Reproduzo dois artigos publicados no blog de Luis Nassif que ajudam na reflexão crítica sobre os rumos do governo Dilma:
A presidenta surpreendente
Por Gunter Z. - Sampa
Durante o ano de 2010 muitos blogs, apelidados aqui e ali de “sujos” ou “progressistas”, dedicaram-se a desmontar o pensamento único da grande mídia (que por sua vez recebeu a jocosa alcunha de PIG.)
Mas quem vai desmontar o pensamento único da blogopauta? Não parece contraditório que uma candidata a presidente, Dilma, tenha sido tão elogiada por meses e... surpresa! Assim que toma posse é crítica atrás de crítica. Há exceções, claro.
Critica-se tudo, a escolha dos ministérios, as composições no Congresso, as presenças na mídia, pretensos recuos (no caso, recuos em relação a coisas que ela nunca prometeu ir atrás, diga-se.)
É curioso criticar-se a presidenta até por se deixar elogiar na mídia. Ora, o que se queria? Que o Planalto plantasse menções negativas através de assessoria de imprensa? Que a velha mídia só criticasse e aí sair em socorro?
O poder dificilmente muda de mãos, não é necessário lembrar disso. O que às vezes muda é a orientação de governo, que pode interferir em políticas de Estado e leis. Mas pode existir adesismo também, normal. A melhor piada que li esta semana foi no twitter: “Tive que sair por dez minutos... Mais alguém aderiu ao governo?”
É claro que surgem 476 explicações do porquê estar tudo errado agora (passados apenas 2 meses da posse) e razões para estarmos pessimistas (eu não estou.) Nesse irrestrito gosto por teorias de conspiração, acaba se perdendo o gosto pela informação. (E, alguém anda checando a audiência de blogs, número de visitas, de comentários, etc?)
O horror do aumento da Selic
Muito barulho agora em torno de taxas de juros. Foi para 11.75% tsc tsc. É mandatório falar por todos os lados que os gastos anuais de juros (brutos) equivalem a XX Bolsas-família. Comenta-se das tendências neoliberais “deste” governo, do pensamento único da mídia e dos bancos pautando o mesmo... Mas porque ninguém lembra que existem impostos sobre os juros, especialmente o inflacionário, e que depois disso sobra só ¼ do rendimento?
Vamos raciocinar : o governo prometeu continuísmo à população se elegesse Dilma. Continuidade é o que terá. Ela prometeu convergência às taxas internacionais de juros para emergentes em 4 anos (eu ouvi isso no Roda Viva, mas não ouvi ela dizer que seria em 2011.) Ela prometeu combater inflação, e é isso que fará. Independente de eu ou mais alguém acharmos inflação um mal menor, o que conta é o que o povo espera. O que cabe falar é sobre ferramentas para isso.
Mas não se pode perder o discurso que denuncia o “poder dos rentistas”, então fica quase interditado falar que existe (ainda!) inflação no Brasil. E que ela está aumentando. Vamos torcer para que alimentos, algodão e petróleo caiam de preço nos próximos meses, mas não dá pra ter isso como certo. (Ah, falar que o desemprego é baixo e que há restrições para o desenvolvimentismo agora também não é de bom tom...)
De qualquer modo, o que temos:
- as elevações recentes de juros são bem menores que a elevação da inflação (o INPC passou de 4,3% até ago/10 para 6,5% em jan/11; a Selic líquida de IR, acumulada em 12 meses, passou de 7,4% para 8,4%. O que subiu mais?)
- as taxas nominais e reais de juros caíram substancialmente desde 2006 (e mesmo assim o Real continuou apreciando, então esqueça-se esse mito de que basta baixar juros para desvalorizar);
- desde nov./2010 o ganho líquido dos rentistas está abaixo de 2% a.a., há 3 anos em torno de 4% a.a. ou menos (qualquer bolha imobiliária é coincidência...)
- os juros reais da Caderneta de Poupança (algo reverenciado pela população), mesmo isentos de impostos, não passam de 2% ao ano desde 2007, com risco de se tornarem negativos agora;
- ainda existe uma identidade macroeconômica que diz que Poupança (S) = Investimento (I). Ou seja, não será diminuindo a atratividade da poupança que se elevarão os investimentos.
É um problema para Dilma, Mantega e Tombini administrar, entre tantas outras questões, uma inflação que se avizinha dos 7% (4% apenas nos últimos 5 meses), o que não se via desde 2008.
As alternativas à política monetária
Muitos críticos do governo dizem saber que política monetária não resolve para lidar com inflação. Não duvido. Ok, com eles a palavra: se não é para manter juros reais positivos, o que é para fazer?
