domingo, 10 de abril de 2011

Ollanta Humala vence 1° turno no Peru

Reproduzo matéria do jornal argentino Página/12, publicada no sítio Carta Maior:

Segundo as primeiras pesquisas de boca de urna, o candidato da esquerda, Ollanta Humala, obteve mais de 30% dos votos e deverá disputar o segundo turno previsto para 5 de junho. O segundo lugar é disputado por Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori, e pelo ex-ministro Pedro Pablo Kuczynski, que, segundo as pesquisas de boca de urna, obtiveram cerca de 20% de votos cada, com uma ligeira vantagem para Keiko.

A revista Veja e a bomba de Bolsonaro

Reproduzo artigo de Antônio Mello, publicado em seu blog:

Em sua edição de 28 de outubro de 1987, a revista Veja publicou uma reportagem denunciando que o capitão Jair Messias Bolsonaro e um outro identificado apenas como Xerife iriam explodir bombas "em várias unidades da Vila Militar, da Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende, no interior do Rio de Janeiro, e em vários outros quartéis".

Bolsonaro criticou o ministro do Exército da época Leônidas Pires Gonçalves, a quem chamou de incompetente e racista por ter chamado os militares de "uma classe de vagabundos mais bem remunerada do país". Bolsonaro concordou em parte com a crítica do ministro e disse: "Só concordamos em que ele está realmente criando vagabundos". A parte salarial era a questão de fundo do seu descontentamento.

Na fronteira, Peru vota em Humala

Reproduzo artigo de Rodrigo Vianna, publicado no blog Escrevinhador:

Enquanto o Brasil se contorcia de dor pela matança pavorosa em Realengo, eu estava longe de casa e da internet. Passei os últimos dias na Amazônia (acompanhado pelos colegas jornalistas Gilberto Nascimento e Gilson Dias), apurando uma reportagem para a TV Record.

Folha viola direitos dos jornalistas

Por Altamiro Borges

Na semana passada, no 7 de abril, foi festejado o Dia do Jornalista. Houve atos comemorativos e festanças em vários pontos do país e até discursos na Câmara Federal. A própria mídia patronal fez questão de festejar a data.

Na mesma semana, porém, a diretoria do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo participou de uma mesa-redonda na Delegacia Regional do Trabalho (DRT) para discutir "o permanente desrespeito que o Grupo Folha promove contra os direitos trabalhistas dos funcionários".

Dilma na China e os “conselhos” da mídia

Por Altamiro Borges

De 11 a 15 de abril, a presidenta Dilma Rousseff visitará a China. Cerca de 300 empresários participam da comitiva, que tem como principal objetivo estreitar e aperfeiçoar a “parceria comercial” entre as duas nações “emergentes”. Há fortes interesses econômicos em jogo e vários pontos de divergência na pauta, que serão motivos de tensas negociações de bastidores.

A China é hoje o maior parceiro e investidor no Brasil, tendo superado os EUA. O comércio entre os dois países somou US$ 56 bilhões em 2010, com saldo favorável ao lado brasileiro de US$ 5 bilhões. No mesmo período, os investimentos chineses atingiram US$ 19 bilhões, em projetos de petróleo, mineração, siderurgia e energia. Esta parceria, porém, tem assimetrias.

Relações assimétricas

O Brasil exporta matérias-primas, com baixo valor agregado, e importa manufaturados chineses. Atualmente, cerca de 90% das nossas exportações estão concentradas em quatro produtos (minério de ferro, soja, petróleo e celulose). Já a crescente importação de produtos industrializados da China tem afetado as empresas nacionais, que chiam da concorrência desigual.

A comitiva brasileira, encabeçada pela presidenta Dilma Rousseff, pretende rediscutir esta parceria. Mas, segundo notícias da própria imprensa colonizada, ela não pretende fazer o jogo dos EUA, que tentam sair da sua grave crise econômica acirrando a guerra comercial – em especial contra a China. A idéia é promover ajustes para reforçar a parceria, e não implodi-la.

A histeria da imprensa colonizada

Nesta disputa de gigantes, chama à atenção a postura da mídia colonizada. Quando a visita de Barack Obama, em março, ela bajulou os EUA e pregou o retorno do “alinhamento automático”, praticado no triste reinado de FHC. Tentando colocar uma cunha entre Lula e Dilma, ela criticou o “antiamericanismo” do governo anterior e elogiou o “pragmatismo” do atual governo.

Diferente da relação com a China, na qual o Brasil ainda goza de saldo positivo na relação comercial, apesar das assimetrias, no caso dos EUA a tal “parceria” é totalmente desvantajosa. O déficit comercial brasileiro com os EUA é de US$ 7,8 bilhões. Apesar disso, a mídia fez tietagem na visita do presidente ianque e agora “aconselha” Dilma a ser dura contra a China!

Folha posa de “nacionalista”

Em editorial, a Folha até esbanja argumentos “nacionalistas” – logo ela sempre tão privatista e serviçal diante dos EUA. Após criticar o governo Lula pelo “entusiasmo – um tanto míope – com o superávit” no comércio com a China, o jornal sugere “mecanismos de defesa comercial” contra o atual parceiro, “que passou a ameaçar seriamente a indústria nacional”.

A Folha ainda propõe que se rediscutam os investimentos. “Ao lado brasileiro interessa receber investimentos, mas é preciso cautela com a predileção das estatais chinesas pelo setor de recursos naturais. O Brasil não deve permitir que governo estrangeiro controle um excesso de ativos em mineração, terras e cadeias de produção agroindustrial”. Haja nacionalismo!

Estadão prega rompimento

Mais agressivo ainda, o editorial do Estadão “aconselha” a presidenta a abandonar o “terceiro-mundismo” de Lula. Para o jornalão, a visita à China será “o teste diplomático de Dilma”. Ele sugere que o Brasil não reconheça a potência asiática como “economia de mercado”, como havia sido prometido pelo governo anterior durante visita de Hu Jintao a Brasília, em 2004.

“O compromisso assumido pelo presidente Luiz Inácio da Silva, há sete anos, foi, mais que um excesso, uma imprudência... A China obviamente não é uma economia tão sujeita às regras de mercado quanto a maior parte das outras associadas à OMC... A promessa precipitada refletiu uma concepção particular – e ingênua – de alianças estratégicas”, esbraveja o velho Estadão.

Servilismo diante dos EUA

A visita de Dilma Rousseff será, de fato, um marco nas relações com a China. Tudo indica que medidas serão discutidas para corrigir assimetrias e para defender os interesses nacionais. Isto, porém, não tem nada a ver com o que “aconselha” a mídia colonizada. Ela não está preocupada com os interesses nacionais, mas sim com as ambições do império. As suas críticas histéricas ao chamado “terceiro-mundismo” do governo Lula revelam, na verdade, o seu eterno servilismo diante dos EUA.

TVs afastam torcedor dos estádios

Reproduzo reportagem da Revista do Brasil:

Com a aparente "volta por cima" da Globo nas negociações sobre a transmissão dos campeonatos brasileiros de 2012 a 2014, as esperanças de transmissão de jogos na TV aberta em horários civilizados, para espectadores e atletas, se esvaem. Os clubes, atolados em dívidas, menosprezam a negociação coletiva. Também passam ao largo preocupações com o que o torcedor mortal terá de pagar por ingressos em estádios ou pacotes televisivos para ver seu time ou secar os demais. O esporte mais popular do país é cada dia mais impagável para a maioria da galera. O professor Flávio de Campos, do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), compara a situação a uma briga oligárquica. "Essa cartolagem é muito parecida com determinadas raposas da política brasileira, e às vezes se confundem mesmo", diz.

A realização da Copa de 2014 no Brasil reforça a mudança de foco do futebol e potencializa a cobiça. Construídos ou reformados, às vezes com necessidade duvidosa, os estádios serão em tese mais bem aparelhados, terão capacidade menor e ingressos mais caros, o que evidencia essa busca pelo público de maior poder aquisitivo. "A questão da transmissão é um complemento da exclusão que vem sendo feita há anos nos estádios. Em nome da segurança, um padrão de modernidade se impõe e remove os setores populares. Como se a violência fosse um atributo desses setores, o que é uma falácia", acrescenta Campos.

No Maracanã, a geral, conhecida pelo grande número de populares fantasiados que ali acompanhavam os jogos, foi destruída em 2005 e deu lugar às cadeiras - setor nobre. Foi o fim dos geraldinos, como eram conhecidos os frequentadores. E os arquibaldos, a turma da arquibancada, também não tem vida fácil. Ambos os tipos foram cunhados pelo escritor Nelson Rodrigues, frequentador do velho Maracanã.

Aperto

O funcionário público Paulo Roberto Evaristo estava lá no último dia da geral, em 24 de abril de 2005, no jogo entre Fluminense e São Paulo - e até guardou o ingresso. "Estudava e trabalhava, o salário era pequeno, era a opção mais em conta. Além disso, era legal ficar mais perto do campo. A visão era ruim, mas compensava. Dava para chamar e xingar os jogadores. Pelo menos ficava a impressão de que podiam ouvir", brinca.

Na despedida, Paulo e alguns amigos foram os últimos a deixar o estádio. Aos 39 anos, realizou o sonho de muitos meninos: conseguiu entrar no campo, cobrar pênaltis imaginários e fingir que estava ligando do orelhão, como alguns jogadores costumavam comemorar seus gols, em vez de correr para diante da câmera mais próxima. Segundo ele, o ingresso custava um quarto do da arquibancada, que por sua vez era metade do preço das cadeiras.

Em 2010, o Maracanã foi fechado. A reforma mira a Copa. Na última, a capacidade caiu de 120 mil para 86 mil pessoas - que passaram a pagar mais. Em 1969, o estádio chegou a receber 180 mil torcedores. Com a reabertura, provavelmente em 2013, caberão apenas 76 mil e esperam-se preços ainda mais elevados.

Às vezes, alguém reclama. Como na partida entre Santos e Cerro Porteño, pela Taça Libertadores, em março. O time paulista aproveitou o jogo contra o rival paraguaio para cobrar R$ 100 pelo ingresso. Resultado: protestos e pouca gente no estádio.

Em Salvador, o gerente financeiro Marcus Vinícius Vilas Boas, o Kiko, torcedor do Bahia e fã de carteirinha do estádio da Fonte Nova conta que os preços não esperam reformas para subir. "Já está tudo mais caro. No Pituaçu (que vem sendo utilizado para jogos maiores), os ingressos para o campeonato baiano estão R$ 50, R$ 40 no mínimo, dependendo do jogo. Na Fonte Nova custavam R$ 10, R$ 20, R$ 30 no máximo."

