercantilização do medo está presente nas páginas dos jornais diários, dos grandes telejornais, nas histórias em quadrinhos, nos filmes de catástrofe e terror, nas novelas de televisão, nos programas de rádio, quando uma sucessão de tragédias, sejam elas individuais ou coletivas, ganharam e ganham destaque em nível nacional ou internacional.
A história da guerra no Iraque é paradigmática. A invasão desse país pelos EUA, sob premissas falsas de procurar armas de destruição em massa, e o criminoso silêncio do mundo, terceirizou o uso de força, com a contratação de tropas e serviços mercenários. Milhões e milhões de dólares foram gastos com roupas, alimentos, remédios, combustível, armas e munições, colocando nos dois pratos da balança os polpudos cheques públicos nas mãos da empresa privada de um lado e o medo, simplesmente o medo, de outro. Os genocidas do governo Bush, entre eles o vice presidente Dick Cheney e a empresa Halliburton sabem exatamente o que significa essa mercantilização do medo.
O medo ao terrorismo, o medo aos muçulmanos selvagens, o medo aos inimigos internos, o medo a culturas diferentes e à diversidade. O medo, enfim, a tudo que não seja branco e de olhos azuis. E que não fale o inglês do Texas ou da Câmara dos Lordes. Ou ainda, de forma mais prosaica, o medo ao desemprego, o medo ao assalto, o medo à infidelidade, o medo ao bullying, o medo à periferia, o medo aos juros bancários, o medo às enchentes, o medo aos terremotos, o medo, o medo, o medo…
Quanto vale o nosso medo do dia a dia nas bolsas de Nova York, Xangai ou mesmo na Bovespa?
"Brasil superou o complexo de vira-lata"
Reproduzo artigo de Marco Aurélio Weissheimer, publicado no sítio Carta Maior:
O sucesso da política externa brasileira nos últimos anos deve-se à presença forte do presidente Lula, à constelação política que se formou no país e também a uma atitude de desassombro, no sentido etimológico da palavra, ou seja, uma atitude de não ter medo da própria sombra. O Brasil deixou de ter medo da própria sombra. Foi assim que o ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, definiu a política externa implementada pelo país nos últimos oito anos. O chanceler que percorreu o mundo ao lado do presidente Lula falou para um auditório lotado de estudantes de Relações Internacionais – em sua maioria -, na tarde desta quinta-feira (7), na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Celso Amorim esteve em Porto Alegre a convite do governo gaúcho, com apoio da Fundação de Economia e Estatística (FEE), do Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (Cegov) e do Núcleo de Estratégias e Relações Internacionais (Nerint), da UFRGS. Na abertura do encontro na Faculdade de Direito, o governador Tarso Genro apresentou Amorim como responsável por uma linha de política externa que colocou o Brasil em outro patamar no mundo. E lembrou o reconhecimento internacional que o chanceler brasileiro obteve.
Em 2009, a revista Foreign Policy, uma das mais respeitadas publicações de política externa do mundo, apontou Celso Amorim como o melhor chanceler do mundo. No ano a seguinte, a mesma revista escolheu-o como um dos cem pensadores globais mais importantes do planeta. Só quem parece não ter descoberto isso, assinalou o governador, foi a imprensa brasileira que, durante a gestão de Amorim no Itamaraty, apresentou-o como se fosse “um nacionalista fundamentalista que não gostava dos Estados Unidos”, criticando-o a partir de “uma visão pelega e subserviente de política externa”.
Em sua fala, Celso Amorim, falou do desassombro da atual política externa brasileira e do sentimento que o jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues definiu como “complexo de vira lata”, ainda muito presente em alguns setores da sociedade brasileira.
“Recentemente li um artigo comentando a Apologia de Sócrates, de Platão, onde ele diz que ser corajoso não é não ter medo, mas sim não ter medo daquilo que não é preciso ter medo. Muito da opinião veiculada pela mídia fica constantemente excitando nosso medo. O medo existe, é algo que está dentro de cada um de nós. Mas precisamos trabalhar para evitar que ele predomine sobre nossos sentimentos, perspectivas e visões”.
Nem os nossos mais ferozes críticos, acrescentou Amorim, podem negar que o Brasil adquiriu uma nova posição no cenário internacional. “Quem fizer uma pesquisa na imprensa internacional a respeito do que foi veiculado sobre o Brasil na época da última eleição presidencial verá como a nossa política externa foi tema de debate fora do país”. Vários adjetivos foram utilizados para definir a nossa política. O jornal Le Monde classificou-a como “imaginativa”. A própria Foreign Policy usou um termo que não é muito comum em língua portuguesa, chamando nossa política de “transformativa”, logo após nosso reconhecimento do Estado palestino.