*****
Comentário de Luis Nassif
Prezado Gunter
Tenho lido com muito interesse seus comentários sobre as políticas monetária e cambial. Até agora não respondi por que o debate é rico e exige bom tempo de reflexão. Mais que isso: não se esgotará em uma primeira troca de argumentos, o que exigirá mais e mais tempo.
De um lado é ótimo, por permitir uma troca enriquecedora de argumentos. O problema é que ando muito enrolado com trabalho e com receio de não conseguir o tempo necessário para o nível que o debate exige. Daí a demora em responder aos seus argumentos.
Mas até por respeito a um dos comentaristas mais preparados e de melhor bom senso do blog, aí vai minha resposta.
Em todos seus artigos, você procura juntar argumentos para tentar demonstrar que taxas de juros elevadas são mais relevantes que o câmbio para o desenvolvimento brasileiro. Logo, a política monetária (com seu rebatimento sobre o câmbio) seria virtuosa. E toda a crítica ao nível do câmbio choradeira de setores específicos da economia.
Sobre o câmbio e a competitividade da indústria
Antes de entrar especificamente no seu artigo de hoje, vamos checar a consistência de seus argumentos sobre câmbio e competitividade, expressos em artigos anteriores.
Você afirmou algumas vezes que câmbio não interfere na competitividade da economia brasileira porque a maior parte dos insumos é dolarizada. Se o dólar encarece, o exportador recebe mais por seus produtos, mas paga mais pelos insumos importados. E acaba ficando no zero a zero. Portanto, os únicos setores beneficiados de uma desvalorização cambial seriam os produtores de commodities agrícolas e minerais.
Com essa afirmação, você praticamente aboliu as moedas nacionais da economia internacional.
Como economia mais aberta do mundo, os EUA estão preocupados em desvalorizar sua moeda para devolver a competitividade à economia interna. Se lá o câmbio tem efeito sobre a competitividade interna – o que demonstra que nem no país do dólar a composição de custos segue parâmetros internacionais -, porque não teria em uma economia semi-fechada como a brasileira?
Simplesmente porque não existe essa economia de preços totalmente internacionalizados a que você se refere. Nos insumos não dolarizados tem-se infra-estrutura, custo do capital, mão de obra, insumos domésticos, alugueres, produtividade interna, um mundo de fatores. Se o câmbio fosse neutro, porque o mundo estaria nessa disputa louca sobre políticas cambiais nacionais?
Sobre os “blogs sujos”
Não sei a que você se refere quando menciona “blogs sujos”. O movimento é datado, se aplica especificamente a uma frente que surgiu no período eleitoral.
No próprio evento dos blogueiros, mencionei expressamente que o que nos unia eram alguns princípios básicos – combate à manipulação da mídia e à intolerância, defesa da inclusão social e da diversidade – e que, passadas as eleições, a frente se desfaria, cada qual com suas próprias opiniões, aprendendo a divergir civilizadamente. O que nem sempre tem sido possível.
Sobre os juros reais
“Mas porque ninguém lembra que existem impostos sobre os juros, especialmente o inflacionário, e que depois disso sobra só ¼ do rendimento?”
De acordo com sua lógica, as taxas precisam ser elevadas para compensar a tributação e a inflação internas. Aí jogam-se as taxas brutas nas alturas.
Só que essas mesmas taxas remuneram o capital externo, que não é submetido a nenhuma das pretensas penalizações: ele é isento de tributação e seu indexador é o dólar, não a inflação em reais. E o dólar, como você sabe, é um indexador “deflacionário” – isto é, seu valor tem caído sistematicamente.
Ou seja, aumentam-se os juros para compensar a tributação interna e oferece-se ao capital externo a mesma taxa bruta, com desoneração de impostos. Aumentam-se os juros para compensar a inflação em reais. E oferece-se a mesma taxa ao capital externo, que é beneficiado pela deflação em dólares (valor do dólar em relação ao real).
Como fica o raciocínio?
Sobre juros e câmbio
“As taxas nominais e reais de juros caíram substancialmente desde 2006 (e mesmo assim o Real continuou apreciando, então esqueça-se esse mito de que basta baixar juros para desvalorizar)”.
O fluxo de capitais não é como uma torneira de caixa dágua: se aumentam os juros, aumenta o fluxo; se diminuem os juros, diminui o fluxo.
O fluxo de capitais depende:
1. Do diferencial de juros internacional e doméstico. Se o diferencial está em 20 pontos ou em 11 pontos, tanto faz: é diferencial. O capital externo não vai deixar de entrar com um diferencial de 11 pontos apenas porque anos atrás o diferencial era de 30 pontos. Se um sujeito de 1,60 é amarrado em uma piscina com nível de água de 2 metros, se o nível cair para 1,75 metros ele se afogará do mesmo modo. Se as taxas internacionais estão próximas a zero, 11,75% ao ano é um baita diferencial, imenso diferencial.