O palco da Fonte Nova foi fechado em 2007, após a queda de um pedaço da arquibancada que matou sete pessoas. Kiko estava a poucos metros. "Lembro o dia da tragédia, nunca teve só 65 mil torcedores ali", diz, referindo-se ao público oficial informado. "No mínimo, uns 80 mil." O tradicional estádio foi implodido. No local, será construído um novo, com capacidade para pouco mais de 50 mil pessoas.

Elitização

Em artigo publicado em O Estado de S. Paulo no final de 2010, o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Marcos Alvito cita a Soccerex, feira internacional realizada no Rio com foco no futebol como negócio, na qual "especialistas" decretaram que a modalidade no Brasil terá a classe A como clientela-alvo, deixando as classes B e C para trás. "Porque as D e E há muito não sentam em uma arquibancada. Hoje os estádios viraram estúdios para um show televisivo chamado futebol", observa o antropólogo, para quem está em curso um processo de elitização perversa do esporte.

O docente foi um dos criadores, em 2010, da Associação Nacional dos Torcedores. Incipiente, mas com reivindicações como maior transparência no futebol, além de igualdade de acesso aos estádios. "Vai acabar com toda e qualquer possibilidade de a população pobre ou de classe média baixa frequentá-los. Claro que a gente aprova o conforto. O problema é transformar o estádio num grande shopping center", diz o estudante Matheus Serva, da ANT. "E tem o agravante da televisão. Quarta-feira às 10 da noite é impossível para um trabalhador assistir ao jogo."

O historiador Felipe Dias Carrilho vê na questão da TV um aprofundamento da lógica empresarial, que não chega a ser novidade, mas se torna mais visível à medida que a Copa se aproxima. "É a capitalização máxima do esporte. Nossos cartolas são os coronéis dentro do futebol." O jornalista Juca Kfouri fala em um país sui generis, em que os capitalistas não gostam de praticar o capitalismo que apregoam. "Por um lado, uma emissora (Record) capta recursos de forma 'espúria', no 'mercado da fé'. De outro, a concorrente (Globo) não demonstra interesse em seguir as regras da concorrência."

No mundo do consumo, os europeus estão muito à frente. Considerado pela revista Forbes o time mais rico do mundo, o Manchester United, da Inglaterra, acumula patrimônio de US$ 1,8 bilhão. Seu canal pago é exibido em 192 milhões de residências. O segundo na lista, o Real Madrid, da Espanha (US$ 1,3 bilhão), mostra equilíbrio nas fontes de receitas: 30% vêm da bilheteria de seu estádio, 34% do comércio de produtos e 36% de direitos da televisão - aqui, a dependência da TV supera os 50%. Em meados de março, o site do clube tinha poucos ingressos disponíveis a não sócios para um jogo do campeonato local que seria realizado três semanas depois, contra o Sporting Gijon: € 225 (R$ 530).

Arquibancada

O executivo e consultor espanhol Esteve Calzada calcula que um fã do Real ou do rival Barcelona gastará aproximadamente € 3.000 (mais de R$ 7.000) se acompanhar seu time por toda a temporada europeia. "Em tempo de crise", lembra. Ele também prevê que, na temporada 2011-2012, o Barça desbancará o Real e se tornará o clube com maior arrecadação no mundo. O time catalão tem mais de 170 mil sócios-torcedores e mantém sempre lotado seu estádio, o Camp Nou, com capacidade para 99 mil espectadores.

No Brasil, os clubes, endividados, as TVs e seus patrocinadores caminham para consolidar a tipificação do torcedor de "arquibancada de prédio", na definição do professor Flávio de Campos: aquele que assiste ao jogo em casa e faz barulho para perturbar o vizinho simpático ao adversário - que também não vai ao estádio.

O professor vê o país perder a oportunidade de fazer uma correção de rota. Eventos como Copa do Mundo (2014), Jogos Militares (2011), Olimpíada e Paraolimpíada (2016) deveriam ser determinantes para formular políticas de investimentos na formação de atletas. "É incrível a falta de interesse em vincular essa agenda esportiva à educação", diz. "Se equipassem as escolas públicas, essa revalorização poderia transformá-las em centros de difusão do esporte. Não seria muito difícil pensar num projeto mais interessante e criativo, em vez de gastar bilhões em estádios ultramodernos."

Autor, 30 anos atrás, do livro História Política do Futebol Brasileiro, o professor Joel Rufino dos Santos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), considera que a chave para essa completa mercantilização é a separação entre o esporte e o espetáculo. "Eu gostava muito de ver jogos no campo do Palmeiras, da proximidade dos jogadores. Não sei por que vão construir outro estádio. É para o espetáculo", ironiza.

"Vai-se ao campo como se vai ao teatro", confirma Juca Kfouri. O jornalista também detecta um aspecto inexorável de elitização e de transformação dos estádios em estúdios para programas televisivos. Corintiano, ele lembra quando saboreava o show da torcida. "O lugar é para sentir em cima da pedra, no degrau (da arquibancada). Se estivesse lotado, ia para o alambrado." Juca conta a "sensação paradoxal" que experimentou, no Allianz Arena, na Copa da Alemanha, em 2006. "Um lugar suntuoso, limpíssimo e quase esterilizado. Não dá para xingar o juiz. Você faria isso no Teatro Municipal?", brinca. "Cada vez mais a sensação que tenho é de que os estádios não têm alma."

Na Argentina, a transmissão dos jogos é de graça

Enquanto no Brasil quem gosta de futebol praticamente fica à mercê de um conglomerado televisivo, na vizinha Argentina o governo comprou a briga com o Clarín, principal grupo de mídia do país, e assumiu as transmissões, que passaram a ser gratuitas e exibidas pela TV pública, com o lançamento do programa Futebol para Todos. A mudança faz parte da substituição da antiga Ley de Radiodifusión pela Ley de Medios Audiovisuales.

"Um capítulo importante dessa lei era precisamente garantir o direito ao acesso ao esporte mais importante dos argentinos", afirmou a presidenta Cristina Kirchner, na assinatura do convênio entre a AFA, a associação de futebol argentina, e o Sistema Nacional de Medios Públicos (SNMP), em agosto de 2009. Segundo ela, é obrigação do Estado "garantir a todos, sobretudo àqueles que não podem pagar, o direito a ver seu esporte predileto".

Para Gustavo Bulla, diretor da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual, órgão regulador argentino, a exclusividade de direitos para televisionamento de futebol foi um dos fatores que levaram à concentração no meio audiovisual. "Agora, aquele adolescente de 18, 19 anos está vendo pela primeira vez um jogo de futebol, porque muitas cidades, devido ao sistema a cabo, não podiam transmitir", afirmou, durante evento em Brasília no final de 2010.

O governo argentino ofereceu US$ 150 milhões por ano, até 2019, para televisionar o campeonato. O valor é aproximadamente três vezes maior que o da TV privada. O acordo foi aceito pelos clubes, todos em dificuldade financeira, e intermediado pela AFA.

No Brasil, nas negociações pelo direito de transmissão do Campeonato Brasileiro de 2012 a 2014, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), vinculado ao Ministério da Justiça, até conseguiu impor um pouco de concorrência ao tema. A Globo ficou de fora do leilão elaborado pelo Clube dos 13 e implodiu o órgão ao assediar individualmente os clubes. Ofereceu bem mais do que pagou no contrato anterior a alguns dos principais times do país. A Rede TV! entrou como única concorrente e ganhou a licitação no atacado. A Record, da qual se esperava a maior oferta, nem entrou no leilão depois dos movimentos da Globo "por fora" - e, como a rival, partiu para as negociações individuais.

As dúvidas se multiplicam. Durante o programa Observatório da Imprensa, o procurador-geral do Cade, Gilvandro Araújo, afirmou que a autoridade antitruste poderá se manifestar novamente se acionada. "Isso (as discussões entre TVs e clubes) talvez vá ensejar no futuro um outro tipo de análise, não só do Cade, mas de todos os interessados nesse setor."

No campeonato inglês, os clubes negociam juntos. Na Espanha, separados, com grande parte do bolo destinada ao Barcelona e ao Real Madrid. Enquanto na Inglaterra o troféu é disputado por várias equipes, a Espanha criou "o melhor campeonato gaúcho do mundo", conforme expressão do jornalista esportivo Paulo Vinicius Coelho, em referência ao campeonato do Rio Grande do Sul, quase sempre vencido por Internacional ou Grêmio.

A questão, no Brasil, passa também pela política. Parte dos clubes é aliada de Ricardo Teixeira, presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) há 22 anos, parceiro da Globo e candidatíssimo ao comando da Fifa, a entidade maior da modalidade mundialmente. Antes de assistir de camarote à implosão, Teixeira tentou sem sucesso emplacar na presidência do Clube dos 13 seu aliado Kléber Leite, ex-presidente do Flamengo.

Entre os cotados para substituí-lo na CBF, se o mundo não acabar até lá, estão o presidente do Corinthians, Andrés Sanchez, companheiro de primeira hora, e até Marcelo Campos Pinto, executivo da Globo e principal articulador do atual imbróglio do futebol brasileiro - que não está livre de acabar nos tribunais.

Mídia faz campanha do medo no Peru

Reproduzo artigo de Júlia Nassif de Souza, publicado no sítio da revista Caros Amigos:


À véspera das eleições presidenciais no Peru, o clima de medo caracteriza as campanhas de candidatos que mostram todas suas armas para conquistar o eleitorado indeciso e contam com o apoio indiscreto de diversos meios de comunicação. Jornais, revistas e programas televisivos levantam opiniões como verdades, exageram fatos e demonstram suas preferências desesperadas em uma eleição ainda indefinida.

sábado, 9 de abril de 2011

Bolsonaro: SP me mata de vergonha

Reproduzo artigo de Eduardo Guimarães, publicado no Blog da Cidadania:

Ser a única grande cidade brasileira a fazer um ato público de apoio aos delírios nazifascistas do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) era só o que faltava para terminar de envergonhar São Paulo diante do país depois de chocá-lo com os reiterados ataques a homossexuais na avenida Paulista, com a segunda pior educação pública do país e com uma polícia que ganha salários piores do que os pagos no Piauí apesar de esta ser a cidade mais rica do Brasil.

