segunda-feira, 23 de maio de 2011

Espanha: reiniciar o sistema

Por Murilo Roncolato, no jornal O Estado de S.Paulo:

No início da semana passada, políticos espanhóis tomaram um susto. O que começou com um grupo de manifestantes discutindo pela internet questões relativas à Lei Sinde – que, similar à Lei Hadopi francesa, desconectaria da internet quem fizesse downloads ilegais –, tornou-se, em questão de dias, um movimento descentralizado que correu por mais de 60 cidades no país.

Na semana retrasada, paulistanos bem humorados fizeram churrasco. O que começou como uma piada de Facebook para tirar sarro de uma declaração infeliz contra a instalação do metrô em Higienópolis virou um movimento descentralizado, que levou milhares ao bairro, num protesto brincalhão. Três meses antes, ditadores de países árabes caíram depois que pessoas foram às ruas protestar, em movimentos organizados online.

Já deu para entender, né?

Não dá para comparar a queda do ditador egípcio Hosni Mubarak com o churrascão diferenciado. Mas em algum ponto entre um e outro está algo muito importante, que agora surge em novo palco, a partir da Espanha, rumo a outras cidades da Europa.

Os espanhóis não querem derrubar um ditador, nem uma estação de metrô. Querem mais. Querem reiniciar o sistema e questionar a atual organização política e financeira. Querem uma “revolução ética” na política.

O professor universitário e fundador do movimento NoLesVotes (“não vote neles”), Enrique Dans ajuda a recapitular os acontecimentos. “Os três maiores partidos – Partido Popular, o Partido Socialista Trabalhista e o Convergência e União – fizeram um pacto para aprovar a Lei Sinde”, disse em entrevista ao Link. “Agiram em nome da indústria fonográfica e de cinema e não em prol do povo, que era contra a Lei. Por isso criamos o NoLesVote, para que ninguém votasse nos três partidos.”

O grupo organizou reuniões, redigiu um manifesto e criou o wiki.nolesvotes.org. Em pouco tempo milhões já haviam acessado o site. “De repente, pessoas de todo o mundo estavam envolvidas e enviando relatos da criação de grupos semelhantes em suas cidades”, diz Dans. O NoLesVote se associou ao movimento Juventude Sin Futuro, formado por universitários infelizes sem expectativas profissionais. E foram para as ruas.

Ao mesmo tempo surgia outro grupo de universitários que se chamava de Democracia Real Ya. “Foram eles que convocaram a manifestação no dia 15 de maio”, lembra Dans. E, surpresa, apareceu muito mais gente do que era esperado naquele dia. A surpresa virou animação, que virou confiança. Decidiram acampar. Na madrugada policiais invadiram o acampamento e prenderam 20 pessoas. Alguém gravou a ação e postou no YouTube.

“Foi quando YouTube, Facebook e Twitter começaram a ser usados para gerar impacto, e a partir daí, para mobilizar os espanhóis e chamar a atenção das pessoas pelo mundo”, comenta o espanhol Paco Ragageles, fundador da Campus Party, o maior evento de cultura digital do mundo.

“Estamos assistindo a um momento histórico. Não recordo de um movimento global reunido tão rapidamente”, afirma. Paco crê que o movimento terá um enorme impacto político. “Os governos espanhol e dos demais países agora sabem que não basta mais só escutar os empresários, o que acontece na rua e na internet é imprescindível”. Dans aposta que “com a tecnologia, algumas indústrias tiveram que mudar sua forma de trabalhar e isso também irá ocorrer com a política”.

Ele lembra que alguns políticos diziam que na internet havia só “quatro gatos” – expressão espanhola para dizer que não havia ninguém –, zombando da incapacidade dos grupos da internet de irem às ruas e fazerem manifestações concretas. “Esse movimento foi a oportunidade de lhes mostrar que não somos ‘quatro gatos’, somos muitos e que podemos nos organizar.” Segundo o último relatório do Instituto Nacional de Estatísticas espanhol, mais da metade do país já está online.

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• #manifiesto

O movimento começou fazendo oposição à Lei Sinde, que permite que sites de downloads ilegais sejam tirados do ar à força pelo governo, e conseguiu juntar milhares de ativistas usando redes sociais. Apesar das críticas generalizadas, o projeto foi aprovado.

• #spanishrevolution

Um projeto para limitar a velocidade nas estradas para 110 km/h, os casos de corrupção e o enorme desemprego que o país enfrenta entraram na mesma conta. O clima de insatisfação geral foi o que moveu os manifestantes a organizar os protestos via Twitter e Facebook.

• #15m

A primeira grande manifestação do movimento aconteceu em 15 de maio, em mais de 60 cidades espanholas. Mais de 130 mil pessoas saíram às ruas.

• #acampadesol

A mais significativa foi uma concentração perto da Puerta del Sol, ponto de encontro no coração da cidade de Madri. Lá se formou o primeiro e maior dos acampamentos.

• #yeswecamp

Outras cidades criaram sua própria forma de mobilizar os seus cidadãos, centralizando informações sobre acampamentos locais em hashtags como #acampadavalencia e #acampadabcn, de Barcelona.

• #sinpartido

Não há organização central no movimento, nem líderes ideológicos. Outra mobilização, contra a Lei Sinde, usa a hashtag #nolesvote para pedir que os eleitores punam nas urnas os partidos PP, PSOE e CIU (que aprovaram o projeto e são acusados de corrupção). Os dois movimentos se confundem, e parte dos acampantes pode muito bem concordar com os dois, mas não são o mesmo.

• #democraciarealya

A ideia de mudança dos manifestantes é resumida no nome dado ao movimento: “Democracia real YA! No somos mercancía en manos de políticos y banqueros” (democracia real já! Não somos mercadoria nas mãos de políticos e banqueiros).

• #worldrevolution

A insatisfação exposta na #spanishrevolution (principalmente por causa da corrupção, leis sem apoio da sociedade e desemprego) não é estranha a lugar nenhum do mundo. Por isso, movimentos como #italianrevolution, #frenchrevolution e #germanrevolution nasceram na esteira da revolução espanhola. Um mapa online, checado até o fechamento desta edição, mostra que 282 campings e 46.429 acampantes se envolveram na causa, em todo o mundo.

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