2. Da liquidez internacional. Se a economia dos países desenvolvidos está frouxa, se as taxas básicas são baixas, e se sobra dinheiro nas instituições, aumenta o fluxo para países emergentes, que não soçobraram na crise.
3. Da percepção de risco interno e externo. Em quadro de risco menor, há maior propensão a investir em países emergentes. Do mesmo modo, a taxa de câmbio é afetada não apenas pelos juros internos, mas também pelas cotações internacionais de commodities.
Repare que é um quadro de inúmeras variáveis, que você reduziu a apenas uma: a comparação entre as taxas atuais e as de anos atrás. Como se o fato da taxa de agora ser menos interessante que a de anos atrás, a tornasse automaticamente desinteressante.
Você fez essa comparação, concluiu que “esqueça esse mito de que basta baixar os juros para desvalorizar” e fugiu da conclusão principal: de fato, não basta apenas baixar os juros; mas se a liquidez internacional é maior, se as taxas de juros internacionais são menores, se a receita com commodities é maior, os efeitos dos juros sobre o câmbio são muito mais deletérios, porque são cíclicos, atuam na mesma direção dos demais fatores de apreciação.
Sobre a relação poupança x investimento
“Ainda existe uma identidade macroeconômica que diz que Poupança (S) = Investimento (I). Ou seja, não será diminuindo a atratividade da poupança que se elevarão os investimentos”.
Mais uma vez, há uma simplificação inadequada. Você está tratando uma identidade como se fosse uma relação de causalidade. Se essa relação fosse mecânica, bastaria jogar os juros para 40% ao ano, induzir todo mundo a poupar que o investimento seria conseqüência automática. E quem tomaria dinheiro emprestado a esse custo?
Existe um princípio básico de investimento, o tripé segurança, rentabilidade e liquidez. Se quero segurança, abro mão de rentabilidade e liquidez; se quero mais liquidez, abro mão da rentabilidade. E assim por diante.
Nesses anos todos, a política monetária juntou nos títulos públicos as três características dos investimentos: segurança, rentabilidade e liquidez. Transformou o Brasil no paraíso da renda fixa. Só que a alta rentabilidade do investidor = alto custo do dinheiro para o tomador.
Esta é a razão do Brasil pouco ter se beneficiado de instrumentos de crédito (apenas nos últimos anos) e ter um mercado de capitais pouco desenvolvido. A maior parte da carteira de fundos está lastreada em títulos públicos.
Imagine dois circuitos de investimento.
Primeiro circuito:
1. O BC aumenta as taxas de juros dos títulos públicos.
2. O investidor aplica.
3. No vencimento, o BC emite mais títulos para rolar juros e principal.
Nesse modelo (que vigorou nas últimas décadas) o dinheiro não saiu do circuito dívida pública. Qual a contribuição dessa poupança para o desenvolvimento? Nenhum. Aliás, criou-se o efeito endógeno da taxa de juros alimentar a própria dívida pública, exigindo mais poupança pública e desviando mais poupança do crédito e investimento.
Segundo circuito:
1. O BC reduz as taxas de juros.
2. Há uma redução na oferta de títulos públicos.
3. Sem opção de títulos públicos, parte dos recursos migra ou para papéis privados (lubrificando o crédito) ou para o mercado de capitais e outras formas de financiar o investimento.
4. O que o governo economiza na emissão de títulos para rolar a dívida, pode utilizar, por exemplo, na capitaliação do BNDES para financiar o investimento.
São quadros totalmente diversos. No primeiro, gera-se um círculo vicioso que enriquece o investidor, mas não incrementa a economia. No segundo, a poupança acumulada pelo investidor ajuda a lubrificar a economia criando o círculo vicioso.
Mais que isso, ao aumentar a taxa básica de juros, o BC interfere na Taxa Interna de Retorno de todos os investimentos. Eleva o piso da rentabilidade mínima dos investimentos na economia real. Há não apenas um encarecimento do investimento, como um corte nos investimentos de menor retorno – em comparação com a taxa básica da economia.
No período em que parecia que a queda das taxas de juros seria inevitável, houve um movimento em todos os grandes fundos de investimento, preparando para migrar parte de sua carteira para a renda variável, até para poder cumprir suas metas atuariais. Esse movimento será contido pela nova temporada de alta da Selic.
A indexação dos juros
“As elevações recentes de juros são bem menores que a elevação da inflação (o INPC passou de 4,3% até ago/10 para 6,5% em jan/11; a Selic líquida de IR, acumulada em 12 meses, passou de 7,4% para 8,4%. O que subiu mais?)”