Nem no Rio de Janeiro, base eleitoral de Bolsonaro, os degenerados que apóiam suas idéias criminosas tiveram coragem de sair à luz do sol para defendê-lo. Em São Paulo, demonstrando que a burrice paulistana não se resume a escolher os piores governantes locais do país, dezenas de bolsonarinhos foram ao Museu de Arte Moderna de São Paulo (Masp), na avenida Paulista, para defender seu ídolo e pregar ódio e intolerância.

Sentindo-se à vontade em uma cidade em que parte expressiva da população pensa como Bolsonaro, a direita racista e homofóbica mostrou a cara no ato público em questão, mas acabou deparando com uma contramanifestação de defensores dos direitos dos homossexuais, um ato corajoso e insensato porque, do outro lado, havia criminosos conhecidos e procurados, o que gerou uma dezena de prisões de bolsonaretes.

Em nenhuma outra parte do país, neonazistas e skinheads, entre os quais devem estar os que vêm aterrorizando homossexuais na avenida Paulista, teriam coragem de sair assim tão abertamente à luz do sol. Alem de dementes, são burros. Mas o ambiente paulistano certamente contribuiu para induzi-los à crença de que não seriam presos mesmo ostentando até símbolos nazistas.

São Paulo me mata de vergonha. A mim e a todos os milhões de paulistanos decentes e normais da cidade. Em que pese que a maioria pensa exatamente como os bandidos que a polícia deteve, os paulistanos de respeito são em número suficiente para povoar várias grandes cidades.

A você, paulistano que apóia Bolsonaro, Serra, FHC, Maluf, Alckmin e outros dinossauros da política brasileira, e que acha que orientação sexual é doença e quer deportar nordestinos, ou que acredita em bater em filhos “gayzinhos” para “curá-los”, imploro que pare de fazer sua cidade passar vergonha ao difundir as tuas idéias doentias.

Acorde, paulistano. Pare de votar em incompetentes como Serra, Kassab e Alckmin só por raiva de “petistas”. A cidade e o Estado estão afundando. Temos os policiais e os professores mais mal pagos do país. A violência cai nos indicadores da Secretaria de Segurança e explode nas ruas. A cidade vira um inferno com a menor chuva.

Acorde, paulistano. Entre no século XXI. Homossexual não é doente, nordestino é tão brasileiro quanto qualquer um e tem o direito de estar aqui. Esses políticos dementes que você está elegendo ainda vão levar a sua vida numa enxurrada ou em um ataque criminoso desses que não param de aumentar. Pelo amor de Deus, reacionário paulistano, pare de envergonhar esta cidade. Nem todos, daqui, têm culpa pela tua burrice.

Greve nas obras: o peão ainda é explosivo

Reproduzo artigo de Vito Giannotti, publicado no jornal Brasil de Fato:

No fim de março, as notícias das revoltas dos peões de obra de grandes construtoras, no norte e nordeste do país, repercutiram até na mídia empresarial. Dia 23 de março, lemos em vários jornais notícias da greve de mais de 25 mil trabalhadores, na construtora da refinaria Abreu e Lima, em Suape (PE).

A reivindicação chocou por sua crueza: pagamento de 100% das horas extras, aos sábados, aumento do vale- alimentação de R$ 80 mensais para a soma astronômica de R$ 160,00! Imaginem só. E o consórcio formado pela Camargo Correa e pela OAS, aceitando só R$ 130,00. Enquanto isso, a refinaria Abreu e Lima recebeu R$ 13, 3 bilhões de investimentos da Petrobras.

No dia 24, os jornais noticiaram que havia uma greve nas usinas de Jirau e Santo Antônio (RO), obras das grandes empresas como a Camargo Correa e Odebrecht, que trabalham com recursos do PAC. Neste dia, calculava-se que houvesse quase cem mil trabalhadores da grande construção civil parados, entre Suape (PE), Porto de Pecém (CE) e nas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio.

Em todos os casos, reivindicações básicas: respeito aos direitos mínimos como aumento do adicional das horas extras, melhor atendimento de saúde, melhora da alimentação e do valor do vale refeição. A revolta dos trabalhadores ao total desrespeito pelas empresas às suas reivindicações explodiu, sobretudo, na usina de Jirau. Mais de 45 ônibus e várias instalações da usina foram incendiados. Logo, a lorota da mídia, das empreiteiras e dos seus lambe-botas foi que tudo começou por causa de uma briga pessoal entre peões.

A realidade é bem outra. A classe operária ainda existe. Ainda se revolta. Ainda sabe incendiar ônibus, enquanto as empresas se protegem com a Guarda Nacional e recebem gordos financiamentos públicos. Mas a mídia empresarial e ex-militantes de esquerda e intelectuais arrependidos repetem que a classe operária acabou e que a luta de classes é coisa do passado.

"A esperança vai vencer o medo" no Peru?

Reproduzo artigo Jacqueline Fowks, publicado no sítio Opera Mundi:

Imediatamente após uma pesquisa mostrar que o candidato da coalizão de esquerda Ganha Peru liderava as intenções de voto para as eleições peruanas, a Bolsa de Valores de Lima caiu mais de 5%. O temor expressado pelo mercado com a dianteira de Ollanta Humala Tasso, 48 anos, é semelhante ao verificado em eleições em outros países latino-americanos, como a do ex-presidente Lula.

E as incertezas da elite econômica no Peru com Humala não são a únicas semelhanças com a eleição brasileira em 2002: com um discurso mais leve e endereçado aos mais pobres, Humala parece ter eliminado a imagem de radical e conquistado um eleitorado fiel. O candidato inclusive divulgou o documento “Compromisso com o Povo Peruano”, nos moldes da “Carta ao Povo Brasileiro” de Lula. Nele, falou o que os investidores queriam ouvir.

Humala prometeu mudanças sem afetar a estabilidade econômica e política, propondo um “pacto político” entre todas as forças do país para “consolidar o crescimento e distribuir a riqueza no país”. De fato, não nega o crescimento registrado no Peru nos últimos anos – só em janeiro a economia cresceu 10,2% –, mas critica a concentração de renda. Humala garante ainda que “as decisões do Banco Central serão independentes e que não defenderá a volta de reeleições consecutivas”.

A posição é oposta à apresentada em 2006, quando perdeu no segundo turno para o atual presidente, Alan García. Naquela ocasião, o esquerdista propunha a estatização da economia e a revisão de acordos econômicos já assinados. O neoliberal García ganhou com 52,6% dos votos – Humala teve 47,375%.

A mudança também aconteceu no visual: Humala já não veste vermelho e sim, branco, ou trajes formais, a exemplo dos ex-presidentes García e Toledo. Tampouco atacou verbalmente nenhum dos candidatos, apesar de o slogan “a esperança vai vencer o medo” ser exaustivamente repetido em seus comícios.

Frente à tentativa da imprensa e dos concorrentes de atrelá-lo ao presidente venezuelano, Hugo Chávez, negou qualquer ligação com o líder da Venezuela, de passado militar como Humala. Em 2006, Chávez o apoiou explicitamente, inclusive liderando comícios em praça pública.

"Votarei em Humala não por ser militante, mas pelas reação contrária de certos setores, como o de comunicação, à sua candidatura. Em 2006, votei nele pelo mesmo motivo. Além disso, é o único que irá investigar o governo García, o que seria uma importante mensagem contra a corrupção e a cultura da impunidade. Porém, não entendo quando diz que não está com Chávez ", disse ao Opera Mundi o eleitor Luis Ancajima , 41 anos, estudante de Filosofia.

O eleitorado de Humala se concentra entre as camadas mais humildes da sociedade peruana, conforme mostra uma pesquisa do instituto Ipsos Apoyo. Trinta e um porcento da classe E, a mais pobre, vota no candidato, assim como 33% da classe D. Somente 6% da classe A escolherá Humala no próximo domingo.

Obstáculos para Humala

De acordo com a socióloga peruana Paula Muñoz, da Universidade de Austin, em 2006 Humala teve apoio “nas províncias [estados] abandonadas pelo modelo econômico”, e também onde “as políticas neoliberais tiveram benefícios”. No entanto, como verificado nas eleições daquele ano, a forte campanha dos meios de comunicação foi um dos motivos para a derrota para García. Nessa eleição, Humala espera amortecer a forte rejeição des setores como esse.

O candidato do Ganha Peru ainda tem três temas controversos em sua trajetória como militar. Uma denúncia por violação dos direitos humanos durante o combate ao Sendero Luminoso em 1992; a convocação de uma rebelião militar – ao lado do irmão, Antauro – no quartel de Locumba em 2000 no dia em que Vladimiro Montesinos, ex-assessor Fujimori fugiu do Peru e o levante popular convocado por Antauro na virada do ano de 2005, que resultou na morte de seis pessoas, sendo duas delas policiais. Durante esse motim, Humala atuava na Coreia do Sul, após ocupar posto similar na França, durante o governo Toledo.

Giovanna Peñaflor, diretora do instituto de pesquisas Imasen e analista política, insiste que o fato de ser militar reflete de forma positiva e negativa sobre Humala, porque o eleitor pode o enxergar como “uma pessoa que conhece o país, além de transmitir força e caráter”, mas também pode significar “autoritarismo.”

“Nesse momento, o lado positivo se destaca. Ele é o único candidato que aparece em público com a esposa e os filhos, sendo que um deles é recém-nascido. Sua imagem foi suavizada aos olhos dos eleitores”, explicou a analista política ao Opera Mundi. Além disso, o perfil político teve papel na aceitação de Humala. “Antes ele representava a esquerda radical, agora é uma esquerda moderada”, concluiu Giovanna.

O sociólogo peruano Julio Cotler concorda com a diretora do Imasen. “Ele se deu conta que com extremismo, não vai ganhar. O Peru não passa por um momento de grande dificuldade, que poderia beneficiar um extremista. Humala também entendeu que não bastava mudar a imagem, mas todas as propostas.”

Para o politólogo peruano Alberto Vergara, em entrevista a uma emissora local, “Humala conseguiu se afastar da imagem de militar e jogou com a carta da moderação, ao se aproximar de setores como a Igreja. Desmitificar o autoritário militar lhe rendeu resultados”.

De acordo com todas as pesquisas de intenção de voto, Humala deve passar para o segundo turno em primeiro lugar, um feito inimaginável no começo da campanha. Neste domingo (03/04), três institutos consolidaram a tendência de crescimento e liderança. O Ipsos Apoyo o coloca com 27,2%, seguido por Keiko Fujimori (20,5%), Toledo (18,5%), Pedro Pablo Kuczynski (18,1%) e Luis Castañeda Lossio (12,8%), ex-prefeito de Lima.

Resta saber quem será seu adversário em 5 de junho.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Atos pró e contra Bolsonaro. Provocação!