“Uma amiga minha brincou”, contou Amorim, “que, no final de 2010, quando todo mundo pensava que o governo já tinha acabado, veio o reconhecimento do Estado palestino, e depois, nos últimos dias mesmo, veio a adoção de quotas para negros na primeira fase do exame para o Instituto Rio Branco (Itamaraty). Essas coisas mexem muito com a cabeça das pessoas. Até por isso é alvo de críticas e polêmicas. É uma área da política que mexe muito com conceitos”.
E foi esse, justamente, um dos principais pontos da fala de Amorim. Ele enfatizou a importância do conceito de desassombro na política e na vida (das pessoas e dos Estados), defendendo que o Rio Grande do Sul volte a ter essa postura no cenário nacional. “O Rio Grande do Sul sempre foi um Estado muito politizado que influenciou o Brasil diversas vezes com ideias, energia e vontade política”. Mais do que uma disposição voluntarista, acrescentou, essa é uma exigência do mundo de hoje que está mudando de modo dramático.
A política externa dos governos Lula e Dilma
Questionado sobre uma suposta solução de continuidade entre a política externa do governo Lula e a do governo Dilma, tema que vem sendo martelado com insistência na imprensa brasileira, Amorim negou que isso esteja acontecendo. As linhas gerais da política são as mesmas: defesa do interesse nacional, uma visão de solidariedade em relação aos outros povos e países e princípio da não indiferença em relação aos problemas do mundo.
“Não vejo diferença nem profunda, nem superficial, na condução da nossa política externa. Isso não quer dizer que não possam existir diferenças pontuais na hora de decidir sobre questões particulares”.
Uma dessas diferenças pontuais, que vem sendo objeto de grande interesse midiático, estaria na questão dos direitos humanos. Como costuma acontecer na insólita “diversidade” de opiniões na mídia brasileira, vários colunistas políticos repetem, com algumas variações, o mesmo comentário: enquanto o governo Lula foi pragmático nesta área, fechando os olhos para alguns casos de violação dos direitos humanos, o governo Dilma estaria rumando para uma posição mais principista na área, o que teria sido confirmado pelo recente voto do Brasil na ONU a favor do envio de um relator especial ao Irã para investigar a situação dos direitos humanos naquele país. Sobre esse tema, Celso Amorim comentou:
“Creio que a palavra chave quando se fala em Direitos Humanos é dignidade. Este foi um dos principais conceitos que orientou o governo Lula, tanto em sua luta contra a fome e a pobreza, quanto em seus votos na Organização Mundial do Comércio. Esse debate sobre direitos humanos no plano internacional é muito complexo. Os Estados Unidos já mudaram de posição mais uma vez nesta área em relação a China, por exemplo, dependendo de suas motivações políticas e comerciais. Quem se atreve, por exemplo, a pedir na ONU o envio de um relator especial aos Estados Unidos para investigar a situação dos presos em Guantánamo? É fundamental que a política tenha um substrato moral, mas não podemos esquecer que ela é “política” e, nesta dimensão, na maioria das vezes, o diálogo tem um efeito mais positivo do que condenações”.
Revolta Árabe: o papel central do Egito
Celso Amorim também falou sobre as revoltas que estão ocorrendo em diversos países do Oriente Médio e da África. Para ele, o mundo está atravessando um período de mudanças dramáticas, de consequências ainda imprevisíveis. No caso das chamadas revoltas árabes, o ex-chanceler brasileiro considera que o caso mais importante a acompanhar não é propriamente o da Líbia, país com cerca de 4 milhões de habitantes, mas sim o do Egito, com 80 milhões de habitantes e um posição chave na definição do problema palestino.
Amorim elogiou o voto brasileiro no Conselho de Segurança da ONU, abstendo-se na votação que aprovou a criação de uma zona de exclusão aérea. E questionou os resultados alcançados até aqui pelas forças da OTAN. Segundo ele, a zona de exclusão aérea instalada no Iraque anos atrás é brincadeira de criança perto do que está sendo feito agora na Líbia e que não se limita a um controle do espaço aéreo. Além disso, a alegada proteção à população civil também está cercada por dúvidas. Há população civil em torno de Kadafi e entre os rebeldes. Estão sendo protegidos ou bombardeados? – questionou.
O ex-titular do Itamaraty defendeu que o Brasil deve continuar a exercer uma diplomacia ativa no mundo. “O Brasil pode e deve influir nos assuntos globais. Isso é de interesse do mundo e do Brasil”, resumiu, lembrando que o nosso país não tem nenhum conflito com seus vizinhos e é respeitado internacionalmente por sua capacidade de diálogo. “Que outro país recebeu em um único mês os presidentes do Irã, de Israel e da Autoridade Palestina?” – resumiu.