É curiosa sua posição. Elege a inflação como o inimigo principal. Ao mesmo tempo aceita aquele que é o principal motor de inflação das últimas décadas: a indexação dos juros.
O grande problema da política monetária é que indexou todo o sistema de taxas de juros da economia, através do CDI (a taxa na qual os bancos se baseiam para sua troca de reservas).
Assim como você defende o direito do investidor indexar sua poupança, há o direito do proprietário de indexar o aluguel, das escolas de indexar as mensalidades, das companhias de ônibus de indexar suas tarifas. Como é que fica o combate à inflação?
Sobre o poder dos rentistas
“Mas não se pode perder o discurso que denuncia o “poder dos rentistas”, então fica quase interditado falar que existe (ainda!) inflação no Brasil. E que ela está aumentando”.
Para que serve aumento de taxas de juros? Fundamentalmente para desaquecer a demanda através do encarecimento do crédito; subsidiariamente, para desviar dinheiro do consumo para a poupança.
Suponha um financiamento de 60 meses, a uma taxa de juros de 3% ao mês, para um valor financiado de R$ 1.000,00. A prestação será de R$ 36,14. 0,75 de alta na Selic tem um belo impacto sobre o custo geral da dívida. Mas e sobre o financiamento? Equivaleria a uma taxa mensal decomposta de 0,0623%. Se se repassasse apenas essa alta para os juros do financiamento, a prestação iria para R$ 36,62 – uma alta irrisória de 1,3% no valor da prestação.
Se se reduzisse o prazo para 48 meses, a prestação saltaria para R$ 39,59 – uma elevação de 9,5%. Se se exigisse 20% de entrada em cada financiamento, significaria um impacto imediato sobre o consumidor da ordem de 5,5 prestações – para um financiamento de 60 meses. Do mesmo modo, aumento do compulsório impacta a estrutura de juros e de capital de giro.
São remédios amargos para o consumidor, mas não têm impacto sobre as contas públicas.
Em dezembro foram tomadas medidas objetivas para fugir da ditadura dos juros. Sempre há uma defasagem de tempo entre as medidas e seus efeitos. Ninguém em sã consciência suporia que dois meses é tempo suficiente para aparecerem os efeitos. Por outro lado, há um processo desequilibrado na economia, com alguns setores mais aquecidos e outros menos.
Qual a lógica de abandonar as chamadas medidas prudenciais e reforçar a alta dos juros? Meramente acalmar o mercado financeiro. Se a capacidade de alarido do mercado financeiro, o alarmismo dos departamentos econômicos e da mídia não têm influência sobre as decisões do governo.
Se se tem vários caminho para escolher e a escolha é sempre sobre elevação da taxa Selic e o único ganhador é o mercado (e os rentistas) a que você atribui essa preferência do BC pelos juros: neutralidade da ciência?
Sobre as expectativas com o novo governo
“O governo prometeu continuísmo à população se elegesse Dilma. Continuidade é o que terá. Ela prometeu convergência às taxas internacionais de juros para emergentes em 4 anos (eu ouvi isso no Roda Viva, mas não ouvi ela dizer que seria em 2011.) Ela prometeu combater inflação, e é isso que fará. Independente de eu ou mais alguém acharmos inflação um mal menor, o que conta é o que o povo espera. O que cabe falar é sobre ferramentas para isso”.
Nem vou discutir sua afirmação de que “o que conta é o que o povo espera”. Assim como você diz que falar em “ditadura dos rentistas” é interditar o debate, usar o sacrossanto nome do povo interdita da mesma maneira.
O ponto central é que durante 2008 e 2009 o próprio Ministério da Fazenda alimentou a expectativa de que sairia da armadilha da política monetária. Essa armadilha era atribuída ao reinado de Henrique Meirelles no BC.
Durante toda a crise de 2008 adotaram-se medidas anticíclicas enfrentando a ortodoxia do BC. E, com a troca de governo, acenava-se com uniformidade de ações entre Fazenda e BC.
A continuidade esperada era a da responsabilidade fiscal, mas amenizando a ortodoxia do BC e enfrentando – com racionalidade – a ofensiva do mercado por juros altos.
Não sei qual a opinião do povo sobre a Selic, mas não creio que tenha sido chamado a opinar. Mas criou-se essa aparente lógica de mercado: o povo não quer inflação; a única maneira de combater a inflação é aumentar os juros; logo, o povo autorizou o BC a aumentar os juros.
*****
PS – Para não abrir muitos posts, coloquei minha resposta no seu post. E colocarei a sua réplica aqui mesmo.
A presidenta surpreendente
Por Gunter Z. - Sampa
Durante o ano de 2010 muitos blogs, apelidados aqui e ali de “sujos” ou “progressistas”, dedicaram-se a desmontar o pensamento único da grande mídia (que por sua vez recebeu a jocosa alcunha de PIG.)