Por Altamiro Borges

Neste sábado, 9, duas manifestações ocorrem na Avenida Paulista, uma das principais artérias da capital. Às 11 horas, seguidores do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) se concentram no Masp. Pouco antes, às 10 horas, movimentos sociais contrários ao racismo e à homofobia do parlamentar se reúnem no prédio da Gazeta. Entre os dois atos, apenas três quadras.

O risco de provocações e violência é grande. Os que convocam o ato de apoio a Bolsonaro são assumidamente neonazistas. Em entrevista ao repórter Fabio Pagotto, da Agência Bom Dia, Márcio Galante, que se assume como "radical de direita" e "fã do deputado", afirma que o ato deverá reunir "organizações militares extra-quartel, separatistas, católicos radicais e grupos de extrema direita, como o Ultra Defesa".

Ana de Hollanda e o Creative Commons

Reproduzo artigo de Rodrigo Savazoni, publicado no sítio da Revista Fórum:

O sociólogo inglês John B. Thompson, autor de "A mídia e a modernidade", define a “visibilidade” como um aspecto político fundamental dos nossos tempos. Não mais vivemos em uma era de exclusivas interações face a face. Portanto, é por meio da mídia, e suas mediações, que acessamos e tomamos conhecimento das informações de interesse público (ele vai além ao defender inclusive que é por meio dos veículos de comunicação que intervimos socialmente).

A era da visibilidade política é também a era dos escândalos, que são fabricados de várias formas. A principal delas é faltar com a verdade e ser pego em flagrante. Recupero a obra de Thompson porque creio que essa sua tese sobre a visibilidade nos serve centralmente para explicar o que vem ocorrendo com a ministra da Cultura Ana de Hollanda.

A sua primeira grande ação como ministra – antes mesmo de nomear sua equipe – foi remover da página do Ministério da Cultura o selo Creative Commons que disciplinava o acesso aos conteúdos públicos distribuídos por meio da plataforma. O tema segue rendendo acalorados debates, como demonstrou a sabatina a que foi submetida no Senado esta semana.

Reformulado em 2007, sob liderança de José Murilo Jr., que segue no Ministério como gerente de Cultura Digital da Secretaria de Políticas Culturais, o site ministerial tornou-se mundialmente conhecido devido a sua originalidade e atualidade. Desenvolvido pioneiramente utilizando o software de gestão de conteúdos Wordpress, o site procurava iniciar o Estado na era das conversas horizontais e livres da internet, o que só seria possível se, além dos códigos de programação, os conteúdos também fossem livres. Isso, no entanto, não era problema, porque já há alguns anos o Ministério adotara uma licença de compartilhamento Creative Commons.

A gestão Gil-Juca optou por essa licença específica por ser uma iniciativa eficiente, de caráter internacional e também devido à facilidade jurídica de sua utilização.

A ministra Ana de Hollanda voltou a questionar essa adoção dizendo que para isso os gestores teriam de realizar uma licitação (uma concorrência pública). Trata-se de alegação estapafúrdia e falsa. Isso porque uma licença Creative Commons nada mais é do que um documento, baseado na lei brasileira de direitos autorais, que permite ao produtor de informações estabelecer um claro pacto com o usuário. Isso porque a lei brasileira dá essa prerrogativa ao autor (só faltava não dar, não é?), mas não diz como. Portanto, o que o Creative Commons faz é “regular”, “detalhar”, os termos da cessão voluntária de direitos. Apenas isso.

Por que haveria, então, de haver licitação para algo que é de uso público e gratuito?

Confrontada com o fato de que o Palácio do Planalto utiliza a licença CC em seu blog, Ana de Hollanda saiu pela tangente por meio de uma distinção entre sites e blogs.

A questão é que, do ponto de vista técnico, por utilizar como gerenciador de conteúdo o Wordpress (aliás a mesma ferramenta do Blog do Planalto), o site do Ministério da Cultura também é um blog. Essa distinção não é, por princípio, razoável, mas a faço apenas para demonstrar que os argumentos da Ministra não param de pé. Ainda que fosse por isso, ela está errada.

Ana de Hollanda também mistura alhos com bugalhos porque Creative Commons é, não só a licença, mas também o nome da entidade que administra esse projeto sem fins lucrativos. Essa administração é fundamental porque as licenças seguem em evolução, melhorando para dar conta das velozes transformações pelas quais passa a nossa sociedade.

Outro argumento por Ana de Hollanda utilizado nos lembra que existem outras licenças. É fato. Quais, ministra? Faça uma lista de alternativas e publique no site do Ministério. Na realidade, são poucas as alternativas consistentes e, acima de tudo, nenhuma que seja reflexo da inteligência coletiva da era das redes como é o Creative Commons (a não ser a GPL, utilizada em geral para softwares, que serviu justamente de base para o CC).

Aliás, uma razão sólida para justificar a utilização do CC é sua capacidade adaptativa e evolutiva constante. Como existem muitas pessoas trabalhando, conjunta e voluntariamente, em mais de 70 países, essas licenças estão sempre “up to date”. Muda a dinâmica social, evolui a licença. Na velocidade da rede. Como se trata de questão transnacional (na rede os conteúdos não reconhecem fronteiras), a marca CC, antes de uma propaganda, é um ícone facilmente identificável, facilitando assim a apropriação do que é justamente produzido para ser partilhado.

Ao fim e ao cabo, o que ficou evidente é que Ana de Hollanda tenta trazer para o campo técnico – que desconhece – uma decisão política. Seus compromissos prévios com setores que viam na adoção do Creative Commons pelo Ministério da Cultura uma “propaganda” contra os autores orientou sua decisão. Ninguém que lida com essa questão dentro do Ministério foi ouvido nos primeiros dias de janeiro antes de a ministra anunciar seu veredicto. Quando ordenou a retirada da licença, nem sequer se deu o trabalho de construir uma justificativa. Questionada por jornais e revistas, enviou três linhas em que dizia ser uma decisão de foro exclusivo do Ministério e de sua gestora. Após a reação das redes, democrática e incisiva, foi obrigada construir um argumento, que não cola, porque é falso.

Na era da visibilidade política, em que uma sabatina com senadores é assistida ao vivo pela internet por todos aqueles que se interessam pela vida pública, é preciso saber que as informações serão confrontadas, que a esfera pública delas irá se apropriar para fazer o bom debate – como explica Thompson. A escolha do Ministério da Cultura de Ana de Hollanda não foi técnica. Se fosse, jamais teriam removido a licença. Foi política. E isso, justamente pela sua falta de capacidade de construir uma versão convincente para sua decisão, ficou explícito esta semana.

Aleluia e o preconceito contra Lula

Reproduzo artigo de Mauro Santayana, intitulado "De olhos opacos no turbilhão do mundo", publicado em seu blog:

O engenheiro baiano José Carlos Aleluia enviou carta ao Reitor da Universidade de Coimbra, protestando contra a concessão do título de Doutor Honoris-Causa ao operário Luis Inácio da Silva, que, com o apelido afetivo de Lula, presidiu ao Brasil durante oito anos. Sem mandato, Aleluia mantém contatos com seus eleitores, mediante um site na Internet.

Ele foi um oposicionista inquieto, ocupando, sempre que podia, a tribuna, no ataque ao governo passado, dentro da linha sem rumo e sem prumo do DEM. Aleluia considera uma ofensa às instituições acadêmicas o título concedido a Lula, e faz referência elogiosa à mesma homenagem prestada ao professor Miguel Reale. Esqueceu-se, é certo, de outros brasileiros honrados pela vetusta universidade, como Tancredo Neves. Não é preciso conhecer a teoria de Freud para compreender a escolha da memória de Aleluia.

O título universitário é, hoje, licença profissional corporativa. O senhor Aleluia está diplomado para exercer o ofício de engenheiro. A Universidade o preparou para entender das ciências físicas, e é provável que ele seja profissional competente, tanto é assim que ministra aulas. O título universitário certifica que o graduado estudou tal ou qual matéria, mas não faz dele um sábio. O conhecimento adquirido na universidade é importante, mas não é tudo.

Volto a citar, porque a idéia deve ser repetida, os versos de um escritor mais identificado com a direita do que com a esquerda, T.S. Elliot, nos quais ele mostra a diferença entre ser informado, conhecer e saber: Where is the wisdom we have lost in knowledge? Where is the knowledge we have lost in information?

O título de Doutor Honoris-Causa, sabe bem disso o engenheiro Aleluia, não é licença profissional, mas o reconhecimento de um saber, construído ao longo do tempo, tenha o agraciado ou não freqüentado a universidade. O papel da Universidade não deveria ser o que vem desempenhando – o de conferir certificados de preparação técnica -, mas o de abrir caminho à busca do saber. O Senador Christovam Buarque, com a autoridade de quem foi reitor da UNB, disse certa vez que a Universidade ideal será aquela que não expeça diplomas.

Lula, com os seus defeitos, e não são poucos, é um doutor em política. Um chefe de Estado não administra cifras, não faz cálculos estruturais, não prolata sentenças, nem deve escrever seus próprios discursos. Cabe-lhe liderar os povos e conduzir os estados, e isso dele exige muito mais do que qualquer formação escolar: exige a sabedoria que desconfia do conhecimento, e o conhecimento que se esquiva das informações não confiáveis.

A universidade é uma instituição relativamente nova na História. Ela não foi necessária para que os homens, com Demócrito, intuíssem a física atômica; com Pitágoras e Euclides, riscassem no solo figuras geométricas e delas abstraíssem os teoremas matemáticos; e muito menos para que Fídias fosse o genial arquiteto e engenheiro das obras da Acrópole e o escultor que foi. Mais ainda: as maiores revoluções intelectuais e sociais do mundo não dependeram das universidades, embora nelas se tenham formado grandes pensadores – e sua importância, como centro de reflexões e pesquisas, seja insubstituível. O preconceito de classe contra Lula sela os olhos de Aleluia e os torna opacos.

Solidário o meu autodidatismo com o de Lula, quero lembrar o grande escritor norte-americano Ralph Waldo Emerson: um talento pode formar-se na obscuridade, mas um caráter só se forma no turbilhão do mundo.

É no turbilhão do mundo que se forma o caráter dos grandes homens.

Catilinária da mídia na reunião da SIP

Reproduzo dois artigos de José Dirceu, publicados em seu blog:

Em San Diego, na Califórnia, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) reuniu os principais representantes da mídia latinoamericana para avaliar a quantas anda a liberdade de imprensa no continente. O evento conta, também, com a presença da American Society of News Editors (Asne), que associa a mídia impressa e publicações na net nos EUA.

