terça-feira, 27 de setembro de 2011

Falta Roquinho dar nome aos bois

Por Ricardo Carvalho, na CartaCapital:

Quase um terço dos deputados da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo se beneficia de esquemas ilícitos envolvendo emendas parlamentares. A declaração foi feita pelo deputado estadual Roque Barbiere (PTB) – cujo reduto eleitoral fica na cidade Birigui, próxima a Araçatuba, interior do estado – durante uma entrevista a um portal de internet regional, em 10 de agosto.


Perguntado pelo entrevistador se seria verdade que parlamentares estaduais “vendem emendas, trabalham para empreiteiras, fazem lobby com prefeituras, até mesmo vendendo projetos educacionais”, Barbiere foi taxativo: “(…) tem bastante gente que faz isso. Não é a maioria, mas tem um belo de um grupo que vive e sobrevive e enriquece fazendo isso”. Ele estimou entre 25% e 30% o número de deputados que se aproveita do esquema. Levando em conta que 94 representantes exercem mandato na assembleia, cerca de 30 parlamentares agiriam ilegalmente.

Foram aprovados quase 200 milhões de reais em emendas no ano de 2011, o que dá cerca de dois milhões de reais por parlamentar.

As declarações de Barbiere caíram como uma bomba na Casa, segundo as palavras do próprio presidente da Assembleia, Barros Munhoz (PSDB). Como o deputado não deu nome aos bois – coisa que ele disse estar disposto a fazer e provar caso seja convocado em caráter oficial para depor – instalou-se um clima de “todos são suspeitos até segunda ordem”. De acordo com o jornal Estado de S. Paulo, colegas de Barbiere avaliam que ele não dimensionou o impacto que a revelação traria e que, pelo petebista ser um pouco “bocudo”, pode tratar-se de um blefe.

Mas desde a divulgação da entrevista surgiram indícios de que as acusações de Barbiere podem ter procedência. O mesmo jornal estampou na segunda-feira 27 duas entrevistas que parecem reforçar as palavras do deputado. Há um mês, o secretário do meio-ambiente e deputado estadual licenciado Bruno Covas – candidato a candidato à prefeitura paulistana e provavelmente o favorito do governador Geraldo Alckmin – relatou um episódio de tentativa de corrupção nos seus tempos de Assembleia. “Uma vez consegui uma emenda de 50 mil reais para um município. Assinamos o convênio e depois o prefeito veio perguntar com quem ele deixava os cinco mil”. Os tais cinco mil reais seriam os 10% destinados aos deputados que se utilizam do esquema de emendas. O secretário diz ter recusado a oferta.

Pego de surpresa pela revelação – afinal, ele não denunciou nem pediu a investigação do ocorrido – Covas se apressou a desmentir o jornal. Sua declaração, defende-se, dizia respeito a uma situação hipotética de tentativa de corrupção, não algo que ele teria de fato presenciado. O áudio disponibilizado pelo Estadão contradiz o secretário.

Deputado pelo PDT, Olímpio Gomes, o major Olímpio, também foi citado pelo jornal como um parlamentar que havia relatado casos de corrupção na Casa. Em entrevista a CartaCapital, ele confirmou as brechas existentes para a operação do esquema. “Pelo menos uma meia dúzia de vezes eu já tive de colocar gente para fora do meu gabinete”. Em 2008, Olímpio teria ouvido do presidente de uma entidade que deputados da Assembleia condicionam o repasse de emendas à devolução de parte do valor. Segundo o presidente da entidade, os parlamentares afirmam que essa quantia seria repassada a instituições que, por não serem devidamente regulamentadas, estariam impedidas de receber as verbas liberadas pela Assembleia. O real destino do dinheiro seria para os próprios deputados. “É claro que é corrupção”, diz Olímpio.