Mas quem vai desmontar o pensamento único da blogopauta? Não parece contraditório que uma candidata a presidente, Dilma, tenha sido tão elogiada por meses e... surpresa! Assim que toma posse é crítica atrás de crítica. Há exceções, claro.
Critica-se tudo, a escolha dos ministérios, as composições no Congresso, as presenças na mídia, pretensos recuos (no caso, recuos em relação a coisas que ela nunca prometeu ir atrás, diga-se.)
É curioso criticar-se a presidenta até por se deixar elogiar na mídia. Ora, o que se queria? Que o Planalto plantasse menções negativas através de assessoria de imprensa? Que a velha mídia só criticasse e aí sair em socorro?
O poder dificilmente muda de mãos, não é necessário lembrar disso. O que às vezes muda é a orientação de governo, que pode interferir em políticas de Estado e leis. Mas pode existir adesismo também, normal. A melhor piada que li esta semana foi no twitter: “Tive que sair por dez minutos... Mais alguém aderiu ao governo?”
É claro que surgem 476 explicações do porquê estar tudo errado agora (passados apenas 2 meses da posse) e razões para estarmos pessimistas (eu não estou.) Nesse irrestrito gosto por teorias de conspiração, acaba se perdendo o gosto pela informação. (E, alguém anda checando a audiência de blogs, número de visitas, de comentários, etc?)
O horror do aumento da Selic
Muito barulho agora em torno de taxas de juros. Foi para 11.75% tsc tsc. É mandatório falar por todos os lados que os gastos anuais de juros (brutos) equivalem a XX Bolsas-família. Comenta-se das tendências neoliberais “deste” governo, do pensamento único da mídia e dos bancos pautando o mesmo... Mas porque ninguém lembra que existem impostos sobre os juros, especialmente o inflacionário, e que depois disso sobra só ¼ do rendimento?
Vamos raciocinar : o governo prometeu continuísmo à população se elegesse Dilma. Continuidade é o que terá. Ela prometeu convergência às taxas internacionais de juros para emergentes em 4 anos (eu ouvi isso no Roda Viva, mas não ouvi ela dizer que seria em 2011.) Ela prometeu combater inflação, e é isso que fará. Independente de eu ou mais alguém acharmos inflação um mal menor, o que conta é o que o povo espera. O que cabe falar é sobre ferramentas para isso.
Mas não se pode perder o discurso que denuncia o “poder dos rentistas”, então fica quase interditado falar que existe (ainda!) inflação no Brasil. E que ela está aumentando. Vamos torcer para que alimentos, algodão e petróleo caiam de preço nos próximos meses, mas não dá pra ter isso como certo. (Ah, falar que o desemprego é baixo e que há restrições para o desenvolvimentismo agora também não é de bom tom...)
De qualquer modo, o que temos:
- as elevações recentes de juros são bem menores que a elevação da inflação (o INPC passou de 4,3% até ago/10 para 6,5% em jan/11; a Selic líquida de IR, acumulada em 12 meses, passou de 7,4% para 8,4%. O que subiu mais?)
- as taxas nominais e reais de juros caíram substancialmente desde 2006 (e mesmo assim o Real continuou apreciando, então esqueça-se esse mito de que basta baixar juros para desvalorizar);
- desde nov./2010 o ganho líquido dos rentistas está abaixo de 2% a.a., há 3 anos em torno de 4% a.a. ou menos (qualquer bolha imobiliária é coincidência...)
- os juros reais da Caderneta de Poupança (algo reverenciado pela população), mesmo isentos de impostos, não passam de 2% ao ano desde 2007, com risco de se tornarem negativos agora;
- ainda existe uma identidade macroeconômica que diz que Poupança (S) = Investimento (I). Ou seja, não será diminuindo a atratividade da poupança que se elevarão os investimentos.
É um problema para Dilma, Mantega e Tombini administrar, entre tantas outras questões, uma inflação que se avizinha dos 7% (4% apenas nos últimos 5 meses), o que não se via desde 2008.
As alternativas à política monetária
Muitos críticos do governo dizem saber que política monetária não resolve para lidar com inflação. Não duvido. Ok, com eles a palavra: se não é para manter juros reais positivos, o que é para fazer?
*****
Comentário de Luis Nassif
Prezado Gunter
Tenho lido com muito interesse seus comentários sobre as políticas monetária e cambial. Até agora não respondi por que o debate é rico e exige bom tempo de reflexão. Mais que isso: não se esgotará em uma primeira troca de argumentos, o que exigirá mais e mais tempo.
De um lado é ótimo, por permitir uma troca enriquecedora de argumentos. O problema é que ando muito enrolado com trabalho e com receio de não conseguir o tempo necessário para o nível que o debate exige. Daí a demora em responder aos seus argumentos.