Circo armado, eis as surpresas. Quem abriu o encontro foi o ex-presidente do México, Vicente Fox. Ele começou o discurso observando que as democracias "estão em crescimento" no continente e citou o Brasil como um exemplo disso. Assinalou o fato de que nossa economia, antes 25% menor do que a mexicana, hoje a supera em exatos 25%. Além disso, Fox citou a nossa Petrobras que superou a estatal petrolífera deles, a PEMEX.

Imagino o orgulho que os representantes da mídia brasileira sentiram ao ouvir o nome da Petrobras - estatal que eles tanto defendem... - ser louvada pelo ex-presidente mexicano! Ironias à parte, vamos ao que interessa: aos relatórios apresentados na Comissão de Liberdade de Imprensa da SIP pelos representantes de cada país.

A questão da regulação

O representante do Brasil na reunião, Paulo de Tarso Nogueira, de O Estado de São Paulo, falou sobre a "censura judicial" ao jornal e também citou casos de violência contra jornalistas no país. O documento brasileiro apontou uma mudança no governo Dilma Rousseff que, para o jornalão da família Mesquita, "atenuou alguns focos de tensão".

O texto, segundo o Estadão, ressalta também que a presidenta "desde seu primeiro discurso fez questão de afirmar seu compromisso com respeito à liberdade de imprensa". E disse, ainda, que com a saída do ex-ministro das Comunicações, Franklin Martins, "perderam força, embora sem desaparecer por completo, as propostas de regulamentação da mídia".

Parece piada, não fosse trágico! A discussão pode até ter arrefecido, mas a necessidade de regulamentação da mídia, da instituição de algum tipo de lei no setor, hoje, completamente sem regras, continua na ordem do dia, mais necessária do que nunca.

*****

A insistência na velha tecla da censura

O mais interessante do material publicado pelo Estadão sobre a reunião anual da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) em San Diego (Califórnia) é que na análise dos 26 relatórios dos demais países, o jornal conclui que "a vida da imprensa no Brasil está longe de ser um paraíso, mas a dos vizinhos, pelo continente afora, atravessa um momento ainda mais difícil".

O jornal enfatiza que o fato de "o novo governo do Brasil ter demonstrado respeito à liberdade de imprensa e a Colômbia não ter reportado assassinatos de jornalistas" são as únicas boas notícias contidas no informe da SIP divulgado em San Diego.

Vejam, subrepticiamente com isto, e mais com as críticas ao ex-ministro da Comunicação Franklin Martins, eles insistem na teoria de que o governo Lula ameaçava a liberdade de imprensa. Nunca ameaçou. Na verdade, o ex-ministro abriu a discussão da comunicação no país e chamou para a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (CONFECOM) todos os atores envolvidos no debate.

Uma bela discussão

Então, debater e abrir para outros atores, além daqueles que detém o poder econômico e o monopólio da mídia, a discussão sobre a comunicação no país significa "censura"? Este discurso é de um cinismo sem tamanho.

Regulamentação da mídia jamais é sinônimo de restrição à liberdade. Pelo contrário, é um instrumento para que a censura do poder econômico e político não cerceie a pluralidade de vozes e a produção da informação no país.

Aliás, aproveito nesta nota para recomendar a todos que leiam o novo livro do professor Venício A. de Lima "Regulação das comunicações - História, poder e direitos" . Nesta obra, ele questiona "como regular o mercado da comunicação de massa numa sociedade em que a informação é uma mercadoria apropriada por empresas privadas portadoras de interesses políticos". Esta é ou não uma bela discussão a ser deflagrada?

Beto Richa volta a censurar blog do PR

Reproduzo mensagem postada no blog de Esmael Morais:

Prezado leitor:

Em respeito à decisão do MM. Juiz de Direito, Austregésilo Trevisan, exarada nos autos nº 049.205/2010, da 17ª Vara Civel de Curitiba, a pedido do senhor Carlos Alberto Richa e familiares, este blog encontra-se fora do ar, e assim permanecerá até ulterior decisão em sentido contrário.

Peço desculpa ao leitor pelo transtorno, ao mesmo tempo em que informo que providências estão sendo tomadas para a normalização do blog.

Atenciosamente,

Esmael Alves de Morais

Editor.

A hora é agora. Até o FMI está a favor

Reproduzo artigo de Paulo Kliass, publicado no sítio Carta Maior:

A queda de braço continua! A briga pesada nos bastidores e na frente do palco parece não ter fim. É a antiga disputa por espaço político no interior do governo e também pela hegemonia de idéias e propostas divulgadas pelos meios de comunicação. A cada decisão da Presidenta Dilma ou de sua equipe que venha a ser anunciada ou apenas cogitada, os órfãos do neoliberalismo se agitam nas cadeiras e partem para o ataque.

Suas propostas foram derrotadas no plano da política, depois de todas as novidades ocorridas pelo mundo afora a partir da crise econômica iniciada em 2008. A realidade se encarregou de demonstrar seu equívoco. No entanto, a maior parte dos cargos do sistema financeiro internacional ainda não foi alterada – seus ocupantes são os mesmos. A estrutura operacional do complexo das finanças internacionais ainda está dominada pela visão distorcida do viés “financeirista” e da crença na fé cega do mercado como o elemento mágico que forneceria o equilíbrio eficiente e adequado a cada momento na economia e na sociedade. Ao longo dos últimos três anos a crise pode ter contribuído para colocar em xeque tais posições e soluções. Mas o tempo histórico de solidificação das mudanças das idéias é muito mais lento do que o da política ou mesmo da diplomacia. Esse amadurecimento ideológico é coisa prá quase uma geração.

A boa novidade é que muitas das posições do alto escalão dos organismos internacionais sofreram mudanças, dando espaços até então considerados inimagináveis a importantes economistas chamados genericamente de “heterodoxos”. É o caso do atual Diretor Geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), o francês e socialista Dominique Strauss Khan, bem como do economista chefe da instituição, Olivier Blanchard, francês e economista ligado ao meio universitário dos Estados Unidos. E também do professor e economista Paulo Nogueira Batista Jr., indicado pelo Presidente Lula em 2007 para diretor do FMI, representando o Brasil e mais oito países da América Latina e Caribe (1).

Porém, parcela considerável das escolas e das faculdades ainda estão dominadas por uma visão de mundo ultrapassada e conservadora, em especial no que se refere ao fenômeno econômico. Os meios de comunicação também contribuem para criar essa falsa idéia quanto à existência de um consenso entre os especialistas e analistas a respeito das alternativas de política econômica. Os servidores públicos e a tecnocracia estatal, em grande parte, também foram formados segundo essas mesmas visões e encontram grande dificuldade em operar uma transição nessa era pós-falência do credo, espalhado aos quatro cantos, do extinto Consenso de Washington. Ao contrário da conjuntura dos anos 60, onde figuras como Raúl Prebisch e Celso Furtado tinham reconhecimento e espaço para implementar suas idéias desenvolvimentistas no interior dos governos dos países e órgãos como a CEPAL, os tempos atuais são mais difíceis.

Dentre os inúmeros itens da pauta de governo, a ser desconstruída pelos mercadistas de plantão, constam dois pontos que merecem nossa atenção. O primeiro está associado à questão cambial e à forma pela qual o governo deveria sair da armadilha que lhe foi preparada. O segundo relaciona-se à política de controle de capitais estrangeiros, prática sempre acusada de ser estatista e intervencionista pelos liberais de conveniência.

Todos assistimos ao verdadeiro desencontro de informações em torno das medidas que o governo já decretou, e outras que estaria ainda por divulgar, para lidar com a enxurrada de divisas estrangeiras que não param de penetrar em nosso circuito econômico. Um verdadeiro tsunami financeiro, com todas as conseqüências negativas que um evento dessa natureza pode aportar. Também, não é para menos! Há mais de uma década que o Brasil vem oferecendo ao resto do mundo a maior taxa de juros real, estimulado pelo patamar mínimo, definido pelo governo, ao estabelecer a taxa SELIC. O fenômeno foi ainda reforçado ao longo dos últimos três anos, quando a maior parte das autoridades monetárias do mundo desenvolvido reduziu para praticamente zero as suas taxas de juros oficiais. Era a recomendação consensual para sair da crise e estimular a retomada do crescimento naquelas terras. Porém, para a turminha das finanças na esfera internacional, abria-se ainda mais a possibilidade de ganhar dinheiro fácil, às custas do Tesouro Nacional, com sede aqui em Brasília.

E a coisa foi tomando uma dimensão cada vez mais perigosa. O maior parte desse volume ainda estava associado aos recursos dos grandes fundos financeiros internacionais, especulativos por sua própria natureza, em busca da rentabilidade fácil e sem riscos. Mas as grandes empresas operando aqui dentro do Brasil também enxergaram a tal da “janela de oportunidade” e passaram a tomar cada vez mais seus empréstimos junto aos bancos lá fora. Afinal, o procedimento parece bem simples e lógico. Tudo começa com a análise do chamado diferencial das taxas de juros. As do FED, o Banco Central dos EUA, estão entre 0% e 0,25% ao ano. O Banco Central Europeu acabou de elevar a sua para 1,25% ao ano. Erro de digitação? Não, não! Os valores são esses mesmo!

E aí a coisa começa, em um procedimento que qualquer operador do mercado financeiro domina sem menor dificuldade. Tomo empréstimo em dólar ou euro a essa taxa de juros reduzidíssima. Internalizo esse recurso no Brasil e transformo em real. Aplico no mercado financeiro com remuneração seguramente superior aos 11,75% anuais da SELIC e ainda conto com a garantia de que a política cambial do governo é “imexível”. Quando for pagar esse compromisso lá fora, talvez a taxa de câmbio esteja até mais favorável para mim. Pronto: está feita a mágica da geração espontânea... de moeda. Ganho nas duas pontas. E não parece muito difícil imaginar quem perde, quem paga essa conta no final do banquete.

Vamos a um simples exemplo numérico? Imaginemos um fundo estrangeiro que tivesse aplicado US$ 1 milhão há um ano atrás aqui no Brasil. Ao internalizar o recurso, com a taxa de câmbio à época a 1,77, a quantia transformou-se em R$ 1,77 milhão. Com uma aplicação financeira bem tímida (por exemplo, compra de títulos da dívida pública federal), recebeu algo como 12% no ano. Estávamos com R$ 2,12 milhões ontem. E ao sair hoje, com a taxa de câmbio de 1,61, o gestor do fundo recebe lá fora o equivalente a US$ 1,32 milhão. Uma rentabilidade extraordinária de 32% em moeda norte-americana! O cara vai receber um baita bônus e ainda será promovido na empresa, é claro! Uma loucura!