"Obama perdeu grande oportunidade"
Sobre uma suposta decepção com a recente visita do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pelo fato dele não ter feito um pronunciamento mais incisivo em defesa da presença do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, Amorim foi taxativo: “Não há nenhuma decepção. O presidente Obama é que perdeu uma grande oportunidade de firmar uma parceria estratégica com um país que está se tornando uma potência mundial. Acho que ele e seus assessores não perceberam isso. As declarações dele em favor da presença da Índia no Conselho de Segurança enviaram um péssimo sinal ao mundo. Parece que ter a bomba atômica é uma condição para ingressar no Conselho como membro permanente”.
O elogio do desassombro na política e na vida feito por Celso Amorim foi muito aplaudido pelos estudantes de Relações Internacionais que, ao final do debate, fizeram fila e disputaram centímetros para chegar perto e tirar uma foto com um dos brasileiros mais influentes do planeta nos últimos anos.
O sucesso da política externa brasileira nos últimos anos deve-se à presença forte do presidente Lula, à constelação política que se formou no país e também a uma atitude de desassombro, no sentido etimológico da palavra, ou seja, uma atitude de não ter medo da própria sombra. O Brasil deixou de ter medo da própria sombra. Foi assim que o ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, definiu a política externa implementada pelo país nos últimos oito anos. O chanceler que percorreu o mundo ao lado do presidente Lula falou para um auditório lotado de estudantes de Relações Internacionais – em sua maioria -, na tarde desta quinta-feira (7), na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Celso Amorim esteve em Porto Alegre a convite do governo gaúcho, com apoio da Fundação de Economia e Estatística (FEE), do Centro de Estudos Internacionais sobre Governo (Cegov) e do Núcleo de Estratégias e Relações Internacionais (Nerint), da UFRGS. Na abertura do encontro na Faculdade de Direito, o governador Tarso Genro apresentou Amorim como responsável por uma linha de política externa que colocou o Brasil em outro patamar no mundo. E lembrou o reconhecimento internacional que o chanceler brasileiro obteve.
Em 2009, a revista Foreign Policy, uma das mais respeitadas publicações de política externa do mundo, apontou Celso Amorim como o melhor chanceler do mundo. No ano a seguinte, a mesma revista escolheu-o como um dos cem pensadores globais mais importantes do planeta. Só quem parece não ter descoberto isso, assinalou o governador, foi a imprensa brasileira que, durante a gestão de Amorim no Itamaraty, apresentou-o como se fosse “um nacionalista fundamentalista que não gostava dos Estados Unidos”, criticando-o a partir de “uma visão pelega e subserviente de política externa”.
Em sua fala, Celso Amorim, falou do desassombro da atual política externa brasileira e do sentimento que o jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues definiu como “complexo de vira lata”, ainda muito presente em alguns setores da sociedade brasileira.
“Recentemente li um artigo comentando a Apologia de Sócrates, de Platão, onde ele diz que ser corajoso não é não ter medo, mas sim não ter medo daquilo que não é preciso ter medo. Muito da opinião veiculada pela mídia fica constantemente excitando nosso medo. O medo existe, é algo que está dentro de cada um de nós. Mas precisamos trabalhar para evitar que ele predomine sobre nossos sentimentos, perspectivas e visões”.
Nem os nossos mais ferozes críticos, acrescentou Amorim, podem negar que o Brasil adquiriu uma nova posição no cenário internacional. “Quem fizer uma pesquisa na imprensa internacional a respeito do que foi veiculado sobre o Brasil na época da última eleição presidencial verá como a nossa política externa foi tema de debate fora do país”. Vários adjetivos foram utilizados para definir a nossa política. O jornal Le Monde classificou-a como “imaginativa”. A própria Foreign Policy usou um termo que não é muito comum em língua portuguesa, chamando nossa política de “transformativa”, logo após nosso reconhecimento do Estado palestino.
“Uma amiga minha brincou”, contou Amorim, “que, no final de 2010, quando todo mundo pensava que o governo já tinha acabado, veio o reconhecimento do Estado palestino, e depois, nos últimos dias mesmo, veio a adoção de quotas para negros na primeira fase do exame para o Instituto Rio Branco (Itamaraty). Essas coisas mexem muito com a cabeça das pessoas. Até por isso é alvo de críticas e polêmicas. É uma área da política que mexe muito com conceitos”.
E foi esse, justamente, um dos principais pontos da fala de Amorim. Ele enfatizou a importância do conceito de desassombro na política e na vida (das pessoas e dos Estados), defendendo que o Rio Grande do Sul volte a ter essa postura no cenário nacional. “O Rio Grande do Sul sempre foi um Estado muito politizado que influenciou o Brasil diversas vezes com ideias, energia e vontade política”. Mais do que uma disposição voluntarista, acrescentou, essa é uma exigência do mundo de hoje que está mudando de modo dramático.