Mas até por respeito a um dos comentaristas mais preparados e de melhor bom senso do blog, aí vai minha resposta.
Em todos seus artigos, você procura juntar argumentos para tentar demonstrar que taxas de juros elevadas são mais relevantes que o câmbio para o desenvolvimento brasileiro. Logo, a política monetária (com seu rebatimento sobre o câmbio) seria virtuosa. E toda a crítica ao nível do câmbio choradeira de setores específicos da economia.
Sobre o câmbio e a competitividade da indústria
Antes de entrar especificamente no seu artigo de hoje, vamos checar a consistência de seus argumentos sobre câmbio e competitividade, expressos em artigos anteriores.
Você afirmou algumas vezes que câmbio não interfere na competitividade da economia brasileira porque a maior parte dos insumos é dolarizada. Se o dólar encarece, o exportador recebe mais por seus produtos, mas paga mais pelos insumos importados. E acaba ficando no zero a zero. Portanto, os únicos setores beneficiados de uma desvalorização cambial seriam os produtores de commodities agrícolas e minerais.
Com essa afirmação, você praticamente aboliu as moedas nacionais da economia internacional.
Como economia mais aberta do mundo, os EUA estão preocupados em desvalorizar sua moeda para devolver a competitividade à economia interna. Se lá o câmbio tem efeito sobre a competitividade interna – o que demonstra que nem no país do dólar a composição de custos segue parâmetros internacionais -, porque não teria em uma economia semi-fechada como a brasileira?
Simplesmente porque não existe essa economia de preços totalmente internacionalizados a que você se refere. Nos insumos não dolarizados tem-se infra-estrutura, custo do capital, mão de obra, insumos domésticos, alugueres, produtividade interna, um mundo de fatores. Se o câmbio fosse neutro, porque o mundo estaria nessa disputa louca sobre políticas cambiais nacionais?
Sobre os “blogs sujos”
Não sei a que você se refere quando menciona “blogs sujos”. O movimento é datado, se aplica especificamente a uma frente que surgiu no período eleitoral.
No próprio evento dos blogueiros, mencionei expressamente que o que nos unia eram alguns princípios básicos – combate à manipulação da mídia e à intolerância, defesa da inclusão social e da diversidade – e que, passadas as eleições, a frente se desfaria, cada qual com suas próprias opiniões, aprendendo a divergir civilizadamente. O que nem sempre tem sido possível.
Sobre os juros reais
“Mas porque ninguém lembra que existem impostos sobre os juros, especialmente o inflacionário, e que depois disso sobra só ¼ do rendimento?”
De acordo com sua lógica, as taxas precisam ser elevadas para compensar a tributação e a inflação internas. Aí jogam-se as taxas brutas nas alturas.
Só que essas mesmas taxas remuneram o capital externo, que não é submetido a nenhuma das pretensas penalizações: ele é isento de tributação e seu indexador é o dólar, não a inflação em reais. E o dólar, como você sabe, é um indexador “deflacionário” – isto é, seu valor tem caído sistematicamente.
Ou seja, aumentam-se os juros para compensar a tributação interna e oferece-se ao capital externo a mesma taxa bruta, com desoneração de impostos. Aumentam-se os juros para compensar a inflação em reais. E oferece-se a mesma taxa ao capital externo, que é beneficiado pela deflação em dólares (valor do dólar em relação ao real).
Como fica o raciocínio?
Sobre juros e câmbio
“As taxas nominais e reais de juros caíram substancialmente desde 2006 (e mesmo assim o Real continuou apreciando, então esqueça-se esse mito de que basta baixar juros para desvalorizar)”.
O fluxo de capitais não é como uma torneira de caixa dágua: se aumentam os juros, aumenta o fluxo; se diminuem os juros, diminui o fluxo.
O fluxo de capitais depende:
1. Do diferencial de juros internacional e doméstico. Se o diferencial está em 20 pontos ou em 11 pontos, tanto faz: é diferencial. O capital externo não vai deixar de entrar com um diferencial de 11 pontos apenas porque anos atrás o diferencial era de 30 pontos. Se um sujeito de 1,60 é amarrado em uma piscina com nível de água de 2 metros, se o nível cair para 1,75 metros ele se afogará do mesmo modo. Se as taxas internacionais estão próximas a zero, 11,75% ao ano é um baita diferencial, imenso diferencial.
2. Da liquidez internacional. Se a economia dos países desenvolvidos está frouxa, se as taxas básicas são baixas, e se sobra dinheiro nas instituições, aumenta o fluxo para países emergentes, que não soçobraram na crise.