Ainda na linha do “nunca-antes-na-história-deste-país”, foram divulgadas nos últimos dias as informações a respeito da entrada e saída de recursos externos no Brasil ao longo do primeiro trimestre do presente ano. O saldo líquido (entradas menos saídas) atingiu a impressionante marca positiva de US$ 36 bilhões entre primeiro de janeiro e 31 de março. Ou seja, um recorde histórico para esse fluxo financeiro, desde que o BC passou a divulgar essa estatística, há 30 anos atrás. Esse montante significa o dobro do recorde anterior, quando, no primeiro trimestre de 2007, o fluxo foi de US$ 18 bilhões. Ou ainda, para efeito de comparação, um valor quase 50% mais alto do que aquele verificado ao longo de todo o exercício de 2010. Ou seja, o Brasil ainda continua sendo um paraíso de ganho financeiro.

O estranho é que governo tenha aguardado a divulgação do resultado acumulado dos três meses, quando já sabia antes dessa tendência, por meio do acompanhamento cotidiano das operações pelo Banco Central, autoridade de supervisão e de fiscalização do mercado financeiro. E apenas anunciou, timidamente, a extensão da cobrança de 6% de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre os empréstimos em moeda em estrangeira do prazo de um ano para dois anos. Muito pouco.

Mas e o que a equipe econômica fez com o grande volume de recursos especulativos que ingressa para aplicar em nosso mercado financeiro e pode pular fora no momento que quiser? Nada! As propostas existem e circulam há muito tempo por aí. Ampliar a cobrança desse IOF para todas as operações financeiras que vierem de fora. Estabelecer uma quarentena para o recurso que vier para o mercado financeiro, de forma que o operador se comprometa com um período mínimo (dois anos, por exemplo) para depois voltar à sua praça de origem. E também a cobrança de Imposto de Renda para esse tipo de aplicação, como se faz para as aplicações dos residentes aqui.

Além do prejuízo que tal postura de passividade provoca em termos de alocação de recursos orçamentários para pagamento de juros da dívida pública, o ingresso de recursos externos também prejudica nossa economia por meio da tendência à valorização da taxa de câmbio, do real frente ao dólar norte-americano e demais moedas do mundo. Enquanto escrevo essas linhas, o mercado financeiro registra mais um dia de aposta contra as posições do governo. E este último se vê obrigado a “enxugar gelo”, como se diz no jargão do mercado financeiro. O Tesouro e o BACEN torram um montão de dinheiro para comprar divisas e, assim, tentar segurar a cotação do real. Mas acabam perdendo a batalha nos dias e nas semanas seguintes, pois o fluxo de entrada não diminui. Este tem sido o enredo recorrente desde a instalação do Plano Real.

O interessante, no entanto, é que apesar da má vontade dos nossos saudosistas das propostas da ortodoxia monetária, o mundo está mudando. Até o próprio FMI aparenta mudanças em suas posições oficiais no que se refere às propostas de política monetária e de estabilização econômica (1). É verdade que ainda está longe das posições que seriam as mais corretas, do ponto de vista dos países em desenvolvimento. Mas já fala em aceitar, em alguns casos, o próprio mecanismo de controle de capitais externos – o que era uma peça intocável do arranjo de “liberdade de mercado” tão apregoado pelos defensores do lucro fácil às custas do esforço do povo trabalhador.

Estão mais do que demonstrados os efeitos perversos que a manutenção da política de valorização cambial e a ausência de controle de capitais especulativos têm provocado ao nosso País. Economistas, pesquisadores e analistas de variados matizes confluem para tal necessidade. A resistência é localizada no coração do sistema financeiro. É passada a hora de tomar medidas para corrigir esse desvio. Afinal, agora - ironia da História - até mesmo o FMI é favorável a tais mudanças!

Nota:

(1) Ver: http://www.imf.org/external/np/sec/memdir/officers.htm

(2) Ver: http://www.imf.org/external/pubs/ft/survey/so/2011/NEW040511B.htm.

Realengo e a guerra pela audiência

Reproduzo artigo de Helena Sthephanowitz, publicado na Rede Brasil Atual:

A tragédia de Realengo é algo tão insano que exige reflexão sobre a cobertura na forma de espetáculo que vemos na TV, nos portais da imprensa corporativa.

A alma do negócio, no jornalismo televisivo, é falar e exibir. O silêncio, a reflexão, a sobriedade, derruba a audiência, quando no calor dos acontecimentos o telespectador, de boa-fé, busca respostas e explicações lógicas para algo tão insensato.

Mas qual o papel da mídia? Que mensagem deve passar, senão a verdade factual e os valores que interessam à própria sociedade para que isso não se repita?

É claro que a informação factual é necessária. O que aconteceu, quando, onde, por que, e até informar como ajudar e como não atrapalhar os serviços de socorro. Só que isso, objetivamente, só rende poucos minutos de notícia no dia. Então enchem a programação com especulações de "especialistas" e biografia do psicótico, transformando-o numa celebridade.

Mas cabe fazer do psicótico (que também foi vítima da própria loucura), uma celebridade? Quando se sabe que o "prêmio" buscado por outros psicóticos é o exibicionismo da pior maneira, cometendo atos bárbaros e impactantes como este?

Cabe a "corrida do ouro" de levar ao ar toda e qualquer informação inócua garimpada sobre a biografia do psicótico, sem pensar que insanos como este, são motivados, muitas vezes, também para aparecer nos holofotes da mídia?

Cabe ficar o dia inteiro reunindo "especialistas" para especular num caso destes, em intermináveis testes de hipóteses inócuos, apenas para o telespectador não mudar de canal?

Cabe especular com sensacionalismo sobre fundamentalismo religioso, demonizando religiões? Não seria mais ético e útil para a sociedade explicar que não existe religião nenhuma no mundo que pregue, nem justifique um ato destes?

Não seria melhor levar ao ar reflexões sobre o culto do individualismo neoliberal em detrimento de organizações sociais coletivas, onde uns cuidariam dos outros, evitando que os demônios internos de cada um se aflorassem, na solidão e isolamento?

O individualismo está tão encrustado na cabeça dos colunistas, que imediatamente pensam em mirabolantes detectores de metais na portaria das escolas, como se um louco obsessivo não fosse capaz de pular o muro dos fundos, ou simplesmente esperar do lado de fora para atirar na hora da saída.

Além disso, escola não é banco. Escola tem que ensinar matemática, português, mas tem também que ser ambiente propício a formar cidadãos éticos com o próximo, solidários, respeitosos com os mais fracos e com as minorias, conscientes de seus direitos e deveres, conscientes de que devem andar desarmados, independente de detectores de metais. Conscientes de que devem resolver conflitos com diálogo, com civilidade, e não pela violência.

O pior é que os colunistas que cultuam o individualismo e reclamam por caríssimos sistemas de segurança com detectores de metais e seguranças armados, são os mesmos que pregam cortes de impostos onde não se pode cortar, como o crime que cometeram contra a saúde pública ao fazerem campanha contra a CPMF.

Em vez de gastar dinheiro com cada vez mais equipamentos de segurança e armas, melhor gastar na formação cidadã: investir no professor, no aluno e na família do aluno (sobretudo na mãe).

Não cabe censura à imprensa, mas cabe repúdio aos péssimos valores que a imprensa passa, na corrida pela audiência e pelo lobby das elites arcaicas que são os barões da mídia. Nas concessões públicas de rádio e TV, a sociedade tem o direito de conceder para uso ético, para a construção da sociedade que queremos, e não para a mera corrida comercial pela audiência a qualquer preço, inclusive incentivando indiretamente futuras tragédias como essas, quando mostradas como se fosse um reality show.

Realengo e as análises precipitadas

Reproduzo entrevista concedida à jornalista Heloisa Villela, de Washington, publicada no blog Viomundo:

Os Estados Unidos têm uma longa lista de massacres e incidentes com armas de fogo em escolas. Columbine, no Colorado, ou a Politécnica, da Virgínia, são alguns dos exemplos mais conhecidos e dramáticos com grande número de mortos. A necessidade de evitar que novas mortes aconteçam no lugar que as crianças têm que frequentar todos os dias, e onde devem estar seguras, provocou uma parceria entre o Serviço Secreto e a Secretaria de Educação. Um estudo aprofundado e feito longe do calor do momento.

William Modzeleski, Sub-Secretário de Educação para a Segurança das Escolas, participou do grupo que elaborou o estudo entitulado “Implicações para a prevenção de ataques em escolas dos Estados Unidos”. Ele é taxativo: não existe um perfil padrão dos atiradores e diz que é fundamental ouvir os jovens e crianças. Ele também afirmou que as primeiras avaliações e os relatos da imprensa, no momento da tragédia, sempre contém muitos erros.

O estudo, do qual ele é coautor, se concentrou em incidentes registrados em escolas do Jardim da Infância, de Ensino Fundamental e Ensino Médio. Entrevistei William Modzeleski no dia em que aconteceu o massacre na escola de Realengo, no Rio. Um pequeno trecho da entrevista foi ao ar no Jornal da Record, no mesmo dia. Aqui, a entrevista completa para o Viomundo:

Quando e por que foi feito esse estudo?

O estudo foi feito depois de 1999, depois do que aconteceu em Columbine, no Colorado, como um desdobramento. O Serviço Secreto tinha terminado um estudo sobre tentativas de assassinato das pessoas que eles tem que proteger – o Presidente e o Vice-Presidente. Então, o diretor do Serviço Secreto procurou o Secretário de Educação na época, Richar Riley, e disse que podia nos emprestar o pessoal dele para nos ajudar a fazer um estudo sobre as pessoas que estavam indo às escolas matar crianças.

Naquele momento, em 99, tínhamos passado por vários incidentes. Columbine não foi o primeiro nem o último. O Departamento de Educação aprovou a idéia. Então, analisamos 37 casos, 41 indivíduos que entraram em escolas entre 1974 e 1999 e fizeram o que chamamos de ataques que tinham as escolas como alvo. São incidentes em que o indivíduo seleciona a escola alvo. De antemão, quer fazer algo, entrar na escola, atirar ou detonar bombas. Não olhamos apenas os arquivos dos casos mas também entrevistamos 10 das pessoas que participaram desses ataques.E o que aconteceu no seu país, agora, é comum aqui: a pessoa que ataca acaba cometendo suicídio logo depois ou durante o incidente.