A política externa dos governos Lula e Dilma
Questionado sobre uma suposta solução de continuidade entre a política externa do governo Lula e a do governo Dilma, tema que vem sendo martelado com insistência na imprensa brasileira, Amorim negou que isso esteja acontecendo. As linhas gerais da política são as mesmas: defesa do interesse nacional, uma visão de solidariedade em relação aos outros povos e países e princípio da não indiferença em relação aos problemas do mundo.
“Não vejo diferença nem profunda, nem superficial, na condução da nossa política externa. Isso não quer dizer que não possam existir diferenças pontuais na hora de decidir sobre questões particulares”.
Uma dessas diferenças pontuais, que vem sendo objeto de grande interesse midiático, estaria na questão dos direitos humanos. Como costuma acontecer na insólita “diversidade” de opiniões na mídia brasileira, vários colunistas políticos repetem, com algumas variações, o mesmo comentário: enquanto o governo Lula foi pragmático nesta área, fechando os olhos para alguns casos de violação dos direitos humanos, o governo Dilma estaria rumando para uma posição mais principista na área, o que teria sido confirmado pelo recente voto do Brasil na ONU a favor do envio de um relator especial ao Irã para investigar a situação dos direitos humanos naquele país. Sobre esse tema, Celso Amorim comentou:
“Creio que a palavra chave quando se fala em Direitos Humanos é dignidade. Este foi um dos principais conceitos que orientou o governo Lula, tanto em sua luta contra a fome e a pobreza, quanto em seus votos na Organização Mundial do Comércio. Esse debate sobre direitos humanos no plano internacional é muito complexo. Os Estados Unidos já mudaram de posição mais uma vez nesta área em relação a China, por exemplo, dependendo de suas motivações políticas e comerciais. Quem se atreve, por exemplo, a pedir na ONU o envio de um relator especial aos Estados Unidos para investigar a situação dos presos em Guantánamo? É fundamental que a política tenha um substrato moral, mas não podemos esquecer que ela é “política” e, nesta dimensão, na maioria das vezes, o diálogo tem um efeito mais positivo do que condenações”.
Revolta Árabe: o papel central do Egito
Celso Amorim também falou sobre as revoltas que estão ocorrendo em diversos países do Oriente Médio e da África. Para ele, o mundo está atravessando um período de mudanças dramáticas, de consequências ainda imprevisíveis. No caso das chamadas revoltas árabes, o ex-chanceler brasileiro considera que o caso mais importante a acompanhar não é propriamente o da Líbia, país com cerca de 4 milhões de habitantes, mas sim o do Egito, com 80 milhões de habitantes e um posição chave na definição do problema palestino.
Amorim elogiou o voto brasileiro no Conselho de Segurança da ONU, abstendo-se na votação que aprovou a criação de uma zona de exclusão aérea. E questionou os resultados alcançados até aqui pelas forças da OTAN. Segundo ele, a zona de exclusão aérea instalada no Iraque anos atrás é brincadeira de criança perto do que está sendo feito agora na Líbia e que não se limita a um controle do espaço aéreo. Além disso, a alegada proteção à população civil também está cercada por dúvidas. Há população civil em torno de Kadafi e entre os rebeldes. Estão sendo protegidos ou bombardeados? – questionou.
O ex-titular do Itamaraty defendeu que o Brasil deve continuar a exercer uma diplomacia ativa no mundo. “O Brasil pode e deve influir nos assuntos globais. Isso é de interesse do mundo e do Brasil”, resumiu, lembrando que o nosso país não tem nenhum conflito com seus vizinhos e é respeitado internacionalmente por sua capacidade de diálogo. “Que outro país recebeu em um único mês os presidentes do Irã, de Israel e da Autoridade Palestina?” – resumiu.
"Obama perdeu grande oportunidade"
Sobre uma suposta decepção com a recente visita do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pelo fato dele não ter feito um pronunciamento mais incisivo em defesa da presença do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, Amorim foi taxativo: “Não há nenhuma decepção. O presidente Obama é que perdeu uma grande oportunidade de firmar uma parceria estratégica com um país que está se tornando uma potência mundial. Acho que ele e seus assessores não perceberam isso. As declarações dele em favor da presença da Índia no Conselho de Segurança enviaram um péssimo sinal ao mundo. Parece que ter a bomba atômica é uma condição para ingressar no Conselho como membro permanente”.
O elogio do desassombro na política e na vida feito por Celso Amorim foi muito aplaudido pelos estudantes de Relações Internacionais que, ao final do debate, fizeram fila e disputaram centímetros para chegar perto e tirar uma foto com um dos brasileiros mais influentes do planeta nos últimos anos.
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