3. Da percepção de risco interno e externo. Em quadro de risco menor, há maior propensão a investir em países emergentes. Do mesmo modo, a taxa de câmbio é afetada não apenas pelos juros internos, mas também pelas cotações internacionais de commodities.
Repare que é um quadro de inúmeras variáveis, que você reduziu a apenas uma: a comparação entre as taxas atuais e as de anos atrás. Como se o fato da taxa de agora ser menos interessante que a de anos atrás, a tornasse automaticamente desinteressante.
Você fez essa comparação, concluiu que “esqueça esse mito de que basta baixar os juros para desvalorizar” e fugiu da conclusão principal: de fato, não basta apenas baixar os juros; mas se a liquidez internacional é maior, se as taxas de juros internacionais são menores, se a receita com commodities é maior, os efeitos dos juros sobre o câmbio são muito mais deletérios, porque são cíclicos, atuam na mesma direção dos demais fatores de apreciação.
Sobre a relação poupança x investimento
“Ainda existe uma identidade macroeconômica que diz que Poupança (S) = Investimento (I). Ou seja, não será diminuindo a atratividade da poupança que se elevarão os investimentos”.
Mais uma vez, há uma simplificação inadequada. Você está tratando uma identidade como se fosse uma relação de causalidade. Se essa relação fosse mecânica, bastaria jogar os juros para 40% ao ano, induzir todo mundo a poupar que o investimento seria conseqüência automática. E quem tomaria dinheiro emprestado a esse custo?
Existe um princípio básico de investimento, o tripé segurança, rentabilidade e liquidez. Se quero segurança, abro mão de rentabilidade e liquidez; se quero mais liquidez, abro mão da rentabilidade. E assim por diante.
Nesses anos todos, a política monetária juntou nos títulos públicos as três características dos investimentos: segurança, rentabilidade e liquidez. Transformou o Brasil no paraíso da renda fixa. Só que a alta rentabilidade do investidor = alto custo do dinheiro para o tomador.
Esta é a razão do Brasil pouco ter se beneficiado de instrumentos de crédito (apenas nos últimos anos) e ter um mercado de capitais pouco desenvolvido. A maior parte da carteira de fundos está lastreada em títulos públicos.
Imagine dois circuitos de investimento.
Primeiro circuito:
1. O BC aumenta as taxas de juros dos títulos públicos.
2. O investidor aplica.
3. No vencimento, o BC emite mais títulos para rolar juros e principal.
Nesse modelo (que vigorou nas últimas décadas) o dinheiro não saiu do circuito dívida pública. Qual a contribuição dessa poupança para o desenvolvimento? Nenhum. Aliás, criou-se o efeito endógeno da taxa de juros alimentar a própria dívida pública, exigindo mais poupança pública e desviando mais poupança do crédito e investimento.
Segundo circuito:
1. O BC reduz as taxas de juros.
2. Há uma redução na oferta de títulos públicos.
3. Sem opção de títulos públicos, parte dos recursos migra ou para papéis privados (lubrificando o crédito) ou para o mercado de capitais e outras formas de financiar o investimento.
4. O que o governo economiza na emissão de títulos para rolar a dívida, pode utilizar, por exemplo, na capitaliação do BNDES para financiar o investimento.
São quadros totalmente diversos. No primeiro, gera-se um círculo vicioso que enriquece o investidor, mas não incrementa a economia. No segundo, a poupança acumulada pelo investidor ajuda a lubrificar a economia criando o círculo vicioso.
Mais que isso, ao aumentar a taxa básica de juros, o BC interfere na Taxa Interna de Retorno de todos os investimentos. Eleva o piso da rentabilidade mínima dos investimentos na economia real. Há não apenas um encarecimento do investimento, como um corte nos investimentos de menor retorno – em comparação com a taxa básica da economia.
No período em que parecia que a queda das taxas de juros seria inevitável, houve um movimento em todos os grandes fundos de investimento, preparando para migrar parte de sua carteira para a renda variável, até para poder cumprir suas metas atuariais. Esse movimento será contido pela nova temporada de alta da Selic.
A indexação dos juros
“As elevações recentes de juros são bem menores que a elevação da inflação (o INPC passou de 4,3% até ago/10 para 6,5% em jan/11; a Selic líquida de IR, acumulada em 12 meses, passou de 7,4% para 8,4%. O que subiu mais?)”
É curiosa sua posição. Elege a inflação como o inimigo principal. Ao mesmo tempo aceita aquele que é o principal motor de inflação das últimas décadas: a indexação dos juros.
O grande problema da política monetária é que indexou todo o sistema de taxas de juros da economia, através do CDI (a taxa na qual os bancos se baseiam para sua troca de reservas).