Quais foram as conclusões do estudo?

Uma das nossas conclusões foi que esses ataques não são impulsivos. Não acontecem num momento de explosão. Começam com um pensamento, depois o atirador desenvolve um plano, o meio de levar ele a cabo: comprar uma arma, ou o que quer que seja que precise. Em geral, existe um prazo de planejamento que pode ser de algumas semanas, alguns meses e, como no caso de Columbine, pode levar mais de um ano. O que nós percebemos é que existe um período de tempo em que podemos interferir e agir.

E o que mais?

A segunda descoberta foi que, em sua maioria, os agressores não eram pessoas isoladas que ninguém conhecia. Eram pessoas conhecidas na comunidade, que os professores sabiam que tinham problemas e que ninguém fez nada. E mais: quase todos contaram a outras pessoas o que íam fazer. Não guardaram segredo. Quase todos os agressores estavam na faixa dos 13 aos 19 anos. E a maioria dos adolescentes têm dificuldade de manter segredo. Eles falam com outras pessoas. Também descobrimos que, mesmo depois de contarem a outras pessoas que íam atirar e matar na escola, essas pessoas não contaram para mais ninguém e simplesmente não acreditaram.

O que existe de comum entre esses jovens?

Vimos que quase todos passaram por algum evento traumático. E não se pode pensar nisso com a cabeça de um adulto e sim com a mentalidade de um jovem porque o que afeta os adolescentes é muito diferente. Alguns perderam a namorada, outros não conseguiram vaga na universidade, tiveram notas baixas. ¾ das crianças atravessaram situações constantes de agressão na escola. Como vítimas e/ou como agressoras. É mais um sinal que deve ser observado.

Agora, o que nós descobrimos e surpreende muita gente é que não existe perfil padrão do jovem que faz isso. Muita gente gostaria que disséssemos: “esses assassinos são todos homens, tem uma determinada idade, se parecem com este ou aquele perfil, se vestem assim ou assado”. Mas descobrimos que são todos diferentes. Alguns tem boas notas outros não. Alguns tem problemas de comportamento na escola e outros não.

E são todos homens?

Até o momento em que terminamos o estudo, sim. Mas depois que concluímos, houve um caso de uma mulher, na Pensilvânia, e descobrimos, depois, casos envolvendo alunas do sexo feminino que tentaram matar colegas, na escola, em 1970, na Califórnia. Então, não existe perfil. É mais um problema de comportamento do que de aparência e características. Como agem, o que falam, o que fazem? Muitas dessas crianças fizeram ameaças, falaram em atirar, desenharam cenas, tiveram atitudes violentas. Deram vários sinais e nós ignoramos.

Sexo, raça, religião, doenças mentais, nada disso é luz vermelha que dever ser observada? O rapaz da Virgínia Tech, dizem que tinham problemas mentais, por exemplo.

É bem mais complexo… Quando falamos de doenças mentais, por exemplo, é preciso ter outros fatores associados a elas. Doença mental é um termo muito genério e existem vários tipos de necessidades na área de saúde mental. Milhões de pessoas têm necessidades na área de saúde mental nesse país. Não é nisso que devemos prestar atenção e sim nos comportamentos relacionados com atitudes violentas: a pessoa tem armas? Tem problemas com álcool e drogas? Têm feito ameaças? E vimos que os atiradores apresentam esses comportamento tenham necessidades na área de saúde mental ou não.

O senhor disse que existe, normalmente, uma janela, um espaço de tempo em que é possível fazer algo. O que pode ser feito para evitar problemas como esse?

O primeiro passo é identificar as pessoas que têm esses problemas de comportamento e entender o que são e trabalhar dentro da comunidade para oferecer os serviços necessários. Acompanhar o indivíduo. Acima de tudo, descobrimos que muitas dessas crianças não têm um adulto na vida delas. Alguém com quem possam conversar sobre os problemas que estão enfrentando. Parte do que estamos dizendo no estudo não é apenas identificar as crianças que apresentam esses comportamentos mas também perguntar: existe um adulto ao qual possamos associar essa criança? Pode ser um irmão mais velho… Alguém em quem possam confiar. Isso faz muita diferença.

Além de encontrar um interlocutor adulto para que essas crianças sejam ouvidas, dificultar o acesso a armas não seria importante também?

No nosso estudo, a maioria das pessoas que matou nas escolas, usou armas comuns, vendidas em muitos lugares do país. Muitas dessas armas foram obtidas ilegalmente. Foram roubadas de casa, ou da casa do vizinho. Então, é importante descobrir como evitar que as armas caiam nas mãos dos que, legalmente, não deveriam ter armas.

E como fazer para facilitar o contato desses jovens com adultos que os ouçam?

Os primeiros adultos na vida das crianças são os pais. É preciso ver se eles estão presentes e se se comunicam. Como acontece em muitos outros países, aqui também, em muitas famílias não existe uma mãe ou um pai que se comunique com os filhos. E quando isso acontece, temos que criar oportunidades. Grupos e organizações civis que estão disponíveis. Se não houver pai ou mãe, é preciso que haja um adulto responsável.

Pode ser um professor?

Claro! Em muitos casos, é o professor que faz um trabalho maravilhoso de conversar com as crianças e ir muito além das necessidades acadêmicas, tratando também dos problemas emocionais.

Os Estados Unidos lideram neste tipo de problema, mas já aconteceram casos na Alemanha, na Finlândia, na Nova Zelândia…

Deixe-me corrigir uma impressão equivocada de que nossas escolas são lugares perigosos e que esses incidentes acontecem com frequência… Não é o caso. Apenas 1% dos homicídos de crianças na faixa de 5 a 18 anos acontece nas escolas. Então, as escolas são seguras. Mas podem se tornar ainda mais seguras? Podem. E estamos trabalhando muito para que todas as escolas do país sejam seguras porque entendemos que as crianças não podem aprender e os professores não podem ensinar se estiverem em um ambiente no qual sempre sentem medo. E podemos tornar as escolas mais seguras transformando a cultura dentro delas para que as crianças não agridam umas às outras, para que não haja o chamado bullying. Garantindo que toda criança tenha um adulto ao qual possa recorrer em caso de necessidade. Fazendo com que as crianças entendam que uma arma não é o meio para resolver problemas.

Então, não é instalando detectores de metais…

Os detectores tem seu lugar em algumas escolas. Não devem ser a única medida porque as crianças não podem conversar com detectores de metais. Mas depende muito das condições e dos problemas que a escola enfrenta. Se é uma escola que nunca teve problema com armas, por que ter um detector de metais? Mas se você fez um levantamento e viu que muitos alunos têm problemas com drogas, você precisa de um programa de drogas. Muitos adolescentes tem problemas sociais, tem problemas com namorados… É o fator humano!

E por que esses atiradores fazem a escola de alvo?

De acordo com as entrevistas que fizemos, é porque foi na escola que sofreram algo. Onde se sentiram provocados, agredidos, onde estão as pessoas que, na cabeça deles, os estavam perseguidos. É uma escolha lógica.

Que medidas estão sendo tomadas para tornar as escolas americanas mais seguras?

Antes de mais nada, reconhecer e entender qual é o problema. Há 20 anos achávamos que as escolas precisavam de programas e começamos a fazer vários. Prevenção de violência, de drogas. Mas não tínhamos uma compreensão do problema. Agora, estamos empurrando as escolas para que tenham um entendimento melhor dos problemas. Que façam pesquisas, falem com as crianças e levantem informações porque enquanto não fazem isso, não podem desenvolver programas.

Uma coisa que encorajamos muito é para que re-examinem suas políticas para ver se são muito punitivas. Você expulsa a criança por qualquer motivo ou oferece alternativas? Pedimos a todas as escolas do país que desenvolvam parcerias com a comunidade. Com os serviços de saúde mental, com a polícia local. Se o principal problema da escola é bullying, é preciso mudar a cultura da escola.

No caso do Brasil, considerando que cada país é um país e cada cultura é uma cultura, o que o senhor diria às autoridades brasileiras, que tipo de alerta ofereceria?

Não sei muito sobre o caso do Brasil. É difícil falar. Mas acho que devem fazer o mesmo que fizemos aqui: primeiro, tentar entender o que está acontecendo. Depois vai poder desenhar algum programa. Mas acho que não é por causa de um incidente que você vai traçar política. Pode ser apenas uma aberração. Antes de pensar em criar qualquer política, é preciso entender melhor o que aconteceu.

Nota: Nos casos analisados pelo estudo, 76% dos atiradores eram brancos, 12% Afro-Americanos, 5% hispânicos, 2% Native-Alaskans, 2% Native-Americans e 2% Asiáticos.

A motivação do atirador de Realengo

Reproduzo artigo de Eduardo Guimarães, publicado no Blog da Cidadania:

O Brasil ainda tenta entender o que levou o soturno e jovem Wellington a praticar aquela insanidade. Reflexão mais fria sobre o caso, porém, permite identificar um ponto em comum entre casos como o de Realengo e os que acabaram se tornando “comuns” nos Estados Unidos. Os autores dos massacres aparecem sempre como jovens retraídos e, no mínimo, evitados pelos colegas. E esse é o elo, o convívio social turbulento entre adolescentes.

No caso do atirador brasileiro, circulou pela internet informação de que teria escolhido preferencialmente as meninas bonitas. Seu ataque visou, objetivamente, o gênero dos alvos, pois quase todas as vítimas são do sexo feminino.

Esses fatos, associados a informações de que Wellington fora alvo de zombarias, tendo sido alcunhado como “Al Qaeda” por se mostrar interessado e se parecer, nos hábitos, com extremistas muçulmanos, além do histórico de que meninas lideravam as zombarias, induzem a crença de que o bullying pode ter gerado mais essa tragédia.

Não são poucos os casos de jovens que relatam que chegaram a pensar em suicídio diante do assédio de colegas de escola quando “elegem” uma vítima para verdadeiras sessões de tortura psicológica – e até física – de crueldade e insensibilidade espantosas. Quando dizem que crianças e adolescentes são cruéis, pois, não estão brincando.

Recentemente, um rapaz australiano obeso, farto de ser vítima de bullying na escola, resolveu reagir e agredir com violência quem o insultava. O caso se tornou verdadeiro hit sobretudo na internet após um vídeo da reação do alvo da chacota dos colegas ter sido postado no You Tube. Uma reação, percebem? Para esses jovens, é tudo uma reação…

Os ataques desses jovens assassinos a colegas ou ex-colegas de escolas em que estudavam ou nas quais haviam estudado – no caso de Wellington, muito mais velho do que as vítimas, percebe-se intenção de acertar contas com o passado – deixam poucas dúvidas de que a sociedade tem que se concentrar em impedir que jovens retraídos sejam torturados pelos colegas com “brincadeiras” cruéis.