O deputado aponta a falta de informações e transparência sobre a tramitação das emendas como um dos facilitadores do esquema. “Em nenhum lugar do mundo sai que a emenda foi pedida pelo deputado ‘X’ ou ‘Y’”. Diferentemente do governo federal, que conta com o Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), programa que detalha para consulta pública os autores das emendas e o desenrolar da liberação dos recursos, o estado de São Paulo não identifica os políticos padrinhos da destinação das verbas.

Quando estourou o escândalo, o governador Alckmin havia dito que o sistema paulista tinha “transparência total”. Três dias depois, na segunda-feira 27, ele determinou o levantamento dos convênios com entidades, prefeituras e empreiteiras provenientes de emendas assinadas neste ano para contribuir com as investigações e para posterior publicação em sites oficiais.

O líder do PT na Casa, Ênio Tatto, diz que desde 2006 seu partido defende a criação de sistemas de controle e divulgação de emendas no Legislativo estadual. Naquele ano, a bancada do PT propôs uma emenda à Lei de Orçamento de 2007 estabelecendo a divulgação dos dados na internet. O então governador Cláudio Lembo vetou a medida. Sobre os relatos de corrupção na casa atribuídos Covas e Olímpio, o líder petista criticou a falta de denúncias à época. “Eles deveriam ter denunciado. O Bruno Covas foi relator da Comissão de Finanças e Orçamento de 2011 e tinha que ter denunciado”, disse Tatto a CartaCapital. O deputado Olímpio argumenta que não trouxe o caso a público por tratar-se de um relato genérico dado pelo presidente da entidade, que carecia de provas.

Sabia ou não sabia?

Roque Barbiere afirma que antes da entrevista havia avisado pelo menos duas secretarias do governo sobre as vendas de emenda na casa. As duas pastas – Casa Civil e Planejamento – negaram, em nota, terem recebido qualquer tipo de alerta.

A Assembleia Legislativa de São Paulo, por sua vez, também teria sido avisada há mais de um mês. Em 11 de agosto, o vereador de Araçatuba Ermenegildo Nava (PSC), conhecido como Dr. Nava, enviou os ofícios 491/11 e 492/11 à corregedoria e à presidência da casa, respectivamente, nos quais pede providências diante de “graves denúncias noticiadas em jornal de grande circulação na região, com a manchete ‘Tem maracutaia na Assembleia Legislativa’”.

Em anexo ao ofício, o vereador encaminhou a matéria da Folha da Região, do mesmo dia, descrevendo a entrevista de Barbiere gravada em vídeo. A presidência nega o recebimento do documento. Já a corregedoria da Assembleia passa por um momento de indefinição. Até junho, o cargo era ocupado pela deputada Célia Leão (PSDB). Como seu mandato expirou, a Casa encontra-se atualmente sem um corregedor-geral.

Providências

O deputado Roque Barbiere, estopim do escândalo, procurado pela reportagem de CartaCapital, não foi encontrado. Seu celular não atende as ligações e seu gabinete diz que o deputado está em compromissos parlamentares. Até o momento, o Ministério Público estadual e o Conselho de Ética da Assembleia disseram que vão apurar a suposta venda de emendas parlamentares. Dos nove integrantes do Conselho de Ética, sete são governistas: Hélio Nashimoto e Ary Fossen, ambos do PSDB; Alex Manente (PPS); Campos Machado (PTB); André Soares (DEM); Dilmo dos Santos (PV) e José Bittencourt (PDT). Apenas Marco Aurélio Souza e Luiz Cláudio Marcolino, os dois do PT, fazem oposição ao governo.

Barbiere deve ser ouvido tanto na Comissão de Ética, cujos trabalhos começam nesta quinta-feira 29, quanto pelo Ministério Público. Resta saber se o deputado, após declarar em alto e bom som a existência de um mercado de compra e venda de emendas no maior legislativo estadual do País, está de fato disposto a entregar os colegas. Caso contrário, o caráter genérico das acusações que até o momento circulam na mídia condenam qualquer apuração ao fracasso.

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