Assim como você defende o direito do investidor indexar sua poupança, há o direito do proprietário de indexar o aluguel, das escolas de indexar as mensalidades, das companhias de ônibus de indexar suas tarifas. Como é que fica o combate à inflação?
Sobre o poder dos rentistas
“Mas não se pode perder o discurso que denuncia o “poder dos rentistas”, então fica quase interditado falar que existe (ainda!) inflação no Brasil. E que ela está aumentando”.
Para que serve aumento de taxas de juros? Fundamentalmente para desaquecer a demanda através do encarecimento do crédito; subsidiariamente, para desviar dinheiro do consumo para a poupança.
Suponha um financiamento de 60 meses, a uma taxa de juros de 3% ao mês, para um valor financiado de R$ 1.000,00. A prestação será de R$ 36,14. 0,75 de alta na Selic tem um belo impacto sobre o custo geral da dívida. Mas e sobre o financiamento? Equivaleria a uma taxa mensal decomposta de 0,0623%. Se se repassasse apenas essa alta para os juros do financiamento, a prestação iria para R$ 36,62 – uma alta irrisória de 1,3% no valor da prestação.
Se se reduzisse o prazo para 48 meses, a prestação saltaria para R$ 39,59 – uma elevação de 9,5%. Se se exigisse 20% de entrada em cada financiamento, significaria um impacto imediato sobre o consumidor da ordem de 5,5 prestações – para um financiamento de 60 meses. Do mesmo modo, aumento do compulsório impacta a estrutura de juros e de capital de giro.
São remédios amargos para o consumidor, mas não têm impacto sobre as contas públicas.
Em dezembro foram tomadas medidas objetivas para fugir da ditadura dos juros. Sempre há uma defasagem de tempo entre as medidas e seus efeitos. Ninguém em sã consciência suporia que dois meses é tempo suficiente para aparecerem os efeitos. Por outro lado, há um processo desequilibrado na economia, com alguns setores mais aquecidos e outros menos.
Qual a lógica de abandonar as chamadas medidas prudenciais e reforçar a alta dos juros? Meramente acalmar o mercado financeiro. Se a capacidade de alarido do mercado financeiro, o alarmismo dos departamentos econômicos e da mídia não têm influência sobre as decisões do governo.
Se se tem vários caminho para escolher e a escolha é sempre sobre elevação da taxa Selic e o único ganhador é o mercado (e os rentistas) a que você atribui essa preferência do BC pelos juros: neutralidade da ciência?
Sobre as expectativas com o novo governo
“O governo prometeu continuísmo à população se elegesse Dilma. Continuidade é o que terá. Ela prometeu convergência às taxas internacionais de juros para emergentes em 4 anos (eu ouvi isso no Roda Viva, mas não ouvi ela dizer que seria em 2011.) Ela prometeu combater inflação, e é isso que fará. Independente de eu ou mais alguém acharmos inflação um mal menor, o que conta é o que o povo espera. O que cabe falar é sobre ferramentas para isso”.
Nem vou discutir sua afirmação de que “o que conta é o que o povo espera”. Assim como você diz que falar em “ditadura dos rentistas” é interditar o debate, usar o sacrossanto nome do povo interdita da mesma maneira.
O ponto central é que durante 2008 e 2009 o próprio Ministério da Fazenda alimentou a expectativa de que sairia da armadilha da política monetária. Essa armadilha era atribuída ao reinado de Henrique Meirelles no BC.
Durante toda a crise de 2008 adotaram-se medidas anticíclicas enfrentando a ortodoxia do BC. E, com a troca de governo, acenava-se com uniformidade de ações entre Fazenda e BC.
A continuidade esperada era a da responsabilidade fiscal, mas amenizando a ortodoxia do BC e enfrentando – com racionalidade – a ofensiva do mercado por juros altos.
Não sei qual a opinião do povo sobre a Selic, mas não creio que tenha sido chamado a opinar. Mas criou-se essa aparente lógica de mercado: o povo não quer inflação; a única maneira de combater a inflação é aumentar os juros; logo, o povo autorizou o BC a aumentar os juros.
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PS – Para não abrir muitos posts, coloquei minha resposta no seu post. E colocarei a sua réplica aqui mesmo.
3 comentários:
Azenha, cria uma manchete para mim!!!
http://josecarloslima.blogspot.com/2011/03/evite-diabetes-va-ao-teatro-ou-azenha.html
Olá Companheiros,
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Raymundo José
Inflação
Inflação apesar do que a impresnsa diz não é aumento de preços .
Inflação é a expansão monetária ou seja é guando o governo para cobrir seus deficits orçamentários imprime dinheiro falso.
Selic e taxa de juros
A imprensa esquece de falar sobre a causa dos altos juros cobrados no brasil ,que deve-se a irresponsabilidade fiscal do governo em gastar mais que arrecada.
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