Ano passado, relatei, neste blog, um caso impressionante de “bullying eleitoral” ocorrido com filha pequena de um amigo. Crianças na faixa dos dez anos de idade de escola de São Paulo que, em grande maioria, eram filhas de pais contrários à eleição de Dilma Rousseff perseguiram a filha de meu amigo, simpatizante do PT, e agrediram a menina com socos e pontapés enquanto gritavam slogans políticos. Crianças de DEZ anos.

O bullying vai se mostrando um fenômeno cada vez mais intenso, imprevisível e de conseqüências devastadoras para os alvos da prática. Quem tem a menor noção do nível de sofrimento que experimentam as vítimas – aliás, uma preocupação que, nos Estados Unidos, tem mobilizado a sociedade – certamente já percebeu que, apesar de ser positivo que se combata a venda de armas, não será assim que se evitará casos como o de Realengo.

No caso específico desses atos de insanidade como o do jovem Wellington, armas podem ser conseguidas em qualquer parte. Os telejornais relataram que as usadas por ele na chacina eram de origem ilegal, não tendo sido compradas em loja. Mesmo que não houvesse armas sendo vendidas no Brasil, armas são contrabandeadas para dentro do país.

Além do que, para quem quer matar, se não entrar em uma escola com um revolver ou em um cinema com uma submetralhadora, pode entrar com uma espada, um facão, qualquer arma branca e fazer estragos talvez até maiores – algumas armas brancas têm um poder de ferir extremamente alto, como espadas samurais, afiadíssimas e que podem ser levadas em vários tipos de invólucros.

O que é preciso combater, portanto, é a motivação desses jovens. Mesmo sendo psicopatas, sem o estopim do bullying podem se limitar a ser retraídos, antissociais. E, aliada ao combate à zombaria organizada de grupos contra uma vítima, outra providência indispensável é a avaliação de professores sobre jovens com esse perfil, de forma a lhes ser oferecido – ou até imposto – tratamento psicológico.

Mas, acima de tudo, cabe aos pais, às famílias, repensarem a educação que estamos dando aos nossos filhos. Quantos exemplos de intolerância milhões de pais e mães dão aos filhos estigmatizando pessoas por ideologia, etnia, religião, convicção política, classe social etc., tornando-as alvos potenciais dos filhos se surgirem-lhes no ambiente escolar?

Em um momento em que um deputado federal vai a uma televisão de alcance nacional e diz frases estúpidas sobre pais agredirem filhos “gayzinhos” para “curá-los”, quantos comportamentos parecidos não estarão sendo inspirados em jovens que julguem que algum colega se enquadra nesse estereótipo criminoso?

Toda esta reflexão nos leva de volta ao assunto que este país tanto tem discutido desde que aquele inominável parlamentar disse as atrocidades que todos conhecem. Os jovens nascem insensatos. Cabe aos adultos lhes ensinar tolerância com a diferença, generosidade, respeito ao próximo, valores humanistas, em vez de comportamentos diametralmente contrários a estes.

Sem profunda reflexão da sociedade sobre o que discursos intolerantes de adultos diante de jovens podem causar, continuaremos criando monstros que acabarão atacando a todos, cedo ou tarde. Até a você que se delicia com uma aberração como o deputado racista e homofóbico ou que apenas defende a continuidade de seu discurso odioso em nome de uma “liberdade de expressão” que, como se vê, termina de enlouquecer mentes como a de Wellington.

Crimes econômicos contra a humanidade

Reproduzo artigo de Lourdes Beneria e Carmen Sarasua, publicado no sítio Resistir:

De acordo com o Tribunal Penal Internacional, crime contra a humanidade é "qualquer ato que cause grave sofrimento ou atente contra a saúde mental ou física de quem o sofre, cometido como parte de um ataque generalizado ou sistemático contra uma população civil". Desde a Segunda Guerra Mundial que nos familiarizamos com este conceito e com a ideia de que, não importa qual foi a sua dimensão, é possível e obrigatório investigar esses crimes e fazer pagar os culpados.

Situações como as que geraram a crise econômica levaram a que se comece a falar de crimes econômicos contra a humanidade. O conceito não é novo. Já em 1950 o economista neoclássico e prémio Nobel Gary Becker apresentou a "teoria do crime" ao nível microeconômico. A probabilidade de que um indivíduo cometa um crime depende, para Becker, do risco assumido, do espólio potencial e da possível punição.

A nível macroeconômico, o conceito foi usado em discussões sobre as políticas de ajuste estrutural promovidas pelo Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, durante os anos oitenta e noventa, que tiveram gravíssimos custos sociais para as populações na África, América Latina, Ásia (durante a crise asiática de 1997-98) e Europa de Leste. Muitos analistas apontaram estes organismos, as políticas que patrocinaram e os economistas que as conceberam como responsáveis, especialmente o FMI, que foi muito criticado após a crise asiática.

Hoje são os países ocidentais, os que sofrem os custos sociais da crise financeira e de emprego, e dos planos de austeridade que supostamente estão contra ela. A perda dos direitos fundamentais, tais como habitação, emprego e o sofrimento de milhões de famílias que vêem em perigo a sua sobrevivência, são exemplos dos custos assustadores desta crise. Famílias que vivem na pobreza estão crescendo sem parar. Mas quem são os responsáveis? Os mercados, lemos e ouvimos todos os dias.

Num artigo publicado na Business Week em 20 de Março de 2009 sob o título "Crimes econômicos da Wall Street contra a humanidade ", Shoshana Zuboff, ex-professor da Harvard Business School, argumenta que o fato de os responsáveis pela crise negarem as consequências das suas acções demonstra "a banalidade do mal" e o "narcisismo institucionalizado" nas nossas sociedades. É uma demonstração da falta de responsabilidade e de "distanciamento emocional" dos que acumularam somas milionárias e agora negam qualquer ligação com o dano provocado. Culpar apenas o sistema não é aceitável, argumentava Zuboff, tal como não teria sido acusar dos crimes nazis apenas as ideias, e não quem os cometeu.

Quem são os "mercados"?

Culpar o mercado é realmente permanecer na superfície do problema. Há responsáveis e são pessoas e instituições concretas: são aqueles que defenderam a liberalização selvagem dos mercados financeiros; são os executivos e empresas que beneficiaram com os excessos do mercado durante o "boom" financeiro; os que permitiram as suas práticas e os que lhes permitem agora poderem ficar livres e fortalecidos, com mais dinheiro público, a troco de nada.

Empresas como a Lehman Brothers e Goldman Sachs, que permitiram a proliferação de créditos lixo, auditoras que supostamente garantiam as contas das empresas, e gente como Alan Greenspan, presidente da Reserva Federal norte-americana durante os governos Clinton e Bush, opositor radical da regulação dos mercados financeiros.

A Comissão do Congresso dos EUA sobre as origens da crise tem sido esclarecedora a tal respeito. Criada pelo presidente Obama em 2009 para investigar as acções ilegais ou criminosas da indústria financeira, entrevistou mais de 700 especialistas. O seu relatório, divulgado em janeiro passado, concluiu que a crise poderia ter sido evitada. Assinala falhas no sistema de regulação e supervisão financeira do governo e das empresas, nas práticas contabilísticas e de auditoria e na transparência nos negócios.

A Comissão investigou o papel direto de alguns gigantes da Wall Street no desastre financeiro, por exemplo, no mercado de subprimes, e o das agências responsáveis pela classificação de títulos. É importante compreender os diferentes graus de responsabilidade de cada actor deste drama, mas não é admissível o sentimento de impunidade sem "responsáveis".

Quanto às vítimas de crimes econômicos, em Espanha 20% do desemprego desde há mais de dois anos significa um enorme custo humano e económico. Milhares de famílias sofrem as consequências de terem acreditado que os salários pagariam hipotecas milionárias: 90 mil execuções hipotecárias em 2009 e 180 mil em 2010. Nos EUA, a taxa de desemprego é metade da espanhola, mas corresponde a cerca de 26 milhões de desempregados, o que significa um tremendo aumento da pobreza num dos países mais ricos do mundo.

De acordo com a Comissão sobre Crise Financeira, mais de quatro milhões de famílias perderam as suas casas, e 4,5 milhões estão em processo de despejo. Onze mil milhões de dólares de "riqueza familiar" "desapareceram" quando os seus bens, como casas, pensões e poupanças perderam valor. Outra consequência da crise é o seu efeito sobre os preços de alimentos e outros produtos básicos, sectores para onde os especuladores estão desviando o seu capital. O resultado é a inflação dos seus preços e a pobreza a aumentar ainda mais.

Em alguns casos notórios de fraude, como a de Madoff, o autor está preso e a acusação contra ele mantém-se porque as suas vítimas têm poder económico. Mas, em geral, os que provocaram a crise não só tiveram um lucro fabuloso, como não temem a punição. Ninguém investiga as suas responsabilidades nem as suas decisões. Os governos protegem-nos e o aparelho judiciário não os persegue.

O exemplo da Islândia

Se tivessemos noções claras do que é um crime econômico e se houvesse mecanismos para os investigar e processar poderiam ter sido evitados muitos dos problemas actuais. Não é utopia. A Islândia oferece um exemplo interessante. Em vez de socorrer os banqueiros que arruinaram o país em 2008, os promotores abriram um inquérito criminal contra os responsáveis. Em 2009, todo o governo teve que se demitir e o pagamento da dívida da banca foi bloqueado. A Islândia não socializou os prejuízos como estão fazendo muitos países, incluindo Espanha, mas aceitou que os responsáveis fossem punidos e os seus bancos falissem.

Da mesma forma como foram criadas instituições e procedimentos para julgar os crimes políticos contra a humanidade, é hora de fazer o mesmo com os econômicos. Este é um bom momento, dada a sua existência difícil de refutar. É urgente que a noção de "crime econômico" seja incorporada ao discurso da cidadania e se compreenda a sua importância para a construção da democracia política e económica. Pelo menos vamos ver a necessidade de regular os mercados, para que, como diz Polanyi, estejam ao serviço da sociedade, e não vice-versa.

* Lourdes Beneria é professora de economia na Universidade Cornell e Carmen Sarasua é professora de História Econômica na Universidade Autonoma de Barcelona.